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ISSN 1807-779X | Edição 221 - Janeiro de 2019

S umário

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado


Capa: Cidadania e separação
10 de Poderes – De Montesquieu à atualidade
6 Editorial: Ótima sorte para o Brasil em 2019 48 Taxa de juros – Onerosidade nos contratos
bancários
8 Espaço OAB: Compromisso com a Educação
51 Vice-Presidência e Corregedoria
14 Constituição – 30 anos depois Regional Eleitoral – Atribuições,
competências, atividades
16 Gestão e Administração da Justiça
54 Espaço Anadep: A Educação em Direitos
22 Dom Quixote: Justiça Itinerante – como o significado de acesso à Justiça
Jurisdição mais rápida,
próxima e humana 57 Espaço Ajufe: Eficiência e governança
sustentável – Reflexões sobre a criação do
26 Em Foco: CNJ define Metas Nacionais Fundo de Custas da Justiça Federal
para 2019 (Fejufe) e sua compatibilidade com a EC
no 95/2016
32 O Judiciário combatente – A falácia da
pós-modernidade 60 Compliance diante do Direito Penal e
sua aplicação
37 Constituição – Os próximos 30 anos
64 A arbitragem comercial internacional na
40 Eficiência processual e recuperabilidade Itália – Um panorama sintético
do crédito tributário

44 Alteração administrativa do prenome


e do gênero de transgênero
GONÇALVES COELHO
Edição 221 • Janeiro de 2019 • Capa: SCO/STJ
1921 - 2016 • Orpheu Santos Salles

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Sylvio Capanema de Souza
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CTP, Impressão e Acabamento
ED m
O a
José Geraldo da Fonseca Thiers Montebello
Edigráfica
Ano II - nº 4 - Outubro 2007

José Renato Nalini Tiago Salles

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Instituições parceiras

Conselho dos Associação dos


Tribunais de Justiça Magistrados Brasileiros
4

SÃO PAULO
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2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 5
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E ditorial, por Tiago Salles

Ótima sorte para o


Brasil em 2019

O
s mais antigos contam que quando Zico pior, será para todos. Por isso, cada um de nós e das para que nós e nossos colegas sejamos capazes de do Poder Judiciário, que aprovou as oito Metas Na-
jogava no Flamengo e na Seleção, sempre nossas instituições precisa se capacitar continua- cumprir com excelência nossa elevada missão de in- cionais para 2019 e premiou os tribunais que mais
que não havia goleiro disponível, no final mente, para estarmos sempre prontos a dar nossa formar, com ética, inteligência e objetividade. se destacaram, em diferentes categorias, com os se-
dos treinos com o time ele amarrava ca- contribuição e ajudar o Brasil a retomar o rumo do Quanto à Justiça, muito mais do que apenas de- los Justiça em Números.
misas nos ângulos da baliza para treinar cobranças desenvolvimento. O que, necessariamente, precisa sejar excelentes resultados no Ano Novo, nós da Fomos também a Salvador conferir os detalhes do
de falta. Dizem que dava mais de 200 chutes nesses ser feito com democracia, com igualdade de direitos Editora e do Instituto JC reafirmamos nosso com- simpósio – realizado em parceria entre o Instituto JC
treinos, mirando sempre nas camisas, que estavam e oportunidades, com paz e com prosperidade para promisso de estar sempre no mesmo time, tanto e o TJBA – que reuniu ministros das cortes superio-
em uma posição quase inalcançável para qualquer todas as famílias brasileiras. Claro, se a sorte ajudar, nos treinos quanto nos jogos para valer, para mar- res aos magistrados estaduais para discutir os desa-
goleiro. Conta a anedota que em um final de jogo no melhor ainda. car cada vez mais gols de placa, indefensáveis. Nos- fios de administrar a Justiça em um estado com as
Maracanã, no qual tinha marcado um golaço de falta, Assim, desejamos muito preparo e sorte aos no- so troféu será a satisfação de fazer parte de um es- dimensões da Bahia, com sua enormidade territorial,
o craque foi interpelado por um repórter inexperien- vos governantes – ao presidente, aos governadores forço coletivo que terá como resultado um país mais municípios do que comarcas, além de grandes
te que no meio da entrevista comentou: “Nossa Zico, e seus vices. Que sejam fortes o suficiente para levar menos desigual, mais justo e mais cidadão. Prêmio carências de recursos humanos e materiais. No Rio
que sorte colocar aquela bola no cantinho!”. Ouviu à frente as reformas de que o país tanto precisa, e que queremos compartilhar com todos os brasilei- de Janeiro, acompanhamos o seminário no qual mi-
em resposta: “Pois é, quanto mais eu treino, mais flexíveis o bastante para contemplar toda a multi- ros, de qualquer cor, gênero ou torcida. Pois, como nistros do STF, do STJ e do TST se juntaram a outros
sorte eu tenho”. plicidade de nossa sociedade nessas mudanças. De- disse um dia o pastor protestante e ativista político grandes nomes do Direito para discutir os 30 anos de
Seja verdadeiro ou imaginário este diálogo, o cau- sejamos também muito preparo e sorte aos novos norte-americano Martin Luther King – que tam- vigência da Constituição Cidadã e seus prováveis
so do craque que treina exaustivamente até alcançar deputados e senadores, como àqueles que renova- bém era craque, não em jogar bola, mas em ilumi- desdobramentos nas próximas três décadas.
a perfeição serve como metáfora para a vida. Ter co- ram seus mandatos, para que representem à altura nar o coração das pessoas com as palavras certas – A seção Dom Quixote, criada para dar visibilida-
ragem ou sentir-se apto para realizar grandes feitos é no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislati- “A injustiça em um lugar qualquer é uma ameaça à de e incentivar iniciativas do Poder Judiciário em
importante, mas realmente ser capaz de fazer não é vas as necessidades e os anseios do povo por uma justiça em todo lugar”. prol da inclusão social e da promoção da cidadania,
algo que dependa unicamente de disposição, de fé ou vida melhor, regida por uma política mais ética, Nesta edição – Além dos artigos de magistrados, traz também uma entrevista com a desembargadora
de vontade. Não basta ter sorte, é preciso estar prepa- transparente e digna. acadêmicos e juristas de renome que há quase 20 fluminense Cristina Tereza Gaulia. Ela é a responsá-
rado para fazer e mais preparado ainda para fazer Desejamos muita sorte e preparo sobretudo à so- anos fazem da Revista Justiça & Cidadania um im- vel no TJRJ pela coordenação do programa de Justiça
com maestria. ciedade, para que cobre com milhões de vozes e vigie portante repositório de saber teórico e prático em Itinerante, que este ano completa 15 anos de existên-
A mesma metáfora serve hoje ao nosso país. Não com duas vezes mais olhos os atos daqueles que fo- Direito, esta edição traz a cobertura dos eventos que cia, próximo de alcançar a marca de um milhão de
basta acreditar que vamos ter sorte, que “Deus é ram eleitos aos palácios e parlamentos – bem como movimentaram o universo jurídico nas últimas se- atendimentos em favelas, presídios e outros locais de
brasileiro” e que tudo vai dar certo, tampouco ajuda tenha sabedoria para distinguir os fatos verdadeiros manas do ano passado. Fomos a Foz do Iguaçu sa- acesso restrito à Justiça convencional.
torcer pelo “quanto pior, melhor”, porque se ficar das pós-verdades. O mesmo desejamos à imprensa, ber tudo o que aconteceu no XII Encontro Nacional Boa leitura e feliz Ano Novo!

6 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 7
E spaço OAB BASILIO
A D V O G A D O S

Compromisso com a Educação

Claudio Lamachia Presidente nacional da OAB

de 1.500 em todo o país – o mercado do ensino jurídi-


co promova o desenvolvimento social. Na prática, o
Foto: Eugênio Novaes

que vem sendo feito com o obscuro aval justamente de


quem deveria zelar pela qualidade do ensino é uma
absurda libertinagem, que prejudica os milhares de es-
tudantes que em busca da realização de um sonho da Fundado por advogados de destaque no cenário
ascensão social pelo saber, são enganados por algumas nacional, egressos dos principais escritórios de
instituições que não possuem condições mínimas para advocacia do país, Basilio Advogados tem atuação
o preparo de bons profissionais para o competitivo empresarial, baseada no atendimento a grandes
mercado de trabalho. empresas de diversos segmentos, tais como
Quais são os reais interesses de quem permite a concessionárias de serviços públicos, mineradoras,
abertura indiscriminada de novas faculdades e a am- bancos, construtoras, shopping centers, assim
pliação exponencial do número de vagas, mesmo de- como a pessoas físicas.
pois de ser alertada pela OAB da absoluta falta de re-
cursos para que tais instituições possam formar bons O Escritório conta com uma equipe multidisciplinar,
profissionais? Outra pergunta importante a ser feita: que atua em diversos segmentos empresariais,
Por que os pareceres elaborados pela OAB contra a priorizando a ética em suas relações e a busca
abertura de alguns novos cursos são reiteradamente constante pela excelência.
ignorados pelo MEC? E por que o pedido das faculda-
des tem sido mais convincente? Em sintonia com a constante evolução das demandas
Mas esse não é o único problema a ser resolvido. O sociais e alinhado a recursos tecnológicos, o Escritório
futuro governo tem inúmeros desafios. O Estado até tem por objetivo essencial e compromisso institucional
agora foi incapaz de atender plenamente a necessidade a prestação de serviços de excelência jurídica, com a
de direitos básicos da sociedade, como o simples aces- confecção artesanal dos trabalhos e atuação

E
so pleno à Educação. A realidade é que o ensino públi- diferenciada. Tudo isso pautado por uma política de
stelionato educacional é a forma como cos- co é precário, as vagas insuficientes e os professores tratamento personalizado ao cliente, sempre
tumo me referir ao que vem sendo pratica- mal remunerados e pouco valorizados. na busca da solução mais objetiva, célere e adequada
do pelo Ministério da Educação ao longo O Brasil não avançará sem Educação de qualidade para cada assunto.
dos últimos anos. Os motivos são simples: a e isso precisa ser corrigido de ponta a ponta. Para que
autorização indiscriminada e ao mesmo tempo irres- isso se torne uma realidade, o MEC precisa urgente-
ponsável para a abertura de milhares de vagas em mente adotar critérios de maior responsabilidade e
cursos de Direito, sem que uma avaliação profunda fiscalização, para que os alunos deixem de ser vítimas Rio de Janeiro São Paulo Brasília
das mesmas seja feita. deste estelionato promovido por algumas instituições Av. Presidente Wilson, 210 - 12o e 13o andares R. Leôncio de Carvalho, 234 - 4o andar SCN- Qd 04, Bl. B, Pétala D, sala 502
A primeira impressão é que o MEC tem apostado cujo interesse passa longe da qualidade da formação, Centro - Rio de Janeiro - RJ - Cep: 20.030-021 Paraíso - São Paulo - SP Centro Empresarial Varig - Brasília - DF
Tel.: 55 21 2277 4200 SP -Cep: 04.003-010 Cep: 70.714-900
que no meio da quantidade absurda de cursos – mais mas prioritariamente pelo lucro. Fax: 55 21 2210 6316 Tel./Fax: 55 11 3171 1388 Tel.-Fax: 55 61 3045 6144

8 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 9
C apa

Foto: SCO/STJ
Cidadania e separação
de Poderes
De Montesquieu à atualidade

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas Ministro do STJ

F
alar de cidadania em face da separação de — e outra, que seria o poder de fazer o bem público
Poderes implica necessariamente tratar, an- sem se subordinar a regras.
tes, ainda que superficialmente, dos concei- Com Montesquieu, como todos sabem, veio a tese
tos de Poder estatal independente, de fun- hoje clássica da conhecida tripartição de Poderes:
ções executiva, legislativa, jurisdicional e de controle, Legislativo, Executivo e Judiciário, além da muito falada
para melhor situar o problema, quer do ponto de mas pouco percebida questão crucial dos checks and Outra: os desafios do federalismo (desde o
vista da Ciência Política, quer do ângulo mais estrita- balances, isto é, os chamados freios e contrapesos. surgimento dos EUA), o que abrange a maneira
mente jurídico. Surgiram, então, diversas variáveis, conforme, na como se manifesta, sua maior ou menor intensidade,
Porque cidadania de verdade só se concebe com prática, as diferentes estruturas constitucionais da as tradições histórico-culturais e jurídicas com que se
democracia e possibilidade de participação não ape- divisão de Poder: na França, pátria de Montesquieu, apresenta, as nuanças do federalismo regional (como
nas na escolha dos governantes como no acompa- construiu-se uma rigidez maior na tripartição dos na Espanha e Itália) e, mais recentemente, do Estado
nhamento das políticas públicas e no acesso aos bens Poderes (basta que se pense na jurisdição administra- comunitário (Europa).
e serviços fornecidos pelo Estado. tiva ao lado da – perdão pelo pleonasmo – jurisdição Ainda: como é o sistema de participação? As elei-
O que se passa é que, para alguns, a visão do pro- judicial). Mas na Inglaterra, e em vários países parla- As diferentes ções? O sistema representativo? Voto universal, divi-
blema do resolve-se na questão da tripartição dos Po- mentaristas, prevaleceu uma menor diferenciação são do eleitorado, sistema majoritário e proporcio-
deres estatais, nos termos em que colocada na obra entre o Legislativo e o Executivo. Em outros países, possibilidades de nal, duração dos mandatos, organização dos partidos
de Montesquieu, adotada pelo Direito Constitucio- como o Brasil sob a Constituição de 1891, quatro Po- políticos e um imenso etc.
nal vigente na maioria dos países. deres (o Moderador, além da tríade tradicional) ou a estruturação dos Poderes Não menos importante: o povo tem como acom-
Entretanto, não é bem assim, como facilmente se Venezuela, sob a Carta bolivariana de 1999, cinco (os acarretam, igualmente, panhar o exercício do Poder? Há mecanismos inde-
pode constatar. Poderes Cidadão e Eleitoral, ademais dos três conhe- pendentes e eficientes de controle? E a hoje imensa-
Primeiro, porque não foi Montesquieu o primei- cidos), e assim por diante. diversas maneiras de se mente premente pergunta: qui custodiet ipsos custodes?
ro a enfrentar a questão. Ela foi tratada originaria- As diferentes possibilidades de estruturação dos Dessa sorte, partindo da práxis do Poder de um
mente por alguns filósofos, na Idade Antiga, sendo Poderes acarretam, igualmente, diversas maneiras de controlarem uns aos outros, determinado Estado e de uma série de elementos
conhecida a contribuição de Aristóteles na matéria. se controlarem uns aos outros, ou seja, distintos referentes a sua divisão, o controle – e a consequente
Na Idade Moderna, o tema começou a tomar as modos de operação dos freios e contrapesos.
ou seja, distintos modos
participação da cidadania – se manifestarão com tais
feições com que passou a ser conhecido em nossa Nesse contexto, importa aferir a presença concreta de operação dos freios e ou quais características.
época. de muitos elementos. Não é só na prática que os modelos variam.
Locke, por exemplo, falava em quatro funções e A existência ou não, num dado Estado, da jurisdi- contrapesos” No plano puramente teórico, foram surgindo,
dois órgãos de Poder do Estado: a função legislativa ção constitucional, inclusive quanto a sua forma e desde Montesquieu e quase sempre a partir de sua
para o parlamento e a executiva para o rei; este modo de operação: judicial review, conforme o mo- trilogia estrutural básica, propostas doutrinárias
acumulava uma função chamada por ele de federativa delo americano? Ou constitutional review, nos ter- altamente diferenciadas, a exemplo da de Kant, que
— questões de segurança, guerra, paz, ligas e alianças mos do padrão europeu? tenta superar a contraposição entre a coexistência

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dos três Poderes, separados e independentes, e a questão que não se apresentava, com essa nitidez, na (Loewenstein, Teoría de la Constitución, Barcelona,

Foto: SCO/STJ
unidade soberana, apresentando a idéia de um teoria clássica. Ariel, 1986, trad. Alfredo Gallego Anabitarte, pp.
soberano geral, coincidente com a representação Quarto: a necessária presença de estruturas de 55/6).
total do povo, e mais três poderes: o Soberano Poder, controle, interna e externamente, no sistema de
que residiria no Legislativo; o Executivo, na pessoa Poderes do Estado. Transparência e compliance são Em tempos de desilusão com as instituições e a
que governa conforme a lei; e o Judiciário, atribuindo as palavras do dia, e elas têm a ver, cada vez mais, própria democracia é preciso que a Ciência Política e
a cada um o seu conforme a lei, na pessoa do juiz. com a questão da legitimidade, e, por conseguinte, o Direito Constitucional reafirmem que a solução
Ou o pensamento de Benjamin Constant, que en- com o tema maior da cidadania. para os problemas desta nunca estarão fora dela, mas
tende haver um Poder Real ou Neutro (o monarca), Com essas considerações, concluímos que é sim em seu aperfeiçoamento, aprofundamento e
o Executivo (os ministros do primeiro); o Judiciário preciso afastar, da abordagem da temática, a noção ampliação.
(os tribunais); o Representativo da Tradição (assem- de que a teoria da tripartição dos Poderes — ou E que nada é fácil nem pode ser alcançado sem a
bléias hereditárias); e o Representativo da Opinião melhor — a noção de que uma visão simplista dessa formação de consensos mínimos.
(assembléia consultiva). teoria é suficiente para fornecer a base segundo a Finalmente: a teoria tradicional da separação de
Karl Loewenstein – quiçá o crítico mais impor- qual se pode construir uma análise da cidadania em Poderes não tinha de lidar com o imenso problema
tante da teoria clássica – sugere uma reclassificação face do Estado hoje em dia, porque é preciso ampliar da insegurança jurídica, que hoje se apresenta, com
política dos papéis estatais de governo, controle e e qualifica sua participação – além das eleições em si, suas cores mais terríveis, a um Legislativo paralisado
responsabilidade política, nas funções de decidir, a difícil alternância no Poder, sua representatividade pelas obstruções de bancadas – muito mais que de
executar e controlar. e legitimidade – e o controle da Administração partidos – o qual, por isso, deixa sem resposta uma
A idéia de controle surge também em muitos Pública (leia-se do Poder Executivo, mas não apenas) série de demandas sociais que findam desaguando
outros autores importantes, como Maurice Duverger, na atualidade e, mais especificamente, no Direito num Judiciário que, de um lado, não foi preparado
que fala nos Poderes estatais de Decisão, Execução, Positivo. para atende-las, e, de outro, é obrigado a fazê-lo
Consulta e Controle, embora confira ao último Há toda uma série de outros aspectos, metajuspo- independentemente da lei ou, pior ainda, apesar dela.
importância secundária em relação aos anteriores. sitivos e até metajurídicos que é necessário levar em Cumprir a Constituição e a lei tem se tornado um
Kelsen e Karl Schmitt, ferrenhos adversários em conta, além do fato de que, nessa seara, nada é tão ato inusitado. Aonde isso vai nos levar? É a pergunta
matéria da titularidade do controle de constitucionali- singelo como pode parecer. que eu deixo para meditação.
dade, e muitos outros constitucionalistas e adminis- Para encerrar, sugerimos uma meditação sobre
trativistas contemporâneos, produziram trabalhos em trecho de Loewenstein, para o qual é preciso
Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas
maior ou menor grau divergentes da diretriz tripartite ... ter bem claro que o princípio da necessária Referências bibliográficas
de Montesquieu – aliás, nem tão clara como superfi- separação das funções estatais segundo seus diversos
AGUILLAR, Fernando Herrén, Controle Social de Serviços Públicos,
cialmente parece – como os próprios autores franceses face dos Poderes do Estado – que se apoia no binômio elementos substanciais e sua distribuição entre São Paulo: Max Limonad, 1999.
reconhecem. Nesse sentido, Marcel de la Bigne de Vil- participação e controle – tem de levar em conta essa diferentes detentores, não é nem essencial para o BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral dos Procedimentos
leneuve, já nos princípios do século XX chegou a falar realidade complexa. exercício do poder político, nem se apresenta como de Exercício da Cidadania perante a Administração Pública. In: Revista
no fim do princípio da separação de poderes. A visão contemporânea predominante, a partir uma verdade evidente e válida para todo tempo. O de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, no 207, jan/mar. 1997.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 5a ed.,
No duro – e isso não deixa de ser uma retomada de Loewenstein, e que se extrai do trabalho de autores descobrimento ou invenção da teoria da separação de
Coimbra: Almedina, 1991.
de modo mais elaborado do que já dissera Aristóteles variados como Reinhold Zippelius, Klaus Stern, funções foi determinado pelo tempo e pelas COLE, Kenneth C., “Government,” “Law,” and the Separation of Powers.
– há o reconhecimento de que não se trata Santi Romano, J. J. Gomes Canotilho, Eros Grau, circunstâncias como um protesto ideológico do In: The American Political Science Review, vol. 33, no 3 (Jun., 1939),
propriamente de Poderes, mas de funções do Estado, Fábio Konder Comparato, Rogério Guilherme liberalismo político contra o absolutismo monolítico pp. 424-440.
que Montesquieu dividiu de modo orgânico ou COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia, São Paulo:
Ehrhardt Soares, entre muitos outros, inclusive da monarquia nos séculos XVII e XVIII.
Brasiliense, 1989.
institucional, a partir daqueles que as exercem. americanos e ingleses, caminha para reconhecer DUVERGER, Maurice. L’Europe dans tous ses Etats. Paris: PUF, 1995.
Mas mesmo usando esse sistema é preciso admitir alguns padrões importantes nessa matéria: O que na realidade significa a assim chamada “sepa- GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988.
que o Executivo também legisla (quando emite Primeiro: divisões não-estanques entre os Pode- ração de poderes”, não é, nada mais nada menos, que São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
decretos, por exemplo) e julga (basta que se imaginem res do Estado, o que traz à primeira plana a questão o reconhecimento de que, por um lado, o Estado tem HAURIOU, Maurice. Précis de droit constitutionnel. Paris: Sirey, 1929.
LOEWENSTEIN, Karl, Teoría de la Constitución, trad. Alfredo
as múltiplas instâncias administrativas e conselhos); o da inter-relação entre eles, isto é, do funcionamento que cumprir determinadas funções — o problema Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1986.
Legislativo igualmente administra (seus próprios dos freios e contrapesos. técnico da divisão do trabalho — e que, por outro, os MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e
órgãos, e se imiscui, por vezes, na execução de políticas Segundo: a existência de complexidades peculia- destinatários do poder sejam beneficiados se estas de. O Espírito das Leis, trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio
públicas, por instrumentos variados) e julga (na res de cada sistema positivo, o que desautoriza a no- funções forem realizadas por diferentes órgãos: a li- Martins Rodrigues. São Paulo: Victor Civita – Coleção Os Pensadores,
Constituição brasileira há situações muito específicas, v. XXI – 1973.
ção corrente de que há sempre uma tripartição à berdade é o telos ideológico  da teoria da separação
SANTI ROMANO, L’Ordinamento Giuridico, 2a ed., Florença:
como o impeachment); e o Judiciário da mesma forma moda de Montesquieu, até porque ela reflete uma de poderes. (...) O que, comumente, ainda que erro- Sansoni, 1945.
administra (além de seus próprios bens e serviços, ao dada visão ligada a uma dada realidade concreta in- neamente, se costuma denominar como a separação SOARES, Rogério Guilherme Ehrhardt, Administração Pública e
decidir ações estruturais cada vez mais investe na seara serida num determinado contexto espácio-temporal dos poderes estatais é na verdade a distribuição de Controlo judicial. In: Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio
executiva, o que inclusive tem se tornado um que não tem nem pode ter validade eterna nem mui- determinadas funções estatais a diferentes órgãos do de Janeiro, a. 8 no15(2o Semestre1993), pp. 59/73.
VILLENEUVE, Marcel de la Bigne de. La Fin du Principe de
problema) e legisla (quando assume postura ativa, to menos universal. Estado. O conceito de “poderes”, apesar de estar pro- Séparation des Pouvoirs. Paris: Sirey, 1934
quando estabelece precedentes praeter legem, etc.). Terceiro: o fato de que a legitimidade é um fundamente enraizado, deve ser entendido neste ZIPPELIUS, Reinhold, Teoria Geral do Estado, trad. Karin Praefke-
Dessa sorte, uma visão hodierna da cidadania em elemento a ser considerado em todas essas noções, contexto de uma maneira meramente figurativa. Aires Coutinho, 3a ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

