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ALMIR NASCIMENTO | ANDREIA REGO

GESTÃO PÚBLICA
NO SÉCULO XXI
O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS

R
ALMIR NASCIMENTO | ANDREIA REGO

GESTÃO PÚBLICA
NO SÉCULO XXI
O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS

R
Coordenação Editorial
Pedro Camilo de Figueirêdo Neto

Conselho Editorial
DOUTORES: MESTRES:
Amanda Barbosa Bruno Barbosa Heim
Audrey de Macêdo Carvalho Clever Jatobá
Claudia de Faria Barbosa Daniela Magalhães Costa de Jesus
Ionã Carqueijo Scarante Fábio S. Santos
João Evangelista do Nascimento Neto Geraldo Calasans Silva Júnior
José Gileá Isan Almeida Lima
José Rômulo de Magalhães Filho Kátia Maria Mendes da Silva
Luciano Sérgio Ventim Bomfim Marcelo Politano de Freitas
Maria João Guia (Portugal) Milton Silva de Vasconcellos
Nadialice Francischini de Souza Pedro Camilo de Figueirêdo Neto
Régia Mabel da Silva Freitas Rodrigo Luduvice da Silva
Ricardo Maurício Freire Soares Sueli Bonfim Lago
Sheila Marta Carregosa Rocha Tássia Louise de Moraes Oliveira
Urbano Félix Pugliese do Bomfim Thacio Fortunato Moreira

Programação Visual de Capa Diagramação


Fernando Campos Alfredo Barreto

Revisão
Joana Cunha

A reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer modo, somente será permitida
com autorização da editora.
(Lei nº 9.610 de 19.02.1998)

CIP – Brasil. Catalogação na fonte

Nascimento, Almir; Rego, Andreia -


Gestão Pública no século XXI: o desafio das lideranças brasileiras / Almir Nasci-
mento & Andreia Rego – Salvador, BA: Editora Mente Aberta, 14 de abril de 2023.
97 p.
13,2Mb
ISBN: 978-85-66960-94-5
1. Gestão pública. 2. Século XXI. 3. Lideranças. I. Nascimento, Almir. II. Rego, An-
dreia. III. Rede Governança Brasil. IV. Título.

CDD 658
REDE GOVERNANÇA BRASIL - RGB

DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente – Petrus Elesbão Lima da Silva
Vice-presidente - Flávio Feitosa Costa
Diretor administrativo-financeiro – Fernando Ferrazza
Diretor jurídico - Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Presidente – Prof. Luiz Antonio Peixoto Valle
Vice–presidente – Paulo Renato Menzel
Conselheiro – José Luiz Bringel Vidal
Conselheira – Carla Simone Viana Lage

CONSELHO DE ÉTICA
Presidente – João Felipe Cunha Pereira
Conselheiro titular – Daniel Picolo Catelli
Conselheira titular – Andréa Esper Xavier
Conselheira suplente – Sheila Pereira de Campos

CONSELHO FISCAL
Presidente – Lucas Barbosa Paglia
Vice-presidente – Elys Tevânia
Conselheiro titular – Walter Marinho
Conselheiro suplente – Marina Cavalini Bailão

COORDENAÇÃO DA CARTILHA GESTÃO


PÚBLICA NO SÉCULO XXI
Almir Lima Nascimento
Andreia Silva Rego

GERENTE DE OPERAÇÕES
Cíntia Caroline da Silva e Silva Reis

EQUIPE TÉCNICA E ELABORAÇÃO


Almir Lima Nascimento
Andreia Silva Rego
INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE GOVERNANÇA
E COMPLIANCE PÚBLICO – IGCP
PRESIDENTE
Ricardo Todeschini Zilio

CONSELHO FISCAL
Presidente do Conselho Fiscal – João Benício Aguiar
Conselheira – Izabela Zanotelli Collares
Conselheiro – Luiz Gustavo Wiechoreki

DIRETORIA EXECUTIVA
Diretora Administrativa, Ensino e Projetos - Dinaura Tedesco
Diretor Financeiro - Henrique Farinon
Diretora de Governança - Cristiane Nardes Farinon

COORDENAÇÃO DE PROJETOS
Sérgio Ricardo Costa Reis
João Vitor Machado Barbosa

CONSULTORA JURÍDICA
Ana Carolina Massa Gomes
CONSULTORA JURÍDICA Ana Carolina Massa
SUMÁRIO

1 Introdução, 9

2 Breve nota sobre as transformações na gestão no século XX e a influência dos


rumos da gestão no século XXI, 14

3 A modernização administrativa e o novo modelo da economia da gestão no


século XXI, 27

4 Um novo modelo de gestão no setor privado: o conceito de plataforma de


negócios, 45

5 Liderança no século XXI e gestão de pessoas, 59

6 Desafios da administração pública federal na visão de três altos executivos


públicos, 85

7 Considerações finais, 90

Referências, 93

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1
INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto do desejo de continuação de um diálogo ocorrido em 24


de junho de 2019, quando o escritor e empresário José Salibi Neto apresentou
a um conjunto de servidores e gestores públicos, no campus da Escola Nacional
de Administração Pública (Enap), em Brasília, o livro Gestão do amanhã, que es-
crevera em coautoria com Sandro Magaldi. Interessados nas transformações em
curso no mundo dos negócios e na sociedade, Salibi Neto e Magaldi examinam
a literatura recente que trata dos desdobramentos na gestão do setor privado
resultantes da revolução tecnológica que moldou o processo de globalização ini-
ciado em meados do século XX e cuja aceleração vem ocorrendo de forma mar-
cante nos últimos vinte anos.
Por ter a intenção de continuar o referido diálogo, o texto recorre com fre-
quência à obra de Salibi Neto e Sandro Magaldi, a fim de apresentar e discutir
temas e situações que interessam não apenas aos que trabalham no setor priva-
do, mas também, e sobretudo, no setor público, como se espera demonstrar no
correr destas linhas
O texto tem o intuito de reunir informações e percepções mais frequente-
mente encontradas em obras do setor privado sobre administração. Seus autores
entendem que o cotejo entre escritos produzidos no setor privado e no público
enriquecem a reflexão do leitor sobre os temas apresentados. Nesse sentido, o
presente texto encontra-se estruturado em sete seções, incluindo introdução e

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considerações finais. A segunda seção traça breve retrospecto da conjuntura na
primeira metade do século XX, que levou ao surgimento da Nova Administração
Pública (NAP) ou New Public Management (NPM), expressão como ficou mais
conhecida internacionalmente, também chamada de gerencialismo ou mode-
lo gerencialista, criada como forma de resolver os problemas socioeconômicos
existentes. A seção também comenta a revolução tecnológica que imprimiu ve-
locidade e amplitude ao processo que depois se tornaria amplamente conhecido
como globalização.
A terceira seção examina o processo de modernização administrativa no Bra-
sil e três tentativas de adoção de ideias e práticas identificadas com o New Public
Management. Tais tentativas remontam à reforma administrativa de 1967, à de
1995 e, mais recentemente, a três distintos instrumentos jurídicos surgidos a
partir de 2016. Essas reformas têm em comum o fato de que, dos textos, parece
emanar uma concordância de seus idealizadores quanto à importância de o se-
tor público ter um desempenho de alto nível e equiparável ao do setor privado,
ainda que respeitando as características específicas e missão institucional do
serviço público.
A seção quatro lança luzes sobre essa importância ao contextualizar o ex-
posto nas duas seções anteriores, tendo como pano de fundo o aparecimento,
no setor privado, do chamado modelo de plataforma de negócios. Esse modelo
sintetiza a forma como o uso intensivo das tecnologias da informação e comu-
nicação (TIC) e da internet permitiram o surgimento de uma economia em rede
que dispensa a necessidade de posse de ativos de uma determinada cadeia de
valor. Ganhos e crescimento das empresas passaram a depender das interações
entre todos os participantes de uma rede, sejam outras empresas, clientes, for-

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necedores etc. O modelo de plataforma é fruto de mudanças que se estendem à
estratégia e à cultura organizacional.
Dando seguimento a essa discussão, a quinta seção do texto discute liderança
e gestão de pessoas no século XXI. As transformações introduzidas pela globa-
lização e por novos modelos de negócios mudaram a maneira de liderar e, mais
ainda, as características que um líder deve possuir para ser bem-sucedido, sem
perder de vista os dez papéis gerenciais que, segundo Henry Mintzberg (1980),
orientam a ação de todos os gestores privados e públicos (nas esferas federal,
estadual e municipal) e que, além disso, devem sempre ter presente a criação
de valor público a partir do trabalho que desenvolvem (MOORE, 2002). Por fim,
aborda o conceito de intraempreendedorismo no setor público, aspecto funda-
mental na construção do setor público do futuro, com base no entendimento de
que a liderança vale tanto quando se trata de liderar a si mesmo, quanto como
liderar equipes e organizações.
Na sexta seção são apresentadas ideias e percepções colhidas de depoimen-
tos de três altos e bem-sucedidos executivos públicos (na forma de uma síntese
itemizada das três entrevistas), que os autores entendem serem representativos
de uma parcela maior de servidores públicos, notadamente a de ocupantes de
cargos de direção. Os entrevistados falam sobre como percebem o serviço pú-
blico brasileiro em uma época na qual as redes sociais e profissionais, ampara-
das no uso intensivo das TIC, transformaram a visão de mundo da sociedade e
a forma de atendimento às demandas feitas por essa. Temas como governança,
estratégia, planejamento de longo prazo, papel dos controles externos e inter-
nos no aprimoramento da máquina pública, competição com o setor privado são
aí abordados.

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A conclusão retoma argumentos examinados ao longo do texto e reitera a
importância do acompanhamento das transformações em curso da gestão no
setor privado como fonte de reflexão para eventual uso no setor público, quando
efetuadas as devidas adaptações.

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2
BREVE NOTA SOBRE AS
TRANSFORMAÇÕES NA GESTÃO NO
SÉCULO XX E A INFLUÊNCIA NOS
RUMOS DA GESTÃO NO SÉCULO XXI

Qualquer análise um pouco mais aprofundada que se queira fazer das trans-
formações socioeconômicas e de sua influência nas gestões privada e pública ao
longo do século XX será sempre um exercício complexo que desafiará quem se
proponha a levá-lo adiante.
O esforço de buscar compreender um assunto a partir de suas partes encon-
tra um paralelo no esforço empreendido por um espectador diante de um qua-
dro cubista. No Cubismo, o pintor divide a imagem principal em várias partes,
criando múltiplos pontos de observação que ampliam o espaço de observação e
o sentido de abstração da obra, não sendo possível dizer, no entanto, quais par-
tes são mais ou menos importantes. O conjunto multifacetado e polifocal permi-
te que o espectador contemple o quadro a seu tempo e maneira, a partir de cada
uma de suas imagens ou do todo, se assim o preferir, o que acaba por multiplicar
o tempo e o prazer na fruição visual da obra. O espectador pode, então, nutrir
sua reflexão acerca do que vê e sente, sem a pretensão de exaurir o entendimen-
to de seu significado.
Da mesma forma, em um ensaio como o aqui pretendido, é possível olhar
diversos pontos, a fim de buscar fazer igualmente uma reflexão sobre o que se

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vê. Nesse caso, ideias econômicas, eventos históricos e modelos de gestão, que
influem nas ações, produtos e serviços tanto no setor privado quanto no público.
Os elementos que serão aqui apresentados têm por objetivo formar uma “ima-
gem cubista” polifocal que não pretende explicar tudo nem exaurir o tema, mas
apresentar argumentos que levem o leitor a chegar às suas próprias conclusões
sobre convergências existentes entre a gestão pública e a privada, e também
sobre o porquê ser possível e necessário utilizar, com as adaptações necessá-
rias, ferramentas metodológicas e a mentalidade pragmática oriundas do setor
privado no setor público. Para tanto, e como ponto de partida, valeria examinar,
sucintamente, a evolução do management, que nada mais seria do que o pensa-
mento aplicado à gestão no setor privado.
Se traçarmos uma linha do tempo do século XX, encontraremos alguns pontos
de inflexão que afetaram o management lato sensu. A Primeira Guerra Mundial
e a Grande Depressão de 1929, deflagrada a partir do crash da Bolsa de Valores
naquele ano, mostraram que o liberalismo econômico, corrente dominante até
então, não fora capaz de evitar a destruição econômica que se seguiu em econo-
mias de todo o mundo e que teve, como epicentro, a economia norte-americana.
Nos Estados Unidos, o New Deal, de Franklin D. Roosevelt, foi à tradução em
políticas públicas da teoria econômica de John Maynard Keynes, que defendia
uma postura mais intervencionista do Estado na economia, quando houvesse
necessidade, implantando a assistência social, regulando a economia e as finan-
ças e tornando-se o principal contratista, por meio de um programa de obras
públicas que estimulava o emprego de uma grande massa de trabalhadores que
ficara ociosa em decorrência da depressão econômica.
O sucesso do New Deal fez com que os Estados Unidos viessem a se tornar
a principal economia do mundo e a principal potência industrial, posição que

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se consolidaria nos anos seguintes ao término da Segunda Guerra Mundial. O
protagonismo do Estado como indutor do crescimento econômico e provedor
das demandas sociais deu origem ao modelo de welfare state (estado de bem-es-
tar social), implementado principalmente nos países anglo-saxões e na Europa.
Dentro desse grupo de países, os escandinavos ocuparam posição de destaque
na aplicação do modelo.
Se, por um lado, o desenvolvimento socioeconômico era uma realidade, por
outro, o custo de todo o aparato do welfare state foi-se tornando cada vez mais
alto com o passar do tempo. Verificou-se uma tendência de gastos públicos cres-
centes, em função tanto do aumento do número de demandas sociais quanto de
seus respectivos custos, agravados pela baixa eficiência no uso de recursos pú-
blicos. Dito de outra forma, a solução calcada na teoria econômica keynesiana,
considerada exitosa desde quando posta pela primeira vez em prática, nos anos
1930, atravessou as décadas seguintes mostrando resultados, porém deixando,
em segundo plano, princípios como o laissez faire e a autorregulação do merca-
do, até começar a dar sinais de ter chegado ao limite da capacidade de custeio de
muitos Estados, como ficou claro a partir da década de 1970. Era preciso, então,
fazer alterações urgentes e profundas no modelo econômico dominante.
No campo das ideias econômicas, o keynesianismo foi visto como a solução
para problemas que o liberalismo tinha sido incapaz de resolver e que acarreta-
ram a grande crise da década de 1930. No campo da gestão pública, o modelo ra-
cional-legal, também conhecido como burocrático ou weberiano (assim chama-
do em razão de ter sido o sociólogo alemão Max Weber o primeiro a descrevê-lo
a fundo), que se estruturou a partir da segunda metade do século XIX, trouxe o
método e a hierarquia para a administração pública, o que acabou contribuin-
do para a implementação das ideias keynesianas. Contudo, aquelas ideias não

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abrangiam a busca de soluções para problemas de claras consequências políti-
cas, como o encarecimento que afetou a capacidade de custeio e, por conseguin-
te, manutenção do modelo de welfare state.
O modelo burocrático surgiu como reação ao modelo patrimonialista ao ins-
tituir a separação entre bens públicos e privados. Essa fronteira demarcatória
não existia no patrimonialismo, cuja origem distante remonta ao tempo do feu-
dalismo, no qual os bens públicos constituíam parte do patrimônio das classes
dirigentes. No patrimonialismo também havia espaço para práticas muito criti-
cadas, como tráfico de influência e nepotismo.
Nesse sentido, o modelo burocrático pretendia combater as disfunções do
patrimonialismo. Sua ênfase recai sobre o primado das normas, a observância
da hierarquia, os processos na organização do trabalho e sobre a verticalização
do comando das ações para a produção de bens e serviços. Atuaram na cons-
trução desse modelo precursores como Frederick Taylor, que destacou a impor-
tância da eficiência nos processos de trabalho e introduziu a figura do gerente
na estrutura fabril, e Henri Fayol, que identificou os componentes da gestão, in-
fluenciando, assim, o trabalho de gestores e executivos (SALIBI NETO; MAGAL-
DI, 2018). Os bons resultados obtidos fizeram com que o modelo burocrático
passasse a ser crescentemente estudado e, na medida do possível, adotado pelas
organizações do setor público.
O sentido de direção, missão e ritmo característicos do sistema burocrático
mostram com clareza o que cada organização, privada ou pública, suas respec-
tivas unidades administrativas e seus empregados e administradores, devem ou
deveriam fazer. Por um lado, a eficiência decorrente da nova forma de adminis-
tração pública produziu resultados até então inéditos do ponto de vista da pro-
dução e prestação de bens e serviços. Por outro lado, uma das críticas ao modelo