12 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 13
Fotos: Ana Wander Bastos
Constituição
30 anos depois

Membro do Conselho Editorial


Aurélio Wander Bastos Jurista e cientista político

B
ernardo Cabral, relator geral da Constituin- Neste sentido, ao contrário de impedir o avanço objeto de deliberação de proposta que viesse rom-
te de  1987/1988, em palestra no Instituto de reformas, a Constituição viabilizou a evolução de per essas cláusulas, assim como, o Estado represen-
dos Advogados Brasileiros (IAB), afirmou um presidencialismo de coalizão, permitindo que os tativo como pressuposto da democracia. Este con-
que qualquer convocatória de Assembleia avanços políticos, para se transformarem em realida- junto de proposições permite que a Constituição
Constituinte neste momento histórico representa de constitucional, exigissem uma possibilidade de sobreviva  articulada resguardando a  coerência
um recorte impróprio no constitucionalismo demo- alianças dos grandes blocos políticos do parlamento, normativa, como o primado da construção jurídica, Uma Assembleia
crático vigente. Para ele a Constituição de 1988 den- o que neutralizaria a imposição ideológica de qual- nas palavras de Manuel Peixinho, citando Hans
tre todas as constituições brasileiras foi exatamente quer dos blocos. Esta abertura constitucional na ver- Kelsen em exposição no mesmo Colóquio promovi- Constituinte resulta de
aquela que viabilizou  a estabilidade institucio- dade viabilizou durante estes longos 30 anos de do pelo IAB (9/11/2018). rupturas e não da construção
nal através de mecanismos funcionais defensivos da Constituição a convivência ideológica entre os so- Não podemos desconhecer que o relator consti-
ordem democrática. ciais liberais, que admitiram uma ordem econômica tuinte deixa em aberto, mas admite, que o segredo da autoritária, como ocorreu em
Entre estes mecanismos defensivos alertou para a estatista, os sociais privatistas que evoluíram para Constituição brasileira se realiza exatamente no alcan-
importância da conexão entre o Estado Democrático e viabilizar reformas de desestatização da economia, e ce do seu amplíssimo preâmbulo comprometido com vários momentos da história
o tradicional Estado de Direito, permitindo a conexão as realizaram e, por fim, advieram as propostas de o exercício dos direitos sociais individuais, a liberdade,
criativa do Estado Democrático de Direito, preestabe-
passada brasileira”
emendas de reformas sociais comprometidas com a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igual-
lecendo que, embora de Direito, o Estado constitucio- programas de inclusão social, que foram acomoda- dade e a justiça como valores supremos de uma socie-
nal brasileiro optou por uma efetiva infraestrutura das nas amplas e extensivas aberturas constitucionais dade fraterna pluralista e sem preconceitos, fundada
democrática de funcionamento. Por outro lado, rea- indicadas nos direitos e garantias fundamentais. To- na harmonia social e comprometida, nas ordens inter-
firmando o texto constitucional, o Relator observou dos estes movimentos de emendas foram realizados na e internacional, com a solução pacífica das contro-
que a proposta de emenda deverá ser discutida e vota- na forma da maioria qualificada de parlamentares e vérsias. Aurélio Wander Bastos, nos seus tantos traba- vência de 30 anos, construídas a partir das emendas,
da em cada casa do Congresso em dois turnos, sendo provocaram o aparecimento do presidencialismo de lhos sobre a Constituição brasileira e o engajamento e não propriamente uma Assembleia Constituinte,
apenas aprovada no caso de alcançar 3/5 de votos exi- coalizão, que cabe uma discussão futura sobre a sua do ensino jurídico nos seus propósitos afirma que se que, como observou Bernardo Cabral, na sua lúcida
gíveis. Esta posição fortalece implicitamente o poder natureza, na verdade um pacto informal. evoluímos para um texto constitucional que viabili- conferência, resulta de rupturas, não para a constru-
constituinte derivado, permitindo que os legisladores, Ainda nesta linha dos mecanismos defensivos zou mecanismos de sobrevivência constitucional de- ção autoritária, como ocorreu em vários momentos
em sua ampla maioria, possam, como efetivamente não devem ser desconhecidas as cláusulas pétreas, ve-se principalmente reconhecer que a sua norma da história passada brasileira, para a construção do
ocorreu (e ocorre), emendar o texto constitucional uma especial criação da Constituição brasileira, que fundamental em todos os seus dispositivos e capítulos Estado de Direito (1822/24, quando nasceu o Impé-
desde que contem com a maioria qualificada dos par- definindo os direitos e garantias individuais, a sepa- foi reconhecer que o seu pressuposto essencial é per- rio; 1889/91, quando nasceu a República; 1930/34,
tidos e dos blocos parlamentares, em muitas circuns- ração de poderes a forma federativa de Estado, e o mitir mudar a ordem dentro da ordem. quando nasceu o Estado social; 1945/46, quando nas-
tâncias superior mesmo ao índice de aprovação de voto direto secreto universal e periódico construiu Finamente, o que nos falta agora é uma consoli- ceu o Estado Democrático; 1985/88, quando nasceu
dispositivos legislativos. uma verdadeira barreira que inviabilizou qualquer dação constitucional a partir da experiência e da vi- o Estado Democrático de Direito).

14 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 15
Gestão

Fotos: Karol Melo


Precisamos que as

e Administração
cortes superiores venham
conhecer o que é que a Bahia

da Justiça tem, precisamos também que


os ministros nos transmitam
seus conhecimentos, que são
de grande valia para nossa
Ministros do STJ e conselheiros do CNJ participaram de formação continuada prestação jurisdicional”
com magistrados do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, capacitando-os
para melhor gerir os recursos humanos e financeiros da Instituição Desembargador Gesivaldo Britto

Da Redação
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,
Desembargador Gesivaldo Britto

E
m parceria com o Tribunal de Justiça do zes e a jurisprudência dos tribunais superiores.
Estado da Bahia (TJBA) e sua universidade “Não posso nem mensurar qual é a importância
corporativa, a Unicorp, o Instituto Justiça desse evento para nós. Precisamos que as cortes su-
& Cidadania promoveu no dia 14 de de- periores venham conhecer o que é que a Bahia tem,
zembro o simpósio “Gestão e Administração da Jus- precisamos também que os senhores ministros nos
tiça”. O evento contou com painéis apresentados transmitam seus conhecimentos, que são de grande
pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, valia para nossa prestação jurisdicional”, comentou o
Paulo de Tarso Sanseverino, Rogério Schietti e Be- desembargador.
nedito Gonçalves, que representam, respectivamen- Na última premiação Justiça em Números (leia
te, as três Seções no STJ (Direito Privado, Direito mais na página 29), o TJBA recebeu o segundo Selo
Penal, e Direito Público e Previdenciário). O secre- Ouro consecutivo e foi apontado, dentre os tribunais
tário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de médio porte, como o de maior produtividade. A
desembargador Carlos von Adamek (TJSP), tam- coordenadora da Unicorp e Juíza Assessora Especial
bém participou com uma palestra sobre as iniciati- da  Presidência Rita Ramos, ressaltou que este reco-
vas do Conselho na área de gestão. nhecimento resulta do esforço contínuo feito pelo Tri-
Dentre os 254 inscritos, além dos magistrados e bunal para melhorar sua eficiência: “Nossos magistra-
servidores do TJBA – o mais antigo tribunal das dos e servidores são extremamente comprometidos e
Américas, com 410 anos de existência – participaram capacitados. O tempo inteiro acompanhamos par e
promotores, procuradores de Justiça, advogados e passo o cumprimento das Metas Nacionais e busca-
estudantes interessados em compartilhar conheci- mos superá-las. Essa parceria com o Instituto JC faz
mentos sobre gestão judicial. Na abertura, o presi- parte do mesmo esforço. É importante para a presta-
dente do Tribunal, desembargador Gesivaldo Britto, ção jurisdicional aprofundar o conhecimento e, prin-
disse que o evento faz parte do esforço do TJBA para cipalmente, promover a formação continuada de to-
buscar uma aproximação cada vez maior com os juí- dos os magistrados”.
Na abertura, da esquerda para a direita, o Conselheiro do CNJ André Luís Godinho, o presidente do Tribunal de Justiça
do Estado da Bahia, Desembargador Gesivaldo Britto, e o Ministro do STJ Benedito Gonçalves

16 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 17
Transparência e legitimidade – No painel se-

Fotos: Karol Melo


guinte, o ministro Rogério Schietti, membro da 3a
Seção do STJ (Direito Penal), falou sobre a motiva-
ção das decisões penais. Segundo ele, ainda é en-
contrada nos tribunais Brasil afora uma grande
quantidade de decisões que, embora possam repre-
sentar a justiça no caso concreto, contêm defeitos
de natureza formal. Nesse sentido, o magistrado
apresentou vários aspectos que devem ser observa-
dos, bem como vícios que devem ser evitados nas
decisões penais. Lembrou o ministro que foi exata-
mente nesse espírito que ocorreu o lançamento do
Manual Prático de Decisões Penais – por ele organi-
zado e publicado em 2018, com patrocínio da
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados (Enfam) e apoio do Instituto JC.
Sobre a questão específica da motivação, citando
o ex-presidente do STF ministro Sepúlveda Perten-
Ministro Paulo de ce, Schietti disse que a melhor prova da ausência de
Tarso Sanseverino motivação válida em uma decisão judicial é que ela
sirva a qualquer julgado, o que vale dizer que não
Previsibilidade – O primeiro painel contou com serve a nenhum. “Podemos ter matrizes de decisão,
palestra do presidente da Comissão Gestora de Pre- mas é importante incluir nas decisões, que seja um
cedentes do STJ, responsável pela redução em 25% parágrafo, mas uma demonstração de que examina-
do estoque de processos do Tribunal, ministro Paulo mos o caso, que sabemos o que estamos julgando”,
de Tarso Sanseverino. Ele falou sobre o aumento da disse, reafirmando a necessidade de adequação dos
Ministro Rogério Schietti
força vinculante dos precedentes como instrumento dispositivos ao caso concreto e singular.
para a uniformização e estabilização da jurisprudên- O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Geral-
A aplicação dos do Santana Lanfredi participou do painel como de-
cia, ocorrido a partir da entrada em vigor do novo
Código de Processo Civil em 2016. Uma alteração na precedentes deve respeitar batedor e endossou os pontos apresentados pelo mi-
cultura processual que, segundo ele, teria aproxima- nistro. Vice-presidente do Conselho Nacional de
do em certa medida a jurisdição brasileira da com- os princípios da segurança Política Criminal e Penitenciária do Ministério da
mon law, tradição jurídica na qual os precedentes são Justiça e ex-coordenador do Departamento de Moni-
a principal fonte do Direito.
jurídica, da proteção da toramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e
Com a mudança, para a garantia da segurança jurí- confiança e da isonomia” Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Lan-
dica, passou a ser fundamental, segundo Sanseverino, fredi salientou que a fundamentação das decisões é o
a elaboração de precedentes qualificados, de três tipos: principal pressuposto para o exercício de uma fun-
Ministro Paulo de Tarso ção estatal por agentes não eleitos, o que seria, por-
os recursos repetitivos julgados pelas cortes superio-
res; os incidentes de resolução de demandas repetiti- Sanseverino tanto, indispensável para conferir transparência e
vas (IRDR), julgados pelos tribunais de segundo grau; legitimidade às decisões judiciais.
e os incidentes de assunção de competência (IACs), Livre consciência – O terceiro painel discutiu a
que ocorrem quando um órgão colegiado fracionário questão da improbidade administrativa, com apre-
assume a competência anteriormente atribuída a ou- sentação de palestra do ministro Benedito Gonçal-
tro órgão do mesmo tribunal. “A aplicação desses pre- ves, membro da 1a Seção (Direito Público e Previ-
cedentes deve respeitar os princípios da segurança ju- precedentes e a liberdade de julgar dos magistrados. denciário) do STJ, debatida pelo desembargador
rídica, da proteção da confiança e da própria isonomia. Na réplica, Sanseverino explicou que as mesmas preo- Baltazar Miranda Saraiva (TJBA). Ao discutir as-
Justiça e isonomia são dois valores que caminham de cupações são compartilhadas pelo STJ que, por este pectos da Lei no 8.429/1992 (Lei da Improbidade) e
mãos dadas”, disse Sanseverino. motivo, faz a escolha das causas-piloto de forma cole- da jurisprudência do STJ, o ministro falou, por
Na condição de debatedor, o conselheiro do CNJ giada. Para ampliar a representatividade dos julga- exemplo, sobre a questão da contratação de advoga-
André Luís Godinho falou sobre algumas preocupa- mentos são utilizados recursos como o amicus curiae e dos sem licitação. “Vejo ocorrer muito no interior
ções dos magistrados em relação aos precedentes, as audiências públicas. Em relação à liberdade de jul- do país. São cinco mil municípios e às vezes, nas
dentre as quais a definição da causa-piloto, as formas gamento, o ministro disse que as afetações têm sido questões tributárias, entendem os municípios que
de ampliar o debate junto aos atores interessados, e a limitadas às causas maduras, que já tenham sido sufi- aqueles procuradores já conhecidos podem ser con-
tensão que existe entre a vinculação obrigatória dos cientemente debatidas, ou aos casos teratológicos. tratados. No final, o Ministério Público imputa ao Ministro Benedito Gonçalves

18 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 19
certidões e outros documentos comprobatórios de

Foto: Karol Melo


regularidade, bem como a disponibilização de in-
formações precisas e de fácil acesso. “Vamos ter que
nos reinventar, melhorar nossos sites, para que eles
propiciem de fato a expedição de certidões, como já
temos no âmbito da Receita Federal e da Justiça
Eleitoral. No âmbito dos Tribunais de Justiça ainda
não conheço essa facilidade, que agora é um impe-
rativo de lei. Vamos ter que nos adaptar”, comen-
tou Adamek.
Realidade local – Para debater a palestra do de- Predomina a
sembargador Adamek foi convidada a juíza auxiliar
da Corregedoria do CNJ, Nartir Dantas Weber jurisprudência. Não é
(TJBA). Ela falou sobre as dificuldades enfrentadas
pelo TJBA diante da imensidão territorial do Estado uma questão de limitar a
da Bahia, com seus 417 municípios, muitos dos quais consciência, mas de dar
sem comarcas, em um contexto de grandes carências
econômicas e infraestruturais. Disse ainda que, mui- mais segurança”
tas vezes, os desembargadores e juízes estaduais têm
Desembargador Carlos dificuldades para compreender o que realmente o
von Adamek
Ministro Benedito
CNJ deles espera. “É preciso haver compreensão,
porque estamos em um processo de mudança, para Gonçalves
prefeito a improbidade administrativa. O que a ju- uma questão de limitar a consciência, mas de dar melhor”, cobrou a juíza, que já foi presidente por
risprudência do STJ tem debatido é que na contra- mais segurança”. dois mandatos consecutivos da Associação dos Ma-
tação de serviços sem licitação, para caracterizar Tecnologia e desburocratização – Na palestra gistrados da Bahia (Amab).
sua inexigência, é preciso provar a singularidade. de encerramento, o desembargador Carlos von “Nós do CNJ não somos inquisidores, somos par-
(...) É preciso mostrar o grau de notoriedade daque- Adamek falou sobre a gestão de dados e tecnologia ceiros, colaboradores. Buscamos a união do Poder
le profissional, não pode ser um trabalho qualquer, da informação nos tribunais, questão que disse con- Judiciário. Vamos avançar muito nesses dois anos,
precisa mostrar, realmente, conhecimento aprofun- siderar fundamental para a boa administração da no sentido de permitir que o cidadão, que é nossa
dado”, explicou Gonçalves. Justiça. Como secretário-geral do CNJ, explicou razão de existir, seja efetivamente atendido no seu
Ao ser questionado pelo desembargador Saraiva que o Conselho tem uma equipe trabalhando para desejo de solucionar os conflitos, pacificando a socie-
sobre qual seria sua posição quanto à aplicação do desenvolver sistema eletrônico de gestão penal uni- dade”, respondeu o secretário-geral do CNJ.
foro por prerrogativa de função nas ações de impro- ficada, que vai permitir uma administração mais
bidade, o ministro Benedito explicou que o foro pri- eficiente por parte dos juízes responsáveis pelas va-
vilegiado se restringe às ações penais, o que não in- ras de execuções penais, além de reduzir a necessi-
clui as ações de improbidade, que são de natureza dade de servidores e permitir sua realocação em
cível. “Já tivemos essa discussão lá no início, quando outros setores. Na avaliação do magistrado, o siste-
se pensou em dar o mesmo tratamento do foro no ma também vai dar uma dinâmica muito mais rápi-
julgamento de ações de improbidade, mas, por defi- da e automática aos processos.
nição, a ação de improbidade é uma ação civil e o le- Adamek ressaltou ainda a implantação do Pro-
gislador constituinte adotou o foro de prerrogativa cesso Judicial Eletrônico (PJe), ferramenta de ges-
de função apenas para as ações penais”, explicou. tão processual unificada que permite o gerencia-
Por fim, em entrevista, quando perguntado se os mento eletrônico dos processos do Poder Judiciário,
Tribunais de Justiça seguem, efetivamente, os prece- dentro de um espírito colaborativo, com ganhos em
dentes do STJ no que se refere à interpretação da Lei eficiência e produtividade para todos os tribunais.
de Improbidade, o ministro comentou: “Todos nós Acrescentou que o CNJ trabalha em cooperação
juízes somos formados para ter livre consciência, técnica com as cortes para desenvolver ferramentas
mas acontece que os litígios precisam terminar em de inteligência aderentes ao PJe, a exemplo do siste-

Foto: Kadeh Ferreira


um prazo razoável e com segurança jurídica, para ma Sinapses, desenvolvido pelo Tribunal de Ron-
que não tenhamos decisões discrepantes em cada se- dônia (saiba mais na reportagem sobre o XII

Foto: TJBA
tor da Justiça. Daí o Código de Processo Civil ter Encontro Nacional do Judiciário, na pág. 26).
criado o dever obrigatório de qualquer juiz ou tribu- Por fim, o desembargador falou sobre os proje-
nal seguir as repercussões gerais e os recursos repeti- tos de desburocratização conduzidos pelo CNJ, in- Juíza Auxiliar da Corregedoria do CNJ, Nartir Dantas Weber A coordenadora da Unicorp e Juíza Assessora Especial da
tivos, ou seja, predomina a jurisprudência. Não é cluindo ferramentas para expedição de atestados, Presidência do TJBA, Rita Ramos

20 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 21
Dom Quixote

Fotos: Divulgação/ Justiça Itinerante-TJRJ


O juiz é que vai até
indígenas, moradores de favelas,
prostitutas, presidiários, pessoas
em situação de rua, andarilhos,
ciganos, pescadores artesanais e
tantos outros invisíveis sociais”
Desembargadora Cristina Gaulia

Acesso facilitado: veículo do projeto Justiça Itinerante estacionado em Vila Mimosa, reduto de prostituição na Zona Norte
do Rio de Janeiro

Justiça Itinerante
Favelas e presídios – Em parceria com o TJRJ, Do lado de fora do ônibus, postos de atendimento da
técnicos do Detran, defensores públicos e promoto- Defensoria Pública, do Ministério Público e do Detran
res de justiça também embarcam nos oito ônibus do ajudam na emissão de documentos e na abertura de

Jurisdição mais rápida, próxima e humana Projeto, que visitam quinzenalmente 25 pontos fixos
de atendimento e percorrem uma série de outros lo-
processos e procedimentos

cais de forma intermitente. No final do ano passado,


nossa reportagem acompanhou duas ações de itine-
Da Redação
rância, uma no presídio feminino Talavera Bruce, na
Zona Oeste do Rio de Janeiro, outra em Vila Mimo-
sa, reduto de prostituição na Zona Norte da cidade.
Projeto de itinerância do TJRJ está próximo de atingir a marca de um milhão de Na primeira, a maior parte dos atendimentos estava
atendimentos em favelas, presídios e outros locais onde a Justiça chega sobre rodas relacionado à identificação civil, emissão de Carteira
de Trabalho e regularização da guarda dos filhos das

N
detentas. Na segunda, além da identificação e retifi-
o início da década de 1990, preocupados tam jurisdição sem toga e sem formalismos, utilizando cação de registros, havia grande procura pela abertu-
com o isolamento das populações ribeiri- linguagem simples, em procedimentos gratuitos que ra de processos de reconhecimento de paternidade,
nhas e outras comunidades tradicionais, primam pela celeridade do processamento. pensão alimentícia, divórcios e casamentos.
juízes do Amapá e Rondônia criaram Próximo de atingir a marca de um milhão de Em Vila Mimosa, conversamos com um casal
uma nova forma de prestar jurisdição. Por meio de atendimentos, o Projeto Justiça Itinerante do Tribu- que, desde 2017, tenta obter o reconhecimento para
fóruns móveis adaptados, passaram a se deslocar até nal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) vai completar sua união estável e fazer o registro dos filhos, com
áreas de difícil acesso, ou que até então estavam fora 15 anos de existência este ano. Coordenado pela de- idades entre cinco e dez anos de idade. “Não sabia
do mapa do Poder Judiciário, para atender pessoas sembargadora Cristina Tereza Gaulia, a iniciativa por onde começar pra ver essa papelada toda e tam-
que, na maioria dos casos, sequer possuíam docu- busca promover soluções conciliadas de conflitos e bém não tinha nem um sapato decente pra ir ao Fó-
mentos de identificação. Foi o surgimento da Justiça fomentar a cidadania em comunidades pacificadas, rum. Foi muito bom poder resolver tudo aqui perti-
Itinerante, modalidade institucionalizada por meio localidades isoladas, municípios sem comarca insta- nho de casa”, declarou o funcionário de marmoraria
da Emenda Constitucional no 45, em 2004, que deter- lada e outros locais marcados pela privação de direi- que, embora tenha assumido a paternidade de todos
minou a todos os tribunais do país a criação de pro- tos e serviços públicos. Colateralmente, acaba por os meninos, é pai biológico apenas do mais novo,
jetos de itinerância. integrar os juízes às comunidades onde atuam, uma ainda a caminho, na gestação de cinco meses de sua
Nas salas de audiências montadas dentro de ôni- mudança radical no tradicional distanciamento que mulher. Ele aproveitou a oportunidade para também Do lado de dentro, a sala de audiências adaptada
bus, vans e barcos, o atendimento dispensa os rituais caracteriza a relação entre o Poder Judiciário e seus solicitar a segunda via da Carteira de Trabalho com funciona como fórum. Na imagem, a juíza Florentina
formais da Justiça convencional. Os magistrados pres- jurisdicionados. isenção de taxas. Bruzzi celebra um casamento

22 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 23
Entrevista com a Desembargadora Cristina Tereza Gaulia as pessoas e suas demandas para então construir a
política de atendimento judiciário. É uma reforma
muito grande na maneira de prestar a jurisdição. (...)
Em Rondônia, por exemplo, são realizadas ações iti-
nerantes no Baixo Madeira e no Guaporé-Mamoré.

“A vida é a arte do encontro e a reforma do São 15 dias a bordo de um barco. Participei de uma
dessas jornadas, é uma experiência absolutamente
As questões instigante, muito inovadora, que te remoça, cria es-
Judiciário trouxe essa possibilidade renovada” administrativas do
perança de que você realmente está fazendo a coisa
certa e de que algum dia vamos conseguir reunir to-
dos os brasileiros em volta de uma mesa com Cida-
Judiciário sempre foram dania – com letra maiúscula.
edificadas de dentro para
muito implementada. Há muito espaço para solu- JC – A senhora teria para contar alguma situação
fora. Agora, temos que

Foto: Ana Wander Bastos


ções conciliadas e mediação. No entanto, há deter- curiosa ou engraçada ocorrida durante os atendi-
minados setores, que ainda são bastante expressi- mentos?
vos, nos quais a desjudicialização não cabe. O conhecer os lugares, as CTG – Temos tantos casos curiosos, mas vou contar
Judiciário é uma porta de entrada preciosa para um mais rápido. Quando começamos a fazer a trans-
aquelas pessoas naturais que ainda não são cidadãs.
pessoas e suas demandas formação de uniões estáveis em casamentos de casais
A elas, o ingresso à Justiça tem que ser franqueado para construir a política do mesmo sexo, em uma das jornadas da Justiça Itine-
por meio das portas dos juizados especiais cíveis e rante um desses casais, ao final da audiência, já casa-
agora da Justiça Itinerante, que têm que ser amplia- de atendimento” dos, um dos parceiros chegou para mim e disse: “Dou-
das e não restringidas. tora, muito obrigado. Já posso voltar para casa do meu
pai, de onde ele me expulsou há mais de 15 anos, por-
JC – Como surgiu a iniciativa do Justiça Itinerante? que agora posso provar a ele que sou uma pessoa dig-
CTG – Quando criamos lá atrás o microssistema dos na. A senhora me deu a oportunidade de casar e isso é
juizados especiais, sabíamos que era o espaço cida- uma situação absolutamente nova, que muda a minha
dão na Justiça. Hoje sabemos que uma gama enorme Nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, perce- dignidade de vida”. É uma das situações que nós vi-
de brasileiros e brasileiras não são cidadãos. Não sen- bemos que ainda há um número alto de demandas venciamos, que via de regra são muito emotivas. Claro
do cidadãos, nem têm a possibilidade de chegar aos de Direito do Consumidor que são, na verdade, de- que temos casos pitorescos, dramáticos, e outros em
juizados especiais. Então, a Constituição Federal, por mandas de juizados especiais, mas que são resolvi- que desconfiamos se a pessoa está ou não falando a
meio da reforma do Judiciário, trouxe uma nova das no ônibus. Assim como também questões de verdade, mas na grande maioria nosso desconheci-
pauta de luta para ampliação do acesso à Justiça que vizinhança, que são muito ricas nas favelas. Por ou- mento é uma coisa que tem que mudar. O engraçado
Magistrada com passagens por comarcas do in- é a Justiça Itinerante, na qual o juiz é que vai até essas tro lado, você encontra pessoas que não têm docu- é que nós juízes, magistrados do Século XXI, ainda
terior, da Baixada Fluminense e da Zona Oeste ca- pessoas que chamamos de invisíveis sociais: indíge- mentação nenhuma, em que a demanda é por regis- desconheçamos as realidades em que trabalhamos.
rioca, Cristina Tereza Gaulia é desembargadora há nas, moradores de favelas, prostitutas, presidiários, tro ou por retificação de registro de nascimento. Há
sete anos. Ainda como juíza, participou da comis- pessoas em situação de rua, andarilhos, ciganos, pes- também demandas de regularização de estado civil, JC – Onde o projeto está presente no Rio de Janeiro?
são que discutiu, no âmbito da Escola da Magistra- cadores artesanais e tantos outros. A vida, nesse as- transformação de uniões estáveis em casamentos, CTG – Levamos o Justiça Itinerante a sete favelas na
tura do Rio de Janeiro (Emerj), a criação da Justiça pecto, é a arte do encontro e a reforma do Judiciário principalmente de casais do mesmo sexo, que ainda capital, vamos para o interior do estado, para os presí-
Especial no TJRJ, tendo posteriormente atuado em trouxe essa possibilidade renovada. passam por algum constrangimento ao exporem dios, para a Vila Mimosa, e também para as praças para
juizados especiais cíveis e turmas recursais. Atual- suas privacidades. O que a Justiça Itinerante faz é atender moradores de rua. Claro que ainda está longe
mente, integra a 5a Câmara Cível do TJRJ e coorde- JC – Quais são as demandas que mais comumente descobrir novas questões que precisam ser resolvi- de ser o ideal, precisamos aprender e melhorar muito,
na os programas Justiça Itinerante e Justiça Cidadã, chegam aos ônibus do Projeto? das com a judicialização, porque sem essa judiciali- mas fazemos um negócio que ninguém faz em nenhum
este último de formação de lideranças comunitá- CTG – A Justiça Itinerante é um mecanismo de zação as pessoas não conseguiriam resolvê-las. outro lugar do Brasil. Temos uma história aqui no Es-
rias. Doutoranda, desenvolve pesquisa sobre a am- franqueamento de acesso à Justiça um pouco dife- tado do Rio de Janeiro que, em 1982, antes da Consti-
pliação do acesso à Justiça. rente do mecanismo dos juizados especiais. A Justi- JC – O Justiça Itinerante está perto de completar tuição, tínhamos um colega em São Sebastião do Alto,
ça Itinerante leva o juiz para que ele se encontre um milhão de atendimentos... o juiz James Tubenchlak, que já naquela época fazia
Justiça e Cidadania – O que a senhora achou da es- com aquelas pessoas que precisam dele e que não CTG – Está crescendo cada vez mais, não só no Rio, Justiça Itinerante. Não tinha ônibus nem nada, ele ia
colha do tema do último Fórum Nacional de Juiza- chegam de jeito nenhum ao Judiciário. Não chegam mas em Roraima, Rondônia, Amazonas, Amapá. É com um promotor e ficava nas escolas dos distritos
dos Especiais (44o Fonaje), que discutiu a “judicia- porque não têm dinheiro, porque não têm sapatos um projeto que se constrói enquanto é feito. Um mais distantes do fórum. Na tese de doutorado que es-
lização das relações sociais”? ou roupas, porque não têm informações, ou porque ideário gerencial-administrativo que o Judiciário não tou escrevendo, eu o lanço como o pioneiro da Justiça
Desembargadora Cristina Tereza Gaulia – Achei moram em locais tão recônditos e distantes que re- conhecia. Via de regra, as questões administrativas Itinerante no Brasil, embora oficialmente a disputa es-
excelente. Há sim uma pauta para a resolução alter- almente não têm condições de acessar o Fórum, o do Judiciário sempre foram edificadas de dentro para teja entre os Estados de Amapá e Rondônia, que come-
nativa de conflitos, uma pauta que vem sendo há Tribunal de Justiça ou mesmo a Defensoria Pública. fora. Agora, temos que conhecer os lugares, conhecer çaram a fazer justiça nos barquinhos.

24 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 25
E m foco dade está em transformação, a Justiça também preci-
sa se transformar. Como já dizia Shakespeare, ‘a
transformação é uma porta que só se abre por den-
tro’. Eis a chave dessa transformação: eficiência,
São metas transparência e responsabilização”, pontuou Toffoli.
Também presente à mesa de abertura, o correge-
desafiadoras, que trazem um dor nacional de Justiça, ministro Humberto Mar-
tins (STJ), tocou nas mesmas teclas ao comentar a
norte para todos os tribunais importância das Metas Nacionais: “Precisamos ter
na coordenação de agendas, um Judiciário ágil, produtivo, de qualidade e que dê
respostas com bastante brevidade aos reclamos da
pautas e objetivos” sociedade brasileira. Precisamos ter um Poder Judi-
ciário transparente. (...) A Justiça tem que ser acre-
Ministro Dias Toffoli
CNJ define Metas Nacionais
ditada, sentida e ao mesmo tempo vivida por cada
cidadão brasileiro”.
Tribunais Superiores – O painel “Estratégia Na-

Foto: Agência CNJ


cional: Panorama dos Tribunais Superiores, perspec-

para 2019 “Não se planeja o futuro sem conhecimento da


tivas de projetos e ações para o biênio 2019-2020” foi
apresentado pelos ministros Aloysio Corrêa da Vei-
ga, representando o Tribunal Superior do Trabalho
Na mesa de abertura, a partir da esquerda, o Presidente da Amapar, juiz Geraldo Dutra; o Presidente realidade e não se desenvolvem metas sem a cons- (TST), Marco Aurélio Buzzi, representando o Supe-
trução de indicadores. Infelizmente, mesmo com rior Tribunal de Justiça (STJ), e José Coêlho Ferreira,
da Ajufe, Juiz Federal Fernando Mendes; o Conselheiro do CNJ Ministro Aloysio da Veiga; o Corregedor
importantes avanços na última década, no que diz presidente do Superior Tribunal Militar (STM). O
Nacional de Justiça e Ministro do STJ, Humberto Martins; a Presidente do TRT9, Desembargadora
respeito à gestão da qualidade dos dados e à trans- ministro Corrêa da Veiga apresentou o trabalho de-
Marlene Teresinha; o Ministro do STF e Presidente do CNJ, Dias Toffoli; o Presidente do STM, Ministro José
parência do Poder Judiciário ainda somos, não sem senvolvido para reduzir o número de processos e seu
Coelho Ferreira; o Ministro do STJ Marco Buzzi; o Presidente da AMB, Juiz Jayme de Oliveira; o Presidente
fundamento, criticados pela ausência e pela preca- tempo médio de tramitação na corte superior traba-
da Anamatra, Juiz do Trabalho Guilherme Feliciano, e o Diretor Jurídico da Itaipu Binacional, Cezar Ziliotto lhista – atualmente de 581 dias, com meta de redução
riedade de nossas estatísticas”. (...) “Nos dar a co-
nhecer será uma forma de deixarmos de ser critica-
dos, porque se verá a qualidade e a quantidade de
produção da magistratura brasileira, e conseguire-
Da Redação mos nos comunicar melhor com a sociedade. É ne-
cessário que as senhoras e os senhores que estão à
Metas Nacionais para 2019*
frente dos tribunais tenham consciência disso. Pro- 1. Julgar mais processos que os distribuídos;
Dentre as inovações em relação às Metas de anos duzimos muito, produzimos bem, mas é muito difí-
XII Encontro do Poder Judiciário fixou anteriores está a prioridade conferida ao julgamento cil essa avaliação ser feita por parte da sociedade”, 2. Julgar processos mais antigos;
objetivos para tribunais de todos os dos processos de ilícitos eleitorais. Deverão ser iden- acrescentou o ministro. 3. Aumentar os casos solucionados por
tificados e julgados pela Justiça Eleitoral, até 31 de Tecnologia e segurança jurídica – Dias Toffoli conciliação;
segmentos, dentre os quais a redução do dezembro de 2019, ao menos 90% dos processos re- também ressaltou que o CNJ tem trabalhado para
ferentes às eleições de 2016, bem como 75% dos pro- 4. Priorizar o julgamento dos processos
estoque de processos e a criação de uma base implantar o Processo Judicial Eletrônico (PJe) em to-
cessos de candidatos nas Eleições 2018 que possam dos os tribunais brasileiros. Outros sistemas também relativos à corrupção, à improbidade
nacional unificada de dados processuais importar na perda de mandato eletivo. Quanto à re- estão sendo aprimorados, como o Banco Nacional de administrativa e aos ilícitos eleitorais;
dução do estoque de 80 milhões de processos em tra- Precedentes Repetitivos; o Escritório Digital; o Pai- 5. Impulsionar processos à execução;

R
mitação no país, a Meta no 1 estabelece que os tribu- nel de Acompanhamento Orçamentário; o portal de 6. Priorizar o julgamento das ações coletivas;
eunidos sob a coordenação do Conselho nais de todos os segmentos deverão julgar número de Consulta Pública do Banco Nacional de Mandados
Nacional de Justiça (CNJ), os presidentes causas maior do que a quantidade de processos dis- de Prisão (BNMP 2.0); o Sistema Eletrônico de Re- 7. Priorizar o julgamento dos processos dos
dos 91 tribunais brasileiros aprovaram as tribuídos no ano corrente. cursos Humanos; e o Sistema de Notas Técnicas, Pa- maiores litigantes e dos recursos repetitivos;
Metas Nacionais e as metas específicas por Segundo afirmou na palestra de abertura o presi- receres Técnicos e Demandas de Saúde (e-NatJus); 8. Priorizar o julgamento dos processos
segmento da Justiça para o ano de 2019. Realizado dente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, todos eles decorrentes da estratégia nacional de tec- relacionados ao feminicídio e à violência
em Foz do Iguaçu (PR), entre os dias 3 e 4 de dezem- ministro José Antonio Dias Toffoli, além de bater as nologia da informação e comunicação do CNJ. doméstica e familiar contra as mulheres.
bro, o XII Encontro Nacional do Poder Judiciário Metas Nacionais, o grande desafio do Poder Judiciá- “A sociedade deposita muita esperança no Poder
também premiou com o Selo Justiça em Números os rio em 2019 será criar uma base nacional de dados Judiciário e anseia por resultados. Os cidadãos ur- * O detalhamento das metas e sua aplicabilidade
tribunais que mais se destacaram no cumprimento processuais que possa ser utilizada para desenvolver gem por prestação judicial eficiente, célere, coerente podem ser encontrados no portal do CNJ na
das normas de transparência e gestão da informação diagnósticos precisos, parâmetros, diretrizes e políti- e previsível. Essa é uma grande preocupação que te- internet: www.cnj.jus.br
processual. cas que garantam maior celeridade processual. mos, segurança jurídica e previsibilidade. Se a socie-

26 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 27
processos históricos do STM – que testemunha a termo de cooperação com o TJRO e, no início do fortalecido. “É necessário estarmos unidos na defe-
participação dos militares em diferentes momentos próximo ano (2019), o Sinapses estará disponível sa da nossa autonomia, da nossa independência e
da história nacional – projeto que foi posto em prá- para todos os tribunais que utilizam o PJe. É um das nossas condições financeiras e orçamentárias
tica por meio da contratação de uma equipe de pes- exemplo de uma instituição que trabalhou para to- para atender às demandas que a sociedade nos apre-
soas com deficiências físicas. das as outras”, disse. senta. A nação brasileira precisa de um Poder Judi-
Inteligência artificial – Na sequência, os partici- Dever de casa – As sugestões de ajustes nas Metas ciário que seja previsível, que traga segurança jurí-
pantes se dividiram para acompanhar os painéis si- Nacionais para 2019 foram debatidas em oito reuni- dica e que acabe com a incerteza. Nesse sentido,
A Justiça tem que multâneos, nos quais foram aprofundadas discussões ões setoriais: Corregedores dos Tribunais, Superior vamos trabalhar, seja no CNJ ou no STF, para que
sobre as estratégias de desburocratização, de formação Tribunal de Justiça, Justiça Federal, Justiça do Traba- possamos ter uma jurisprudência cada vez mais
ser acreditada, sentida e de servidores, de aperfeiçoamento dos mecanismos de lho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar, Justiça Estadual atenta às consequências de suas decisões, e um Judi-
conciliação em ações de massa, de enfrentamento à e Comitê Interinstitucional dos Objetivos de Desen- ciário que seja mais transparente, mais célere, efi-
ao mesmo tempo vivida por crise do sistema prisional e de articulação nacional dos volvimento Sustentável (ODS). Após a consolidação ciente e, portanto, mais atento a toda a sociedade”,
cada cidadão brasileiro” Centros de Inteligência do Poder Judiciário. das propostas, as Metas Nacionais (veja o quadro na pontuou.
Os trabalhos conjuntos foram retomados no pai- página 27) foram apresentadas pelo presidente da Em relação às Metas Nacionais aprovadas, Toffoli
Ministro Humberto Martins nel sobre o uso da inteligência artificial nos processos Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Esta- concluiu: “São metas desafiadoras, que trazem um
judiciais, coordenado pelo desembargador Carlos tística e Orçamento do CNJ, juiz federal e conselhei- norte para todos os tribunais na coordenação de agen-
Vieira von Adamek (TJSP), secretário-geral do CNJ, e ro Fernando Mattos (TRF2). das, pautas e objetivos, e que de maneira transparente
apresentado pelos juízes Márcio Schiefler, presidente No encerramento, o ministro Dias Toffoli ressal- mostram que estamos conectados com os anseios da
da Comissão de Ciência e Tecnologia do Conselho, e tou que não há Estado Democrático de Direito sem sociedade nessas várias áreas de atuação. (...) Termi-
Bráulio Gusmão, auxiliar da Presidência do CNJ. um Poder Judiciário autônomo, independente e namos o ano com o dever de casa cumprido”.
Schiefler lembrou que, apesar de existirem quase 300
resoluções do CNJ, não há nenhuma normativa que
ampare a administração dos tribunais no tocante à
gestão dos seus bancos de dados. Neste sentido, soli-
para 374 dias este ano. Ele destacou que iniciativas
como o Gabinete Eletrônico e o Plenário Virtual es-
citou que todos os tribunais se somem ao esforço, co-
ordenado pelo CNJ, para uniformizar a gestão de da-
Justiça em Números 2018
tão sendo realizadas com resultados efetivos, como dos processuais. Já o juiz Bráulio Gusmão defendeu a
parte de um plano estratégico que também inclui utilização de programas integrados de inteligência Criado em 2014, o Selo Justiça em Números
workshops para capacitação continuada de juízes e artificial no sistema de Justiça, destacando a sua capa- tem por objetivo estimular a remessa de informa-
servidores, desenvolvimento de sistemas de inteli- cidade de reconhecer padrões visuais/ comportamen- ções estatísticas pelos tribunais. O destaque deste
gência artificial e premiações para estimular a produ- tais, de aprender com os erros e de aplicar regras lógi- ano foi o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE),
tividade dos gabinetes. cas para trazer respostas cada vez mais eficientes. que ganhou pelo segundo ano consecutivo o Selo
O ministro Marco Aurélio Buzzi disse que no ano Citou como valores agregados adicionais destes siste- Diamante, premiação máxima, que também foi
passado o STJ superou, dentre outras, a Meta Nacio- mas a máxima automação e a grande velocidade no entregue ao STJ, ao TRT3 (MG) e ao TRT11
nal no 1, ao julgar 20% mais processos do que os dis- processamento das informações. (AM/RR), tribunais que no ano passado haviam Segundo o ministro Dias Toffoli, o Justiça em
tribuídos. “Se levarmos em conta apenas a produtivi- “Não vamos conseguir bons resultados traba- recebido o Selo Ouro. Números tem contribuído para dar transparên-
dade, nós, juízes brasileiros, somos os melhores do lhando isoladamente. Como tem sido repetido inú- Além do encaminhamento adequado das in- cia aos tribunais por meio da divulgação de esta-
mundo”, disse, ao comentar que o Tribunal da Cida- meras vezes pelo ministro Dias Toffoli, o CNJ tem formações, também são avaliados o nível de in- tísticas e análises de dados, uma tarefa “árdua,
dania vem diminuindo seu estoque de processos ano no sistema PJe a sua prioridade, com o objetivo de formatização do tribunal, o uso de relatórios es- porém essencial” para compreender a atuação do
a ano desde 2014. “Estamos arrumando a casa, mas fazer todos os tribunais caminharem para uma pa- tatísticos para o planejamento estratégico e o Poder Judiciário: “O relatório mostra que o Judi-
será que isso é suficiente? Já não estaria no momento dronização dos seus dados, otimizando recursos cumprimento de resoluções do CNJ alinhadas à ciário ainda não conseguiu, diante das tantas de-
de ousarmos mais? Se tivéssemos a chance de refun- humanos e econômicos. Não se trata de decidir qual gestão da informação. Na edição deste ano, a ga- mandas que nos chegam, dar a devida vazão a
dar nossas instituições agora, o que faríamos de dife- é o melhor sistema, mas sim de uma escolha racio- rantia de prioridade aos julgamentos de ações de todas elas. Em 2009, ano de criação das Metas
rente?”, questionou o ministro, antes de elencar uma nal. Temos hoje 72 tribunais que já caminham nes- violência doméstica e homicídios também pas- Nacionais, tínhamos 60 milhões de processos em
série de questões que, em sua opinião, poderiam ser sa linha. Desta maneira, cada solução encontrada sou a valer pontos. Foram reconhecidos ainda o tramitação. Oito ano depois havia um saldo de
enfrentadas de forma mais eficiente pelos tribunais por um tribunal pode ser estendida a todos os ou- envio de informações sobre a remuneração dos espantosos 20 milhões de processos a mais. Um
brasileiros, incluindo o dispêndio de “valiosos recur- tros, de modo rápido e compartilhado”, disse Gus- magistrados e os dados referentes ao Mês Nacio- congestionamento que se encontra hoje em tor-
sos” diante de uma recorribilidade excessiva. mão. Ele deu como exemplo a ferramenta Sinapses, nal do Júri – esforço concentrado para julgar, em no de 70% ao longo de uma série histórica. Em
Dentre os resultados do Superior Tribunal Mili- desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Rondônia novembro, os casos de crimes hediondos. razão disso, é extremamente importante que, na
tar integrados às Metas Nacionais do CNJ, o minis- (TJRO), totalmente aderente à arquitetura do PJe, O CNJ anunciou que, em 2019, os eixos para definição das Metas Nacionais para o próximo
tro José Coêlho Ferreira destacou a plena implanta- que auxilia o bom andamento dos processos com a a avaliação serão a governança, a produtividade, ano, seja feito um balanço passado e aprovadas
ção do PJe, alcançada pelo STM em junho de 2018. identificação de incoerências, a realização de blo- a transparência e a qualidade da informação propostas efetivamente desafiadoras, que possi-
O magistrado também ressaltou, dentre outras ini- queios, a transferência de valores e a renovação de apresentada. bilitem o aprimoramento da gestão judicial”.
ciativas em curso, a digitalização do rico acervo de solicitações, dentre outras tarefas. “Vamos firmar

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Fotos: Agência CNJ

Entrevista com o Ministro Dias Toffoli

“O Judiciário quer ser cada vez mais eficiente e transparente”


RJC – Qual é a importância de aprovar as conciliação e a mediação são mecanismos legais
Metas Nacionais? que hoje estabelecem uma forma de pacificar os
DT – O Judiciário quer ser cada vez mais eficien- conflitos de maneira mais sólida do que a senten-
te e transparente. Esse é o trabalho que temos no ça, em que um ganha e outro perde. Mais do que
CNJ com as Metas, que estabelecem prioridades, um ganhar e outro perder, a mediação e a conci-
como as ações de improbidade administrativa, liação buscam solucionar e pacificar o conflito.
violência contra a mulher ou violência contra a
criança. Estamos atuando de forma cada vez RJC – O que vem sendo feito para padronizar
mais objetiva para que os processos sejam julga- no Poder Judiciário a aplicação das ferramen-
dos de maneira mais célere, e também atuando tas digitais e de inteligência artificial?
para tornar nossos dados mais amigáveis às pes- DT – Temos um grupo na área de tecnologia da
quisas, para a própria imprensa ter um melhor informação que está trabalhando isso. No STF há
conhecimento do Judiciário. O Judiciário pro- o projeto Victor*, que vem desde a gestão da mi-
duz muito, mas às vezes nosso linguajar, nossa nistra Cármen Lúcia, e no CNJ estamos trabalhan-
comunicação e nossos bancos de dados não são do as várias experiências existentes nos tribunais
tão facilmente acessíveis para que as pessoas en- de todo o Brasil para uniformizá-las.
tendam o que está acontecendo. É um trabalho
que estamos desenvolvendo nesse XII Encontro * Lançado no primeiro semestre de 2018, o projeto
do Conselho Nacional de Justiça, para melhorar Victor utiliza inteligência artificial para aumentar a efi­
a gestão dos nossos tribunais. ciência e a velocidade da avaliação judicial dos processos
que chegam ao STF. Dentre outras tarefas, a ferramenta é
usada para ordenar o acervo, converter imagens em tex-
RJC – Como fazer para reduzir o tempo de
tos, separar e classificar as peças processuais mais utiliza-
tramitação dos processos na Justiça? A
das e identificar o temas de repercussão geral de maior
conciliação poderá ser ampliada? incidência. Desenvolvido em parceria com a UnB, é a mais
DT – A XII Semana Nacional de Conciliação, que relevante iniciativa acadêmica relacionada à aplicação de
tivemos há um mês, mostrou números impres- IA no Direito. O nome é uma homenagem ao ministro
sionantes. Foram mais de 700 mil acordos – qua- (1960-1969) falecido do STF Victor Nunes Leal, responsá-
tro vezes mais que o número de 2017. É possível vel pela sistematização da jurisprudência do Supremo em
atuarmos de maneira concentrada e cada vez súmulas, o que facilitou a aplicação dos precedentes judi-
mais voltada para apaziguar e fazer a paz social. A ciais aos recursos.