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burocrático é o seu autocentrismo e foco na observância estrita de normas e re-
gulamentos que se multiplicavam espontaneamente e que, com o tempo, foram
fazendo com que o modelo padecesse de crescentes rigidez e lentidão.
Consequência disso é o fato de o insulamento burocrático, outra forma de
se referir ao autocentrismo, acabar fazendo com que organizações privadas e
públicas que sigam o modelo racional-legal tendam a maximizar seus próprios
interesses, gerando redundâncias de funcionamento, em razão de duplicações
de normas, procedimentos, cargos e estruturas, além de elevação dos custos.
Recursos públicos que poderiam ser utilizados no atendimento de demandas de
grupos vulneráveis de cidadãos e da sociedade como um todo acabavam por não
chegar aos necessitados. Ainda no que corresponde às organizações públicas,
tais problemas levam a uma perda de eficiência por parte do Estado.
Voltando novamente a atenção para o que se passava do ponto de vista das
ideias econômicas, há de se notar que as crises do petróleo de 1973 e 1979 ex-
puseram as fragilidades das economias europeias e norte-americana, que se
encontravam em uma conjuntura de inflação alta, déficit fiscal, níveis elevados
de endividamento e diminuição dos níveis de trocas internacionais. O aumento
repentino do custo da energia foi o estopim para um forte aumento dos custos
dos combustíveis que agravou os problemas já existentes e provocou recessão
econômica e desemprego.
O modelo econômico centrado no keynesianismo passou, então, a ser mais
questionado por críticos que defendiam sua alteração. Em contrapartida, foi
sendo fortalecida a corrente de pensamento neoliberal, cuja tese central era a
de que a crise não era apenas econômica, mas sim do Estado, que se tornara hi-
pertrofiado, caro e pouco eficiente. No âmbito do setor público, cobrou força a
percepção de que seria necessário o redesenho da estrutura e do funcionamen-

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to da administração pública, visando a torná-la mais apta a enfrentar os graves
problemas nacionais.
Entre as décadas de 1970 e 1990 disseminou-se amplamente o entendimen-
to de que tanto o Estado quanto o setor público precisavam ser urgentemente
reformados. Aos poucos, essa percepção foi obtendo adesão crescente de go-
vernos de todo o mundo. O enfrentamento da crise naquele momento, agravada
pelos dois choques dos preços do petróleo, pode ser dividido, grosso modo, em
dois períodos. O enfrentamento dos problemas econômicos baseou-se em um
conjunto de doutrinas e normas administrativas que não chegavam a ter a es-
truturação de um modelo racional-legal, mas que, de fato, trazia uma mudança
de paradigma. O conjunto de doutrinas que ganhou ares de modelo teórico de
administração ficou conhecido como New Public Management (NPM) ou Nova
Administração Pública (NAP).
Durante a década de 1970, houve o primeiro período. Foi quando adotou-se
uma série de medidas econômicas que preconizavam a redução dos custos e do
tamanho do Estado. Houve cortes drásticos de gastos públicos, visando dimi-
nuir um déficit fiscal que ameaçava a governabilidade. Supressão ou recorte de
programas sociais, incremento das privatizações e dos processos de desregula-
mentação tiveram igualmente o objetivo de aumentar a margem de manobra e o
fôlego dos governos do ponto de vista fiscal.
O segundo período transcorreu entre 1980 e 1990. Houve flexibilização de
algumas medidas do período anterior. Concluiu-se que a simples redução dos
gastos públicos não fora suficiente para assegurar maior eficiência no atendi-
mento das demandas da sociedade. Em suma, não bastava aliviar a pressão so-
bre o orçamento. Era preciso prestar um melhor atendimento ao cidadão, por
meio de serviços públicos de qualidade. O cálculo político por atrás disso é o de

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que da mesma forma que a satisfação do consumidor eleva o nível de confian-
ça das marcas que consome, gerando, assim, maior faturamento e longevida-
de para empresas envolvidas, a satisfação do cidadão com os serviços públicos
aumenta a confiança nos governos e o nível de governabilidade destes. Não se
pode esquecer que o cidadão é também o consumidor de produtos e serviços
privados e públicos.
De 1990 em diante, tem início uma nova fase na NPM que fez com que o cida-
dão passasse de simples cliente à condição de agente, tanto na definição quanto
na implementação de políticas públicas. A importância crescente da participa-
ção do cidadão na esfera pública segue uma tendência observada no tratamento
recebido por ele de parte do setor privado. Por um lado, nada mais natural, já
que se trata de uma mesma pessoa que consome os bens e serviços colocados à
sua disposição, independentemente de serem públicos ou privados.
As transformações na economia e na gestão, observadas inicialmente no pe-
ríodo sob análise, têm como catalisador e ponto de inflexão a revolução das tec-
nologias de informação e da comunicação (TICs), lastreadas no uso de compu-
tadores pessoais (PCs, na sigla em inglês). A posterior disseminação planetária
da internet e a chegada da computação em nuvem (cloud computing) tornaram
aquelas transformações ainda mais rápidas e robustas. As TIC aprofundaram o
fenômeno da globalização, descrito como o adensamento da integração econô-
mica, social, cultural e política. A velocidade de integração aumentou nas quatro
vertentes identificadas, no ano 2000, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)
como aspectos da globalização: comércio e transações financeiras; movimentos
de capital e de investimentos; migração e movimento de pessoas; disseminação
do conhecimento.

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A tecnologia acelerou e acentuou mudanças que estavam em curso desde os
anos de 1960 e ganharam forma e velocidade com as observadas na década de
1970. O setor privado pressentiu as alterações na conjuntura econômica e de
paradigma, passando a mover-se mais rápido do que o setor público. Por essa
razão, caberia analisar algumas mudanças ocorridas no setor privado no perío-
do, para daí entender o surgimento, anos depois, de um novo modelo de econo-
mia fundado no conceito de plataforma de negócios. O entendimento desse novo
modelo é fundamental para pensar a missão e o trabalho a ser desenvolvido
pelo setor público daqui por diante.
Como sabemos, a tecnologia é a catalisadora de um processo de transfor-
mação na forma como os negócios passariam a ser feitos. Entre os avanços que
poderiam ser colocados em uma linha do tempo, baseada na revolução tecnoló-
gica iniciada em meados do século XX, estão: os computadores mainframes na
década de 1960; o surgimento dos microprocessadores; a oferta de computado-
res pessoais nos anos 1980; o uso exponencial da internet a partir de 1990; o
surgimento da computação em nuvem a partir dos anos 2000 e todas as possibi-
lidades exponenciais de conexões entre máquinas e pessoas, via aplicativos, que
vieram na esteira.
Os computadores mainframes eram dispositivos eletrônicos alojados em
grandes estruturas instaladas em salas especiais refrigeradas, capazes de pro-
cessar um grande volume de informações vindas de milhares de usuários e ter-
minais instalados. Pelo seu alto preço, apenas grandes corporações e bancos
podiam adquiri-los e operá-los. IBM, HP e Burroughs (atual Unisys) eram os
principais fabricantes de mainframes naquele período. Há quem considere que
a chegada dos mainframes significou uma ruptura com relação ao modelo an-

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terior de processamento de informações e, por conseguinte, do conhecimento,
dando início à 3.a Revolução Industrial (SALIBI NETO; MAGALDI, 2028).
No início dos anos 1970, houve o aprimoramento dos microprocessadores,
como são conhecidos os circuitos integrados responsáveis pela capacidade de
processamento dos computadores. Gordon Earle Moore, um dos fundadores da
Intel, à época previu que o número de transístores nos microchips dos sistemas
computacionais dobraria a capacidade de processamento a cada 18 meses, sem
elevação expressiva dos custos. A previsão tornou-se realidade e acabou ficando
conhecida como “Lei de Moore”, que segue válida até hoje. Para se ter uma ideia
do crescimento que isso representa, em cinco décadas, o número de transístores
por polegada quadrada passou de 2,2 mil em 1971, para 1,3 bilhão em 2011,
daí para 50 bilhões em 2020 e cerca de 80 bilhões em 2022. O resultado desse
espetacular crescimento foi a multiplicação da potência dos microchips, medida
em milhares de vezes; o barateamento das máquinas, representado na melhoria
sem precedentes do binômio tecnologia x custos; e a miniaturização dos apare-
lhos, que deixaram de ocupar salas inteiras e corredores para caber em peque-
nos dispositivos como telefones celulares, tablets, desk e laptops. Comparados
ao processador desenvolvido em 1965, os microprocessadores atuais possuem
nível de performance 3,5 mil vezes superior, são 90 mil vezes mais eficientes e 6
mil vezes mais baratos.
Tendo-se originado nos Estados Unidos como um programa militar durante
a Guerra Fria, a internet contou com o apoio da academia e de empresas priva-
das que foram desenvolvendo a estrutura (programas de informática) e logística
(constituição de backbones e cabeamento) para sua expansão por todo o plane-
ta. Assim, à medida que os computadores se tornavam cada vez menores e mais
potentes, foi sendo construída uma rede de alcance mundial que permitiria a

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transmissão de dados de maneira instantânea, alterando completamente dois
fatores que haviam sido determinantes para as relações humanas e a velocidade
das transformações no mundo: a distância e o tempo.
Uma nova revolução viria a partir do ano 2000 com a difusão da computação
em nuvem (cloud computing). A possibilidade de utilizar a internet para acessar
fontes remotas de armazenamento de dados e imagens pôs fim à necessidade
de grandes investimentos em sistemas computacionais e instalações dedicadas
a criar e armazenar informações, o que liberou recursos para serem usados em
outras despesas e para outros fins. Um aplicativo em uso por qualquer usuário
pode estar mobilizando, em tempo real, sites e arquivos distribuídos pelos qua-
tro cantos do mundo. Empresas de pequeno porte e poucos funcionários passa-
ram a ter, nas 24 horas uma ferramenta de baixíssimo custo, capaz de oferecer
e mobilizar capacidades técnicas para uma alta performance antes restrita às
grandes corporações industriais, financeiras e órgãos governamentais.
As TIC tornaram-se onipresentes, modificando a forma de atuar de organiza-
ções privadas e públicas, assim como de as pessoas se relacionarem no trabalho
e em sociedade, e mesmo em caráter individual. Adveio um expressivo aumento
de produtividade dos trabalhadores que impactou a economia dos países, come-
çando pelos resultados do chamado setor produtivo. A rapidez e a versatilidade
crescentes demonstradas por esse setor ilustram, em boa medida, a velocidade
e o grau de transformação que atingiu a área econômica. Essas características,
por si sós, mereceriam ser estudadas, dado seu potencial para influenciar o tra-
balho de gestores e das organizações públicas no enfrentamento das transfor-
mações no cenário econômico.
Não apenas por essas razões, mas também por outras convergências exis-
tentes entre setor privado e setor público é conferida legitimidade aos gestores

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públicos para que busquem, no privado, soluções para muitos dos problemas de
gestão que os atingem. Passemos ao exame de algumas convergências antes de
nos dedicarmos a apresentar e comentar o modelo de negócios que está na base
de muitas das maiores e mais bem-sucedidas empresas do mundo, assim como
de empresas de todo porte que se conectam às maiores e participam, de uma
forma ou de outra, dos novos modelos de negócios.
Por um lado, é forçoso reconhecer que entre as diferenças dos dois setores
destaca-se a necessidade de o setor privado obter lucro. Ademais, exige-se cada
vez mais que condutas responsáveis e sustentáveis estejam na base do funcio-
namento das empresas privadas, exigência que encontra expressão no aumento
das pressões da sociedade. Contudo, se o lucro não é objetivo central do setor
público, por outro lado, compete-lhe a prestação de serviços ao cidadão e a toda
a sociedade com a respectiva criação de valor público, conceito sobre o qual
falaremos mais adiante, quando discorrermos sobre a obra do professor da Uni-
versidade de Harvard, Mark Moore (2002). Existem, em contrapartida, pontos
em comum a serem mencionados, sem querer aqui oferecer uma lista exaustiva.
Nesse sentido, as organizações públicas e privadas são instadas a produzir
resultados que atendam cada vez mais a um conjunto de cidadãos/consumido-
res exigentes e versados no manejo das novas TIC.
Além disso, as organizações públicas e privadas fazem uso de metodologias
de gestão que incluem as funções de planejar, organizar, coordenar e controlar
suas ações. Ambas utilizam funções semelhantes, como a orçamentário/finan-
ceira, contábil e recursos humanos. Ambas são influenciadas por fatores políti-
cos, sociais, econômicos e tecnológicos. Experimentam, igualmente, dificuldades
na introdução e utilização de novas técnicas e ferramentas tecnológicas, tendo

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em vista seu processo decisório e a cultura organizacional que a tudo permeia
(PALUDO, 2016).
Por fim, tanto organizações públicas quanto privadas podem e devem buscar
inspiração no que diz Philip Kotler (2010) sobre o fato de que as empresas que
buscam ser reconhecidas devem, em primeiro lugar, importar-se com as pesso-
as e os sonhos delas para, daí, poderem melhor servir a todos.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 25


3
A MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
E O NOVO MODELO DA ECONOMIA
E DA GESTÃO NO SÉCULO XXI

O tema da reinvenção do modelo de gestão é recorrente em estudos sobre


administração pública e ganhou nova interpretação na obra de David Osborne e
Ted Gaebler (1993). No livro Reinventing Government: how the entrepreneurial
spirit is transforming the public sector, os autores defendem a adoção de novas
abordagens pelo setor público, inclusive as provenientes do setor privado, para
melhorar seu desempenho e atendimento às demandas da sociedade. Afirmam
que:

Muitas pessoas foram ensinadas que os setores público e privado deveriam estar
em mundos distintos, que o governo não deveria interferir nas empresas e que
empresas não deveriam se envolver com o governo. Essa era uma premissa central
do modelo burocrático. No entanto, como temos visto atualmente, os governos –
sob intensa pressão de resolver problemas sem gastar novos recursos – procuram
o melhor método que podem encontrar, sem lhes importar o setor de onde venha
(OSBORNE: GAEBLER, 1993, p. 43 , tradução livre).*

* No texto original: “Most people have been taught that the public and private sectors occupy distinct
worlds; that government should not interfere with business, and that business should have no truck
with government. This was a central tenet of the bureaucratic model. But as we have seen, govern-
ments today – under intense pressure to solve problems without spending new money – look for the
best method they can find, regardless of which sector it involves”.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 27


Como fica claro na passagem acima, e o livro é de 1993, não é de hoje que
as organizações públicas têm o desafio de atuar com transparência, eficiência
e economicidade, da mesma forma como as empresas privadas se esforçam em
fazê-lo. De modo geral, essas estão conscientes de que a existência de um déficit
de desempenho, que precisa ser resolvido ou mitigado, deva estar entre os ob-
jetivos centrais da estratégia e dos respectivos planos tático-operacionais. Não
se trata, portanto, aqui, de uma característica exclusiva de aplicabilidade no
setor privado, porquanto gestores públicos podem e devem atuar dentro desse
mesmo espírito. Mais ainda, devem colaborar no sentido de que tal entendimen-
to seja estendido a toda a administração pública e em seus três níveis: federal,
estadual e municipal.
Identifica-se que o desejo de transformação do modelo de administração pú-
blica está presente em distintas tentativas de reformas administrativas no Bra-
sil ao longo do tempo. Caberia aqui pôr em evidência três delas, consideradas
por muitos como estando entre as mais importantes. Espaçadas por intervalos
de aproximadamente trinta anos, buscaram implementar aspectos do modelo
gerencialista no Brasil. As três têm em comum o intuito de resolver problemas
característicos da máquina pública, além de propiciar a criação de uma conjun-
tura favorável para que os gestores pudessem agir com maior eficiência e efeti-
vidade. Estamos falando das reformas de 1967, de 1995 e da iniciada em 2016
(esta última mais recente e, portanto, compreensivelmente, menos estudada do
que as duas anteriores). Cada uma delas representa a necessidade de ajustes
urgentes e efetivos na máquina pública, dadas as transformações da realidade
nacional, notadamente no campo socioeconômico.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 28