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Foto: Agência Assembleia
O Judiciário combatente
A falácia da pós-modernidade

Desembargador federal no TRF 1a Região


Ney Bello Professor na UnB

Q
ual de nós gostaria de ser julgado pelo ge- reconheça atos equivocados de quem acusa e a ine- los valores morais e absorvendo todo o discurso mo- parcialidade, na medida em que evoca a atitude acei-
neral do exército inimigo? xistência de provas de culpa de quem está submetido ralista do senso comum – com livre troca de apoios e ta e desejada pelo senso comum. Fácil explicar o
Quem reconheceria virtudes no ad- a ele próprio? informações com as forças e com os tarefeiros das desejo de palmas de um jogador; difícil ver no papel
versário a ponto de permitir que ele con- Existem batalhas justas, é verdade! Tão justas e acusações é uma realidade. do magistrado sua necessidade.
denasse ou absolvesse a nós mesmos, de acordo corretas que somente ser contra elas já coloca o Ho- E é um erro! A ideia de um Judiciário de combate é uma gran-
com a sua reconhecida competência e o seu notável mem na contramão dos valores positivos. A guerra Erro maior ainda quando Deus invade o Estado de falácia!
conhecimento técnico? Quem seria magnânimo ao contra a corrupção é uma delas! Ela é feita de bata- laico e conclama a todos para a cruzada metafísica Um equívoco histórico na medida em que nos
ponto de se deixar julgar pelo líder do inimigo, aban- lhas justas. contra um inimigo etéreo. Esta postura não mantém afasta do papel do juiz e nos confunde com a acusa-
donando a tranquilidade que vem da imparcialidade Ninguém – a não ser os criminosos – é a favor da a nossa devida distância de movimentos teocráticos ção. Um erro que nos aproxima de um dos conten-
do juiz? corrupção! de outras plagas. dores, rompe nossa imparcialidade e nos leva de vol-
Leitores e escritores foram julgados na Idade Mé- Nenhum juiz é contra o combate à corrupção. A ideia de Judiciário da Idade Moderna não se ta para a Idade Média.
dia por quem se dedicava à investigação, à perseguição Mas vamos nos lembrar que ninguém era contra confunde com magistrado que implementa políticas Não ser general de tropas, parceiro da acusação
e ao combate à heresia, à apostasia e às ofensas a Deus, Deus na Idade Média. públicas, que combate seja lá que ilícito for, ou que é ou tarefeiro do senso comum não implica concor-
todas praticadas através das divulgações de ideias. A questão não é ser contra ou a favor do combate. protagonista de alguma parcela da moralidade. O ato dar com o bandido. Isso implica tão somente enten-
Sabemos – da história, da filmografia e da litera- É quem deve ter na sociedade moderna a atribuição de conclamar o senso comum e a mídia para o com- der que o papel constitucional do juiz precisa ser
tura – o resultado desta guerra: condenaram-se filó- de combater e quem deve ter a função de julgar tam- bate que o próprio juiz trava e também julga não é observado para que a sociedade se mantenha equili-
sofos, professores, acadêmicos e livres pensadores. bém os excessos e os erros dos combatentes! próprio da modernidade. brada e segura. O papel que legalmente nos cabe
Naqueles idos, quem combatia também julgava, mas É preciso perceber que uma coisa é ser a favor ou ser Não é função do Judiciário moderno. certamente não é conclamar as massas, declamar
o fazia sempre – o combate e o julgamento – em contra a corrupção, e outra coisa bem diferente é a vera- É negar a função do juiz! em redes sociais ou dirigir qualquer combate.
nome de Deus. cidade de todas as acusações de corrupção e a correção A prova maior disto é que não raro percebemos in- Se o juiz para além de jogador for um jogador
Aquele que age para investigar, punir e acabar com de todas as sentenças condenatórias por corrupção. vasões de competência, interpretações retorcidas da lei, agressivo, quem no estádio será capaz de respeitar o
as práticas objeto de seu diuturno afazer e das quais Quem combate está apto a perceber a inocência? arbitrariedades na execução de decisões, personalis- seu apito?
acusa terceiros terá os olhos atentos à inocência do réu Quem combate algo está apto a ser imparcial e a reco- mos em se tratando de réus específicos, desrespeito e Buscando apoio no sempre sólido Aristóteles, fa-
e os ouvidos prontos a escutar seus argumentos de de- nhecer que este alguém pode não ter praticado o ato incoformismo com decisões de instância superior, crí- lácia é um falso enunciado que simula uma verdade e
fesa? Respeitará cegamente a lei, mesmo que isso sig- do qual é acusado? Ou perceber que deve ser punido, ticas pessoais ao próprio integrante do Judiciário que é nos impõe um equívoco e uma mentira.
nifique que seu combate elegeu um alvo equivocado? mas para aquém da pena máxima? Ou o desejo de discordante… Tudo isso é consequência da posição A falácia do juiz combatente nos faz abandonar a
Admitirá a inexistência de provas da acusação se for o vencer é sempre mais forte para quem guerreia? Será apaixonada que se revela quando o juiz deixa a sua fun- construção moderna de um Poder Judiciário inde-
caso? Terá equilíbrio e firmeza para reconhecer exces- que o comprometimento pessoal com a causa é mais ção e se torna combatente. É a negativa do próprio pendente, imparcial e afirmativo dos direitos funda-
sos se ele próprio conclamar o público a juntar forças poderoso que qualquer senso de imparcialidade ou de conceito de magistrado que se oferece à sociedade. mentais. É um equívoco que bordeja o totalitarismo
consigo no combate ao objeto do processo? reconhecimento de que a acusação pode ser um erro? O gosto pelo aplauso e pelo reconhecimento, tão e o autoritarismo, que nos faz namorar com a ditadu-
Ou a presença no campo de batalha o torna apai- O Judiciário combatente – de braços dados com a naturais aos imperadores romanos – estes, sim, com- ra da toga e mergulha a todos nós nos destinos mo-
xonado pela luta e pela vitória, não permitindo que acusação, em uma cruzada pelo clamor público e pe- batentes – agora invade o Judiciário e turva a sua im- rais de uma nova inquisição!

32 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 33
líder da Federação – São Paulo – arrecada cerca de dobramento de matrículas individuais para o condo-
R$ 550 bilhões e só consegue reaver 15%, e mesmo mínio vertical. Os empresários gastaram R$ 10 milhões

Tributação dos
assim a duras penas. para a compra dos quatro imóveis e mais R$ 25 mi-
Qualquer novo governo não encontrará muita lhões para a construção do condomínio vertical, in-
consistência na repaginação da caótica Federação cluindo mão-de-obra e impostos diretos e indiretos,

serviços essenciais
brasileira se não tiver a ousadia e a coragem de en- totalizando um custo de R$ 35 milhões. Ao tempo da
frentar esses graves problemas. alienação, considerando a velocidade, o financiamen-
A tributação dos serviços essenciais demonstra to e a intervenção do agente financeiro, conseguiram
incoerência, ilogicidade e perversidade. Não é possí- amealhar R$ 50 milhões. Ou seja, em três anos obtive-
Uma reforma para acabar com vel que o contribuinte de menor renda esteja sujeito
a mesma alíquota de outro de maior renda em rela-
ram um resultado positivo de R$ 15 milhões, o que
daria, nessa linha de pensar, R$ 5 milhões ao ano, o
a injustiça tributária ção aos serviços de luz, água, telefonia e transportes.
A sugestão que se faz é que, de acordo com o consu-
que é extremamente rentável dentro das condições ti-
pificadas. Nada impediria que fosse recolhido 5% a tí-
mo real, as alíquotas sejam diferenciadas entre 5% e tulo de lucro imobiliário pelas empresas responsáveis
25%, e quando o consumo normal fosse ultrapassa- pela edificação, dentro da competência do sujeito ati-
do, praticar-se-ia uma alíquota única de 30%. Com vo da obrigação tributária, liberando assim o consu-
isso se descomplicaria o modelo e se facilitaria com- midor dessa verdadeira tributação mortífera.
pletamente a manobra de outros encargos nas fatu- Mas não é só. Para cada atividade econômica se
Carlos Henrique Abrão Desembargador do TJSP ras de energia elétrica e, principalmente, de telefonia encontra uma espécie de tributação, o que também
celular. se aplica ao agronegócio e à propriedade rural e aca-
O contribuinte brasileiro paga uma margem de ba inibindo investimentos e proporcionando aquilo
35% sobre o Produto Interno Bruto e mesmo assim que se compreende como desoneração fiscal. As de-
as finanças públicas estão combalidas. Precisamos sonerações fiscais previstas para 2019, segundo dita a
reduzir o número de Municípios e também de Esta- previsão, alcançarão soma superior a R$ 400 bilhões.

O
dos, além de retirar das mãos da União a maléfica Enquanto a desigualdade social aumenta, a injustiça
sistema tributário brasileiro, tal qual des- concentração dos tributos. tributária é prejudicial ao consumo. A nota fiscal ele-
Foto: Arquivo pessoal

crito na trintenária Constituição Federal A tributação salarial também é nefasta, na medida trônica identifica quanto imposto é pago em qual-
de 1988, forjou um modelo extremamen- em que o assalariado, tanto da iniciativa privada quer operação de compra e venda ou prestação de
te desestruturante e perverso, não apenas quanto do serviço público, não tem dentro de sua es- serviços.
às empresas, mas substancialmente em relação ao fera a realização de planejamento, como fazem os Nessa ótica de visão, o problema essencial dos
consumo e detrimentoso à liberdade econômica e ao grandes grupos econômicos. combustíveis reflete a penúria de ideias no campo
exercício da atividade empresarial. A complexidade do sistema exige altíssimo custo tributário, com a demora da adoção de uma matriz
Muito se discute sobre a microrreforma tributária da máquina administrativa, enormes gastos das em- energética limpa, capaz de trazer benefícios ao meio
e sua paralisação perante o Congresso Nacional, uma presas e uma justiça fiscal ineficiente, o que se incor- ambiente. Promovemos nos governos anteriores
vez que, em tempos de crise orçamentária, a União, pora à multiplicidade da legislação para catapultar acentuado incremento no financiamento de veícu-
Estados e Municípios jamais abrem mão de suas aquilo que se denomina “Custo Brasil”. los. Boa parte dos compradores não conseguiu li-
receitas. Temos tributos, impostos e contribuições das quidar o valor da obrigação. Milhares de carros fo-
A arrecadação a cada exercício fiscal ultrapassa a mais diversas naturezas, cumulativos e não cumula- ram alvos de busca e apreensão pelas financeiras. O
casa do trilhão de reais. Porém, em contrapartida, é tivos, além do que o contribuinte é obrigado a reco- risco da cobertura do seguro cresceu vertiginosa-
manifesta a falência do setor público, alcançando as lher o lucro imobiliário na alienação de sua proprie- mente, e também a aquisição de combustíveis, prin-
prefeituras, 1/3 delas sequer contando com recursos dade se não adquirir outro imóvel dentro de cipalmente etanol e gasolina. A greve dos caminho-
suficientes para o pagamento da folha de servidores. determinado lapso temporal. Ao nosso sentir, o lu- neiros demonstrou a fragilidade do nosso transporte
Vários estados estão no programa de reparcelamento cro imobiliário deveria ser recolhido pelas incorpo- público sem conotação multimodal e a extrema ca-
de suas dívidas com a União, e esta, de seu turno, rola radoras e construtoras e não pelo consumidor, que restia de preços praticados no Brasil, um país no
monstruosa dívida junto ao sistema bancário, enca- na maioria das vezes faz a aquisição mediante finan- qual mais de 60 milhões de pessoas estão na faixa
recendo a taxa de juros e esmagando a cadeia produ- ciamento, e com a finalidade de bem de família; não limítrofe de pobreza.
tiva e o negócio empresarial. É inconcebível que como forma de investimento, mas de moradia. In- Na perspectiva divisada, não é possível termos 27
tantos trilhões vertam para o ralo, desrespeitando a corporadoras e construtoras que faturam milhões e legislações distintas de ICMS, contribuições – PIS,
Lei de Responsabilidade Fiscal, tendo sido a partici- entregam um padrão construtivo duvidoso deveriam Cofins e outras de quaisquer outras naturezas, sendo
pação dos Tribunais de Contas, salvo raras exceções, pagar o lucro imobiliário, da forma como exemplifi- que a reforma proposta poria fim ao IPI, IOF, CSLL,
destoante e extremamente leniente. cativamente se passa a definir. PIS/Pasep, Cofins, Salário Educação, CID, ICMS es-
O principal aspecto a ser radicalmente reformado Imagine-se que foram adquiridos quatro imóveis, tadual e INSS municipal.
repousa na centralização do sistema em mãos da cada um com suas respectivas matrículas, as quais se- Na vertente da substituição seria alçado o Impos-
União. Apenas para que se tenha uma ideia, o Estado rão unificadas ao tempo da incorporação com o des- to de Valor Agregado, preservando-se as contribui-

34 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 35
ções previdenciárias e passando o ITCMD para a as empresas à insolvência fiscal. Num país no qual

Fotos: Paulo Johas/ Firjan


competência federal, ao passo que o IPVA, na esfera 95% das empresas são de pequeno e médio porte, so-
estadual, partilharia suas receitas com os Municípios. brevivem com folga aquelas que perfazem os demais
Seguindo as pegadas da reforma, a União ficaria 5%, obtendo financiamentos a juros módicos junto
com os seguintes impostos: comércio exterior, im- ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica
posto de renda, imposto de propriedade territorial Federal, além de outras instituições públicas.
rural, grandes fortunas, seletivo, causa mortis e doa- A forma de cobrança da Dívida Ativa da Fazenda
ção, extraordinários de guerra e derivados da compe- Pública é verdadeira panaceia, não apenas pela defasagem
tência residual. da Lei no 6.830/80, mas sobretudo pela desatualiza-
No que se refere às contribuições, permaneceriam as ção dos cadastros e do entupimento de milhares de
previdenciárias, de intervenção no domínio econômi- demandas de custo econômico insignificante na esfe-
co, sociais gerais (Sistema S) e aquelas ligadas às catego- ra judicial.
rias profissionais; e finalmente, taxas, contribuições de Enquanto não conseguirmos a passos largos obter
melhoria e empréstimos compulsórios. A Contribuição uma reforma tributária racional, lógica e coerente
Sobre Lucro Líquido seria incorporada pelo Imposto de com a maioria dos contribuintes pessoas físicas e no-
Renda, com a ampliação das alíquotas. tadamente com as sociedades empresárias, diante do
Na esfera de competência dos Estados e do Distri- concerto de serem 95% do bolo formador da cadeia
to Federal ficariam os impostos sobre as operações produtiva, continuaremos a marchar na contramão
com bens e serviços, e ainda o IPVA, contribuições da História e nos encastelaremos, paradoxalmente,
para custeio da Previdência dos servidores, taxas e numa arrecadação de trilhões que traz por corolário
contribuições de melhoria. uma verdadeira tornozeleira colocada nos pés dos
No âmbito dos Municípios teríamos o IPTU inter administradores públicos, já que a maioria apresenta
vivos (ITDI), contribuições para a Previdência e cus- orçamento engessado, sem investimento na capaci- Na abertura, o presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, o presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, e o
teio do serviço de iluminação pública, taxas e tação, tecnologia e robótica. O que demonstra a in- presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira
contribuições de melhoria. sensibilidade do Parlamento e a desconfiança do
É chegado o tempo de se colocar fim à guerra contribuinte sobre o amanhã tributário no Brasil, já

Constituição
fiscal e também às consequências perversas da anistia que a injustiça fiscal é a mais triste história da
e dos programas de parcelamento consubstanciados realidade do nosso modelo predatório, de pouca
nos Refis. Isso porque a carga tributária está fora da competitividade e nenhuma eficiência em tratar de-
maioria da capacidade contributiva e acaba levando sigualmente os desiguais.
Os próximos 30 anos
Da Redação, por Vicente Magno

Especialistas apontam necessidade de reformas, mas reconhecem que


Constituição Cidadã de 1988 ainda é o esteio da democracia brasileira

A
promulgação da Constituição de 1988 O debate contou com a participação do presi-
marcou o fim da ditadura civil-militar dente do Supremo Tribunal Federal, ministro José
com a afirmação dos direitos individuais Antonio Dias Toffoli, e dos ministros do STF Luís
do cidadão e continua a ser, desde então, a Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski; do pre-
principal garantia da democracia. Foi o que disseram sidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otá-
acreditar os juristas reunidos no seminário “Consti- vio de Noronha, e do ministro do STJ Ricardo
tuição: os próximos 30 anos”, realizado no dia 14 de Villas Bôas Cueva; do ministro do Tribunal Supe-
dezembro no auditório da Federação das Indústrias rior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte; do
do Rio de Janeiro. Organizado pela Firjan em parce- presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Re-
ria com a OAB, o evento promoveu um balanço das gião, desembargador André Fontes; do presidente
três décadas de vigência da Carta, com foco em de- nacional da OAB, Claudio Lamachia, do seu presi-
senvolvimento socioeconômico, segurança jurídica e dente eleito, Felipe Santa Cruz, e do presidente da
exercício da cidadania. Comissão Constitucional da Ordem, Marcus

36 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 37
Fotos: Paulo Johas/ Firjan
Não estamos Na sequência, após receber a Medalha do Mérito expressamente que a lei não retroage para prejudicar
Industrial, o ministro Barroso ressaltou a “mudança a coisa julgada, as mudanças de interpretação não
preparados para o que no patamar da ética pública e privada” na última devem ser aplicadas ao ato jurídico perfeito e ao di-
quadra, além de defender a necessidade das reformas reito adquirido. “Os tribunais poderiam modificar
está acontecendo no política e da Previdência. “Não estamos preparados suas interpretações sem retroagir aos fatos passados,
mundo como impacto para o que está acontecendo no mundo. Vivemos o porque têm uma função pedagógica junto a socieda-
impacto da revolução digital com a criação de con- de. (...) Não retroagir o entendimento terá a ação de
da revolução digital”, ceitos que não existiam seis anos atrás”, alertou ao desestimular os litígios”, defendeu.
apontar a necessidade de evolução na ética e na edu- O futuro da tripartição dos poderes – Na confe-
destacou o Ministro do cação nacional. rência final, o ministro Lewandowski comparou a
STF Luís Roberto Barroso Segurança jurídica – Coordenado pelo presidente Constituição a um avião em pleno voo: “É como se
da Comissão de Relações Internacionais da atravessasse uma turbulência. Os passageiros pen-
ao defender reformas no OAB-RJ, Bruno Barata, o painel seguinte tratou da re- sam que vai se despedaçar, mas ela passa incólume. A
forma do Estado. Participaram os professores de Di- Constituição é um documento consistente, forte”.
texto constitucional” reito Administrativo da UERJ Alexandre Aragão e Lewandowski relacionou o momento atual à ‘poliar-
Gustavo Binenbojm, além do desembargador Fontes, quia’, fase histórica logo após a queda do Império
para quem as reformas têm que começar pela redução Romano. Para ele, vivemos momento semelhante,
do tamanho do Estado, incluindo a estrutura do Poder com disputas entre corporações de natureza buro-
Judiciário. “Temos que começar pelo Judiciário, que é crática, como os tribunais de contas, ministérios pú-
pesado e tem que ser diminuído com o aumento da blicos, agências reguladoras, polícias e instituições
arbitragem, da negociação e da mediação. (...) A pala- fazendárias.
vra de ordem é diminuir o Estado, para o Estado dei- “Qual é a solução? O presidente Toffoli falou há
xar de ser um importunador”, disparou. pouco em valorizar a política. Para isso temos que
Vinícius Furtado Coêlho; além de outros grandes sociais e o desenvolvimento econômico. Presidido O último painel trouxe a discussão sobre a segu- valorizar os partidos políticos, que também são cor-
nomes do Direito. pelo gerente trabalhista da Firjan, Victor Tainah, o rança jurídica e as garantias fundamentais, presidido porações, mas que nos dão opções para o futuro,
Na abertura, Lamachia lembrou a essencial parti- painel contou com a participação dos ministros Agra pela gerente jurídica da Firjan, Flavia Ayd. Participa- das quais sentimos falta. São os partidos que formu-
cipação da OAB na campanha Diretas Já, seguida da Belmonte e Villas Bôas Cueva, além do consultor ju- ram os professores de Direito Constitucional da lam essas opções para a sociedade. (A resposta é)
convocação da Assembleia Constituinte. “Hoje te- rídico Pedro Capanema. A desigualdade e o déficit UERJ, Rodrigo Brandão, e da FGV, Gustavo Schmi- Valorizar o Congresso Nacional, o Poder Executi-
mos novos governantes eleitos democraticamente, educacional, sobretudo no atual cenário de crise e dt, além do advogado Marcus Vinícius Furtado Coê- vo, voltar à harmonia”, questionou e respondeu o
nos termos da Constituição, bússola da nossa socie- aumento da automação, são questões que preocu- lho, que defendeu que assim como a Constituição diz magistrado.
dade”, ponderou. O presidente da Firjan, Eduardo pam o ministro do TST.
Eugênio Gouvêa Vieira, concordou que a Constitui- Belmonte defendeu o ajuste dos direitos sociais às
ção serviu de norte para a organização social do país, exigências do desenvolvimento para gerar oportunida-

Foto: Vinícius Magalhães/Firjan


Na palestra de encerramento, o
mas defendeu a necessidade de mudanças: “A refor- des. Nesse sentido, elogiou a reforma trabalhista por ter Ministro Ricardo Lewandowski
ma trabalhista foi uma grande conquista, mas preci- flexibilizado as formas de contratação sem retirar direi- discursa observado pelo
samos urgentemente avançar nas reformas política, tos dos trabalhadores. Já Cueva aprofundou a discussão presidente eleito do Conselho
Federal da OAB, Felipe Santa Cruz
tributária e da Previdência. (...) São reformas que sobre como o ordenamento legal dialoga com o desen-
precisam ser realizadas com premência, devem estar volvimento. Segundo ele, a Constituição e outros ele-
na lista de prioridades não para os próximos 30 anos, mentos extra-constitucionais, como os acordos inter-
mas para já”. nacionais assinados pelo Brasil, criaram um quadro de
Participação política – O ministro Dias Toffoli normas que deve impedir que a harmonia entre direitos
saudou o fato do evento ter sido proposto pelo setor sociais e desenvolvimento seja quebrada por surpresas
produtivo. “É preciso que tenhamos desenvolvimen- como, por exemplo, congelamentos ou confiscos.
to econômico e esse tem que ser para todos”, pon- Novo patamar – O painel seguinte, presidido pela
tuou. Para ele, as mudanças dos últimos 30 anos exi- coordenadora tributária da Firjan, Priscila Sakalem, tra-
gem adequações à nova realidade, conforme ficou tou dos impactos da Constituição sobre o sistema tribu-
demonstrado nas manifestações que tiveram início tário. Participaram o professor de Direito Tributário da
em junho de 2013 e levaram milhões de brasileiros às UFRJ Alexandre Maneira, a advogada tributarista Bian-
ruas. Dentre as questões de ordem mais urgentes na ca Xavier e o ministro Noronha, que lamentou o fato
agenda nacional, ele apontou as reformas da Previ- dos constituintes não terem reformulado mais profun-
dência e do sistema tributário, além de uma solução damente o pacto federativo. “A Constituição andou
para a segurança pública. bem em distribuir a receita, mas andou mal em não dis-
Desenvolvimento econômico – A mesa seguinte tribuir as obrigações do Estado. O ente federativo cen-
debateu os efeitos da Constituição sobre os direitos tral perdeu receita, mas não atribuição”, avaliou.

38 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 39
Dentre algumas razões para este fenômeno, des-
tacamos: a natureza do poder de tributar, que cria

Eficiência processual e
relações jurídicas de caráter compulsório, para todos
os nacionais que a elas se submetem; o tributo como
sendo a principal receita pública no Estado contem- O Estado brasileiro

recuperabilidade do
porâneo; e a complexidade do sistema tributário bra-
sileiro, caracterizado por um cipoal de normas jurí- terá que repensar a
dicas de difícil compreensão e cumprimento.
Em decorrência disso, surge um grave problema forma de cobrar seus

crédito tributário na seara processual, verdadeiro nervo exposto e


gargalo do Poder Judiciário nacional: o excessivo
número de execuções fiscais que tramitam hoje, e
créditos. Isso não apenas
contribuirá com a redução do
que se caracterizam pela baixa probabilidade de
pagamento do crédito tributário pelo executado. abarrotamento do Judiciário,
O relatório “Justiça em Números 2018” (ano base
2017), publicado anualmente pelo Conselho Nacio-
mas também propiciará
nal de Justiça (CNJ), indica que os processos de exe- maior racionalidade,
Marcus Abraham Desembargador federal do TRF-2a Região cução fiscal são os principais responsáveis pela alta
taxa de congestionamento do Poder Judiciário. O economicidade e eficiência
relatório afirma:
Os processos de execução fiscal representam, apro- na arrecadação”
ximadamente, 39% do total de casos pendentes e
74% das execuções pendentes no Poder Judiciário,
com taxa de congestionamento de 91,7%. Ou seja,

N
de cada cem processos de execução fiscal que trami-
estes 30 anos de vigência da Constituição taram no ano de 2017, apenas 8 foram baixados.1 o custo e tempo do processo de execução fiscal

Foto: Arquivo pessoal


de 1988, nem o Poder Judiciário, nem o promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda
sistema processual brasileiro foram capa- Este elevado percentual de execuções fiscais, che- Nacional (PGFN), identificando o tempo médio total
zes de absorver o avassalador volume de gando a quase 40% do total das ações que tramitam, de tramitação de nove anos, nove meses e 16 dias, e
demandas judiciais ajuizadas como consequência da sem incluir outras ações de natureza tributária, nos que apenas cerca de 1/3 das execuções fiscais federais
ampliação do acesso ao Judiciário que a Lei Maior mostra claramente que o maior cliente do Poder Ju- são bem sucedidas, deixando a maior parte – 2/3 delas
concedeu. diciário, individualmente considerado, é o próprio – sem qualquer tipo de pagamento. O documento
Nada mais injusto que ter o seu direito violado e Estado brasileiro, que busca cobrar sua dívida ativa indica:
ver o seu processo judicial estagnado em um oceano por meio da execução fiscal, sobretudo aquela de na- Em que pesem todos os obstáculos, o grau de sucesso
de litígios, sem esperança de um célere desfecho. A tureza tributária. das ações de execução fiscal promovidas pela PGFN é
nefasta consequência disso é o desrespeito aos E, sobre a baixa recuperabilidade do crédito razoável, uma vez que em 25,8% dos casos a baixa
princípios constitucionais da duração razoável do tributário nestas execuções fiscais, o relatório aponta: ocorre em virtude do pagamento integral da dívida,
processo, da efetividade da prestação jurisdicional, Historicamente as execuções fiscais têm sido aponta- índice que sobe para 34,3% nos casos em que houve
da igualdade e da eficiência. das como o principal fator de morosidade do Poder citação pessoal.
O congestionamento e a morosidade excessiva Judiciário. O executivo fiscal chega a juízo depois que
têm sido considerados hoje como as grandes as tentativas de recuperação do crédito tributário se Tem-se aqui um dilema: se, por um lado, a co-
deficiências do aparelho judicial brasileiro. frustraram na via administrativa, provocando sua brança da dívida ativa é indispensável, por outro, em
Neste cenário de litigiosidade de massa, o Direito inscrição na dívida ativa. Dessa forma, o processo ju- boa parte dos casos não se consegue sequer encon-
Tributário se destaca como um dos principais dicial acaba por repetir etapas e providências de loca- trar o devedor – por exemplo, na dissolução irregular
responsáveis pelo grande volume de processos, lização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer da empresa – ou bens que possam ser penhorados.
decorrência da sempre presente tensão entre o poder o crédito tributário já adotadas, sem sucesso, pela Portanto, trata-se de um processo caro, demorado
estatal de tributar e o exercício dos direitos do administração fazendária ou pelo conselho de fiscali- e com taxa de recuperação relativamente baixa.
contribuinte. zação profissional. Acabam chegando ao Judiciário Porém, há outra questão que se desdobra desta
A forte presença do Direito Tributário nos pro- títulos de dívidas antigas e, por consequência, com situação, qual seja, o elevado valor dispendido com
cessos judiciais que tramitam em nossos tribunais menor probabilidade de recuperação.2 estas cobranças judiciais infrutíferas.
se revela claramente, uma vez que o assunto corres- O mesmo relatório do CNJ identificou como va-
ponde a 25% das súmulas vinculantes, a quase 30% Tal deficiência na cobrança judicial de créditos lor gasto apenas com a Justiça Federal, no ano de
dos recursos repetitivos e a 20% das repercussões fiscais já havia sido percebida por Nota Técnica3 2017, a monta de R$ 11.261.426.849,004. Ora, se cer-
gerais. publicada alguns anos atrás pelo IPEA, a qual analisou ca de 40% deste valor se refere às execuções fiscais

40 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 41
(R$ 4,5 bilhões), e deste percentual apenas 1/3 das A conclusão a que chegamos é a de que se deve Pode-se sugerir, já de plano, que se faça um levan- Também pensamos assim: não se propõe que o
ações são frutíferas (R$ 1,5 bilhões) na recuperação adotar um novo modelo de cobrança da dívida tribu- tamento de todas as cobranças que hoje tramitam no Estado abra mão de seus créditos tributários pura e
do crédito tributário federal, pode-se dizer que fo- tária, uma vez que o sistema atual é custoso demais, Poder Judiciário e que podem ser imediatamente ex- simplesmente, mas que encontre alternativas e
ram desperdiçados cerca de R$ 3 bilhões com o pro- sendo ineficiente não apenas em termos financeiros, tintas por força de valores irrisórios ou em razão de formas mais racionais, eficientes e econômicas de
cessamento de execuções fiscais inúteis. mas por prejudicar o Poder Judiciário, dado o volume teses já devidamente fixadas pelos tribunais superio- cobrar, as quais nem sempre precisarão passar pela
Se adotássemos estes mesmos percentuais – 40% avassalador de demandas que o movimentam e o res. O mesmo deveria ser feito nos demais processos via da execução fiscal perante o Judiciário.
dos processos são execuções fiscais, sendo 2/3 delas congestionam, sem um retorno adequado. que ainda tramitam – ações ordinárias, anulatórias, O critério da recuperabilidade do crédito
infrutíferas – como valores estatísticos representativos Devemos registrar que os esforços em nível federal mandados de segurança, etc. – ajuizados por contri- tributário, a partir da aplicação dos princípios de
da realidade processual em todo o Brasil (Justiça para tornar mais eficiente e eficaz a cobrança da dívida buintes que buscavam assegurar um direito de natu- racionalidade, economicidade e eficiência, deve ser
federal e estadual)5 – e tomando-se a importância de ativa da União são louváveis. A Lei no 10.522/2002 vem reza tributária que acabou sendo reconhecido pelos invocado para que se desistam de milhares de
R$ 90.846.325.160,006 como a despesa total com o sendo atualizada para que, quando certa matéria já foi tribunais de maneira pacífica e vinculante. execuções fiscais que, sem localização do devedor ou
Poder Judiciário em 2017, chega-se ao montante de definida desfavoravelmente à Fazenda em precedentes Medidas similares a estas deveriam ser estendi- de seus bens, certamente serão ao final estéreis.
R$ 24,2 bilhões gastos com a movimentação de ações judiciais vinculantes fixados pelos tribunais superiores, das e implementadas pelos estados e municípios, Como último exemplo de ato de vanguarda ado-
de execuções fiscais desnecessárias naquele ano. Ou esteja a Secretaria da Receita Federal autorizada a não lembrando que contamos com mais de 5.500 muni- tado pela PGFN, a previsão na Portaria PGFN no
seja, nos últimos dez anos, gastou-se em todo o Poder constituir créditos tributários ou a rever de ofício lança- cípios, em que os recursos materiais e humanos dis- 360/2018 da possibilidade de celebração de certas
Judiciário nacional cerca de mais de R$ 240 bilhões mentos para extingui-los total ou parcialmente. O mes- poníveis para a cobrança da dívida ativa costumam modalidades de negócio jurídico processual, inclusi-
com processos ineficazes ao seu propósito. mo vale, nessas circunstâncias, para a PGFN, que passa ser diminutos fora das capitais. Ademais, como ve mediante a fixação de calendário para a prática de
Para finalizar a análise financeira do custo das a estar autorizada a deixar de contestar ou recorrer nas aponta o relatório do CNJ, as cobranças estaduais e certos atos processuais, tais como: I – cumprimento
execuções fiscais, o relatório “PGFN em Números”7, ações já decididas pelos tribunais superiores de modo municipais representam 85% das execuções fiscais de decisões judiciais; II – confecção ou conferência
referente ao ano de 2017, aponta como valor recupe- vinculante (a par da possibilidade de não ajuizar execu- em tramitação.8 de cálculos; III – recursos, inclusive a sua desistência;
rado pela União, por meio de execuções fiscais, a im- ções fiscais de baixo valor). Também a Portaria PGFN Outra medida adotada pela PGFN que devemos e IV – forma de inclusão do crédito fiscal e FGTS em
portância de R$ 5.280.422.724,42. Portanto, a título no 502/2016 prevê a dispensa da apresentação de con- elogiar e sugerir a sua extensão a estados e municí- quadro geral de credores, quando for o caso.
exemplificativo, quanto à cobrança de execuções fis- testação, oferecimento de contrarrazões e interposição pios é o ajuizamento seletivo de execuções fiscais, Portanto, o Estado brasileiro terá que repensar
cais pela PGFN, gastou-se inutilmente em 2017 o va- de recursos nos processos que versarem sobre teses já que somente serão propostas se diligências prévias sua forma de cobrar seus créditos. Isso não apenas
lor de R$ 3 bilhões para recuperar a monta de R$ 5,2 consolidadas pela sistemática da repercussão geral administrativas indicarem a existência de bens capa- contribuirá com a redução do abarrotamento do
bilhões. Será que este custo-benefício é válido? (STF) e do recurso repetitivo (STJ). zes de responder pela dívida. Judiciário, auxiliando-o a cumprir o mandamento
É o que estabelece o novo art. 20-C da Lei constitucional de prestar jurisdição de maneira
no 10.522/2002 (inserido pela Lei no 13.606/2018), célere, mas também propiciará maior racionalidade,
ao prever que “A Procuradoria-Geral da Fazenda economicidade e eficiência na arrecadação.
Nacional poderá condicionar o ajuizamento de exe- Afinal, o Poder Judiciário não pode se confun-

Foto: shutterstock
cuções fiscais à verificação de indícios de bens, di- dir com um mero cartório de luxo de cobranças
reitos ou atividade econômica dos devedores ou fiscais.
corresponsáveis, desde que úteis à satisfação inte-
gral ou parcial dos débitos a serem executados”. Ar-
remata em seu parágrafo único: “Compete ao Pro- Notas
curador-Geral da Fazenda Nacional definir os
limites, critérios e parâmetros para o ajuizamento 1
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2018:
ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. p. 125.
da ação de que trata o caput deste artigo, observa- 2
Loc. cit.
dos os critérios de racionalidade, economicidade e 3
Nota técnica intitulada “Custo e Tempo do Processo de Execução
eficiência”. Fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional”, sob
Já caminhando nesta trilha, o relatório “PGFN a responsabilidade dos pesquisadores Alexandre dos Santos Cunha
em números 2018” também traz a novidade de um (coordenador), Isabela do Valle Klin e Olívia Alves Gomes Pessoa.
Brasília, novembro de 2011.
sistema interno de rating do devedor, dividida a 4
CNJ. op. cit. p. 42.
classificação em A, B, C e D, sendo os débitos da 5
Apesar de as execuções fiscais na Justiça Estadual representarem
classificação “A” como de alta probabilidade de 85% do total destes processos. É possível que a taxa real de recu-
recuperação, e os do padrão “D” como irrecuperáveis. perabilidade via execução fiscal de estados e municípios seja ainda
menor. Segundo o relatório: “O maior impacto das execuções fiscais
Em recente entrevista ao portal jurídico “Jota”, o está na Justiça Estadual, que concentra 85% dos processos. A Justiça
procurador-geral da Fazenda Nacional, Dr. Fabrício Federal responde por 14%; a Justiça do Trabalho, 0,31%, e a Justiça
da Soller9, indica que, “a partir de cada perfil, a PGFN Eleitoral apenas 0,01%”. (Ibidem. p. 125).
poderá traçar a estratégia mais aderente àquele 6
Ibidem. p. 31.
devedor. Cada perfil terá um conjunto de estratégias
7
PGFN em Números. Dados de 2017 – Edição 2018. p. 13.
8
Justiça em Números 2018: ano-base 2017/ Conselho Nacional de
chamado de ‘régua de cobrança’. O objetivo é Justiça – Brasília: CNJ, 2017. p. 125.
aumentar a eficiência, recuperando mais com menor 9
https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/61-das-divi-
esforço”. das-de-pessoas-fisicas-sao-irrecuperaveis-aponta-pgfn-18012018

42 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 43
Foto: TJMG
Alteração administrativa do
prenome e do gênero de
transgênero

Marcelo Guimarães Rodrigues Desembargador do TJMG

A
Introdução conscientemente manifesta a vontade de alterar sua aqui empregado o vocábulo em sua acepção técnico- registros públicos e direito notarial, 2a ed. São Paulo:
partir da edição do Provimento 73, da identidade civil (prenome) e designação sexual nos -jurídica, seguindo o rito do art. 198 e seguintes da Gen-Atlas, 2016, p. 118).
Corregedoria Nacional de Justiça, faculta- assentos de nascimento e casamento (se for o caso). Lei Federal no 6.015/73.
-se aos interessados, autopercebidos como Melhor seria dizer ‘toda pessoa transgênero’, maior e Prenome e agnome
pessoa transgênero, requerer diretamente plenamente capaz, a quem é facultado o exercício, a Alteração versus mudança O prenome é elemento obrigatório dos assentos
ao oficial do registro civil de pessoas naturais a aver- qualquer tempo, da opção de promover referidas O provimento estabelece as diretrizes a serem civis de nascimento (art. 54, 4o, LRP), casamento (art.
bação da alteração do prenome e do gênero no(s) averbações mediante o cumprimento de certas exi- observadas pelos oficiais do registro civil de pessoas 70, 1o, LRP) e óbito (art. 80, 3o, LRP). Trata-se de
assento(s) de nascimento e (ou) casamento. A nor- gências. O requerimento respectivo, com a indicação naturais quanto aos requerimentos de averbação direito da personalidade nato, vale dizer, inexiste
mativa se refere a ‘transgênero’, ao passo que o pre- precisa da alteração pretendida, deve ser assinado para alteração de prenome, agnome e gênero nos direito adquirido ao mesmo, constituído que é com
cedente do STF (ADI 4.275/DF, j. em 1o/3/18), toma- pelo requerente na presença do oficial (art. 4o, §§ 2o e assentos civil de nascimento e casamento. Em certa liberdade de escolha, restringindo o Estado o
do como uma de suas bases axiológicas, conferindo 3o). Não se impõe, nesses termos, a representação verdade, quando a norma em tela menciona ‘alterar’ registro de prenome vexatório, constrangedor ou
ao art. 58 da Lei no 6.015/73, interpretação conforme processual (ou procedimental que seja) de advogado deixa implícita a ideia de ‘mudar’, de conteúdo e ridículo (art. 55, § único, LRP). Agnome é o elemento
à Constituição da República, reconhecendo o direito ou defensor público. A norma não esclarece, mas alcance mais abrangente. Alterar é diferente de do nome civil usado para designar um indivíduo,
da pessoa que desejar, independentemente de cirur- será lícito supor que nos casos em que o interessado mudar e de retificar. Na alteração não se cogita de distinguindo-o de seus homônimos.  Frise-se que a
gia de redesignação ou da realização de tratamentos não souber assinar, valerá sua assinatura ‘a rogo’, reparar erro; modifica-se o que era certo e definitivo, mudança de prenome não compreende qualquer
hormonais ou patologizantes, à substituição de pre- desde que aposta na presença do oficial registrador geralmente implicando acréscimo. Na mudança há interferência nos nomes de família e não pode ensejar
nome e gênero diretamente no ofício do RCPN diz civil, que valendo-se de sua fé pública, reconhecerá a uma substituição de um nome (ou prenome) por a identidade de prenome com outro membro da
respeito, especificamente, à ‘transexualidade’, espécie validade do ato. Os portadores de deficiência auditi- outro, envolvendo propósito mais amplo do que a família. Convém lembrar que o novo prenome será
de menor amplitude que aquela. va, de fala ou visual, que necessitarem, devem ser as- alteração. Quem muda adota outro nome ou o definitivo dentro do sexo a que corresponder e sua
sistidos por tradutor ou intérprete da Língua Brasi- transforma completamente. Já quem altera introduz alteração somente poderá ser promovida mediante
Legitimação leira de Sinais (Libras ou Sistema Braile). Sempre que modificação que não retira do nome o seu caráter decisão judicial.
Apto a deflagrar o procedimento é o maior de 18 houver eventual juízo de qualificação negativo e a anterior, permanecendo reconhecível, ao passo que
anos de idade e habilitado(a) à prática de todos os formulação de exigências, cabe, a pedido expresso da na retificação se corrige um erro ou se repara uma Designação de gênero
atos da vida civil. O art. 2o da normativa se refere à parte requerente, a confecção de nota devolutiva por omissão na redação do assento de nascimento em O provimento admite a possibilidade de mudan-
locução ‘toda pessoa’, todavia, é exclusivamente des- escrito e encaminhamento do expediente ao juiz de qualquer de seus elementos obrigatórios por lei. ça do gênero indicado nos assentos de nascimento e
tinada à pessoa do ‘transgênero’ (art. 1o), que livre e Direito de Registros Públicos para dirimir a dúvida, (RODRIGUES, Marcelo Guimarães, Tratado de de casamento. Todavia, a designação do sexo é obri-