3.1 REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1967

A reforma de 1967 tomou forma no Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro


daquele ano. É considerada a precursora do gerencialismo no Brasil e coincidiu
com as primeiras tentativas de implantação do NPM nos países anglo-saxões a
partir dos anos 1970, ainda que não se possa dizer que tenha sido proposta e
executada com base na estrita observância da metodologia do NPM. Por outro
lado, o NPM nunca gozou, junto à academia, do mesmo prestígio, do reconhe-
cimento metodológico e da tradição do modelo burocrático. O NPM segue sen-
do mais bem visto como um sistema de práticas e doutrinas destinado, em sua
origem, a solucionar as limitações do modelo burocrático. Recorde-se que tais
limitações acabaram sendo agravadas pelos problemas econômicos nos Estados
e pela revolução tecnológica embutida em uma globalização que, já no início da
segunda metade do século XX, começava a mudar o mundo de forma rápida e
permanente, alterando a forma de competição entre as nações e a forma de as
sociedades verem o mundo e a si próprias.
A reforma administrativa de 1967 propugnava a descentralização e a ênfase
no planejamento e na estruturação do aparelho de estado. Para os que acompa-
nhavam, à época, a evolução da administração pública brasileira, isso não che-
gava a constituir surpresa, pois os estudos realizados em governos anteriores,
desde os idos do Governo Juscelino Kubitscheck, apontavam a necessidade de a
administração pública nacional deixar para trás o modelo burocrático varguista,
que inegavelmente representou um importante ponto de inflexão e marco do
funcionamento do Estado quando de sua implantação, mas que não mais aten-
dia a contento a um país e a uma sociedade cada vez mais complexos e diversi-
ficados.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 29


O Decreto-Lei n. 200/67 reconhecia a existência de defasagem entre o fun-
cionamento da máquina pública e as demandas nacionais em prol do desenvol-
vimento. Seus idealizadores entendiam que a falta de uma reforma administrati-
va era um obstáculo capaz de impedir que o país evoluísse na direção desejada.
Teria de ser, no entanto, uma reforma que colocasse o planejamento no patamar
que efetivamente lhe correspondia. Essa e a descentralização eram as duas for-
ças que poderiam romper a inércia e fazer o país sair do nível de desenvolvimen-
to em que se encontrava. Uma possível maneira de caminhar nessa direção seria
por meio de uma maior incorporação, por parte do setor público, de práticas e
padrões de funcionamento do setor privado. A mensagem presidencial à época
frisava ser objetivo a ser perseguido pelo setor público o de poder operar com a
eficiência da empresa privada.
Leonardo Barbosa e Silva (2010) avalia que a empresa privada era vista à
época, pelos militares, como antítese da demora, do desperdício, do centralismo,
da ausência de controle, dos privilégios e do papelório. Além disso, valorizava
a racionalidade, o pragmatismo e o planejamento. Exprimia-se, também, uma
preocupação com a gestão por resultados que deveria ser igualmente o objetivo
das organizações públicas. E, para que isso ocorresse, a descentralização e a
flexibilização foram os dois princípios que assumiram o papel central na reforma
administrativa de 1967.
Lustosa da Costa (2008, p. 851) amplia e complementa esse entendimento,
ao sumarizar os principais pontos do Decreto-Lei n. 200/67.
Os pontos mencionados acima demonstram que, além de inovadora, a refor-
ma administrativa de 1967 deixou importante legado, ainda que não tenha che-
gado a resolver totalmente problemas como a baixa profissionalização do servi-
ço público em toda a sua extensão ou as diferenças existentes no fosso crescente

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 30


entre as burocracias na administração direta e indireta (LUSTOSA DA COSTA,
2008). Mesmo limitada (mas, pensando bem, nenhuma reforma administrativa
resolveu todos os problemas que se propôs a enfrentar), certamente constituiu
esforço bem-sucedido para que a reforma administrativa brasileira desse um
passo para além do modelo burocrático, plasmado no ideário de Taylor, Fayol e
Weber.

3.2 REFORMA ADMINISTRATIVA DE 1995

A segunda reforma de caráter gerencial propriamente dito começou em


1995, durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso
(FHC), na gestão do ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira à frente do Ministério
da Administração e Reforma do Estado (Mare). O mandato presidencial teve iní-
cio após longo período de crise fiscal e de hiperinflação que assolaram o Brasil
entre 1981 a 1993. O sucesso do Plano Real que, em 1994, com FHC à frente do
Ministério da Fazenda, pôs fim à hiperinflação e propiciou estabilidade econô-
mica, pavimentou o caminho para sua vitória na eleição presidencial. Embora
tenha convidado Bresser-Pereira para integrar a equipe ministerial, uma refor-
ma administrativa de índole gerencialista não estava entre as prioridades do
programa do novo governo. Bresser-Pereira iria, no entanto, colocar o tema no
centro da agenda nacional de reformas.
Seis meses transcorridos do início do mandato presidencial, em janeiro 1995,
que resultou em uma série de estudos realizados por sua equipe, Bresser-Pe-
reira apresentou o Plano Diretor do Aparelho de Estado (PDRAE). O plano era,
ao mesmo tempo, um documento analítico do funcionamento da administração

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 31


pública brasileira, composto por um diagnóstico dos problemas existentes e por
um plano de ação para superá-los.
No PDRAE, vê-se claramente a influência do ideário do NPM. O documento
ressalta a importância do Estado na solução de disfunções do poder público e
no direcionamento das políticas públicas como indutoras do desenvolvimento
nacional. Ademais, o PDRAE buscava apresentar soluções a alguns temas trata-
dos na alçada da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna foi concebida pe-
los constituintes como instrumento para fortalecer a democracia. O poder entre
as esferas federal, estadual e municipal foi redistribuído, buscando favorecer o
atendimento das demandas crescentes e direitos da sociedade, visando, assim,
a permitir que se tornasse mais próspera e igualitária. Por outro lado, a nova
Constituição acarretou maior rigidez para o funcionamento da administração
pública, assim como a elevação dos custos da máquina pública.
É o que se depreende da leitura do documento que, de forma cristalina, apre-
senta seu diagnóstico e principais diretrizes da reforma administrativa preten-
dida, como se lê na seguinte passagem:

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do


papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento eco-
nômico e social, para se tornar seu promotor e regulador. O Estado assume um
papel menos executor ou prestador direto de serviços, mantendo-se, entretanto,
no papel de regulador e provedor destes. Nesta nova perspectiva, busca-se o for-
talecimento das suas funções de regulação e de coordenação, particularmente no
nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e
municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de
infraestrutura. Considerando essa tendência, pretende-se reforçar a governança
– a capacidade de governo do Estado – por meio da transição programada de um
tipo de administração pública burocrática, rígida, ineficiente, voltada para si pró-
pria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível
e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania. Para isso, será necessária

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 32


uma mudança em três planos: no plano institucional-legal, através da reforma da
Constituição e das leis do país; no plano cultural, através da internalização de uma
nova visão do que seja a administração pública; e no plano da gestão, onde afinal
se concretiza a reforma (MARE, 1995, p. 17).

Ainda que Bresser-Pereira apresentasse uma visão clara do que precisava


ser feito para que o Brasil avançasse na implementação de uma administração
pública apta a oferecer ao país o suporte necessário para alavancar o desenvol-
vimento socioeconômico, houve resistências de servidores públicos, sindicatos,
políticos e gestores, que viam nas propostas modernizadoras do Mare a negação
de direitos, limitações e preocupação sobre como funcionaria na prática uma
gestão voltada para resultados. Além disso, o apoio dentro do próprio governo
federal foi menor do que o esperado, já que a ênfase estaria mais no manejo po-
lítico-econômico do Estado do que propriamente numa mudança de modelo de
administração.
Ocorreram, no entanto, vitórias importantes, como a da entrada da refor-
ma administrativa no debate nacional que se desenvolvia, uma vez que o país
recuperara sua capacidade de planejamento e ação resultantes da estabilidade
macroeconômica, graças ao êxito do Plano Real, e do reconhecimento da neces-
sidade de transformar a ação do Estado via gestão pública. Outro ganho foi a
aprovação da Emenda Constitucional n. 19, em 1998, que, entre outras medidas,
adicionou o princípio da eficiência ao rol dos princípios administrativos listados
no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, abrindo, assim, portas para a ex-
pansão do gerencialismo no Brasil.

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3.3 O NOVO MARCO GERENCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
FEDERAL (2016- )

Em que pese a permanente necessidade de o país contar com uma adminis-


tração pública eficiente sintonizada com os anseios da sociedade, o gerencia-
lismo só seria retomado em 2016, com a edição sucessiva de três normas: da
Instrução Normativa Conjunta MP/CGU n. 1/2016; do Decreto n. 9.203/17 e do
Projeto de Lei n. 9.163/2017, o chamado PL da Governança.
Se as reformas administrativas de 1967 e 1995 foram de iniciativa do Poder
Executivo, a terceira tem como propulsor um órgão do Poder Legislativo, o Tri-
bunal de Contas da União (TCU), embora os órgãos do Poder Executivo tenham
competência institucional para realizá-la e que regularmente façam uso de sua
faculdade propositiva.
O novo conjunto normativo pôs em evidência a importância da aplicação dos
conceitos de governança, planejamento estratégico, gestão de riscos e dos con-
troles internos, de acordo com o receituário gerencialista, por órgãos da esfera
federal, estadual e municipal, tendo-se presente que se tratavam de metodolo-
gias novas para a maior parte da administração pública brasileira.
Da leitura dos três instrumentos normativos, fica patente a intenção das nor-
mas de atender ao disposto no art. 37 da Constituição Federal Brasileira, as-
sim como de contribuir para implementar os objetivos fundamentais listados
no artigo 3.º da nossa Carta Magna. Também vêm ao encontro do atendimento
do princípio de planejamento, consagrado desde a reforma de 1967, viabilizan-
do, assim, a elaboração de um planejamento estratégico do Estado brasileiro. A
instrumentação do texto constitucional encontra-se entre os mais importantes
objetivos a serem alcançados pelos citados instrumentos legais.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 34


3.3.1 Instrução Normativa Conjunta (INC) n.1 MP/CGU 2016

A Instrução Normativa Conjunta (INC) n. 1/2016-MP/CGU estabeleceu as


medidas para a sistematização de práticas relacionadas ao modelo gerencial,
que até então não tinham sido traduzidas em normas específicas, via implan-
tação dos controles internos, gestão de riscos e governança na administração
pública federal. Tratou-se de exercício pedagógico-normativo útil e inédito de
definição de conceitos, uniformização do entendimento e facilitação de sua apli-
cação por parte dos gestores públicos.
Cabe lembrar que, apesar de sua aprovação ter-se dado em momento ante-
rior à publicação do Decreto n. 9.203/2017, seu conteúdo permanece válido em
razão de sua aderência aos dispositivos do referido decreto, que, a bem dizer, le-
vou em conta o disposto na instrução normativa conjunta, vindo a tornar tal re-
gulamentação coberta inicialmente pela INC n. 1 legalmente ainda mais robusta.
Questões relevantes foram aí tratadas, a exemplo de mecanismos de controles
internos de gestão, processos de gestão de riscos, organizacionais e regras para
a boa governança (ALTOUNIAN; SOUZA;LAPA, 2020).

3.3.2 Decreto n. 9.203/2017

O Decreto n. 9.203, em vigor desde 22 de novembro de 2017, trata da polí-


tica de governança da administração pública federal direta, autárquica e fun-
dacional (NARDES, 2018). Por estar hierarquicamente acima de uma instrução
normativa, o decreto não apenas elevou a importância do tema da governança
na administração pública federal, como também expandiu o escopo da INC n. 1
MP/CGU 2016, suprindo, nesse sentido, lacuna existente quanto à regulamenta-

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 35


ção do tema. Recorde-se, no entanto, que o tema governança aparecera um ano
antes, na Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2016, a chamada lei das estatais, em-
bora essa lei tenha sua aplicação direcionada às empresas públicas e sociedades
de economia mista, e suas subsidiárias, no âmbito da União, estados, Distrito
Federal e municípios. Uma outra diferença é que a Lei n. 13.303/2016 dispõe
sobre o estatuto jurídico sem, no entanto, trazer o mesmo viés pedagógico de
apresentação de conceitos como se vê no mencionado decreto e na instrução
normativa conjunta.
O Decreto n. 9.203/2017 explicita, em seu art. 2.º, por exemplo, conceitos
que ficaram subentendidos na lei das estatais. De início, foram estabelecidas
definições relacionadas à governança pública:

I – governança pública;
II – valor público;
III – alta administração;
IV – gestão de riscos.

Além disso, o decreto inovou ao estipular a criação de comitês. O primeiro


deles no chamado “centro de governo”, como foi no caso do Comitê Interminis-
terial de Governança (CIG) – originalmente composto pelos ministros da Casa
Civil da Presidência da República, que o coordena; da Transparência e Controla-
doria-Geral da União; da Fazenda e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
(estas duas posteriormente unificadas no âmbito do Ministério da Economia, de
acordo com o Decreto n. 9.745, de 8 de abril de 2019, que fixou a nova estrutura
organizacional daquele ministério). O CIG tem competência para propor medi-
das, mecanismos e práticas organizacionais para o atendimento aos princípios

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 36


e às diretrizes de governança pública; aprovar manuais e guias com medidas,
mecanismos e práticas organizacionais etc. O segundo tipo de comitê estipulado
no novo decreto está previsto em seu art. 14, que determina que as organizações
públicas federais deverão criá-lo com o objetivo de garantir que as boas práticas
de governança se desenvolvam e sejam apropriadas pela instituição de forma
contínua e progressiva. (ALTOUNIAN; SOUZA; LAPA, 2020).
Na exposição de motivos do decreto de governança, consta que a proposta
veio do Tribunal de Contas da União. Em carta assinada por Augusto Nardes, o
ministro do TCU pondera que:

[...] neste momento desafiador que atravessamos, a edição de uma Lei de Gover-
nança Pública, a exemplo da recente Lei n. 13.303, de 30 de junho de 2016, com
foco nas empresas estatais, pode ter um papel importante no desafio de elevar a
confiança da população e do mercado em relação à gestão e à governança públi-
ca, orientando e instando os gestores a valorizarem questões como a meritocra-
cia, redução do conflito de interesses, definição de uma estratégia de longo prazo
consistente e construção de procedimentos para monitoramento e avaliação das
ações de governo.

A proposta de minuta de decreto está estruturada em oito temas principais:


âmbito de aplicação, princípios de governança pública; diretrizes da governança
pública; mecanismos para exercício da governança pública; plano de resultados
anuais; comitês de governança; gestão de riscos e controles internos; auditoria
interna.
Na explicação da síntese do problema ou da situação que reclama providên-
cias, os proponentes da minuta de decreto argumentam que:

[...] a proposta do projeto de Decreto tem como objetivo estabelecer diretrizes e


práticas de governança pública voltadas à melhoria do desempenho das organiza-

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 37


ções no cumprimento de sua missão institucional. Ainda, o projeto busca fortale-
cer as instituições brasileiras para que possam, assim, gerar, preservar e entregar
valor público com transparência, efetividade e accountability à sociedade.