44 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 45
gatória apenas nos assentos de nascimento e óbito. Marco Aurélio, restou vencido neste aspecto. Como registrador civil de pessoas naturais, em prol da em nome de dois indivíduos, ambos ostentando a ti-
Esse elemento não é indicado no assento de casa- ficou, favorece idas e vindas em ponto nuclear da segurança jurídica (art. 93, 103 e 106, § ún., LRP). tularidade de direitos e deveres recíprocos perante a
mento em nenhuma circunstância no texto da Lei identificação civil, mormente de indivíduos propen- lei civil. É coerente que se aponte a necessidade de
dos Registros Públicos (art. 70, 1o a 10 e seu § único). sos à instabilidade emocional, inseguros à autodeter- Inexistência de processo judicial prévia anuência do consorte para a mudança dos ca-
Sua inclusão no assento civil de casamento abrirá minação do próprio gênero. Afinal, o registro estaria O requerente deve declarar a inexistência de pro- racteres individuais obrigatórios lançados anterior-
margem a uma disrupção na medida em que ao lado franqueado, de certa forma, aos influxos de uma in- cesso judicial que tenha por objeto a alteração pre- mente no registro. Rompido o vínculo pelo divórcio
dos assentos que por lei não abrigam tal elemento, desejável fluidez. tendida, como verdadeira condição de procedibilida- ou pelo óbito devidamente comprovado, não mais
outros surgirão que, com base no aludido provimen- de. (art. 4o, § 4o) Em complemento, é fixado que a subsiste base jurídica para a exigência. Importa frisar
to, poderão contê-lo. A averbação, nesse caso, seria Repristinação parcial dos assentos tramitação anterior de processo judicial cujo objeto que para a subsequente averbação da mudança do
realizada na perspectiva de uma verdadeira retifica- A norma admite vir a ser desconstituída na via tenha sido a alteração pretendida será condicionada prenome e do gênero no registro de nascimento dos
ção do assento, de modo a preencher uma lacuna re- administrativa, mediante autorização do juiz cor- à comprovação de arquivamento do feito judicial. descendentes da pessoa requerente, valerá como
gistral que, diga-se de passagem, não deriva da lei em regedor permanente ou na via judicial, a mudança (art. 4o, § 5o). A parte poderá requerer o desarquiva- pressuposto a anterior averbação no assento de casa-
sentido formal. Faz-se de conta que o registro de ca- dos prenomes e do gênero (§ 3°, art. 2o). Autorizou mento e retomar aos tramites da ação outrora inter- mento, evidenciando a manutenção de uma cadeia
samento apresenta uma omissão em um de seus ele- uma espécie de repristinação parcial do conteúdo rompidos, em outros casos não há mais meios que sequencial de atos civis obrigatórios por lei (princí-
mentos informativos, pela opção exclusiva do inte- dos assentos civis de nascimento e casamento, mas permitam movimentar novamente aquele processo, pio da continuidade registral). Os descendentes, ain-
ressado. Creio não ter sido essa a melhor opção. não por erro evidente que conduziria à situação de como se dá na situação em que a pretensão foi alcan- da no caso de casamento civil de seus genitores, ne-
nulidade ou anulabilidade do assento, como em re- çada pela prescrição intercorrente. Pertinente a inda- cessitam declarar sua anuência para a averbação do
Natureza jurídica gra seria ditado pela praxis registral, antes pela gação sobre qual o tipo e natureza jurídica do ato ato – mudança do gênero e prenome do pai ou da
Não se trata de ação, mas sim de procedimento de simples confissão do requerente, ainda que implí- que, no caso concreto, levou ao arquivamento do fei- mãe – em seus assentos de nascimento, caso já maio-
índole administrativa. O procedimento será realiza- cita, acerca da falta de uma perfeita compreensão to judicial cujo objeto tenha sido a alteração preten- res e capazes, dado que essa subsequente averbação
do com base na autonomia da pessoa, que deverá de- de sua própria identidade autopercebida. O resta- dida. Todos esses questionamentos serão válidos e não se opera de forma automática, pois alcança direi-
clarar, perante o registrador do RCPN, a vontade de belecimento do gênero e do prenome originários poderão resultar em formulação de exigências pelo to de terceiros.  
proceder à adequação da identidade mediante a pode ser procedido a qualquer momento, sem pra- oficial registrador a serem cumpridas pelo requeren-
averbação do prenome, do gênero ou de ambos. E zo mínimo de carência, segundo consta pelo pró- te, desde que as certidões dos distribuidores cíveis e Conclusão
independe de prévia autorização judicial ou da com- prio interessado, e somente por ele (legitimação criminais exigidas previamente não sejam aptas – e Uma das causas da reconhecida explosão de de-
provação de realização de cirurgia de redesignação ativa). Todavia, já aqui haverá de ser representado normalmente não serão – para ilustrar com precisão mandas no Judiciário brasileiro tem sido a omissão
sexual, de tratamento hormonal ou patologizante. O no procedimento ou processo judicial por advoga- o que de direito sucedeu na tramitação do processo do Poder Legislativo em enfrentar temas espinhosos
registrador deverá identificar a pessoa requerente do ou defensor público mediante pedido devida- judicial. Vale antecipar, diante de sentença anterior que eventualmente desagradem a setores considerá-
mediante coleta, em termo próprio, conforme mode- mente fundamentado e instruído. Em seu comple- transitada em julgado em processo contencioso, im- veis da sociedade e de grupos políticos com ascendên-
lo constante do anexo deste provimento, de sua qua- to silêncio, que, lacônica, ficou a dever maiores pedido estará o interessado de renovar a mesma pre- cia sobre as respectivas bancadas. À luz dessas ano-
lificação e assinatura, além de conferir os documen- regramentos a respeito, parece ser a interpretação tensão em juízo, seja fora dele. malias, o debate democrático, próprio de uma
tos pessoais originais. O requerimento é assinado sistemática que mais se ajusta às suas diretrizes e à sociedade plural e desigual, é subtraído de seu foro
pelo interessado na presença do oficial, indicando a própria organicidade do Direito. Restrição de publicidade natural e deslocado ao Poder Judiciário em fenômeno
alteração pretendida. Na certidão emitida, após a mudança de gênero e que, por sua vez, favorece a deflagração de outra situ-
Atribuição de circunscrição territorial relativa prenome, deverá constar a informação da existência ação excepcional, matéria de debates entre estudio-
Averbação do CPF, identidade civil e título de eleitor A averbação do prenome, do gênero ou de de ‘averbação à margem do termo’, conforme prevê o sos, denominada de ativismo judicial. E o fato social,
Antes da averbação da alteração de gênero e pre- ambos poderá ser realizada diretamente no ofício art. 21 e § único, da Lei Federal no 6.015/73, e os como se sabe, não espera a regulamentação legislati-
nome, o registrador deverá averbar o número do do RCPN onde o assento foi lavrado. Há previsão números do CPF, Carteira de Identidade e Título de va, exigindo do magistrado a resposta do Estado na
CPF e anotação da Carteira de Identidade e do nú- também para a formulação do pedido em RCPN Eleitor. Já a certidão de inteiro teor poderá ser tutela dos direitos invocados. O sistema de publicida-
mero do Título de Eleitor (Prov. 63, CNJ). Cabe des- diverso do que lavrou o assento (art. 3o, § ún.). emitida a requerimento expresso do registrado, de de registral, formatado sob as diretrizes do Notariado
tacar que será realizado um ato de averbação pela Nesse caso, deverá o registrador encaminhar o procurador com poderes específicos, ou ainda Latino, tem por premissa maior a prevenção dos lití-
mudança do prenome e do sexo, outro ato de averba- procedimento ao oficial competente, às expensas da mediante autorização judicial. gios na busca da segurança jurídica. A normativa, a
ção para a inclusão do CPF, nesse caso gratuita e res- pessoa requerente, para a averbação pela Central de par de bem intencionada, apresenta aspectos que me-
sarcível, e um terceiro ato para a anotação da identi- Informações do Registro Civil. Por simetria, esse Anuência prévia como condição de recem algum aperfeiçoamento. O ponto de inflexão
dade civil e título de eleitor. Aos reconhecidamente ‘ofício diverso’ a que se refere a norma será o do procedibilidade maior, talvez, seja marcado por sua temporalidade
pobres, que assim se declararem, é assegurado que domicílio atual do requerente, em consonância com A subsequente averbação da mudança do preno- intrínseca, dado que se constata – e apenas se trata
todos os atos acima serão gratuitos. as previsão legal similar para a prática de outros me e do gênero no registro de nascimento dos des- aqui de uma constatação, nada mais – as democracias
atos de atribuição do registro civil (art. 50 e § 1o, e cendentes da pessoa requerente dependerá da anu- tradicionais dos países ocidentais do continente euro-
Laudo médico ou psicológico 67, § 4 o, LRP). Sem prejuízo, em que pese a omissão ência deles quando relativamente capazes ou maiores, peu e alguns estados norte-americanos claramente
O atendimento do pedido dirigido ao registrador da norma em comento, cabe aqui a exigência de de ambos os pais (§ 2o, art. 8o), assim como a averba- avançam para a institucionalização do gênero ‘neu-
civil independe ainda da apresentação de laudo mé- prática de ato de ofício voltado à comunicação ção da alteração do prenome e do gênero no registro tro’ nos assentos de nascimento, a esvaziar, com o
dico ou psicológico, nos termos do referido provi- escrita, preferencialmente por meio eletrônico entre de casamento dependerá da anuência do cônjuge (§ passar do tempo, toda essa sorte de providências e
mento. Segundo as notas taquigráficas do julgamen- as unidades interligadas de Registro Civil, tendo em 3o, art. 8o). Em relação ao registro de casamento, tra- dispêndios estatais, inclusive no que diz respeito à ne-
to da ADI 4.275/DF, o relator originário, ministro conta que se trata de ato vinculado do oficial ta-se de assento que não é individual, lavrado sempre cessidade de modificação dos prenomes.

46 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 47
ciamento e Investimentos. A taxa média de juros pu-
blicada pelo Bacen, no primeiro caso, para contratos

Foto: TJSP
da mesma natureza, variou de 144,46% a 154,16% ao
ano, e no segundo, igualmente publicada pelo Bacen,
a quem compete exercer o controle do crédito, tam- Ante a omissão das
bém para contratos da mesma natureza, de 32,2% a
52,5%. Em ambos agravos, demonstrada a probabili- autoridades monetárias em
dade do direito e o perigo de dano, que resulta da regrar os juros, somente
própria taxa de juros abusiva, foram concedidas tute-
las de urgência, em face do reconhecimento da one- restará ao Judiciário solicitar
rosidade excessiva, sendo determinado a suspensão
da cobrança das prestações, o recálculo da dívida e o providências para conter os
realinhamento do contrato, e, para a eficácia do jul- abusos do poder econômico
gado, aplicação de multa diária de R$ 300, limitada a
um período de 30 dias, e, ainda, dado ciência ao re- cometidos pelas instituições
presentante do Bacen em SP.
A lesão enorme e a onerosidade excessiva encon- financeiras”
tram sua previsão na CF no art. 173, § 4o, ao dispor
que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que
vise o aumento arbitrário dos lucros. Referido é a ou-
tra face da lesão enorme e da onerosidade excessiva,
sendo a causa primária do enri­quecimento ilícito das
instituições financeiras que o praticam, detentoras de
balancetes bilionários, em prejuízo dos contratantes. da resolução por onerosidade excessiva, no art. 478,
Tal é regulado no artigo 884 do NCCB, que assim ao anotar que: “Nos contratos de execução continu-
dispõe: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à ada ou diferida, se a prestação de uma das partes se

Taxa de juros
custa de outrem, será obrigado a restituir o indevida- tornar excessivamente onerosa, com extrema van-
mente auferido, feita a atualização dos valores mone- tagem para a outra, em virtude de acontecimentos
tários”. A lesão enorme está prevista ordinariamente extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor

Onerosidade nos contratos bancários


no art. 155 do NCCB, ao estabelecer que ocorre pedir a resolução do contrato”. Consigna, ainda, o
quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou legislador pátrio, no art. 480, que: “Se no contrato
por inexperiência, se obriga a prestação manifesta- as obrigações couberem a apenas uma das partes,
mente desproporcional ao valor da prestação oposta. poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzi-
Aprecia-se a desproporção das prestações segundo da, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar
os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o a onerosidade excessiva”.
Luiz Augusto de Salles Vieira Desembargador do TJSP
negócio (§ 1o). Não se decretará a anulação do negó- Sem muita clareza, permite a lei civil, a anulação
cio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a (lesão enorme), a resolução (onerosidade excessiva)
parte favorecida concordar com a redução do provei- e a revisão, nos unilaterais (para evitar a onerosidade

A
to (§ 2o). excessiva), principalmente nos contratos de adesão.
Responsabilidade da pessoa jurídica e de Ao BCdoB, no art. 9o, cumprir e fazer cumprir as dis- O Código Reale, ao tratar dos defeitos do negócio Finalmente, no Título que trata dos “Contratos em
seus dirigentes, nos atos praticados contra posições que são atribuídas pela legislação em vigor e jurídico, no capítulo que regula a invalidade do ne- Geral”, no art. 421, nas disposições gerais, o legisla-
a ordem econômica e financeira e contra a as normas expedidas pelo CMN. E no art. 10, VI, por gócio jurídico, consigna no art. 171, que: “Além dos dor chama a atenção para o fato de que: “A liberdade
economia popular está prevista na CF, em sua vez, exercer o controle do crédito sob todas as casos expressamente declarados na lei, é anulável o de contratar será exercida em razão e nos limites da
seu art. 173, § 5o. A Lei no 4.595/64 “Dispõe sobre a suas formas. Não obstante ações revelem que as ins- negócio jurídico: II- por vício resultante de erro, função social do contrato”. O “pacta sunt servanda”,
Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e tituições financeiras buscam o lucro de forma abusi- dolo, coação, lesão ou fraude contra credores”. Por- que no Código de Clóvis, era festejado pelos liberais,
Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá va, não se tem notícia da apuração da responsabilida- tanto, ainda que os contratos bancários tenham a na- sofre agora interpretação mais realista, chamando
outras providências”. Compete ao CMN, conforme o de das pessoas jurídicas e seus dirigentes. tureza de comutativo, por conhecerem os contratan- atenção para a função social do contrato. A conduta
art. 4o, IX, limitar, sempre que necessário, as taxas de O abuso estampado nos precedentes constantes tes, “ab initio”, as suas respectivas prestações e esteja abusiva, no CDC, denominada como onerosidade
juros, descontos, comissões e qualquer outra forma desta conceituada Revista Justiça & Cidadania, mos- presente em nossa dogmática jurídica o princípio do excessiva, está prevista, por sua vez, dentro de um
de remuneração de operações e serviços bancários e tram, num dos casos, no qual figura como fornece- “pacta sunt servanda”, demonstrada a lesão enorme, “microssistema” de institutos e normas, para ficar
financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Cen- dor de serviços o Citibank S/A, cobrança de juros de perfeitamente possível a anulação do contrato, fun- nas palavras do jurista e mestre Nelson Nery Junior.
tral do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos fi- 380% ao ano, em cheque especial e, no outro, co- dada nos dispositivos legais citados acima. A Lei no 8.078/90, no art. 6o, V, dispõe que são
nanciamentos que se destinem a promover as ações brança de juros de 987,22% ao ano, em contrato de A matéria ainda está regulada no capítulo que direitos básicos do consumidor a modificação das
constantes dos itens 1 a 7 relativas a atividade rural. mútuo, celebrado com a Crefisa S/A Crédito, Finan- trata da extinção dos contratos, na seção que trata cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

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Foto: shutterstock
Vice-Presidência e Corregedoria
Regional Eleitoral
Atribuições, competências, atividades

Carlos Santos de Oliveira Vice-Presidente e Corregedor do TRE-RJ

ra organizacional da VPCRE se encontra composta

Foto: TRE-RJ
da seguinte forma: Secretaria do Gabinete; Coorde-
nadoria de Assuntos Jurídicos (Coajur); Coordena-
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos O jurista e professor Rizzatto Nunes ensina que a doria de Acompanhamento do Cadastro Eleitoral
supervenientes que as tornem excessivamente one- garantia de revisão das cláusulas contratuais, em ra- (Coace); e Coordenadoria de Supervisão e Orienta-
rosas. O referido se aplica às instituições financei- zão dos fatos supervenientes que as tornem excessi- ção às Zonas Eleitorais (CSORI).
ras, ante o disposto no art. 3o, § 2o, ao considerar a vamente onerosas, tem também fundamento nos O Gabinete é unidade de apoio, que presta assis-
instituição financeira como prestadora de serviço princípios instituídos no CDC de boa-fé, equilíbrio, tência direta ao Vice-Presidente e Corregedor e à
bancário de natureza financeira e de crédito. O di- vulnerabilidade do consumidor, e do fato de ser de secretária, responsável por organizar a agenda de
ploma legal, no art. 39, nos incisos V, VII e X, veda adesão, que decorre do princípio maior constitucio- representação oficial do Vice-Presidente e Correge-
ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, pre- nal da isonomia. Não se trata, segundo o renomado dor e realizar todas as atividades necessárias para
valecer-se da fraqueza ou ignorância do consumi- autor, da cláusula “rebus sic stantibus”, ou “teoria da participação em solenidades e eventos, viagens e vi-
dor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento imprevisão”, mas, sim, de revisão pura, decorrente sitas. O setor ainda recebe, confere e distribui os
ou condição social, para impingir-lhe seus produtos de fatos posteriores ao pacto, independentemente de expedientes e processos às unidades da VPRCE; ela-
e serviços, exigir do consumidor vantagem mani- ter havido ou não previsão dos acontecimentos. bora informações, minutas de despachos e de deci-
festamente excessiva e elevar sem justa causa o pre- Ausente norma reguladora do limite máximo das sões; realiza o cadastramento das autoridades judi-
ço de produtos e serviços. taxas de juros, para fins de detecção pelo magistrado, e ciárias, membros do Ministério Público e agentes

P
Ao tratar da proteção contratual, o legislador con- na impossibilidade de ser aplicar a lei da usura, ainda delegados em sistemas do CNJ, da Justiça Eleitoral e
sumerista, no art. 51, IV e XV, consigna que são nulas que analogicamente, em face do teor da Súmula 596 rimeiramente, importa destacar que a Vice- no Bacenjud, dando suporte sempre que solicitado;
de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais do STF, acredita-se, ante o princípio da razoabilidade, -Presidência se encontra unificada à Corre- realiza o monitoramento das zonas eleitorais objeti-
relativas que estabeleçam obrigações consideradas iní- que norteia os atos da administração, que a taxa de gedoria, com a denominação Vice-Presi- vando o incremento de sua produtividade; organiza
quas, abusivas, que coloquem o consumidor em des- juros anuais não pode ser superior, vamos por assim dência e Corregedoria Regional Eleitoral e mantém a documentação da Corregedoria; atende
vantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a dizer, ao dobro da “taxa Selic”, ou percentual superior (VPCRE). Essa unificação foi levada a efeito com o público que se dirige à VPRCE; providencia as
boa-fé ou a equidade”, e que estejam em desacordo à taxa média de mercado, critério usado para relações base no disposto no art. 1o da Resolução do TRE/RJ publicações no DJE dos atos do Corregedor; dá tra-
com o sistema de proteção ao consumidor. O § 1o, III, jurídicas não comprovadas por contrato bancário. no 932/2015. Na forma do art. 7o da Resolução TSE no tamento às ocorrências encaminhadas pela Ouvi-
por sua vez, presume exagerada, entre outros casos, a Finalizando, pensa-se que, ante a omissão das au- 7.651/1965, alterado pelo art. 1o da Resolução TSE no doria; e ainda responde pela execução de assuntos
vantagem que se mostra excessivamente onerosa para toridades monetárias (CMN e BCdoB) em regrar os 23.570/2018, a Corregedoria da Justiça Eleitoral em administrativos e pela tramitação de expedientes
o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo juros, somente restará ao Judiciário, através dos apli- cada Estado será exercida por desembargador esta- administrativos diversos que não estejam ligados a
do contrato, o interesse das partes e outras circunstân- cadores da Lei, que atuam na esfera cível e do Direito dual que, não tendo sido eleito para presidir a corte outros setores da VPRCE.
cias peculiares ao caso. O § 2o, por outro lado, dispõe Privado, solicitar providências no âmbito do Direito regional, ocupará o cargo de vice-presidente. Coajur – A função jurídica da VPRCE do TRE-RJ
que a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não Penal, em face dos representantes das pessoas jurídi- Destes normativos se extrai que à VPCRE, en- fica a cargo da Coordenadoria de Assuntos Jurídicos
invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, cas e, administrativamente, destas, para conter, de quanto unidade integrante da estrutura do TRE-RJ, (Coajur), que possui como atribuições precípuas a
apesar dos esforços de integração, decorrer ônus ex- forma definitiva, os abusos do poder econômico que compete a orientação, inspeção e fiscalização dos coordenação e supervisão das atividades relaciona-
cessivo a qualquer das partes. são cometidos pelas instituições financeiras. serviços eleitorais no Estado. Atualmente, a estrutu- das ao acompanhamento e à análise de processos de

50 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 51
servidores da CSORI a propositura e análise de su-
gestões de melhorias na sistemática de atendimento

Foto: TRE-RJ
ao eleitor pelos cartórios eleitorais; propositura de
rotinas cartorárias sobre matéria correlata as suas
atribuições, bem como revisões, quando necessárias. De nada adianta a
Da direita para a esquerda: Conclusão – Dentre as atividades realizadas pela
Juiz Auxiliar do TRE-RJ,
Rudi Baldi; Vice-Presidente
VPRCE podemos destacar o apoio e a orientação das realização de um trabalho
zonas eleitorais, a fiscalização do trabalho eleitoral, a
e Corregedor do TRE-RJ,
Desembargador Carlos Santos realização das eleições gerais de 2018, bem como a que não satisfaça o objetivo
biometrização dos eleitores. O apoio e a orientação
de Oliveira; Corregedor Geral
são trabalhos contínuos da Corregedoria. Apesar de
final, que é permitir que
Eleitoral, Ministro Jorge Mussi;
Presidente do Colégio órgão de natureza censória, a Corregedoria tem de- o eleitor exerça o voto de
de Corregedores Eleitorais, senvolvido um trabalho de orientação, de prepara-
Desembargador Waldir ção, para que os servidores possam ter condições de forma livre e sem qualquer
Sebastião de Nuevo Campos
bem desenvolver suas atividades. A atividade censó-
Junior; e o Juiz Auxiliar da
ria, tanto de servidores, quanto de juízes, fica poster- interferência”
Corregedoria Geral Eleitoral,
Davidson Jahn Mello gada, caso, eventualmente, as orientações passadas,
ou a preparação realizada, não sejam suficientes para
evitar que desvios disciplinares sejam caracterizados.
competência originária do Vice-Presidente e Corre- meio de consultas a sistemas próprios, verificando a A fiscalização do trabalho das zonas eleitorais e ultrapassá-la. A questão relativa ao aproveitamento
gedor e daqueles que lhe sejam distribuídos. Possui correta anotação de situações que ensejem a altera- permite que a Corregedoria tenha uma visão ampla de dados biométricos do Detran também se mostrou
duas seções, a Seproe, à qual compete a análise e o ção da situação dos eleitores; e a de Supervisão e Atu- das necessidades, permitindo a realização de traba- providencial, tendo auxiliado de forma contundente.
processamento dos feitos que importem em não di- alização do Cadastro Eleitoral (Sesace), que atua no lho no sentido de auxiliar os servidores e os juízes. A Os trabalhos neste ano estarão voltados a motivar os
plomação ou perda de mandato eletivo; ficando a processamento das duplicidades e pluralidades de fiscalização permite, também, que providências se- eleitores a comparecer às zonas eleitorais para reali-
cargo da Seajur todos os demais processos de compe- inscrições deste estado; no processamento das retifi- jam tomadas no sentido de impulsionar a atividade zar a coleta de dados biométricos, facilitando, assim,
tência da VPRCE. Cabe ainda a todos os servidores cações e exclusão das anotações incorretas no cadas- fim, que é o atendimento ao eleitor de forma digna e o atingimento da meta estabelecida.
lotados nesta Coordenadoria atendimento a advoga- tro eleitoral; na instrução de processos relativos à eficaz. De nada adianta a realização de um trabalho A biometria nada mais é do que a coleta das im-
dos e partes; processar, instruir, intimar e elaborar reversão de operações de requerimento de alista- que não atinja o eleitor e não satisfaça o objetivo fi- pressões digitais, da fotografia e da assinatura dos
minutas de despachos, votos e decisões, inclusive nos mento eleitoral efetuadas por equívoco; cabendo a nal, que é permitir que o eleitor possa exercer o seu eleitores, bem como a atualização de seus respectivos
processos disciplinares contra juízes e/ou servidores; todos os servidores desta Coordenadoria dar suporte direito de voto de forma livre e sem qualquer interfe- dados cadastrais, com o objetivo de evitar fraudes.
realizar estudos e pesquisas relativos à doutrina, le- e orientação às zonas eleitorais nestes temas; e, res- rência que possa influir em sua vontade. Uma vez biometrizado, o eleitor poderá votar apon-
gislação e jurisprudência; acompanhar as sessões ple- ponder às solicitações de informações de dados do A atividade censória, quando implementada, se do a sua digital no leitor que é colocado a sua dispo-
nárias do Tribunal; orientar os cartórios eleitorais cadastro eleitoral, por meio de sistema próprio. dá por meio da instauração de sindicância, ou de sição nos locais de votação. Assim, não haverá a pos-
quanto ao processamento de feitos; elaborar minutas CSORI – A esta Coordenadoria cabe planejar, procedimento administrativo disciplinar, nos quais sibilidade de equívoco na identificação do eleitor no
de avisos, provimentos, resoluções e rotinas cartorá- orientar e supervisionar a prestação dos serviços ine- será assegurada a ampla defesa e o contraditório. momento da votação. O eleitor com biometria reali-
rias e suas atualizações; emitir pareceres nos proces- rentes às suas três seções, a Seção de Atendimento e Aduz-se, ainda, que, por vezes, a referida atividade zada também poderá, baixando o aplicativo “e-títu-
sos administrativos que tramitam na seção; e propor Apoio às Zonas Eleitorais (Seaaze), a Seção de Inspe- censória é instaurada por requisição, ou do Conselho lo”, ter o seu título de eleitor, com foto, na tela do
a realização de convênios a fim de compartilhar o uso ções e Correições (Seinco) e a Seção de Planejamento Nacional de Justiça, ou da Corregedoria Geral do celular.
de informações e/ou sistemas que possam otimizar e e Treinamento (Seplat). O foco da Seaaze é a orienta- Tribunal Superior Eleitoral. Nestas hipóteses, já tive- A pretensão para 2019 é instalar inúmeros postos
racionalizar o trabalho no âmbito do Tribunal. ção dos cartórios eleitorais acerca dos procedimen- mos situações de instauração de sindicâncias em face de atendimento ao eleitor, por meio de convênios,
Coace – Esta coordenadoria tem como função tos cartorários diversos dos de competência da Coa- de magistrado, sendo oportuno ressaltar que todas para fins de biometrização, fora das zonas eleitorais,
principal cuidar do cadastro eleitoral, com foco na jur e Coace; à Seinco cabe a fiscalização e o controle restaram arquivadas, com a decisão de arquivamento em locais de grande movimentação de público, como
qualidade dos dados, sua manutenção e constante sobre os procedimentos realizados nos cartórios elei- ratificada pelo órgão requisitante. shopping centers e universidades, por exemplo. É um
atualização, por meio da coordenação, orientação e torais, por meio de inspeções, apoio às correições, A questão relativa à biometria se insere na com- trabalho que está sendo planejado desde já, objeti-
supervisão dos serviços atinentes à preservação das análise de relatório de atividade anual e acompanha- petência da Corregedoria Regional, considerando vando a biometrização do maior número de eleitores
informações constantes do Cadastro Nacional de mento das zonas eleitorais por meio de sistema espe- que esta é responsável pelo cadastro eleitoral. No ano possível.
Eleitores. Conta com duas seções, a de Direitos Polí- cifico; à Seplat compete o planejamento de capacita- anterior foram realizadas revisões eleitorais em al- Concluindo, a Vice-Presidência e Corregedoria –
ticos (Sedipo), que cuida dos registros relacionados ção, e de material de orientação e atualização dos guns municípios de nosso Estado, revisões estas em por meio de seu Corregedor, Juiz Auxiliar e corpo
aos direitos políticos dos cidadãos, cabendo-lhe se- servidores dos cartórios eleitorais sobre os procedi- decorrência de constatação, pelo Plenário da Corte, qualificado de servidores – está empenhada na reali-
parar, analisar e remeter às zonas eleitorais as comu- mentos cartorários, por meio de organização dos de fraude eleitoral. A meta estabelecida para biome- zação de sua atividades, com o objetivo de propor-
nicações de suspensão e regularização de direitos treinamentos presenciais ou a distância; elaboração e trização de eleitores no ano findo foi atingida. Con- cionar segurança nos pleitos eleitorais vindouros,
políticos, inelegibilidade, conscrição e término de atualização de manuais, fóruns, atualização da pági- tudo, para este ano, a meta estabelecida foi em muito bem como tranquilidade para que o eleitor possa
serviço militar, além de fiscalizar a regularidade dos na da VPCRE na intranet e o levantamento de dados incrementada e necessitará de esforço maior por par- exercer o seu direito constitucional de sufrágio elei-
registros no Cadastro Nacional de Eleitores, por junto às zonas eleitorais. É atribuição comum dos te de juízes e servidores para que possamos atingi-la toral isento de qualquer irregularidade.

52 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 53
E spaço Anadep

Foto: Lúcio Cunha


A Educação em Direitos como o A uma Defensoria

significado de acesso à Justiça Pública eficaz o que se impõe


é procurar entender os
porquês da desordem social,
e enxergar e trabalhar o
Evenin Eustáquio de Ávila Defensor Público do Distrito Federal
Direito como um meio de
transformação social”
Vitor Souza Sampaio Ex-aluno da Educação em Direitos

Defensor Público Evenin Eustáquio de Ávila

O
presente ensaio parte de uma reflexão hu- Ora, dar efetividade ao direito de acesso à Justi- Verifica-se que a Justiça brasileira apresenta-se, É quando os protagonistas do Estado, isto é, o
mana, jurídica e social aparentemente sim- ça perpassa pelo direito à Educação que, numa de forma geral – principalmente por uma questão povo passa a compreender os direitos que têm, os
ples, porém árdua e entusiástica. Diante de concepção cidadã, significa garantir que todos, cultural clássica – para o povo brasileiro, de modo a respectivos meios de sua efetivação, o significado so-
uma legislação que impõe ao cidadão brasi- sem distinção, tenham assegurado o acesso ao en- cuidar da consequência das relações humanas. Ou cial de suas limitações, as relações de poder vigentes,
leiro o conhecimento obrigatório da lei e, por outro sino de qualidade, para o desenvolvimento huma- seja, tais relações só se voltam para o olhar do sistema além de cultivar o respeito e a manutenção dos ideais
lado, de um Estado eminentemente social e democráti- no, a inclusão social e a concretização dos direitos de Justiça se houver litígio. democráticos.
co, a educação voltada aos direitos e deveres do indiví- fundamentais. A uma Defensoria Pública eficaz o que se impõe é Em outras palavras, é quando o povo redescobre
duo deve ser a premissa básica do direito mais funda- Propõe-se, portanto, a ideia de Educação para a procurar entender os porquês da desordem social, e o Estado e, assim, desmonta-se o monopólio da in-
mental de garantia da cidadania: o acesso à Justiça. cidadania como base da democracia e da transforma- enxergar e trabalhar o Direito como um meio de formação qualificada. Paulo Galliez, que cita um es-
A Educação é um direito humano em si mesmo e ção social. transformação social. Para tanto, deve ela atuar ati- tudioso brasileiro (Álvaro Vieira Pinto), lembra que
um meio indispensável para o acesso a outros direitos Transformação social. Esse é o propósito da De- vamente – longe de qualquer inércia – já que a desi- “o que era instintivo clamor de revolta transforma-se
fundamentais e para o respeito às regras básicas do Di- fensoria Pública e é em razão dele que a expressão gualdade social, antes de tudo, é a desigualdade de em iluminante compreensão. Antes sofria, agora
3
reito brasileiro, isto é, de convivência em sociedade.1 “assistência jurídica integral e gratuita” melhor se informações. sabe por que sofre”.
É, pois, através da Educação que reconhecemos o concilia com os objetivos da República estampados Tal atuação abrange a Educação em Direitos, que Combatamos a causa pela causa e não pelas con-
outro, os valores, compreendemos os direitos, os de- no art. 3o da Constituição Federal. consubstancia uma das principais funções institucio- sequências, uma vez que a prevenção de conflitos –
veres, ponderamos a injustiça, os conflitos, nos co- Naquela Carta, ao tempo que são estabelecidos nais da Defensoria Pública (art. 4o, III, da Lei Com- de qualquer espécie – por meio da Educação é a me-
municamos, ou seja, os elementos que nos cercam entre os objetivos fundamentais construir uma socie- plementar no 80/1994). lhor forma de dar dignidade aos cidadãos brasileiros.
enquanto indivíduos sociais.2 dade livre, justa e solidária, bem como erradicar a Essa Educação – que jamais deve ser entendida Trata-se, portanto, do verdadeiro acesso à Justiça,
Aliás, o movimento da história é regido justa- pobreza e a marginalização e reduzir as desigualda- como a mera informação sobre direitos – acontece no qual cada cidadão brasileiro – repise-se, indistin-
mente pela Educação, na qual se transmitem a cada des sociais e regionais (art. 3o, I e III), prevê-se um quando a Defensoria Pública apresenta-se à popula- tamente – deve ter a dignidade do acesso às regras
geração as aquisições prévias da cultura humana. órgão estatal cuja atribuição é a de concretizar o di- ção para auxiliá-la na conscientização cidadã acessí- básicas que fundamentam todo e qualquer tipo de
No que importa à presente reflexão, não se trata reito de acesso à Justiça (art. 134), o mais fundamen- vel, ampliada e polemizada. relação que poderá constituir em uma sociedade po-
de uma visão tradicional de educação cívica, mas de tal para garantir a cidadania. Acessível, pois em linguagem comum, prática e liticamente organizada.
um conceito amplo de cidadania calcado na Educa- Esse acesso, porém, deve ser interpretado de acor- didática, longe do complexo “juridiquês”. Ampliada, Pois bem. Transformação social só pode ser obti-
ção como prática de consciência e de liberdade. É a do com os desígnios e o espírito de um Estado De- pois não limita-se a informar direitos e deveres ime- da por meio de busca ativa e ações coletivas as quais,
partir dela que o indivíduo toma para si seus direitos mocrático e Social de Direito. Logo, o fundamento diatos, como o de votar, pagar tributos ou alimentos, evidentemente, não se limitam a processos junto ao
e deveres como fatos e realidade e tem condições de dessa Instituição não se limita a garantir às pessoas não se valer da autotutela para a solução de seus con- Judiciário, compreendendo que o direito de acesso à
acesso à Justiça – longe da sua concepção formal re- necessitadas os meios para que invoquem a tutela do flitos. Polemizada, pois, trata das relações de poder Justiça não deve esgotar-se numa concepção mera-
sumida em tutela jurisdicional. Estado-juiz. que lhe afetam, dos temas sensíveis às minorias. mente formal.

54 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 55
falar em tais objetivos diante da alienação que vem
por todos os lados.
E spaço Ajufe
Portanto, cabe à Defensoria Pública conscientizar
as pessoas em situação de vulnerabilidade econômi-
ca, social e jurídica que a desigualdade não decorre
de alguma explicação metafísica. É uma questão de

Eficiência e governança
Educação emancipadora.
Cabe à Defensoria Ademais, mediante o contínuo e permanente in-
vestimento na formação do indivíduo enquanto ci-
conscientizar as pessoas dadão consciente, é possível enaltecer a participação
que a desigualdade
não decorre de alguma
social organizada, o exercício ativo da cidadania, me-
lhorar a transparência na aplicação dos recursos pú-
blicos, reduzir a corrupção e aumentar a eficiência
sustentável
explicação metafísica. É
das políticas e dos serviços prestados pelo Estado.
Assim, conclui-se que a Educação em Direitos se
Reflexões sobre a criação do Fundo de
uma questão de Educação
mostra como o requisito básico de qualquer projeto de
nação minimamente vocacionada para o seu povo. Custas da Justiça Federal (Fejufe) e sua
Enfim, “o que faz que os homens formem um
emancipadora”
povo é a lembrança das grandes coisas que fizeram
juntos e a vontade de realizar outras” – “Ce qui fait
compatibilidade com a EC no 95/2016
que des hommes forment um pleuple o est le souvenir
des grande chouses qu’ ils ont faites ensemble et la vo-
lonté d’ em acomplir de nouvelles” – Renan; citado em
O Anel de Ametista, XIX, por Anatole France.
Realizemos outra grande coisa: uma nação que

A
Ora, tantos costumes e hábitos enraizados na so- tenha a Educação em Direitos como pilar da existên-
ciedade motivam fatos e comportamentos que não cia do Estado, para que o acesso à Justiça tenha a ver Fernando Mendes Associação dos Juízes Federais do Brasil
guardam compatibilidade alguma com a lei, que, por com a dignidade de todo cidadão ser informado so- Antônio César Bochenek (Ajufe), para além de ser uma entidade de
sua vez, geram processos judiciais que inundam o bre as regras básicas da convivência em sociedade. Celso Araújo Santos classe da magistratura, atua diretamente
Poder Judiciário sem efetividade alguma. Não se Precisamos avançar arduamente. Clara da Mota Santos Pimenta Alves no aperfeiçoamento institucional da Justi-
combate esse ciclo com nenhuma outra arma que Débora Valle de Brito ça Federal, de modo propositivo perante os órgãos
não seja a Educação. Guilherme Bacelar Patrício Assis do Poder Judiciário ou ainda junto aos demais Pode-
Aliás, se o Estado é social, o direito à Educação foi Luciano Mendonça Fontoura res Executivo e Legislativo. No ano de 2018, esta últi-
consagrado como um direito social, e o sistema de Jus- Notas Madja de Sousa Moura ma tarefa foi marcada pelo apoio a dois Projetos de
tiça brasileiro compõe o Estado, é fundamental que se Florencio Lei essenciais para a construção de uma governança
1
BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.
abandone a atuação burocrática para aproximar-se do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Cit. p. 25. Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves sustentável no âmbito da Justiça Federal. A Ajufe
povo e perceber as razões dos conflitos sociais. 2
FERNANDES, Angela Viana Machado; PALUDETO, Melina Newton Pereira Ramos Neto consolidou argumentos técnicos que demonstram a
Para tanto, não há espaço mais privilegiado para Casari. Educação e direitos humanos: desafios para a escola contem-
Paulo André Espirito Santo Bonfadini
necessidade de aprovação dos PLs no 5.827/2013 e no
atuação, diálogo e reflexão do que a escola pública porânea. Fonte:http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v30n81/a08v3081. 7.735/2017, que tratam sobre o regime de custas da
pdf> Acesso em: 02 de dezembro de 2018. Rafael Andrade de Margalho
brasileira, que, juntamente com os estudantes e a fa- 3 Justiça Federal e a criação do Fundo de Custas da
GALIEZ, Paulo. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2. Rafael Wolff
mília, podem guiar o sistema de Justiça às causas ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.50. Justiça Federal (Fejufe).
mais básicas e sensíveis que levam as pessoas a cons- Os autores do presente estudo mapearam o
Juízes Federais
tituir e transitar em um Estado paralelo de regras, anacronismo do atual regime de custas da Justiça
fatos e costumes populares que muitas vezes não
Referências bibliográficas Federal, que se mostra em desacordo com o art.
guardam compatibilidade jurídica, tampouco efeti- FERNANDES, Angela Viana Machado; PALUDETO, Melina Casari. 98, §2o da Constituição Federal, e a compatibilidade
vidade prática Educação e direitos humanos: desafios para a escola contemporânea. da criação do Fejufe com os ditames da Emenda
Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v30n81/a08v3081.pdf> Constitucional no 95/2016. Nas seções seguintes
No Brasil, onde o índice de analfabetismo e a ca-
Acesso em: 02 de dezembro de2018.
rência de informações são altíssimos, submetendo REIS, Gustavo Augusto Soares dos. A importância da Defensoria serão abordadas essas importantes discussões
pessoas desfavorecidas a elevado grau de alijamento Pública em um Estado Democrático e Social de Direito. Revista do jurídicas.
intelectual, a atuação da Defensoria Pública com po- Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 6, n. 6,
líticas públicas em Educação é um dever-poder. 2009, p. 51. Alterações propostas pelo Projeto de Lei no
GALIEZ, Paulo. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2.
E a Educação em Direitos é o que mais se compa- ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.50.
7.735/2017
gina com a verdadeira consolidação da cidadania e a BRASIL, Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Pla- A grande inovação do PL no 7.735/2017 é a pre-
busca pela transformação social, já que não se pode no Nacional de Educação em Direitos Humanos. Cit. p. 25. visão de criação do Fundo Especial da Justiça Fede-

56 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 57
ceitas de custas na atividade do Poder Judiciário; Segundo essa linha de raciocínio, o Poder
III) o Fejufe possui escrituração contábil própria, Judiciário deveria ter sido ator partícipe do processo
que não se confundirá com a do CJF, permi- legislativo da EC no 95/2016, negociando os limites
tindo que atue contrabalanceando amplamen- de despesa e de execução orçamentária, e, mais do
te eventual excesso de gastos no âmbito da que isso, o seu ponto de vista deve ter lugar na
Justiça Federal; interpretação do “Novo Regime Fiscal” hoje posto.
IV) como novo órgão que faz gestão orçamentária, Ora, se o §9o do atual art. 107 do ADCT prevê que
o Fejufe passa a sofrer impactos próprios em haja compensação entre os limites individualizados
relação ao teto, podendo aplicar as suas recei- de cada órgão, o Poder Judiciário deve estar incluído
tas nos investimentos previstos no diploma no diálogo permanente das compensações e da
legal e compensar as suas receitas excedentes; incidência de cada teto individualizado.
V) as despesas previstas no PL no 7.735/2017 são Além disso, através do Fejufe, o Poder Judiciário
investimentos e não despesas correntes de federal passa a contar com uma receita até hoje

FEJUFE
custeio da máquina judiciária. Assim, em caso inexistente. Trata-se de novo órgão a ser criado, em
de revisão ou priorização dos itens da EC no subordinação ao Conselho da Justiça Federal,
Fundo Especial da 95/2016, seguramente serão as primeiras a se- ostentando CNPJ e, acima de tudo, capacidade de
Justiça Federal rem excepcionadas; gerenciamento de valores. Tudo isso somado confere
VI) o Fejufe é uma nova sistemática de gerencia- ao Fejufe natureza singular que o situa de modo
mento responsável das receitas da Justiça Fe- apartado em relação ao orçamento global da Justiça
Autossustentabilidade da deral, uma medida necessária para a constru- Federal. A limitação traçada pela Emenda em relação
Justiça Federal ção da sustentabilidade administrativa da ao ano de 2016, por razões lógicas, não pode incidir
instituição. Nada disso se altera pelo “Novo sobre novo órgão, não considerado naquele teto
Regime Fiscal”; estipulado, em todas as receitas que superarem o que
VII) o Fejufe permite que as receitas sejam conver- ali foi considerado.
tidas em despesas financeiras, isto é, o fundo Em suma, a edição da Emenda Constitucional no
pode investir receita excedente, de modo a não 95/2016 não se consubstancia em empecilho à
ral (Fejufe), cuja missão será a de financiar a mo- Orçamento e Fejufe: compatibilização do Fundo realizar despesas primárias, mas sim financei- aprovação do PL no 7.735/2017, seja porque reforma
dernização e o aparelhamento da Justiça Federal de com a EC no 95/2016 (Novo Regime Fiscal) ras, que são excluídas do teto de gastos. constitucional não pode ser interpretada de modo a
1o e 2o graus. O Fundo integrará a estrutura do Con- Diante da edição da Emenda Constitucional no manietar a independência do Poder Judiciário,
selho da Justiça Federal (CJF), que será o responsá- 95/2016, que instituiu o “Novo Regime Fiscal” Passamos a detalhar cada um dos itens acima inviabilizando a sua gestão sobre os próprios limites
vel pela gestão e pelo rateio dos valores que custea- (NRF), cumpre analisar se as receitas direcionadas enumerados. e compensações orçamentárias ou ainda retirando
rão toda a atividade judiciária federal, inclusive os ao Fejufe poderão ser efetivamente utilizadas pelo Conforme adiantado, o “Novo Regime Fiscal” eficácia do art. 98, §2o, da Constituição Federal.
projetos e programas de ampliação, construção e Poder Judiciário federal ou se eventual acréscimo dispõe que “ficam estabelecidos, para cada exercício,
reforma de prédios, aquisição e manutenção de veí- arrecadatório será consumido pela limitação de limites individualizados para as despesas primárias” Conclusões
culos e material permanente, capacitação de magis- gastos prevista no diploma. Em outras palavras, dos Poderes da República. A “despesa primária” (ou Através do presente estudo, buscou-se demons-
trados e servidores. impõe-se a seguinte pergunta: qual seria a utilidade não financeira) é aquela que implica aumento da trar que o PL no 7.735/2017 é essencial para a estru-
Como o Projeto de Lei menciona a existência de do PL no 7.735/2017 se, atingido o teto de gastos e dívida líquida, a exemplo dos gastos com pessoal, turação e a modernização da Justiça Federal, por-
relação de subordinação e que o Fundo integra a ainda que haja aumento de receitas, não podem ser previdência, custeio e investimento. quanto o novo ente por ele criado, o Fejufe, é a
estrutura do CJF, a sua natureza é a de órgão, sendo feitas novas despesas primárias? Num primeiro plano, a interpretação do Novo solução adequada para que se dê concretude à reda-
administrado por uma Comissão Gestora composta Diversos argumentos justificam a compatibili- Regime Fiscal deve observar o respeito à autonomia ção do art. 98, §2o, da Constituição Federal. O pre-
por membros da Justiça Federal de 1o e 2o graus, em dade do Fejufe com o “Novo Regime Fiscal” e, so- do Poder Judiciário. Ainda que não se trate de uma sente estudo considerou que o Fejufe terá natureza
paridade, e com mandato durável por um biênio. bretudo, a imprescindibilidade de sua aprovação independência orçamentária absoluta, afinal o orça- de novo órgão, administrativamente subordinado
Importa salientar que o Fejufe possuirá escritu- legislativa, ainda que existam restrições ao aumento mento é elaborado em conjunto com os demais Po- ao Conselho da Justiça Federal, porém com escritu-
ração contábil própria e, como gerirá orçamento, de despesas primárias no âmbito dos poderes da deres, certo é que a Justiça necessita de receitas para ração contábil própria, CNPJ e capacidade de ges-
deverá ser inscrito no Cadastro Nacional de Pesso- União. Os principais eixos são os seguintes: atingir suas metas e finalidades, devendo ter a sua tão das suas receitas, inclusive para fins de investi-
as Jurídicas, nos termos do inciso I, do art. 4o da I) a independência do Poder Judiciário lhe ga- posição considerada na elaboração das propostas e mentos e aplicações financeiras.
Instrução Normativa RFB no  1.634, de 6 de maio rante a prerrogativa de debater a proposta or- na construção dos limites sobre ela incidentes. Poder Por fim, foram elencados diversos argumentos
de 2016. çamentária da União e os limites a que está sem orçamento não é Poder. Nesse sentido é que o que podem ser articulados pela Diretoria da Ajufe e
Esse desenho institucional o torna um órgão de jungido, incluindo as compensações mencio- Supremo Tribunal Federal já se manifestou consig- demais órgãos e autoridades a fim de garantir a auto-
feições peculiares, porquanto o Fejufe instaurará nadas pela Emenda; nando a inconstitucionalidade de diploma que im- nomia do Poder Judiciário federal e a não absorção
nova estrutura arrecadatória de receitas primárias e II) o “Novo Regime Fiscal” não revoga dispositi- pôs limites à execução orçamentária do Poder Judici- de todas as receitas eventualmente direcionadas ao
de transferência delas ao Conselho da Justiça Federal, vos constitucionais anteriores e especiais em ário sem a participação deste na construção da Fejufe pela redução de repasses orçamentários e pelo
sem configurar, no entanto, uma autarquia ou outra relação a ele, a exemplo do art. 98, §2o, da norma. Esse é o teor do julgamento da ADI no limite de realização de despesas primárias, insculpi-
pessoa jurídica autônoma. CR/1988, o qual determina a aplicação das re- 4.426/2011, relatada pelo ministro Dias Toffoli. do na EC no 95/2016.