3.3.4 Projeto de Lei (PL) n. 9.163/2017

A bem dizer, tanto a proposta do decreto quanto a do projeto de lei come-


çaram a tramitar na mesma época. Na minuta da Exposição de Motivos (EM) ao
presidente da República, apresenta-se a proposta de um projeto de lei que trata
da governança pública. Segundo o TCU, o conceito de governança diz respeito ao
“conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática
para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas
públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade”. A exemplo do ocor-
rido na documentação que resultou na aprovação do Decreto n. 9.203/2017, a
carta do ministro do TCU, Augusto Nardes, também sugeria a necessária edição
de uma lei de governança para o Brasil (NARDES, 2018).
O projeto de lei pode ser considerado como uma forma de elevar o tema da
governança pública a um patamar ainda mais alto do que o do importante passo
que fora dado com a entrada em vigor do Decreto n. 9.203/2017. Não por coinci-
dência, como mencionado, o decreto e o projeto de lei surgiram no mesmo perí-
odo e com uma origem comum, sendo o projeto de lei uma evolução do decreto,
que permanece em vigor e com sua importância intacta (NASCIMENTO, 2021).
O debate que orientou a elaboração da proposta de projeto de lei acolheu as
recomendações constantes no Referencial Básico de Governança Pública edita-
do pelo TCU (2014), exemplos de boas práticas de organizações internacionais
(notadamente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

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– OCDE), assim como contribuições, à época, de diversos interlocutores, entre
os quais a Casa Civil da Presidência da República, o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, o Ministério da Transparência e a Procuradoria-Geral da
União.
A argumentação usada na proposta de projeto de lei retoma pontos da uti-
lizada naquela que embasou a proposta do Decreto n. 9.203/2017, e sustenta
que a nova lei também seria uma maneira de conectar os princípios adminis-
trativos dispostos no art. 37 da Constituição Federal de 1988 (reformado na re-
dação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998, para incluir o
princípio da eficiência) e a ação do agente público. Esse passaria a contar com
preceitos claros e didáticos para atuar em favor do cidadão, na prestação de
um serviço público de qualidade. As regras de governança instituídas através
de seus princípios e diretrizes podem embasar mais facilmente a elaboração de
políticas públicas e serviços administrativos orientados ao cidadão.
Outro ponto inovador da proposta de projeto de lei de governança diz res-
peito ao sistema de planejamento do Estado. A Constituição Federal de 1988
estabeleceu um conjunto assistemático de regras referentes ao planejamento
nacional, o que em si não favorece o desenvolvimento de um planejamento es-
tratégico de médio e longo prazo. Subsistem, após três décadas, pontos que ca-
recem de regulamentação e constituem lacunas que influenciam o desempenho
de instrumentos importantes, como o Plano Plurianual.
O projeto de lei busca corrigir e preencher essas lacunas por meio do ofe-
recimento de ferramentas integradas de planejamento, visando ao desenvol-
vimento nacional equilibrado e possibilitando, assim, elevar o Sistema de Pla-
nejamento e Orçamento Federal a um novo patamar, segundo a argumentação
apresentada por seus autores. Os instrumentos para isso seriam: a) a Estratégia

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Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Endes), iniciativa que serviu
de base para a construção da Estratégia Federal de Desenvolvimento do Brasil
(EFD 2020-2031), esta última, que substitui a Endes sem modificação da essên-
cia, instituída pelo Decreto n. 10.531, de 26 de outubro de 2020; b) os planos
nacionais, setoriais e regionais; e c) o Plano Plurianual da União (PPA). Ainda
dentro dos comandos constitucionais, os dispositivos contidos na proposta de
projeto de lei buscam, então, atender ao parágrafo primeiro do art. 174 da Cons-
tituição Federal, que estipula que “[...] a lei estabelecerá as diretrizes e bases do
planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e
compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.
A integração dos instrumentos de planejamento é uma condição fundamen-
tal para que o governo possa trabalhar em prol do desenvolvimento nacional; da
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da erradicação da pobreza
e da redução das desigualdades sociais e regionais, sendo todos esses objetivos
fundamentais listados no art. 3.º da Constituição Federal de 1988 - todos eles
embasando a visão estratégica de planejamento de Estado.
Não bastando contar com instrumentos de planejamento para atingir os ob-
jetivos propostos, a proposta de projeto de lei de governança igualmente atribui
importância ao estabelecimento de mecanismos de controle que incluam a ges-
tão de riscos. Esse é um novo e grande desafio para organizações públicas que
até então não tinham tido a necessidade de lidar com essa ferramenta cada vez
mais essencial para o êxito na gestão no setor público. Em todo esse processo,
destaca-se o papel da alta administração no processo e também o da definição
da forma e do escopo dos mecanismos de controles internos.
O que os novos instrumentos da terceira onda do gerencialismo no Brasil al-
mejariam, em última análise, seria a implantação de uma administração pública

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eficiente e sintonizada com os interesses do cidadão. Nesse sentido, existe aqui
um paralelismo com o setor privado que, da mesma forma, trabalha incessante-
mente pela excelência dos produtos e serviços prestados, e no atendimento das
necessidades de seus clientes. Nesse caso, seja no setor público, seja no privado,
estamos falando de se ter a excelência e o compromisso como princípios orien-
tadores de todas as ações em relação ao cidadão, que reúne os papéis de cliente
e consumidor. Assim, tornar-se-ia realidade o desejo dos gestores de organiza-
ções públicas que gostariam de ver suas instituições com um desempenho com-
parável ao de empresas do setor privado.
Dito isso, e antes de passarmos à seção seguinte, caberia ainda examinar
um último ponto, referente à distinção entre reforma e modernização adminis-
trativa, tal como discutida no excelente – e em muitos aspectos atual – texto de
1972 de Beatriz M. De Sousa Wahrlich (1974). Para tanto, reproduz-se, a seguir,
trecho lapidar da argumentação da referida autora (WAHRLICH, 1974, p. 67):

Coerente com os modelos em que se inspirava, a Reforma Administrativa desde os


anos 30 tinha como objetivo a obtenção de maior eficiência. Era sinônimo de re-
organização administrativa, procurando o aumento do rendimento da produtivi-
dade, através da redefinição ou reformulação das atribuições das repartições; da
racionalização de suas estruturas, métodos e normas de trabalho; da adequação
de seus recursos financeiros, materiais, equipamentos e instalações; do recruta-
mento, seleção aperfeiçoamento dos recursos humanos sob a égide do sistema
do mérito. Logo, voltava-se predominantemente para os meios, para os processos
necessários à consecução dos fins, na presunção de que a melhoria dos meios le-
vasse necessariamente à melhor realização dos fins.

Wahrlich (1974) considera que a atenção excessiva dada aos meios leva à
hipertrofia da padronização e do controle. As reformas no Brasil nas décadas
de 1930 e 1940 eram rígidas e de validez científica limitada, além de sujeitas às

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pressões externas. Para ela, o conceito de modernização administrativa é distin-
to, pois transcende o âmbito de reforma para abranger também a transformação
e/ou criação. Nesse sentido, fala-se dos fins, e não apenas dos meios, o que faz
com que prevaleça o caráter teleológico sobre o processualista. Em outras pa-
lavras, persegue-se a eficácia, e não apenas a eficiência na consecução dos fins.
Segundo Wahrlich (1974), a superação dos obstáculos faz parte do processo
de mudança. Entre estes estão o temor do burocrata em relação ao novo e ao
desconhecido, e as carências de recursos financeiros e de pessoal. Dessa forma,
importa o método que será utilizado no intento de eliminar os obstáculos ou, ao
menos, mitigar os seus efeitos.
Retomando o entendimento de Charles Debbasch, Wahrlich (1974, p. 69)
considera existirem basicamente dois métodos utilizados em reformas: o mé-
todo experimental e o método da administração paralela. O primeiro consiste
no ensaio da reforma projetada e sua adoção em caráter informal e provisório,
gradualmente, antes de sua generalização e formalização, momento em que se
realizam os ajustes. Somente depois desse período de ajustamento aos objetivos
visados, em função da realidade concreta em que opera, é que se dá sua forma-
lização definitiva.
No método da administração paralela, são criadas unidades administrativas,
em paralelo às existentes, que irão se incumbir de novos objetivos e tarefas, sob
novas técnicas, influenciando assim, criativamente, o contexto em que atuam,
comportando-se como desbravadoras capazes de influenciar o funcionamento
dos órgãos como um todo, no médio e longo prazo.
Correlacionando-se esses dois métodos de reforma com os conceitos ante-
riormente expostos sobre reforma e modernização, é óbvio que o método experi-
mental seria mais diretamente correspondente ao processo reformista propria-

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mente dito, ao passo que o método de administração paralela melhor caberia ao
processo modernizador (WAHRLICH, 1974, p. 70).
A cultura organizacional desempenha um papel crucial no processo de mu-
danças administrativas. Essas, por sua vez, podem manifestar sua atuação na
forma de um sistema aberto ou fechado, que fará com que se tenha uma distinção
entre reforma e modernização administrativa. Vimos que existem dois métodos
para fazê-las: o experimental e o da administração paralela. Permanece vivo e
urgente o debate sobre qual método a utilizar na esfera pública, principalmente
quando se percebe que as mudanças no setor privado já ocorreram na forma de
novo modelo de gestão estruturado em plataforma.

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4
UM NOVO MODELO DE GESTÃO
NO SETOR PRIVADO: O CONCEITO
DE PLATAFORMA DE NEGÓCIOS

A profunda e rápida revolução tecnológica das últimas décadas, confir-


mando o acerto da previsão contida na lei de Moore, não se limitou a forçar a
transformação de empresas, das economias e das sociedades como um todo. A
tecnologia catalisou de tal forma o processo de transformação que a noção de
gradualismo e previsibilidade existentes no processo evolutivo, seja no âmbito
econômico, seja no social, deu lugar à expansão do conceito de descontinuidade.
Nesse sentido, linearidade e previsibilidade deixaram de ser automaticamente
aplicáveis aos negócios como eram no passado. Consequentemente, um modelo
de negócios que venha a ser criado daqui por diante não precisa necessariamen-
te ter relação ou ser influenciado pelo modelo anterior. Alterou-se a noção de
importância do precedente como condição para um ponto anterior que serve de
apoio para se atingir o ponto seguinte. A conexão entre passado e futuro preci-
sará ser reinterpretada, pois as certezas e percepções que guiavam as pessoas e
os negócios simplesmente deixaram de ter a validade automática de antes, o que
aguçou no setor privado a necessidade de aprender a funcionar na nova conjun-
tura e um senso de urgência em reagir às transformações.

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O acirramento da competição entre empresas lançou luzes sobre o que se
poderia chamar de um novo “darwinismo empresarial” invertido. Não são mais
as empresas maiores que necessariamente sobrevivem às mudanças (na verda-
de, ícones do passado como Kodak, Nokia, Blockbuster desapareceram de forma
rápida e inesperada), e sim as que se adaptam melhor às novas circunstâncias.
Essa adaptação não se dá apenas com relação à velocidade de implemen-
tação das mudanças requeridas, mas em decorrência da capacidade de apren-
der com as novas circunstâncias e agir em conformidade. A combinação da lei
de Moore com os avanços da internet universalizaram e baratearam o acesso à
tecnologia para empresas de todo porte, que passaram a competir no ambiente
digital, em que as barreiras de tempo e espaço não impactam como no mundo
pré-internet e os custos são muito mais baixos, sem contar ser esse um ambien-
te em que tudo pode ser feito de maneira mais veloz.
A universalização do acesso a um vasto e permanente mercado e a fontes in-
finitas de informações via internet tornou possível a criação de uma nova forma
de fazer negócios, capaz de criar e agregar valor para todos os envolvidos. Para
compreender isso, é preciso comparar o modelo de gestão anterior com o mo-
delo que surgiu como consequência da revolução tecnológica.
O modelo convencional de negócios no setor privado até meados do século
XX identifica a geração de riqueza como resultado da busca do controle total
da cadeia de valor, em que os ganhos de escala ocorrem a partir da combinação
entre ampliação das vendas e redução dos custos de insumos e matérias pri-
mas (SALIBI NETO; MAGALDI, 2018). Os cuidados e atenções por parte do em-
presariado estão bem demonstrados no modelo estratégico desenvolvido pelo
professor Michael Porter, da Harvard Business School (SALIBI NETO; MAGALDI,
2018, p. 93). No modelo porteriano, cinco forças respondem pelo alcance e ma-

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nutenção do êxito por parte de uma empresa: (1) rivalidade entre concorrentes;
(2) ameaça de novos entrantes; (3) poder de barganha dos clientes; (4) poder de
barganha dos fornecedores; (5) ameaça de produtos competidores. A atenção
ao que ocorre quanto ao que se passa nas cinco forças e uma estratégia ágil para
fazer escolhas estaria na base da almejada prosperidade.
O modelo de negócios que irrompe a partir da revolução tecnológica altera
profundamente a estratégia porteriana, já que competidores, novos entrantes no
negócios, fornecedores, clientes e produtos substitutos passam a exercer seus
papéis de maneira muito mais ágil e fluida, em razão de uma tecnologia que eli-
mina barreiras de acesso e empodera clientes, fornecedores e mesmo facilita o
lançamento de novos produtos que passam a competir diretamente. O muro que
havia e propiciava conforto deixa de existir. Em vez de uma fortaleza cercada,
surge uma arena aberta onde todos os competidores estão presentes e atuantes.
Exemplo disso são os marketplaces, em que todos os participantes se encon-
tram e a dinâmica resultante, em um dado momento, tanto pode fazer com que
atuem como aliados quanto como competidores. A mudança da dinâmica pode
levar à constituição de novas configurações e arranjos entre os participantes. O
adversário de hoje pode ser o aliado de amanhã, e vice-versa.
O novo modelo de negócios que orienta o crescimento de muitas das maio-
res empresas do mundo atualmente, conhecido como plataforma de negócios,
leva em consideração as transformações ocorridas e passa a extrair daí o seu
valor para todos os envolvidos na operação.
No novo modelo, não é mais essencial ter o controle total da cadeia de valor e
sim uma rede de interlocutores vasta, coesa e em expansão. Segundo Salibi Neto
e Magaldi (2018, p.103):

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No modelo convencional, a posse de ativos é fator crítico para deter maior contro-
le da cadeia de valor. Esses ativos vão de físicos, como plantas industriais, máqui-
nas e propriedades em geral, até recursos humanos, concretizados na formação e
no controle de grandes grupos de trabalhadores. Nas plataformas, essa estratégia
não é essencial visto que o maior ativo está centrado na comunidade que estimula
interações entre seus participantes, gerando informações e negócios de valor. A
consolidação de um ecossistema com essas características não pressupõe a pro-
priedade de ativos físicos, e sim a harmonização da plataforma de negócios, visan-
do torná-la cada vez mais atrativa a seus componentes.

A nova lógica de plataforma de negócios explica porque empresas como a


Uber (que não possui automóveis), a AirBnb (que não é dona de imóveis), assim
como a Google e o Facebook (que não são empresas de mídia) ou a Amazon (que
não fabrica os produtos que vende) competem diretamente e, muitas vezes, le-
vam grande vantagem na disputa contra gigantes dos setores de transportes,
hotelaria, imprensa, varejista. De onde vêm o faturamento e o sucesso que fize-
ram com que essas empresas valessem bilhões de dólares? A resposta está nas
redes que conectam clientes, fornecedores e parceiros comerciais, permanentes
ou temporários. A tecnologia tornou possível a existência de imensas redes de
interlocutores que trocam milhões de informações. Dessa sinergia, que é a base
do que se chama “mineração de dados”, surgem as oportunidades para que as
empresas atuantes no modelo plataforma gerem riqueza.
Como já ressaltado, o modelo de plataforma de negócios exige grande ca-
pacidade de adaptação e velocidade nas decisões. Por outro lado, ainda que a
chegada repentina de um modelo disruptivo de negócios mobilize, como não
poderia ser diferente, grandes doses de concentração, energia e recursos, não é
possível, nem aconselhável, que qualquer empresa descuide dos negócios que
foram responsáveis por sua sobrevivência até então.

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No jargão corporativo, é o que vem sendo chamado de “motor um e dois” dos
negócios ao passo que, na Academia, essa mesma expressão é correspondente à
chamada ambidestria organizacional. O motor um é a operação atual, responsá-
vel pelo faturamento no presente e sua sustentabilidade econômica, enquanto o
motor dois é a nova operação a ser desenvolvida a médio e longo prazo.
As boas práticas recomendam que os dirigentes e todos os responsáveis pela
produção mantenham-se atentos aos dois motores. Para que o motor um funcio-
ne como deve ser, será preciso zelar pela estrita observância de variáveis que in-
cluem a disciplina da execução; e a melhoria contínua dos processos, visando a
reduzir principalmente os riscos financeiros. Em contrapartida, uma estratégia
destinada a desenvolver o motor dois deve encorajar o maior apetite ao risco;
uma maior agilidade no processo de análise e tomada de decisões, estar baseada
em uma estrutura burocrática mais enxuta e contar com uma estrutura financei-
ra própria e suficiente para suportar o período, possivelmente longo, de espera
e amadurecimento dos projetos, sendo que nunca está assegurada a certeza de
êxito e a empresa deve mesmo estar preparada para perder dinheiro, se assim
for (SALIBI NETO; MAGALDI, 2018, p. 119).
Talvez a melhor forma de as empresas manterem a convicção e o foco seja ter
uma ideia clara não apenas da natureza dos negócios, mas também das necessi-
dades dos consumidores tal como apresentada pela primeira vez nos anos 1960
por Theodore Levitt. Em seu ensaio Marketing Myopia, publicado pela Harvard
Business Magazine, Levitt fez a pergunta que se tornou uma referência: “What
business are you in?” (“Em que negócio vc está?”, em tradução livre). A resposta
pode parecer óbvia, mas Levitt recorda que o declínio da indústria ferroviária
nos Estados Unidos ocorreu quando os maiores empresários do setor não per-
ceberam que o negócio principal deles não eram os trens propriamente ditos e

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sua fabricação, mas o setor de transportes. O desenvolvimento da indústria au-
tomobilística retirou ganhos e relevância da indústria ferroviária, fazendo com
que esta decaísse, perdendo o lugar de destaque que até então ocupara.
A questão também pode se aplicar ao setor público, como iremos discutir
mais adiante. O ponto nevrálgico do artigo de Levitt é o da presença do consumi-
dor no centro das decisões (customer centricity). Não se trata de um enunciado
vazio, como se verá demonstrado também mais adiante, e sim a base de uma
estratégia adaptativa que se aplica ao setor privado e ao público com as devidas
adaptações.
Nesse sentido, antes de passarmos à estratégia adaptativa, valeria discutir
rapidamente um outro ponto relacionado à presente discussão. No chamado
modelo de plataforma de negócios é inegável a importância da incorporação dos
jovens no processo produtivo, nesse caso, a chamada geração millennials, que
inclui os nascidos entre 1981 e 1996. Trata-se de uma geração que, em 2018, já
respondia por mais de 35% da força de trabalho nos Estados Unidos e que se tor-
nou a geração majoritária no mercado de trabalho norte-americano desde 2016,
ultrapassando a geração dos baby boomers, formada pelo grupo populacional
dos nascidos entre 1946 e 1964. Os millennials chegaram em plena revolução
tecnológica, o que faz com que, para eles, a tecnologia seja uma ferramenta com
a qual lidam desde a mais tenra idade e com a qual se sentem à vontade em um
mundo em rápida e constante transformação. Por suas competências intrínse-
cas no manejo das novas tecnologias, os millennials podem contribuir muito na
busca de soluções para os problemas colocados diante das empresas, por conta
de uma conjuntura disruptiva, em permanente transformação. O oferecimento
de oportunidades de trabalho em áreas que não requeiram experiência laboral
prévia de uma força de trabalho jovem constitui uma maneira de aproveitamen-

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to do grande potencial da geração millennial. Já estamos vendo também o in-
gresso no mercado de trabalho da geração Z, que trará ainda mais dinamismo e
inovação às soluções e interações.
Estamos, portanto, falando de um encontro, em vez de um conflito de gera-
ções. Seja no caso de indivíduos, seja no caso de empresas do tipo startups, o
encontro de gerações é benéfico tanto para empresas consolidadas quanto para
as recém-criadas. As empresas tradicionais podem trazer para a parceria com
as novatas de muito menor porte sua experiência, recursos e redes de contato,
facilitando, por exemplo, o levantamento de fundos para as empresas de menor
porte, como no caso das startups.
Por outro lado, as novas empresas trazem um olhar novo e uma nova maneira
de enfrentar e resolver problemas de forma inovadora, com base em novas téc-
nicas, ferramentas e produtos. O desencadeamento da sinergia entre as partes
é um instrumento poderoso para lidar com as rápidas e profundas transforma-
ções de que vimos falando ao longo deste estudo. Nem as empresas novas nem
suas parceiras de mais tempo de mercado possuem, de antemão, as respostas
para assegurar desenvolvimento e prosperidade em cenários de fortes mudan-
ças. A combinação de forças, de fato, multiplica as possibilidades de sucesso. No
mundo tecnológico, temos os exemplos do Facebook, que adquiriu os aplicativos
WhatsApp e Instagram, e da Google, que comprou o aplicativo de navegação sa-
telital Waze.
Antes de concluir essa parte do estudo, caberia discutir dois temas que pos-
suem relação direta com a constituição dos novos modelos de negócios, incluin-
do o modelo de plataforma: estratégia adaptativa e cultura organizacional.

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4.1 ESTRATÉGIA ADAPTATIVA

Salibi Neto; Magaldi (2018, p. 61) assinalam que, para David Rose, empreen-
dedor e professor da Singularity University,* “any company designed for success
in the 20th century is doomed to failure in the 21st” (em tradução livre: “qual-
quer companhia desenhada para ter sucesso no século vinte está destinada a
fracassar no século vinte e um”). Mais que incisiva, a frase é até polêmica, mas
para aqueles dois autores, nenhuma empresa privada pode considerar-se livre
da possibilidade de fechamento, não importando mais seu tamanho ou recursos
disponíveis. Para evitar um desfecho negativo, é necessário contar com uma es-
tratégia que seja capaz de auxiliá-la no aproveitamento de oportunidades e na
mitigação de riscos. Não é por outra razão que o papel da estratégia vem cres-
cendo nas últimas décadas. Mas de que tipo de estratégia estamos falando?
Certamente de uma estratégia que tome como imperativo o princípio da mu-
dança rápida e flexível diante das circunstâncias. Não se trata aqui de uma situ-
ação propriamente nova. Desde os anos 1960, as nuances do cenário econômico
e social começaram a mudar de maneira acelerada e intensa. Os efeitos que isso
teria sobre as atividades no mundo do trabalho foram discutidos por Peter Dru-
cker na obra Uma Era de Descontinuidade, de 1968, em que vislumbrou as ten-
dências que iriam afetar os negócios dali por diante e a necessidade de agir em
conformidade com as transformações observadas (DRUCKER, 1976).
Para Igor Ansoff, matemático e executivo da Lockheed Aircraft Corporation
nos anos 1960, a estratégia deveria ser voltada para associar os recursos de uma
empresa às oportunidades de seu ambiente (SALIBI NETO; MAGALDI, 2020, p.
18).
* Instituição acadêmica e think tank ligado à Google.

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Essa visão mais direta e arguta reflete a mudança do paradigma de estraté-
gia, que passou da ênfase nos ganhos de eficiência operacional (de acordo com
o que defendiam os modelos taylorista e fayolista) a outras considerações mais
amplas como ambiente externo, consumidores e concorrentes. Essa evolução
ganhou corpo com o posterior questionamento do modelo de gestão de Michael
Porter. Tal modelo tornou-se um marco do pensamento da gestão privada quan-
do foi lançado no final dos anos 1970. O modelo defende o controle da cadeia
de valor, com base na demanda, através das cinco forças organizadas do modelo
porteriano, sendo esse o aspecto central de uma estratégia de negócios capaz
de gerar riqueza e assegurar uma duradoura participação de destaque de uma
empresa no mercado. O modelo porteriano, no entanto, foi posteriormente con-
siderado rígido e limitado para fazer frente às mudanças trazidas por uma revo-
lução tecnológica que alterou um ambiente empresarial até então baseado nos
princípios de linearidade e previsibilidade das ações. O modelo passou a receber
críticas, mas isso não significou dizer que se tornou totalmente obsoleto. Seria
correto, contudo, dizer que as empresas mais bem-sucedidas do início do século
XXI foram mais além do que preconizava o referido modelo, ao conceberam uma
nova estratégia de atuação com foco no crescimento e na sustentabilidade.
A argumentação apresentada por José Salibi Neto e Sandro Magaldi (2020,
p. 61) é bastante esclarecedora sobre as mudanças que já ocorreram ou estão
ocorrendo:

O novo tratado estratégico deve considerar os efeitos advindos da tecnologia, que


permitem que uma empresa consiga aliar foco com abrangência. Em vez de cen-
trar seus esforços no controle da cadeia de valor e ganhos de escala advindos da
oferta, a orientação migra para os ganhos de escala advindos da demanda; assim,
quanto maior for a amplitude da ação da organização, maiores são os benefícios
advindos de sua rede de relacionamentos. Essa amplitude não se restringe à co-

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munidade de clientes, mas engloba todos os agentes que interagem com a organi-
zação, como concorrentes, fornecedores, e sociedade, gerando conexões de valor.
A abrangência dessa rede de relacionamentos resultará em menores custos de
operações, com estruturas mais líquidas e menos alavancadas, e mais condições
de atender com excelência os clientes, fundamentos para a arquitetura de uma
vantagem competitiva transitória.

Na implementação de uma estratégia adaptativa que tenha o cliente em seu


centro, três sistemas atuam de maneira sinérgica, a saber: cultura organizacio-
nal, métodos ágeis e gestão de dados.

4.2 CULTURA ORGANIZACIONAL

Uma estratégia adaptativa bem sucedida em termos de resultados não é for-


tuita, tampouco decorre de eventuais mudanças na superfície da estrutura or-
ganizacional de uma empresa ou da introdução, por si só, de novas tecnologias.
Na verdade, liga-se a aspectos muito mais profundos da cultura organizacional
da empresa.
Tanto no que diz respeito aos indivíduos quanto às empresas, vale a máxima
de que “é mais fácil falar do que fazer”. É no momento de implementação de uma
teoria que se pode perceber mais nitidamente as eventuais dificuldades e obstá-
culos para sua adoção. O chamado “discurso vazio” costuma corresponder a uma
mensagem que, embora faça todo o sentido para os ouvintes, acaba não sendo
implementado, daí a origem da expressão. A cultura organizacional costuma ser
a responsável por esse efeito, muitas vezes surpreendente e contraditório.
Uma forma de descrever cultura organizacional seria a de um conjunto de
pensamentos e crenças que orientam as ações e comportamentos, tanto da em-

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presa quanto dos que lá trabalham, influindo diretamente na forma de se com-
portar. Ainda segundo Salibi Neto e Magaldi (2020, p. 123):

A cultura se traduz na prática do negócio, nas atividades executadas diariamente, na for-


ma como as decisões são tomadas, no modo como seus líderes se relacionam com seus
colaboradores, no jeito como a empresa trata seus clientes, e assim por diante. Em tradu-
ção livre, poderíamos afirmar que “cultura é o jeito de ser da organização.”

A cultura não se confunde com o ambiente organizacional. Este é influen-


ciado pelas circunstâncias cotidianas, passíveis de mudanças repentinas. Salibi
Neto e Magaldi (2019) citam o professor Edgar Schein , que desenvolveu um
modelo para explicar o conceito, dividindo-o em três camadas: a) artefatos; b)
normas e valores; c) crenças e pressupostos básicos.
A primeira camada é composta pelos artefatos, que são os sinais mais visíveis
de uma organização, como código de vestimenta, instalações, comportamento
interno e externo de seus funcionários. Na segunda camada estão as normas
que dizem respeito às regras escritas e não escritas, que guiam o funcionamento
da empresa, e os valores, que são os princípios que as pessoas consideram im-
portantes para o cumprimento de sua missão. Na terceira e última camada es-
tão as crenças e pressupostos básicos, que constituem a camada mais profunda.
Esta última não apenas se localiza no espaço fora das aparências, mas também
é onde reside a percepção mais profunda que a empresa e as pessoas têm de si
próprias, percepção que está na base do comportamento. É na terceira camada
onde se alojam os “temas tabus”, capazes de influenciar diretamente o funcio-
namento e a ação. Trata-se da parte mais difícil de mudar, o coração do modelo
cultural e a essência que explica atitudes surpreendentes que não seriam com-
preensíveis vendo-se apenas as duas camadas superiores.

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A cultura organizacional é um fator incontornável. Perpassa todas as áreas e
pessoas de uma determinada empresa. Para que uma estratégia seja bem suce-
dida, é preciso que esteja alinhada à cultura organizacional, sem o apoio da qual
não é possível vislumbrar mudanças significativas e duradouras.
O alinhamento da cultura organizacional à estratégia e sua adequação ao
período de intensas e rápidas mudanças em que vivemos depende ainda de um
outro aspecto, chamado “sentido de propósito”. Este nada mais é do que a combi-
nação entre a vocação da empresa, a sua identidade e o atendimento das deman-
das sociais que pretende satisfazer. Trata-se de uma diferenciação que vai muito
além da marca. A história por trás do negócio (storytelling) é tão importante
quanto o negócio em si e um grande diferencial na transmissão da mensagem
acerca da razão de a empresa existir. Isso porque crescemos ouvindo histórias, e
uma que se conecta com os sonhos, expectativas e experiência dos consumido-
res assume um lugar diferenciado e inesquecível na preferência do consumidor.
O olhar posto no presente e no futuro também se aplica quando se quer mo-
dificar a cultura organizacional. As transformações em curso exigem adequação
às decisões das chefias (sejam o resultado de um processo top down ou bottom
up, sejam mesmo uma combinação dos dois) e sua implementação por parte de
todas as áreas e funcionários. É a chamada cultura de resultados, que determi-
na, executa, controla o disposto na estratégia e/ou no planejamento diário. A
agilidade e a eficácia da execução são os fatores-chave a serem levados em conta
quando se analisa essa cultura e se põe em prática uma estratégia.
Por outro lado, há também a chamada cultura de aprendizado. Em um mun-
do volátil, incerto, complexo e ambíguo (reunidos no acrônimo, em inglês, Vica,
criado por militares norte-americanos), não se pode conhecer todas as res-
postas e o conhecimento se torna obsoleto com muita rapidez. Nesse sentido,

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o aprendizado é um componente estratégico insubstituível. A questão aqui é
saber “aprender a desaprender”, de modo a se estar sempre em condições de
reagir ao inesperado. Se em um mundo linear e previsível a questão central era
mover-se com rapidez para ocupar todos os espaços antes da concorrência, no
mundo Vica e também no do acrônimo Bani,* que ganhou destaque com a incer-
teza trazida pela pandemia do Covid-19, o mais importante é aprender a saber
interagir com as novas e cambiantes circunstâncias.
Em resumo, o framework estratégico bem-sucedido de uma empresa quanto
ao atingimento de suas metas e resultados é consequência de como articula seu
modelo de negócios, sua cultura organizacional e sua liderança (aí compreendi-
da a gestão de pessoas). Tudo isso, de acordo com Salibi Neto e Magaldi (2020, p.
82) em sintonia com as características do ambiente externo e com o cliente posi-
cionado no centro da estratégia (customer centricity). A partir do exame desses
dois primeiros fatores (estratégia e cultura), passemos ao terceiro: liderança e
gestão de pessoas.

* Acrônimo, em português, para frágil, ansioso, não-linear e incompreensível, no inglês, brittle, an-
xious, nonlinear, incomprehensible.

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5
LIDERANÇA NO SÉCULO XXI
E GESTÃO DE PESSOAS

Toda a incerteza gerada pela revolução tecnológica e ilustrada nos acrôni-


mos Vica e Bani exige cada vez mais pessoas preparadas e dispostas para lidar
com o novo, com um ambiente em constante transformação, pois o novo mun-
do exige agentes de mudanças. Na medida em que o modelo de plataforma de
negócios exige estratégia adaptativa e horizontalização do modelo de gestão, o
maior ativo das organizações passa a ser as pessoas e suas interconexões. Para
tanto, precisamos contar com líderes que se permitam o aprendizado constante
e, mais do que isso, que tenham vontade de democratizar a gestão, por meio do
desenvolvimento de novos líderes.
Salibi Neto e Magaldi (2018) ponderam que o modelo tradicional de gestão
sempre esteve baseado na especialização de áreas funcionais e que isso criou
nichos na estrutura organizacional das empresas. Esse padrão, proveniente do
pós-Revolução Industrial, deu margem ao surgimento de um grande número de
especialistas que se dedicaram em profundidade às suas atribuições específicas
e tendem a ignorar uma visão mais holística da organização e suas derivações. A
multiplicação de silos e nichos dificulta e mesmo impossibilita a comunicação.
Da mesma forma que vivemos na era da tecnologia e da comunicação, preci-
samos prover estratégias cada vez mais fluidas para que possamos ser quem
aprende primeiro.