58 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 59
Quando falamos em Direito Penal, entendemos em determinado lugar do planeta pode influenciar ou-
este como um órgão controlador e fiscalizador das tros riscos em outras áreas. Podemos dizer que exis-

Compliance diante do Direito


relações sociais, portanto devendo acompanhar os tem algumas considerações a serem feitas.
anseios da sociedade que variam constantemente. Primeiramente, existe o bem jurídico supra
Sendo assim, verificamos que o conceito de com- individual, ou seja, aqueles bens que são de todos e

Penal e sua aplicação


pliance pode não ser assim tão novo, ou seja, a ideia de ninguém a mesmo tempo, como o meio ambiente.
sobre tal conceito já podia ser observada desde a pri- Outra consideração a ser feita é em relação ao
meira metade do século XX, principalmente após o conceito de crime de perigo abstrato, e nestes crimes
período pós-guerra com o surgimento de conglome- o importante é prevenir, estar sempre precavido
rados econômicos acarretando a introdução ao Di- sobre o eventual dano a ser cometido. Um exemplo
reito Penal Econômico. Surgiu daí a percepção de são os crimes cometidos que procuram a lavagem de
que o Estado teria a necessidade de começar a impor dinheiro para dar um ar de normalidade ao ilícito
sanções no intuito de limitar abuso de poder por par- cometido (ASSIS MACHADO, 2005, p. 24).
te destes conglomerados. Não podemos deixar de mencionar principal-
Percebeu-se ao longo dos anos que o crime eco- mente a Escola de Frankfurt e as suas duas posições
Marcelo Costa Soares Advogado
nômico não tinha a percepção sobre o ilícito como que explicam muito bem a crise do Direito Penal.
sendo este um ato moral ou imoral, mas sendo sim, A primeira posição se refere ao alemão Hassemer
um problema que pudesse impactar os negócios da que nos enfatiza a sua crítica em relação a visão
empresa. Qual seria o pensamento de quem cometes- expansionista do Direito Penal. Para ele este deve ser
se um crime econômico? 1. Perda de mercado, ou limitado ao máximo, funcionando como ultima
seja, para não se perder mercado se cometeria um ato ratio. Por outro lado, a mesma Escola de Frankfurt
ilícito; 2. Qual o benefício que se poderia obter com a nos enfatiza uma outra visão a de Jesus-María Silva
prática do ato ilícito?; 3. Caso o agente fosse desco- Sanchéz. Este autor propõe um modelo duplo para o
Penal Clássico e Econômico para entendermos me- berto qual seria a gravidade da sanção?; 4. A socieda- sistema penal, qual seja o Direito Penal de duas
Foto: Arquivo pessoal

lhor a evolução dessas ideias, passando também por de iria reprovar esse tipo de comportamento ou velocidades. A primeira velocidade seria o Direito
temas como o Inflacionismo Penal e a Crise do Di- não?  Portanto, a mentalidade de quem começou a Penal Clássico, ou seja, aquele setor do ordenamento
reito Penal para chegarmos no conceito atual de praticar crimes econômicos se tornou diversa de em que se impõem penas privativas de liberdade e no
compliance. quem cometia um ilícito não econômico. Diante dis- qual devem manter-se de modo estrito as regras de
Não menos importante é refletirmos sobre a cria- to, não nos resta senão analisar a flexibilização do imputação e os princípios processuais clássicos. A
ção da Lei Anticorrupção e os programas de com- Direito Penal para podermos entender os novos cri- segunda velocidade destina-se aquelas infrações
pliance. Por fim, analisaremos de maneira sucinta até mes cometidos dentro de um sistema econômico cominadas com penas pecuniárias e restritivas de
que ponto esses programas podem ser realmente efi- cada vez mais dinâmico. direito, tratando-se, portanto, de figuras delitivas de
cazes, e também até que ponto a flexibilização do Di- Entendido como o surgimento de uma série de cunho novo, onde então caberia a flexibilização do
reito Penal não fere direitos adquiridos no que se re- leis de caráter penal apresentada à sociedade como Direito Penal (LUCCHESI, 2017, p. 192).
fere a ampla defesa do acusado. solução de tudo, o Inflacionismo Penal é o processo Sendo o Direito uma ciência, na qual o conheci-
de administrativização do Direito Penal, ou seja, este mento sistematizado em paradigmas passíveis de
Evolução Histórica deixa de ser a ultima ratio (última alternativa) para se observação e verificação com explanações funda-
Atualmente verificamos que empresas adotam tornar prima ratio (primeira alternativa) na resolu- mentadas deve não parar no tempo e, portanto,
programas de compliance somente com o intuito de ção de conflitos. consequentemente acompanhar o avanço das ques-
mostrarem ao mercado que utilizam tais programas, Tal expansão do Direito Penal é analisada pelo tões sociais, é importante entendermos no que o
no entanto, não tendo um acompanhamento eficaz e autor Paulo Queiroz quando ele nos explica que compliance se aplica ao Direito Penal.
não se dando a devida importância ao assunto. Por existe uma mudança de tendência do legislador, ou
enquanto, sabemos que nos dias atuais a adoção de seja, a ideia que nos é mostrada atualmente é que não Compliance e seus aspectos gerais e programas de
um sistema de diminuição de riscos é necessária e se sai de valores importantes da sociedade para uma compliance
útil, porquanto propicia benefícios como a valoração repressão, mas se estabelece uma repressão para Miguel Reale Júnior já nos falava que cada década
imaterial da empresa, consistente na respeitabilidade mostrar à sociedade que algo é importante. Para parece normalmente nos apresentar alguma particular
e confiança que ela passa a ter no cenário econômico refletirmos sobre tal ideia é preciso entendermos a novidade penal, contudo, isso não significa dizer,
e social, além de trazer benefícios, evitando despesas crise do Direito Penal. necessariamente, que cada tempo tem seu crime.

E
Introdução com indenizações, multas, sanções administrativas e Segundo ele, o preço da liberdade se mostra em eterna
ste artigo tem como objetivo entendermos processuais. Crise do Direito Penal vigilância, tendo-se em mente que os limites dessa
o conceito de compliance, ou seja, de onde Portanto, deveremos primeiramente entender O sociólogo alemão Ulrick Beck em sua obra cha- vigilância são postos à prova e transmudados de
surgiu a ideia, para verificarmos se o con- qual é o foco do Direito Penal Clássico para daí mada “Sociedade de Risco’’ nos faz entender que, nos tempos em tempos, no entanto, não significando que
ceito é de fato relativamente novo. Abor- começarmos a enxergar onde estamos em relação ao dias de hoje, existe uma democratização dos riscos de- existam crimes determinados para um determinado
daremos, portanto, conceitos, tais como o Direito conceito de compliance. correntes da globalização, ou seja, um risco que ocorre período do tempo (SILVEIRA, 2017, p. 1).

60 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 61
ma para ser robusto, deve receber o aval explícito e p. 7). Dessa forma, veremos a teoria da cegueira deli-

Foto: shutterstock
incondicional dos mais altos executivos da empresa e berada, ótimo exemplo para refletirmos sobre o que
estes devem acompanhar todo o processo do início temos atualmente como lei e o que vem sendo intro-
ao fim e escolher um profissional para o cargo de res- duzido como nova forma de pensamento nos recen-
ponsável pela área de compliance conhecido como tes casos de corrupção em destaque no Brasil.
compliance officer. Em seguida vem a avaliação dos Tal teoria extrai a ideia de que a culpabilidade
riscos, na qual as políticas de monitoramento adota- evidente em suposto caso não pode ser em menor
das pelo programa de compliance deverão ser cons- grau quando referente aquele que, podendo e
truídas com base nos riscos que forem identificados devendo conhecer, opta pela ignorância. Portanto,
como relevantes. atualmente existe um dilema, ou seja, de um lado a
Já os códigos de condutas, por sua vez, estabele- responsabilidade objetiva que é aquela que impõe ao
cem, entre outros tópicos, os direitos e obrigações de agente o dever de indenizar independente de culpa,
todos os funcionários dentro da empresa. Não me- bastando a reunião dos elementos, tais como, ação/
nos importantes são os controles internos que geral- omissão, nexo de causalidade e prejuízo, porém, do
mente são formalizados por escrito nas políticas e outro lado temos o art. 29 do Código Penal que nos
procedimentos da empresa. Não se pode esquecer mostra que o agente deve, de qualquer modo,
também a respeito do treinamento e comunicação concorrer para o crime para ser tido como culpado.
do programa aos funcionários, assim como as inves- Diante de tal dilema, só nos resta refletir, portan-
tigações internas para atender prontamente denún- to, sobre uma urgente reforma em relação ao nosso
cias de comportamentos ilícitos. Direito Penal que vem utilizando-se de um sistema
Por fim, temos a due diligence, ou seja, um con- de precedentes de cortes norte-americanas, sendo
junto de atos investigativos que devem ser realiza- este, um sistema totalmente diferente do nosso, base-
dos pela empresa no intuito de se verificar o empe- ado no common law.
nho na aplicação e implementação do programa. Já
a auditoria e monitoramento vem crescendo muito Conclusão
em importância, pois fica demonstrada a eficácia do Diante do exposto, vimos que com um novo
programa. quadro de ordem econômica, com ênfase na socie-
Portanto, o programa de compliance é o meio para dade de risco, buscou-se criar mecanismos mais efi-
se detectar possíveis ilícitos e reflexão ao surgimento do cazes de tutela e combate à corrupção, tendo como
Quando falamos em compliance, devemos ter em natureza da Lei. Vale dizer, trata-se de uma lei me- que se entende atualmente por criminal compliance e processo a flexibilização do Direito Penal. Todavia,
mente quais são os seus aspectos gerais para daí po- ramente administrativa ou há elementos de Direito seus efeitos em relação ao Direito Penal. tais meios, muitas vezes se confrontam com o nosso
dermos definir e entender o seu conceito. Os aspec- Penal material  em seus dispositivos? A indagação, atual Direito Penal.
tos gerais que norteiam o conceito de compliance longe de ser meramente acadêmica, tem aspectos Investigação de compliance e a relação do criminal Portanto, sem uma reforma no atual sistema, é de
estão divididos em quatro características: 1. Conduta práticos relevantes, como poderemos analisar. compliance com o Direito Penal se indagar se meios de combates contra a corrupção
– entendida como a responsabilidade pelos atos de A Lei no 12.846/2013 apresenta-se como norma ad- Quando se faz uma investigação de compliance é utilizados em outros países não ferem direitos adqui-
corrupção praticados contra a Administração Públi- ministrativa, no entanto, talvez o legislador não tenha importante ter a figura do investigador, que deverá ridos e valorizados ao longo da nossa história. A res-
ca; 2. Agente-pessoa jurídica; 3. Pena – podem ser definido os comportamentos ali descritos como crimes, ter uma boa capacidade de ceticismo para poder ava- posta, só o tempo dirá.
pecuniárias, reputacionais e restritivas de direitos; 4. nem as sanções como penas, para afastar problemas de liar as informações obtidas. Uma vez detectado o
Responsabilização – enfatiza-se a responsabilidade constitucionalidade. Em uma análise mais apurada do problema, deverá saber se houve violação de leis e, se
objetiva (independe de dolo ou culpa) por atos prati- texto legal, seja qual for o escopo do legislador, os com- houve, quais consequências isso acarretará para a Referências bibliográficas
cados no interesse ou benefício da pessoa jurídica. portamentos descritos e as consequências a eles atrela- empresa em relação ao conceito de criminal com-
Notamos que as características acima citadas são das nesta lei, embora  formalmente  intitulados como pliance que é entendido como um mecanismo de ASSIS MACHADO, Martha Rodrigues de. Sociedade de Risco Penal:
uma avaliação de novas tendências político-criminais: IBCCRM,
relevantes, ainda mais, após a “Era Lava Jato’’. Dito “administrativos”, têm substância penal, ou quase pe- proteção ao bem jurídico da ordem econômica e que 2005.
isto, precisamos refletir sobre o conceito de com- nal. (GRECO, 2015, p. 150). Portanto, como pode essa se comporta um pouco diferente dos meios de tutela GRECO FILHO, Vicente. A corrupção e o Direito Administrativo
pliance para verificarmos se tal conceito implica em lei ser aplicada em relação ao compliance e seus progra- penal tradicional sendo voltado para uma tutela pe- Sancionador. Editora Quartier Latin, São Paulo, 2015.
mudanças de expectativas no combate a corrupção mas de prevenção de riscos organizativos? nal preventiva. Hoje falamos em bens jurídicos uni- LUCCHESI, Guilherme Brenner. Da expansão do Direito Penal
versais, difusos e coletivos, direitos da coletividade, para a expansão para além do Direito Penal: uma análise a partir
ou se será tido como mais uma boa norma de boa Primeiramente, por compliance podemos já en-
dos mecanismos de controle social instituídos pela lei anticorrupção
intenção, mas que não apresentará eficácia. tender e conceituar como um conjunto de disciplinas mais delicados e de difícil regulamentação (SALLES, (Lei 12.846/2013). Revista do Instituto Brasileiro de Direito Penal
Precisamos, portanto, adentrar um pouco na Lei e procedimentos que visam estabelecer regras para o 2011). Econômico,n.1, 2017.
no 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) para entender- cumprimento de normas legais e programas de con- Com a introdução do criminal compliance intro- SALLES, Bruno Pereira Ribeiro. Publicação de artigo. O Compliance
mos sobre a sua finalidade e eficácia e a sua relação duta ética na empresa. Com tal conceito em mente é duziram-se particularidades no contexto penal eco- aplicado ao Direito Penal, 2016. Disponível em: http://www.
conteudojuridico.com.br/artigo,o-compliance-aplicado-ao-direito-
com os programas de compliance existentes no que os programas de compliance são criados. nômico que muitas vezes escapam de uma visão tra- penal,55627.html. Acesso em: 9 de julho de 2018.
mundo organizacional. Uma das questões relevan- Quando verificamos um programa de complian- dicional no Direito Penal. A mais significativa é em SILVEIRA, Renato de Mello. Compliance e Direito Penal na era pos –
tes entre os doutrinadores é a discussão sobre a real ce, a primeira coisa a ser observada é que tal progra- termos de corrupção empresarial (SILVEIRA, 2017, Lava Jato. Revista dos Tribunais, vol. 979/2017, p.31-52, maio/2017.

62 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 63
A arbitragem comercial

Foto: Divulgação internet


internacional na Itália
Um panorama sintético

Naiara Posenato Advogada

Palazzo F. Turati, sede da Camera di Commercio di Milano e da relativa câmara arbitral

A
arbitragem é atualmente uma das formas que são submetidas a uma disciplina específica4. inexistente6. Tais propostas, todavia, ainda não foram nais, que chegaram a representar 19% do total dos
de resolução de controvérsias mais utili- O sistema jurídico italiano apresenta a peculiari- aprovadas pelos órgãos legislativos. processos realizados em 2017. O seu regulamento foi
zadas no âmbito do comércio internacio- dade de conter duas formas de arbitragem, a arbitra- A Itália também faz parte de diversas convenções reformado em 2010, a fim de garantir uma ampla li-
nal, graças às diversas vantagens que apre- gem ritual e a arbitragem irritual (também conhecida internacionais a respeito do tema, que constituem, berdade das partes no que concerne à escolha de di-
senta, por exemplo, com relação ao processo estatal: como arbitragem imprópria). A arbitragem ritual, portanto, lex especialis, entre elas a Convenção de versos aspectos da arbitragem administrada (sede, lei
celeridade, possibilidade de escolher os árbitros e regulada pelos arts. 806 e ss. do CPC produz um lau- Nova York, de 10 de junho de 1958, sobre o reconhe- aplicável, língua, etc.) e, ao mesmo tempo, uma pre-
relativa competência e especialização, caráter sigilo- do cujos efeitos podem ser equiparados à sentença cimento e execução de laudos arbitrais (em vigor sença da câmara arbitral a fim de garantir elementos
so, entre outros. Em origem destinada somente a judicial, podendo inclusive converter-se em título desde 1o de maio de 1969)7, a Convenção de Genebra quais a independência e imparcialidade dos árbitros
questões de alto valor econômico, hoje a arbitragem executivo após a homologação do juiz. É a forma am- de 21 de abril de 1961 sobre a arbitragem comercial e da duração dos procedimentos10.
é utilizada inclusive em litígios menores e tem ampla plamente mais utilizada na prática. internacional, em vigor desde 1o de novembro de Tradicionalmente ativa no setor também é a As-
difusão em praticamente todos os continentes. Além da arbitragem de direito comum, o Direito 1970 e, em tema de arbitragem de investimentos, a sociazione italiana per l’Arbitrato – AIA, fundada em
As empresas italianas também utilizam frequen- italiano também prevê formas de arbitragens especí- Convenção de Washington de 18 de março de 1965, 1955 e com sede em Roma. Dentre as principais ati-
temente tal mecanismo, como demonstram as recen- ficas em tema societário (disciplinada pelos arts. 34 a em vigor desde 28 de abril de 1971. vidades desempenhadas pela mesma, salienta-se a
tes estatísticas de alguns dos maiores centros inter- 36 do Decreto Legislativo no 5, de 17 de janeiro de Além do aspecto estritamente normativo, cabe publicação quadrimestral, a partir de 1990, do perió-
nacionais especializados nesta tipologia de solução 2003), trabalhista (regulamentada pela Lei no 183, de salientar que a arbitragem, enquanto modelo de re- dico especializado Rivista dell’arbitrato, que contém
de disputas1. O grande intercâmbio comercial entre o 4 de novembro de 2010); e em matéria de “obras pú- solução de controvérsias na Itália, também se benefi- análises doutrinárias e da jurisprudência, ordinária e
Brasil e a Itália2 e a presença empresarial italiana no blicas” (regida pelo Decreto Legislativo no 163, de 12 cia de uma mudança cultural favorável: nos últimos arbitral, italiana e estrangeira, além de trazer docu-
Brasil3 determinam o interesse em conhecer os traços de abril de 2006). anos tem se verificado um posicionamento bastante mentação e notícias atuais sobre o tema em geral.
principais da arbitragem internacional italiana, vista Em 2017, algumas propostas normativas em tema flexível e respeitoso por parte da justiça estatal, com Para concluir, se no passado o sistema jurídico
a possibilidade de escolha do direito italiano para a de arbitragem foram elaboradas pela assim chamada amplo reconhecimento dos laudos estrangeiros. Da italiano pode ter sido visto como pouco liberal e não
sua regulamentação e ainda que tal procedimento Comissão Guido Alpa5, presidida pelo renomado juris- mesma forma, os arbitralistas não constituem mais especialmente eficaz no que concerne a disciplina
seja realizado fisicamente alhures. ta e nomeada pelo Ministério da Justiça italiano. Entre um grupo consolidado e fechado, concentrado nas (lato sensu) da arbitragem comercial internacional,
A disciplina da arbitragem interna e internacio- tais propostas, salienta-se, pela pertinência com a arbi- duas principais cidades italianas – Roma e Milão; esse quadro tem mudado rápida e radicalmente. Este
nal italiana é contida no Livro IV, Título VIII, do tragem internacional, a introdução da possibilidade de atualmente o setor atrai cada vez mais jovens em sistema-país pode hoje colocar-se entre as mais reco-
Codice di Procedura Civile, especificamente nos arts. um “recurso per saltum” à Corte Suprema de Cassação todo o território nacional8. nhecidas praças no setor. Ao mesmo tempo, a com-
806 a 840, tendo sido objeto de reformas em 1983, italiana nos casos de ação anulatória para a impugnação No que concerne à prática da arbitragem, em plexidade dos problemas que a matéria em si apre-
1994 e 2006. O ordenamento jurídico italiano aplica do laudo arbitral inválido ex lege (sem necessidade de 1987 foi criada a Câmara Arbitral Nacional e Inter- senta, em termos de fontes, relação com o poder
idêntica disciplina tanto às arbitragens nacionais transitar pelo segundo grau de juízo, que tem compe- nacional da Câmara de Comércio de Milão9; esta ins- judiciário e elementos de internacionalidade, entre
quanto às internacionais, adotando, portanto, um tência originária para a eventual ação de anulação), e a tituição, muito ativa no estudo e na promoção dos outros, requer um específico conhecimento do insti-
modelo monista, com exceção de alguns aspectos extensão dos poderes do árbitro de conceder medidas métodos ADR em geral, experimenta, ultimamente, tuto e do ordenamento por parte do operador jurídi-
relativos às consequências da anulação do laudo, cautelares em caso de arbitragem administrada, antes uma constante expansão nas arbitragens internacio- co interessado.

64 Justiça & Cidadania | Janeiro 2019 2019 Janeiro | Justiça & Cidadania 65
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O escritório Bruno Calfat Advogados
tem o objetivo e a filosofia de prestar
serviços de excelência, com foco no
atendimento personalizado e de quali-
dade, com vistas à elaboração de estra-
tégias e soluções jurídicas adequadas à
demanda submetida por seus clientes.
A atuação dos membros do escritório se
destaca nos órgãos do Poder Judiciário e
na esfera administrativa, notadamente
em procedimentos perante os Tribunais
de Contas do Município, do Estado e da
União, assim como em autarquias e
órgãos públicos.

Pátio interno do Palazzo F. Turati


Áreas de atuação:

Notas • Arbitragem;
1
Segundo as estatísticas da Câmara de Comércio Internacional de Paris, em 2017 as empresas italianas encontravam-se em sexto lugar na • Direito Civil: contratos, obrigações,
classificação com base na nacionalidade das partes das arbitragens realizadas em tal instituição, precedida, nesta ordem, pelos EUA, Alemanha, sucessões e família;
França, Brasil e Espanha. Segundo a London Court of International Arbitration, em 2017 a Itália foi o quarto país europeu quanto ao número de
arbitragens com sede em tal instituição.
2
O relatório anual publicado pela Embaixada da Itália no Brasil revela que, em 2016, a Itália ocupava a quinta posição entre os principais países
• Direito Empresarial e Societário;
exportadores para o Brasil e a nona posição enquanto destinatário das exportações brasileiras. Cfr. Ambasciata d’Italia, Brasile (a cura di), In-
fomercati esteri, Brasile, p. 2.
• Direito Administrativo e Regulatório;
3
A Itália é o sexto país em termos de investimentos diretos no Brasil (sendo superada somente pela Espanha, na zona do Euro), com mais de 2,7
milhões de dólares em 2016. Cfr. Idem, ibidem.
• Direito Constitucional;
4
Para um exame pontual veja-se Radicati di Brozolo, Luca, Requiem per il regime dualista dell’arbitrato internazionale in Italia? Riflessioni
sull’ultima riforma. In: Rivista di diritto processuale, 2010, no 6, p. 1267 ss. • Direito Securitário;
5
Commissione di studio per l’elaborazione di ipotesi di organica disciplina e riforma degli strumenti di degiurisdizionalizzazione, con particolare ri-
guardo alla mediazione, alla negoziazione assistita e all’arbitrato, nomeada em conformidade com o Decreto Legislativo do Ministério da Justiça • Direito Imobiliário;
italiano, de 7 de março de 2016. O documento final encontra-se disponível no endereço web https://www.giustizia.it/giustizia/it/mg_1_36_0.pa
ge?facetNode_1=1_9(2016)&contentId=COS119700&previsiousPage=mg_1_36 • Direito Ambiental;
6
Com relação a tal possibilidade que, como é sabido, foi introduzida no Brasil através da reforma atuada pela Lei no 13.129 de 26 de maio de
2015, havia se pronunciado em sentido favorável lamentando, ao mesmo tempo, a diversa situação italiana Briguglio, Antonio, Prospettive • Direito Internacional;
d’indagine e spunti comparatistici considerando la “Legge sull’arbitrato” brasiliana anche dopo la novella del 2015. In: Rivista dell’arbitrato, no
1/2016, p. 33 ss. • Direito Eleitoral.
7
Como é sabido, este importante instrumento, ratificado pelo Brasil em 2002, regulamenta duas questões centrais do processo arbitral, ou seja,
a derrogação da jurisdição estatal e o reconhecimento do laudo no exterior. Sobre o estado atual das ratificações, que supera o número de 159
Estados, consulte-se http://www.uncitral.org/uncitral/es/uncitral_texts/arbitration/NYConvention.html
8
Conforme constata Azzali, Stefano, Introduction, in The European, Middle Eastern and African Arbitration Review, 2013, p. 1.
9
Cfr. https://www.camera-arbitrale.it/it/index.php
10
A versão em língua portuguesa do Regulamento encontra-se disponível junto ao endereço web http://www.camera-arbitrale.it/Documenti/
cam_rules_2010_pt.pdf
Av. Rio Branco, nº 99, 12º andar – Centro | Rio de Janeiro – RJ – 20040-004
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