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O documento 4 visões para o RH em 2021, da HSM Academy, relata a gestão
compartilhada como uma tendência, sendo entendida como a descentralização
do poder hierárquico e a revisão das estruturas e práticas organizacionais. Ro-
berta Trindade (2016) argumenta que o modelo piramidal de administração,
com o fluxo de poder no sentido de cima para baixo, é um paradigma que já
serviu com eficiência em uma época, mas que pode não servir para outras situ-
ações. Segundo ela, a ordem da pirâmide deveria ser invertida, tendo primeiro
os clientes, depois os funcionários e, por último, os líderes, que precisam ter
clareza de que servem aos clientes e aos liderados.
No mundo digital, não há mais espaço apenas para o aperfeiçoamento de
habilidades puramente técnicas, sob o risco de fomentarmos a tecnocracia e as
disfunções da já mencionada burocracia. É preciso que habilidades comporta-
mentais e inerentemente humanas, as chamadas soft skills, sejam mais desen-
volvidas e requeridas para fazer frente à revolução tecnológica.
Mesmo dentro das competências comportamentais, Sandro Magaldi e Salibi
Neto (2018) defendem que o perfil do novo líder não abrange apenas, nem se
resume, às competências tradicionais, a saber: honestidade; saber delegar; co-
municação; confiança; compromisso; atitude positiva; criatividade; intuição e
capacidade de inspirar.
A essas competências, por vezes difíceis de encontrar em seu conjunto, de-
vem ser adicionadas competências que garantam protagonismo e autorrespon-
sabilidade aos líderes, como: pensar de forma ousada; engajar por meio de um
senso de propósito; tomar riscos conscientemente; entender a Lei de Moore, as
novas tecnologias, o conceito de plataforma e seus impactos para as suas deci-
sões; saber conectar pessoas e projetos; e ter equilíbrio emocional. Sim, o auto-
conhecimento passa a ser competência essencial do líder do futuro.

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Dentro de toda a complexidade que envolve a atualidade, o líder precisa con-
tribuir para e buscar novas soluções em contextos antes inexplorados e impre-
visíveis. É preciso um espaço de liberdade e autonomia para experimentar, ao
mesmo tempo que tenham humildade para aprender e ajustar, tempestivamen-
te, a rota.
Cabe ter presente que um dos pilares da estratégia adaptativa, discutida mais
acima, é a necessidade do conhecimento de métodos ágeis, entendendo-se agi-
lidade como adaptabilidade e possibilidades de processos iterativos, de forma
que a cada novo ciclo de implementação, novos conhecimentos sejam adquiri-
dos e incorporados, bem como novas possibilidades sejam testadas e validadas
sem apego ao formalismo das metodologias e às soluções que deram certo até
então.
Na perspectiva do pensar de forma ousada, o líder deve desenvolver uma
mentalidade de aprendiz, sempre disposto a olhar de forma diferente para o
problema à frente, pois a experiência e a especialidade podem ser grandes im-
peditivos do olhar inovador e disruptivo, trazendo o líder de volta ao pensamen-
to previsível e linear, ao invés de permitir encontrar soluções simples e inimagi-
náveis.
O engajamento pelo senso de propósito deve ser uma preocupação diária do
líder, pois com mais pessoas comprometidas e com a tecnologia disponível para
ampliar essa comunicação é possível que todos estejam alinhados e acreditem
que podem construir um mundo melhor. É o efeito multiplicador da inspiração
da liderança, o famoso “tom do topo”(tone of the top).

Para cumprir o objetivo, é requerido que o líder integre a visão do propósito ao sistema de exe-
cução da companhia. Do contrário, corre-se o risco de se estimular a uma visão eminentemente
filosófica com alto potencial de atração de seguidores, porém que não se sustentará com o tempo,

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visto que irá provocar um descompasso com as demandas de mercado e o sistema de geração de
valor da companhia ficará comprometido (SALIBI NETO; MAGALDI, 2018, p.192 ).

Outro ponto de extrema relevância para a liderança do século XXI é o da


permissão ao erro. Para inovar, o líder precisa poder conviver com o risco de
fracassar. Aqui não estamos falando de estímulos à negligência e à busca do erro
pela falta de comprometimento ou estudo, mas da gestão de riscos realizada de
forma consistente e com a consciência de que alguns riscos serão assumidos
para que estratégias e cursos de ação sejam testados. Não é mais possível prever
os resultados das ações meramente com simulações, é preciso pagar para ver e é
preciso aprender para evoluir. O maior risco está em não mudar e experimentar.
Em Gestão do Amanhã, Salibi Neto e Magaldi (2018) alertam que, ao não correr
o risco dessa transformação, acorrentando-se ao velho modo de fazer as coisas,
o indivíduo toma o maior risco para si: o perigo do fracasso determinante do seu
negócio e, como consequência, da falência de seu papel como líder.
Carol Dweck (2017) afirma que as pessoas se dividementre as que têm
mentalidade fixa (fixed mindset) e as que possuem mentalidade de crescimento
(growth mindset). Nessa segunda categoria estão as pessoas responsáveis pelas
maiores inovações e transformações realizadas, pois acreditam que sempre há
aprendizado e evolução e não se apegam às frustrações naturais do caminho. A
dupla Salibi Neto e Magaldi (2018) ressalta que, no Brasil, prevalece um certo
fixed mindset, porquanto estimula-se a cultura de baixo risco, em razão do medo
que as pessoas têm de errar.
As pessoas que não experimentam e, por conseguinte, não erram, costumam
ser recompensadas com promoções ou reconhecimento público, ao passo que
as que erram, mesmo que tentando fazer a empresa avançar e inovar, são pe-

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nalizadas. A mensagem é clara em favor de se adotar uma postura resistente
a mudanças, mesmo que isso possa representar atrasos e perdas no caminho
evolutivo da organização.
Dentro de todo esse contexto, além de desenvolver uma mentalidade de
crescimento, é preciso compreender as possibilidades advindas dos avanços
tecnológicos e das formas de comunicação das novas gerações. É necessário que
o líder desenvolva o poder de observação e tenha momentos de estudos cons-
tantes quanto aos novos modelos, plataformas, softwares, teorias e conceitos, o
que Salibi Neto e Magaldi (2018) falam sobre o saber associar aquilo que se tem
conhecimento com a exploração do desconhecido.* É também essencial que o lí-
der, independentemente de sua área, tenha familiaridade com a tecnologia, suas
implicações e potencialidade.
Tendo presente a necessidade de saber empregar as novas tecnologias, de
informar-se adequadamente e de manter uma postura pragmática e focada, não
se pode perder de vista a importância de se atender às necessidades do cliente
(no caso do serviço público, o cidadão). Mais do nunca, isso deve estar no centro
de todas as decisões tomadas na organização, não somente buscando sua satis-
fação pura e simples, mas também identificando quais são os caminhos percor-
ridos por ele, quais decisões impactam na sua experiência e como otimizar nos-
sos recursos para que essa experiência e esse caminho façam sentido para ele
e sejam desenvolvidas atividades que de fato se coadunam com as entregas dos
serviços que deveriam estar sendo prestados para criar valor para os usuários.

* Segundo Sandro Magaldi e Salibi Neto (2018), é necessário mudar a cultura que hipervaloriza
o indivíduo e desenvolver um tratado antiarrogância com uma visão orientada à gestão do ego: 1.
Humildade para aprender. 2. Exercitar a liderança genuína e 3. Investir no autoconhecimento e ob-
servação de si mesmo.

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Dessa forma, ao invés do líder que tem todas as respostas “na ponta da lín-
gua”, o foco no cliente/cidadão requer um líder que saiba fazer as perguntas
certas e acessar as informações relevantes. O desenvolvimento de uma capa-
cidade investigativa e adaptativa por parte de um dado profissional faz muito
mais sentido hoje do que a ação de um especialista que conheça a fundo as me-
todologias e teorias, mas não detém a capacidade de questionar e construir so-
luções inovadoras. Peter Drucker (1976), na década de 1960, já apontava essa
como uma qualidade do líder quando chamou atenção para a importância do
trabalhador do conhecimento. Deve haver, portanto, abertura e espaço para a
diversidade de pensamento, de forma que haja estímulo e campo para reflexões
e mudanças, em vez de se favorecer a manutenção indefinida de um status quo.
Na prática, muitos líderes acabam se prendendo às próprias convicções, embora
compreendam e até reconheçam os impactos da revolução tecnológica. Nesse
sentido, é necessário que uma “gestão de egos” seja pensada e realizada, e aqui
entra em cena a importância do autoconhecimento e do desenvolvimento dessa
consciência pelos gestores.
Mais do que abertura ao aprendizado, trata-se de entender que todas as tro-
cas são momentos de educação e possibilidades de novas ideias, geradas a partir
da capacidade de fazer grandes perguntas que questionem o conhecimento e
levem a novas descobertas (SALIBI NETO; MAGALDI, 2018, 2019b). O líder deve
ser também um educador de pessoas.(SALIBI NETO; MAGALDI, 2018).
Imerso em tantas incertezas e, ao mesmo tempo, em inúmeras possibilida-
des e novidades do mundo da tecnologia, comunicação e gestão, o líder precisa
compreender, da melhor forma que consiga, como conectar todos esses fatos
e como identificar relações aparentemente impensadas. É preciso aumentar
o repertório, buscar conhecimentos para além da sua especialidade e permi-

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tir-se experimentar e aprender constantemente. Como o líder é o responsável
pelo “tom do topo”, deve promover essa cultura para que todos desenvolvam
esse comportamento, para que a inovação e o aprendizado passem a compor os
elementos da cultura organizacional. É ele que irá ser o exemplo e o agente de
transformação, de modo que “testar, experimentar e ajustar” seja internalizado
por todos. Assim, seria possível construir soluções provenientes de inúmeras in-
tersecções envolvendo conexões e possibilidades. Os projetos e soluções acaba-
rão emergindo e não mais sendo impostos, mas com mais consistência advinda
da experimentação, ao contrário dos projetos que passam anos sendo estuda-
dos e são implementados em contextos já transformados e sem sentido. Magaldi
e Salibi Neto afirmam que o líder conector cria ligações entre os silos, sendo,
sobretudo, um conector de pontos.
Walter Longo (2019) põe em relevo essa característica, chamando de “ne-
xialista” aquele que aproveita os insights gerados por diferentes disciplinas e
os integra de maneira que produzam resultados exponenciais. Essa abertura ao
inesperado também é trazida pelo livro Plataforma – A Revolução da Estratégia,
no qual Parker, Alstyne e Choudary (2018) afirmam que os empreendedores de
plataformas sempre devem prever espaço para descobertas intuitivas, uma vez
que os usuários costumam estar um passo à frente no caminho por onde a cons-
trução de soluções deve seguir.
A mudança de mentalidade deve ser perseguida pelo líder, pois a cultura
organizacional é tanto causa quanto resultado das escolhas dos líderes. É muito
importante entender que a mudança cultural deve ser trabalhada pelos gestores
no dia a dia da organização de forma que o motor 1 e o motor 2, já mencionados
no capítulo terceiro, possam ser desenvolvidos paralelamente. O líder deve sem-

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pre se provocar, perguntando: como construir uma cultura alinhada ao mundo
em transformação?
No livro O Novo Código da Cultura, Magaldi e Salibi Neto (2019a) relatam as
quatro perspectivas para a mudança da cultura, segundo Jon Katzenbach e Pauli
Leinwand, e que vão ao encontro da ideia dos dois motores: preservar, mas tam-
bém transformar. São elas:

1) trabalhar com a cultura existente e de acordo com ela;


2) começar mudando alguns comportamentos críticos, não o mindset/filoso-
fia da organização;
3) usar métodos virais;
4) mobilizar as forças racionais e emocionais.

Os autores também constroem um passo a passo próprio para a mudança


cultural, a sa-ber:

1) reconhecer o status atual;


2) alinhar a estrutura com a cultura almejada;
3) derrubar os silos;
4) construir uma visão comum;
5) revisar processos;
6) adotar tecnologias ágeis;
7) implantar estratégia de aprendizado;
8) utilizar recursos de comunicação.

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Todos esses passos devem ser conduzidos pelos líderes com engajamento,
seriedade, comunicação e transparência quanto a todos os direcionamentos da
mudança. Desenvolver ambientes de escuta também é muito importante para
prover alinhamentos de expectativas e conversas verdadeiras quanto ao tema,
de forma a reduzir a ansiedade de todos.
A fórmula para liderar parece simples na teoria, mas muito desafiante na
prática. Liderar é servir, como Hunter (1989) explicou no livro O Monge e o Exe-
cutivo. Ele ressalta que a parte mais difícil do desenvolvimento da liderança ser-
vidora não é levar as pessoas a concordarem com os princípios que a norteiam,
mas sim fazer as pessoas mudarem, ajudá-las a passar esses princípios da cabe-
ça para o coração e do coração para a vida cotidiana (HUNTER, 1989).
É preciso que o líder transforme os discursos em ação e, para tanto, ele pre-
cisa inspirar as pessoas a acreditarem e bancarem as mudanças junto com ele.
Nisso, não basta mexer com a mentalidade (mindset) das pessoas, mas também
com a emoção delas (heartset). Erica Isomura e Fabio Betti (2020) consideram
que cada pessoa participa de um time levando o seu mindset e seu heartset e,
à medida que as pessoas vão se organizando em grupos, elas passam a com-
partilhar necessidades em razão dos objetivos comuns. Daí surge uma história
coletiva, mas que não é a soma das histórias individuais, pois o time acaba cons-
truindo com essa história uma especificidade e uma identidade de grupo.
Para reagir a tantas variáveis imprevisíveis, o líder precisa entender como
ele funciona em ambientes instáveis, de forma a possibilitar a gestão de suas
emoções e de seus pensamentos, para que tenha capacidade de resposta e de
escolha, e não para que seja refém das suas próprias instabilidades. Até mes-
mo porque é ele que irá prover um ambiente de segurança psicológica também
para os demais. Salibi Neto e Magaldi (2018, p. 237) evidenciam que o mesmo

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movimento que tem colocado em xeque as práticas tradicionais de gestão, ques-
tionando o excesso de racionalidade e de formalismo, traz à tona a imperativa
necessidade de equilibrar razão e emoção.

5.1 LIDERANÇA NO SETOR PÚBLICO

Neste texto, buscamos apresentar os desafios vivenciados tanto pela iniciati-


va privada quanto pela administração pública, no sentido de fazer frente à revo-
lução tecnológica, no entendimento de que o setor público pode aprender com
o setor privado o conceito de modelo de gestão de plataforma, para assim viabi-
lizar a prestação de melhores serviços públicos. Não é o caso de fazer uma mera
transposição de práticas, pois algumas adaptações são necessárias em razão das
diferenças e particularidades da gestão pública. Como ressaltado anteriormen-
te, ao contrário do executivo privado, o gestor público pode agir apenas com
base no que determinam as leis e demais normas. Ambos, no entanto, coincidem
em atuar com transparência e eficiência na alocação e uso dos recursos coloca-
dos à sua disposição.
A liderança do gestor público poderia ser medida pela capacidade de respos-
ta dos órgãos em prover os serviços públicos de acordo com o esperado pelos
cidadãos/clientes. Como seria instrumentalizada essa capacidade na visão dos
nossos usuários? Rapidez, desempenho, clareza, volume? Vale lembrar que a ca-
pacidade de resposta consta como um dos princípios do Decreto n. 9.203/2017.
Em um cenário de aumento de expectativas dos usuários de serviços públicos,
ao mesmo tempo em que os orçamentos não aumentam na mesma proporção,
será preciso investir no estabelecimento de parcerias e no envolvimento de mais

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e distintos atores, com vistas a ampliar o impacto das ações, obtendo resultados
mais efetivos.
Além disso, é preciso construir relações de confiança e fomentar o fortaleci-
mento da integridade com os usuários do serviço e com os próprios servidores
públicos, com processos transparentes, responsivos, simplificados, acessíveis e
inovadores. Em a Plataforma – A revolução da Estratégia, Parker, Alstyne e Chou-
dary (2018) refletem sobre a dificuldade de transformar um governo, passando
da teoria à prática, tendo em vista a criação de um modelo governamental de
plataforma. Entre os vários obstáculos a serem superados estão as restrições
constitucionais e legais; pressões conflitantes de grupos de interesse; hostili-
dades partidárias; limitações orçamentárias, desafio no tocante ao desenvolvi-
mento de serviços eficientes para o cidadão; aversão a risco; inércia.
Embora seja desafiante, é no modelo de plataforma que estaria a solução
para otimizar os nossos recursos e prover uma gestão de dados de forma inteli-
gente, visando, com isso, articular alianças e conciliar interesses, principalmen-
te os relacionados ao cidadão. A possibilidade de ampliar a participação dos ato-
res e do cidadão no processo decisório fortalece a efetividade no atendimento
das demandas. As novas tecnologias e o modelo de plataforma possibilitam um
ambiente propício para a governança em rede. Contudo é preciso haver vontade
pública e patrocínio. Ainda no referido livro, os autores conscientizam quanto
ao papel da liderança política para que isso seja possível: as plataformas go-
vernamentais que vêm surgindo serão tão abertas, democráticas e fortalecidas
quanto as agências patrocinadoras e os líderes políticos permitirem.
Nesse sentido, Paludo (2016) exalta a importância de um governo focado
em resultados, como sendo aquele em que não se financia a estrutura adminis-
trativa, mas a eficiente prestação dos serviços públicos de qualidade (indicado-

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res devem ser utilizados para avaliar os resultados). É inegável que os serviços
devam ser medidos e orientados para o cliente, incorporando de forma genuína
os anseios dos usuários.
O documento “Competências essenciais de liderança para o setor público
brasileiro”, da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP, 2020) afirma
que os profissionais que trabalham no setor públicos de diferentes países têm o
desafio crescente de de lidar com sociedades mais pluralistas e problemas mais
complexos.
Nesse estudo da Enap, de 2020, é feita ainda referência ao estudo realizado
pela OCDE, em 2017, intitulado “Core skills for public sector innovation” sobre as
competências consideradas necessárias para o alto desempenho no setor pú-
blico. Nessa publicação, foram elencadas as seguintes competências e atributos
para um serviço público profissional, estratégico e inovador, a saber:

1) iteração: capacidade de desenvolver políticas, serviços e produtos de for-


ma incremental e experimental;
2) alfabetização em dados: capacidade de garantir decisões orientadas e
apoiadas em dados e evidências;
3) foco nos cidadãos: capacidade de compreender e direcionar os serviços
que realiza na condição de agente público para a solução das necessidades dos
cidadãos;
4) curiosidade: capacidade de buscar e experimentar novas ideias e formas
de trabalhar;
5) contação de histórias engajadoras (storytelling): capacidade de estabe-
lecer a comunicação em contextos de constante mudança, contar a história das

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transformações com referências ao passado, ao presente e às possibilidades de
futuro e, ao mesmo tempo, estimular o apoio e o envolvimento das pessoas;
6) insurgência: capacidade de desafiar o status quo, alterar padrões e estabe-
lecer parcerias incomuns;
7) visão de negócios: habilidade para alinhar processos e recursos com prio-
ridades de inovação. Esses incluem construção de coalizões, consciência estra-
tégica, gestão financeira, gestão de mudanças, projeto e gestão de pessoas e res-
ponsabilidade com transparência (accountability);
8) capacidades de inovação (identificadas acima) e mentalidade (mindset):
essas abordagens incluem coragem, empatia, aprendizado contínuo, foco em re-
sultados, habilidade.

Como é possível perceber, as competências vão ao encontro das já conheci-


das e válidas para empresas privadas. No entanto, o conceito de liderança servi-
dora faz ainda mais sentido para o serviço público. Assim sendo, é preciso que
os líderes cultivem esse senso de propósito na busca do fortalecimento da cola-
boração interpessoal para resgatarem a confiança dos servidores e fazerem com
que eles se sintam responsáveis pelo provimento de serviços mais inovadores e
efetivos.
Outro impasse vivenciado pelos líderes no serviço público é o de ter a com-
preensão de que a estabilidade não é mais um valor aspirado como antes. É pre-
ciso repensar as relações entre organização e servidor para que este se sinta
motivado e os verdadeiros talentos não sejam perdidos para a iniciativa privada
ou para as novas possibilidades autônomas do mercado digital.
O líder deve liderar mais e gerenciar menos, estabelecer relações de con-
fiança que promovam autonomia e engajamento, servindo, portanto, como um

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facilitador para os liderados. Não há mais espaço para o microgerenciamento
(micromanagement), não se o gestor quiser atrair os melhores profissionais. É
preciso fomentar o protagonismo e a proatividade, sem abrir mão de rituais de
acompanhamento, a fim de perseguir o alcance dos objetivos. Isso é válido tanto
para o setor privado quanto para o setor público, pois servidores competentes e
compromissados com o trabalho tendem a buscar áreas onde possam se desen-
volver, e não lugares onde o micromanagement das chefias seja a norma.
Um dos maiores desafios de todo esse contexto, trazido pela dupla Sandro
Magaldi e Salibi Neto, é que o tempo é uma variável indispensável para o su-
cesso da jornada, pois a mudança cultural é lenta e gradual, principalmente na
administração pública. O tempo, porém, não é um luxo disponível na revolução
tecnológica. Assim, a pergunta que devemos fazer seria a seguinte: os nossos lí-
deres públicos e políticos estão orientados para fazer frente a todas essas trans-
formações e comprometidos para resguardar a relevância das instituições que
lideram?

5.1.1 Liderando o intraempreendedorismo

Há tempos que os gurus da gestão e os artigos acadêmicos vêm trazendo


a necessidade de lideranças que estejam mais aptas e receptivas às mudanças
constantes do ambiente externo das organizações (privadas e públicas). Embo-
ra a demanda pela transformação não seja nova, agora ela se faz urgente, pois
o comportamento dos clientes vem mudando tão rápido quanto o ambiente ex-
terno, e esse impacto também é refletido nos próprios anseios dos funcionários.
Prover respostas estratégicas às transformações deve constar no topo da pauta
de todo líder.

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Para isso, o servidor deve ser também um empreendedor, aquele que é tido
como uma pessoa que vê oportunidades e que inicia ou provoca mudanças. Palu-
do (2016, p. 286) faz referência à visão de empreendedorismo trazida por Ales-
sandra Costa et al. (2008) no artigo “Linguagem, relações de poder e o mundo
do trabalho: a construção discursiva do conceito de empreendedorismo”:

Há muita semelhança quanto às características das pessoas empreendedoras,


dentre as quais se destacam: valores e cultura adquiridos através de um modelo
empreendedor durante a juventude; tenacidade e capacidade de tolerar ambigui-
dades e incertezas; experiência em negócios; diferenciação; intuição; envolvimen-
to; trabalhadores incansáveis; correm riscos moderados; sonhadores realistas
(visionários); imaginativos; líderes; voltam-se para resultados; trabalham com
moderação em rede; têm seu próprio sistema de relações com os funcionários;
controlam o comportamento das pessoas ao seu redor; aprendem com seus pró-
prios padrões.

É perceptível como o conceito de empreendedorismo é, muitas vezes, redu-


zido puramente ao papel do criador de um negócio, enquanto seu conceito mais
amplo traz aspectos importantes a serem desenvolvidos ou aperfeiçoados por
todos, a fim de se poder ter organizações mais inovadoras, aptas a cumprir sua
missão institucional e função social e que tragam benefícios a todos os envol-
vidos. Ser empreendedor é ser aquele que não se cansa de buscar melhorar o
mundo ao seu redor mesmo sem ser o dono do negócio. O empreendedor está
sempre promovendo mudanças, o que se convencionou chamar de intraempre-
endedorismo. Paludo (2016, p.292), assim o define:

O intraempreendedor preocupa-se em atingir as metas, explicita sua visão e busca


apoio para seus projetos. Sofre com os problemas da organização e alegra-se com
a sua solução, mesmo que alcançada por outro. É um agente ativo nos processos

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de mudança, e objeto de esperança para uma organização melhor. Não teme assu-
mir responsabilidades. Não teme pequenas falhas, pois estas fazem parte do novo
e da conquista.

5.1.2 Liderando equipes e unidades administrativas

Em que pese, no setor público, a responsabilidade de todos os servidores,


destacamos aqui a relevância do papel das lideranças intermediárias, que são
os servidores públicos detentores de funções comissionadas. A chamada Bu-
rocracia de Médio Escalão (BME), da qual costuma fazer parte o corpo técni-
co de servidores que tende a permanecer mesmo com algumas mudanças nas
alternâncias entre governos nas esferas federal, estadual e municipal. São eles
os responsáveis pela memória institucional e pela continuidade das iniciativas,
mesmo que elas venham a passar por ajustes para fazer frente ao estilo da nova
gestão. São esses líderes intraempreendedores que garantem avanços na matu-
ridade em gestão dos órgãos e avanços em inovação. Além de serem resguarda-
das pelas ferramentas de governança e controle, é preciso que essas lideranças
tenham autonomia e sejam empoderadas para que possam atuar e permanecer
atuando; para tanto, muitos acabam se desenvolvendo e atuando em rede por
conta própria. Como podemos institucionalizar esse empoderamento? Garantir
que não haja retrocessos? Prover condições para que as iniciativas, o desenvol-
vimento e as capacitações sejam discutidas e ocorram em rede? Assim pode-
remos pensar em avanços exponenciais também no serviço público, utilizando
nossos próprios talentos e capacidade intelectual.

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5.1.3 Criando valor público – Mark Moore

De acordo com o professor da Universidade de Harvard, Mark Moore (2002),


a obrigação dos gestores públicos, não importando se são BME ou se estão aci-
ma ou abaixo na linha de comando, é executar os objetivos dos mandatos tão
eficiente e efetivamente quanto possível. Devem possuir conhecimentos técni-
cos compatíveis com a área de trabalho, estar a par dos principais programas
operacionais, saber o que constitui qualidade e efetividade em suas ações. Além
disso, precisam ser hábeis na criação de estruturas organizacionais; na criação
de esquemas que possam orientar as organizações a atuarem de forma eficiente
e efetivamente; e assumam a responsabilidade pelos recursos humanos e finan-
ceiros que lhe são confiados (MOORE, 2002, p. 41).
Moore (2002, p. 45) também destaca o que seria um comportamento volta-
do à inovação por parte de atores do setor público com relação às organizações
em que atuam:

Há um modo diferente e mais útil de se considerar o papel dos gestores públicos:


mais próximo (porém de maneira alguma idêntico) da imagem que a sociedade
tem dos gestores do setor privado. Sob esse prisma, os gestores públicos são vistos
como exploradores que, com outros, tratam de descobrir, definir e produzir valor
público. Em vez de simplesmente inventar os meios para alcançar os objetivos
estabelecidos, os gestores públicos se tornam agentes importantes para auxiliar
a descobrir e definir o que seria proveitoso fazer. Em vez de serem responsáveis
apenas para garantir continuidade, os gestores públicos se tornam importantes
inovadores, mudando o que fazem, as organizações públicas e a forma como o
fazem.

Em resumo, nessa visão, os gestores públicos se tornam estrategistas, mais do


que técnicos. Se preocupam para fora, com o valor do que estão produzindo, como
também para baixo, com a eficácia e com a adequação de seus instrumentos. Uti-

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lizam a política na qual a organização está imersa para ajudar a definir valor pú-
blico e a organizar como as organizações podem operar. Em vez de uma harmonia
estável que lhes permitisse aperfeiçoar o trabalho em curso, antecipam um mun-
do de conflitos políticos e tecnologias mutáveis que lhes exigem reestruturar com
frequência as organizações.

5.1.4 Os dez papéis gerenciais – Henry Mintzberg

Do trabalho teórico-empírico que realizou a partir da observação dos cinco


altos gestores e o exame da literatura correspondente ao tema, objeto de sua tese
de doutorado, o professor canadense da Universidade de Mcgill Henry Mintz-
berg (1980) concebeu a existência de dez papéis gerenciais desempenhados
por todo o gestor, independentemente de sua posição hierárquica ou se perten-
cente ao setor privado ou ao público (p. 96-99). A identificação desses papéis
talvez seja a principal contribuição da pesquisa que realizou e uma das razões
para que continue como sendo uma das mais influentes pesquisas na área de
administração públic, quando se tem presente a formação e o desempenho de
equipes. Os dez papéis gerenciais encontram-se divididos em três categorias: a)
interpessoal; b) informacional; c) decisório.
A divisão por ele adotada indica que três papéis pertencem à categoria inter-
pessoal (símbolo, ligação e líder); três à informacional (monitor, disseminador e
porta-voz) e quatro à decisória (empreendedor, conciliador, alocador de recur-
sos, negociador). Os dez papéis formam um todo integrado, constituindo uma
espécie de Gestalt, segundo Mintzberg (1980, p. 96). Isso porque os três papéis
interpessoais, conformados a partir da autoridade formal e do status conferido
pelo cargo, ligam-se de forma direta aos três papéis informacionais. As duas ca-

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tegorias juntas, por sua vez, habilitam o gestor a poder desempenhar a contento
os quatro papéis da categoria decisória.
Passando rapidamente em revista cada um dos dez papéis nas três catego-
rias, o primeiro papel interpessoal, e o mais simples, é o de símbolo no qual o
gestor deve cumprir a tarefa de representação, valendo-se do fato de estar re-
vestido da autoridade formal e do status a que faz jus em razão do cargo e função
ocupados. Quanto mais alta a posição hierárquica do gestor, maior a relevância
do papel de símbolo da organização que lhe é atribuído.
O segundo papel, o de líder, retrata o relacionamento do gestor com seus
subordinados. O líder define o locus onde trabalham, os motiva, testa-os, e os
mantêm alertas, além de ele próprio assumir a responsabilidade pela contrata-
ção, treinamento e promoção. O gestor busca conciliar as necessidades organi-
zacionais com as dos subordinados, sem perder de vista a eficiência do trabalho.
O papel de líder perpassa virtualmente todas as atividades do gestor nas quais
os subordinados estão envolvidos. Até mesmo naquelas em que o objetivo prin-
cipal não é interpessoal. O poder do gestor é mais facilmente visualizado no pa-
pel do líder, motivo pelo qual seria um dos temas mais presentes nos trabalhos
acadêmicos que tratam de liderança.
O terceiro, e último, papel da categoria interpessoal é o de ligação. Ele se
manifesta quando o gestor desenvolve uma rede externa de contatos com outros
gestores, baseada no interesse e benefício mútuo, valendo ressaltar aqui a ine-
xistência de qualquer forma de favorecimento indevido ou propósito ilegítimo.
Os gestores gastam um significativo tempo de contato considerável nessa ativi-
dade, assumindo diversos compromissos e desempenhando, em seguida, uma
série de atividades para mantê-los.

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 77


Toda a movimentação proporcionada pelo exercício dos papéis interpesso-
ais acaba gerando uma massa de dados, que fazem com que o gestor atue igual-
mente como o “centro nevrálgico” da informação na organização. O acesso privi-
legiado que detém dentro e fora de sua organização permite-lhe construir uma
sólida base de informações externas e internas. Em sua organização, o gestor é o
generalista com o maior conjunto de informações não rotineiras acumuladas do
que as de qualquer de seus subordinados e colaboradores.
Na condição de monitor, primeiro dos três papéis da categoria informacio-
nal, o gestor tem como missão captar regularmente informações a partir de uma
grande variedade de fontes, o que o leva a reunir um conhecimento abrangente
da organização e do ambiente circundante. As informações chegam por meio de
distintas maneiras como operações internas, externas, eventos, ideias, tendên-
cias, assim como na forma de análises e pressões.
Parte significativa das informações obtidas pelo gestor é do tipo corriqueiro,
palpável e não documentada. O gestor precisa, então, assumir a responsabilida-
de pela formatação de seu próprio sistema de informações, que ele constrói a
partir dos contatos que construiu e pela abertura dada aos subordinados para
que o contatem, ainda que contornem os canais oficiais de comunicação da or-
ganização.
O gestor utiliza a informação que capta externa e internamente para detec-
tar mudanças na organização, identificar problemas e oportunidades, construir
um entendimento geral de seu milieu para a tomada de decisões, para determi-
nar os valores organizacionais, e para informar outsiders e subordinados.
O segundo papel da categoria informacional é a do disseminador. É quando o
gestor introduz informação externa na organização e a repassa de um subordi-
nado a outro. Essa informação pode ser fatual ou de maior valor. Ele igualmente

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 78


atua como ponto focal para o sistema de valor de sua organização. Formadores
internos de opinião encaminham-lhe suas preferências. O gestor as recebe, as-
simila e combina de acordo com o poder da fonte e dissemina informação por
todos os valores organizacionais para subordinados que os utilizem como guia
na elaboração da tomada de decisões. A disseminação de valores ocorre em ter-
mos de declarações específicas sobre assuntos específicos, não em termos de
preferências globais.
Enquanto disseminador, o gestor enfrenta o “dilema da delegação”, já que
ele é o único que detém informação necessária para muitas grandes decisões.
Porém, essa informação encontra-se na forma errada, sendo mais verbal e de
memória do que documentada, o que por si só também dificulta a delegação. O
gestor acaba tendo de sobrecarregar-se com tarefas ou dedicar grandes parce-
las de seu tempo disseminando informação, ou ainda delegá-la, no entendimen-
to que o trabalho será feito com a informação que ele detém.
Como porta-voz, terceiro e último papel da categoria informacional, o gestor
precisa transmitir informação para variados grupos externos. Nessa posição, ele
atua como relações públicas, fazendo lobby para sua organização; mantendo in-
fluenciadores chave (board de diretores ou mesmo seu chefe) informados; dar
conhecimento ao público acerca do desempenho, planos e políticas da organi-
zação; assim como enviar informações úteis aos seus contatos de ligação. Na
condição de porta-voz, o gestor assessora os de fora da organização, haja vista
que ele é um especialista na área em que sua organização opera. O gestor deve
assumir total responsabilidade quanto ao sistema de elaboração de estratégia
em sua organização, uma vez que se trata do sistema pelo qual importantes de-
cisões são tomadas e inter-relacionadas. Para tanto, ele tem informação e au-

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toridade suficientes, e por ter controle sobre todas as importantes decisões ele
tem como integrá-las.
O papel de empreendedor é um dos quatro da categoria decisória. Nessa fun-
ção, o gestor inicia e formata muito da mudança controlada na administração.
Ele busca continuamente os problemas e oportunidades. Quando uma situação
que requer aprimoramento é identificada, o ele dá início a um “projeto de apri-
moramento” – uma série de decisões relacionadas e outras atividades, sequen-
ciadas em um dado período de tempo, que resulta em real aprimoramento. Um
aprimoramento, termo usado por Mintzberg (1980), que poderia ser igualmen-
te entendido como inovação, considerando-se que no caso de que uma inovação
em gestão (o que parece ser aqui o caso), poderia ser definida como a imple-
mentação de práticas gerenciais, processos, estruturas, ou técnicas que são no-
vas para a unidade administrativa que venha a adotá-la, capaz de potencializar
os objetivos organizacionais.
Existem três níveis de envolvimento de um gestor em um projeto. Ele pode
delegar toda a responsabilidade a um subordinado, implicitamente asseguran-
do o direito de substituí-lo; ou então delegar a responsabilidade de formatação,
porém retendo a responsabilidade da escolha, já que a autorizações partem do
próprio gestor; ou ainda ocupar-se de toda a supervisão da formatação do pro-
jeto.
De maneira constante, o gestor sênior supervisiona um grande número de
projetos. Estes variam enormemente em termos de estágio de desenvolvimento,
com alguns deles abaixo da fase de desenvolvimento ativo, outros no limbo, e
alguns aproximando-se da fase de conclusão. Cada um desses projetos é traba-
lhado periodicamente, com cada etapa acompanhada em um período de tempo
durante o qual o gestor aguarda o devido feedback, ou aguarda a ocorrência de

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algum evento. De tempos em tempos, um projeto é concluído ou um novo proje-
to é adicionado ao conjunto de projetos.
Como o generalista em sua organização, o gestor deve assumir seu papel
quando a organização se vê diante de situações inesperadas e não há uma rea-
ção programada em vista. É quando ele assume o papel de conciliador. Conflitos
podem ocorrer a partir de disputas entre subordinados, entre gestores da orga-
nização, decorrentes de prejuízos e desperdícios de recursos ou em função de
ameaças a partir de perdas de recursos ou ameaças daí resultantes. Os conflitos
aparecem não apenas em razão da insensibilidade de gestores inábeis ou por-
que inovações feitas por bons gestores resultem em consequências inesperadas.
Diante de um conflito, o gestor reconhece a prioridade do assunto e canaliza
seus esforços na tentativa de neutralizar o motivo que está provocando o confli-
to, ganhando tempo até que o problema possa ser convenientemente tratado a
partir de uma melhoria do projeto. O papel de conciliador é o segundo da cate-
goria de papéis decisórios do gestor.
Enquanto alocador de recursos, terceiro papel da categoria decisória, o ges-
tor controla a distribuição de todas as formas de recursos organizacionais (como
dinheiro, força de trabalho e reputação). Isso acaba por envolver três aspectos
essenciais: de agendamento de seu próprio tempo, programação do trabalho da
organização e autorização de ações.
Ao tratar do agendamento de seu próprio tempo, o gestor implicitamente
fixa suas prioridades organizacionais. Os assuntos que ficaram fora do alcance
ficarão sem apoio. Essa é uma razão pela qual a agenda do gestor deve ser vista
na lógica de um significativo custo de oportunidade. O gerenciamento da agen-
da encontra ressonância com um comportamento empreendedor que combine

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 81


a identificação, exame e a otimização das oportunidades de natureza empreen-
dedora
O gestor tem a responsabilidade de estabelecer o sistema básico de trabalho
de sua organização e programação do trabalho dos subordinados – decidindo o
que será feito, quem fará e qual a estrutura a ser utilizada*.
O controle básico continuado sobre a alocação de recursos é mantido pelo
gestor, por meio de autorização de todas as decisões significativas antes da im-
plementação. Isso o habilita a inter-relacionar decisões. Algumas decisões são
autorizadas dentro de um processo regular do orçamento; muitas das quais
aprovadas dentro de uma base ad hoc. Essas são de escolha difícil, pois o tempo
é limitado e, além disso, ainda assim os assuntos são complexos e as propostas
dos subordinados não podem ser descartadas sem maior análise. Em alguns ca-
sos, o gestor decide com base no proponente e não na proposta.
No sentido de ajudar na avaliação de propostas, os gestores desenvolvem
modelos em planos de baixa rigidez. Os modelos descrevem uma grande varie-
dade de situações internas e externas. Os planos – na forma de projetos de apri-
moramento a serem lançados – servem para proporcionar uma base comum
contra a qual se pode avaliar as propostas. Os planos são pouco rígidos, flexíveis
e implícitos, de modo que podem ser atualizados com base na chegada de novas
informações.
Como negociador, quarto e último papel da categoria decisória, o gestor é o
encarregado quando a organização tem de engajar-se em importantes ativida-
des negociadoras com outras organizações. Ele toma parte nelas como símbolo,
* Ao falar de como são tomadas as decisões, Mintzberg (1980, p. 78)alude aos três elementos do pro-
cesso de tomada de decisão, segundo Herbert Simon: a)Inteligência – busca e seleções de situações
que exijam decisões; b) Design (formatação) – coração do sistema, tratando-se da busca e avaliação
de alternativas; c) Escolha – seleção de uma alternativa entre várias apresentadas.

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porta-voz e alocador de recursos. O que demonstra a transversalidade no de-
sempenho dos distintos papéis.
As organizações precisam de gestores não apenas em razão das imperfei-
ções do sistema e mudanças inesperadas no ambiente circundante, mas porque
é preciso contar com uma autoridade formal para levar adiante determinadas
obrigações básicas e regulares. Os dez papéis sugerem os seis propósitos bási-
cos do gestor: assegurar uma eficiente produção de bens e serviços por parte da
organização; formatar e manter a estabilidade das operações organizacionais;
adaptar a organização de forma controlada ao cambiante modelo circundante;
assegurar que a organização atende às finalidades para as quais foram criadas;
servir como link de informações chave entre a organização e seu meio circun-
dante, bem como operar o sistema de status da organização.

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6
DESAFIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA FEDERAL NA VISÃO DE TRÊS
ALTOS EXECUTIVOS PÚBLICOS

No percurso até aqui, examinou-se: a) a conjuntura de nascimento e o mode-


lo de administração gerencialista; b) a necessidade permanente de moderniza-
ção administrativa que inspirou as principais reformas no Brasil; c) o modelo de
plataforma de negócios; d) os desafios e habilidades da liderança empresarial
no século XXI e sua possível emulação no setor público.
Diante do exposto, e antes de partirmos para as considerações finais, pa-
receu-nos apropriado confrontar a literatura consultada com as percepções de
gestores com uma sólida e bem-sucedida trajetória no serviço público. Foram
colhidos depoimentos de três gestores que participaram diretamente de algu-
mas das principais reformas administrativas do Brasil nas últimas décadas (no-
tadamente do marco gerencial implementado na administração pública federal
a partir de 2016) e que estão aqui sintetizados, como uma tentativa de ilustrar
o que o conhecimento pessoal trazido pela experiência adquirida no trabalho
teria a contribuir para um texto dessa natureza. As entrevistas realizadas foram
em tom franco e direto, razão pela qual optamos por não revelar a identidade
dos entrevistados. Segue itemizada a síntese do conjunto das três entrevistas:

GESTÃO PÚBLICA NO SÉCULO XXI: O DESAFIO DAS LIDERANÇAS BRASILEIRAS | 85


• Existe um descompasso entre desenvolvimento dos setores privado e pú-
blico. Sabemos que há muitas “amarras” que dificultam as mudanças pontuais
no setor público, e mais ainda em sua cultura. Por princípio administrativo, o
setor privado pode fazer tudo o que não for proibido, ao passo que o setor pú-
blico só pode fazer o que está permitido e descrito em norma. São os limites do
princípio da legalidade amparado no art. 37 da Constituição Federal de 1988 e
no Decreto n. 9.784/1999, que regula o processo administrativo na administra-
ção pública federal.
• O ponto convergente extraído dos três diálogos é o de que o papel do líder
no setor público é mais facilmente identificado quando fica evidente o valor pú-
blico criado pelo servidor. Entendido aqui o valor público como sendo o resul-
tado pretendido pela administração pública em sua forma de agir e mensurada
segundo os critérios de eficiência, eficácia e efetividade. A capacidade de criar
valor público relaciona-se à capacidade de fazer entregas tanto por parte do
líder quanto do servidor público em geral. Automotivação e conscientização do
seu papel, juntamente com o propósito incorporado à missão institucional do
órgão, são aspectos relevantes na produção de valor público, já que no setor pú-
blico não existem flexibilidade para oferta de atrativos e incentivos comumen-
te oferecidos no setor privado (aumentos de salário, bônus, cartão corporativo,
custeio com gastos relativos à educação dos filhos, cursos etc.). Mesmo que o
servidor não esteja em uma posição de comando, o seu intraempreendedorismo
pode ser estimulado pelo senso de propósito e autonomia relativa e influir em
suas entregas.
• A dificuldade de ser líder no setor público decorreria, em parte, das des-
continuidades de muitos projetos políticos e prioridades de trabalho que são
colocados e revistos a cada ciclo governamental, sem que tenham tido tempo de

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produzir os resultados esperados. Há carências e lacunas em termos de planeja-
mento estratégico de mais longo prazo e de projetos e políticas públicas reuni-
dos em programas de Estado que possam atravessar os ciclos governamentais.
• Parte da solução para esse problema (além da adoção de metodologias
como gestão de risco, planejamento estratégico, métodos ágeis, normas em prol
da governança e da integridade) adviria de uma maior profissionalização, via
formação e capacitação, e de maior autonomia de servidores no setor público,
notadamente das lideranças, e, principalmente, nas lideranças intermediárias,
as grandes responsáveis pela continuidade dos projetos de Estado, e não apenas
de governo.
• Outro tema relevante é o recrutamento. Não basta ter processos seletivos
eficientes. É preciso desenvolver mecanismos e atrativos em favor da motivação
e retenção dos melhores quadros no serviço público. Em complemento a isso, é
prioritário efetuar o mapeamento de competências e das trilhas de aprendiza-
gem que se somarão ao instrumental técnico-normativo voltado ao desenvolvi-
mento dos profissionais e das carreiras no serviço público.
• É igualmente insubstituível a necessidade de uma política de comunicação
que informe sobre a cultura das organizações públicas, destacando diretrizes,
prioridades e planos. O objetivo é fazer com que o maior número de pessoas se
junte à causa comum.
• A adoção de um modelo de administração que atribua papéis de destaque
à governança e à integridade abre espaço para que as organizações públicas e
os que nela trabalham possam ver com clareza o propósito que se liga à missão
institucional. Sabe-se que a descoberta e a perseguição de um propósito estão
na base de empresas de sucesso do setor privado. Dentro dessa dinâmica trans-
parece a relevância de o setor público desenvolver a governança em rede.

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• O intraempreendedor público e o líder conector possuem características
e valores comuns. O patrocínio da alta chefia e a transmissão da mensagem de
propósito por meio de uma política de comunicação interna e externa motiva e
engaja toda a organização pública.
• São atividades de reconhecida importância estratégica e operacional: a)
empoderar, b) motivar, c) securitizar, dar segurança às lideranças médias para
que trabalhem com a tranquilidade e o foco necessários para se desincumbi-
rem bem de suas tarefas. A liderança média possui grande relevância nas redes
digitais, por criarem pontos de conexão que fazem com que as redes cresçam.
Ademais, as lideranças médias estão a meio caminho entre a base e o topo, o que
facilitaria a compreensão do que se passa nas duas pontas.
• Amparo às organizações públicas, aos gestores e servidores em geral que
ajam de forma íntegra e de acordo com as normas existentes, a fim de se obter
o melhor desempenho possível do setor público – isso deve constituir parte da
ação dos órgãos de controle externo, cuja atuação não deve ser erroneamente
associada a uma intimidação de gestores públicos, ainda que o julgamento dos
fatos sem a devida análise da conjuntura e das motivações de gestores e servi-
dores públicos possa levar a excessos. Isso porque, receosos de lhe serem atri-
buídas penalidades, os servidores públicos podem optar por não fazer o que po-
deriam fazer, comportamento que ficou conhecido como o “apagão das canetas”
e o “direito administrativo do medo”. O peso da inação compromete, em última
análise, o desempenho das instituições.

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7
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão, alguns pontos mereceriam ser aqui retomados e des-


tacados. Em primeiro lugar, gestores e servidores precisarão estar mais bem
preparados para construir uma gestão pública mais robusta e adaptada às de-
mandas do mundo Vica e Bani; dispostos e abertos para aprender com o setor
privado, cientes das especificidades do setor público, mas indo além do imobi-
lismo e do comodismo para, quem sabe um dia, tornarem-se referências para o
setor privado.
Em segundo lugar, a mudança de cultura no serviço público é uma necessi-
dade incontornável para se chegar a um padrão mais alto de desempenho e en-
tregas de serviços ao cidadão. Nesse sentido, o aspecto educacional é fator-cha-
ve para a transformação da força de trabalho, além, obviamente, de se ter um
propósito inscrito na missão institucional e conhecido por todos os servidores.
Formação e capacitação adequadas são fundamentais para que se tenha a adap-
tação, tanto do servidor quanto da máquina pública, às exigências do tempo atu-
al. Sem isso, não dá para falar de mudanças expressivas de mindset e heartset.
Em terceiro lugar, em vista da argumentação apresentada ao longo do estu-
do, estima-se que, para tornar o setor público mais dinâmico e inovador, deve-
-se: a) apoiar o intraempreendedorismo nas organizações públicas; b) empo-
derar os níveis médios de liderança; c) adotar ferramentas e abordagens que
favoreçam a inovação, estimulando-se com isso a capacidade de aprender e de

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desaprender da força de trabalho, preparando-a para enfrentar e vencer os obs-
táculos a todo o instante em um mundo que se transforma de forma cada vez
mais rápida. Ademais, e como ressaltado mais acima, saber fazer as melhores
e corretas perguntas, assim como trabalhar incessantemente por respondê-las
e torná-las realidade, acaba sendo mais importante do que apenas responder
perguntas feitas por terceiros.
Em quarto lugar, é fato que a revolução tecnológica iniciada a partir dos
anos 1980 estabeleceu um novo paradigma. Além da aceleração dos fluxos de
trabalho e aumento da produtividade, o uso intensivo de tecnologia criou novos
produtos e serviços decorrentes do surgimento de novos modelos de negócios
e modos de produção. Não se tratou apenas de acelerar o que vinha sendo feito,
mas sim da invenção de uma nova economia e de formas sem precedentes de
trabalhar, interagir e viver em sociedade. As transformações que vierem a ser
feitas no setor público nos próximos anos continuarão a ser influenciadas pelo
novo paradigma tecnológico. Acompanhar de perto o que estiver sendo feito no
setor privado é, portanto, mais que uma estratégia, é uma necessidade para ges-
tores e servidores em geral, no entendimento de que o descumprimento dessa
premissa básica poderia implicar o crescimento do gap entre o setor privado e
o público, bem como a perda de eficiência e relevância que poderiam acometer
o setor público.

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