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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0153.07.067347-7/001 Númeração 0673477-


Relator: Des.(a) Eduardo Machado
Relator do Acordão: Des.(a) Eduardo Machado
Data do Julgamento: 24/01/2012
Data da Publicação: 06/02/2012

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIOS DOLOSOS -


DESCLASSIFICAÇÃO PARA FORMA CULPOSA - MANUTENÇÃO - CULPA
CONSCIENTE - DOLO EVENTUAL AFASTADO. Tanto no dolo eventual,
como na culpa consciente, ocorre a previsibilidade do resultado. Todavia,
enquanto no dolo eventual o agente dá o seu assentimento, a sua
aquiescência ou sua anuência ao resultado lesivo, na culpa consciente não
há qualquer adesão.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 1.0153.07.067347-7/001 -


COMARCA DE CATAGUASES - RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE MINAS GERAIS PRIMEIRO(A)(S), ASSISTENTE DE
ACUSAÇÃO SEGUNDO(A)(S) - RECORRIDO(A)(S): SEBASTIÃO FRANCO
TEIXEIRA, SANDRA PIUZANA DUELLI TEIXEIRA, MARIA DO ROSÁRIO
RODRIGUES ROSA PIMENTA, SÔNIA MARIA BATISTA PEREIRA, JOÃO
BATISTA PEREIRA FILHO - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDUARDO
MACHADO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador
ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO , na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR
PROVIMENTO AOS RECURSOS.

Belo Horizonte, 24 de janeiro de 2012.

DES. EDUARDO MACHADO - Relator

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NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. EDUARDO MACHADO:

VOTO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de fls.


987/1.001, que promoveu a desclassificação dos fatos criminosos de
homicídio doloso atribuídos ao recorrido Sebastião Franco Teixeira,
afastando, assim, a competência do Tribunal do Júri para o julgamento do
presente processo.

Nas razões recursais, o Ministério Público, às fls. 1.012/1.050, e o Assistente


de Acusação, às fls. 1.051/1.055, requerem a pronúncia dos recorridos, a fim
de que se submetam a julgamento pelo Tribunal do Júri. Em apertada
síntese, o Órgão Ministerial alega que o recorrido Sebastião Franco Teixeira
agiu com dolo eventual, acrescentando que "Após análise criteriosa de todas
as provas coligidas, verifica-se que os eventos descritos nestes autos
originam-se de ação inconseqüente e irresponsável do dono do
estabelecimento, vez que, ao aplicar indiscriminadamente substâncias
tóxicas destinadas ao extermínio de ratos baratas e demais insetos, causou a
morte de duas delas, além de lesões irreversíveis numa terceira".

Contrarrazões recursais, às fls. 1.063/1.069, 1.172/1.175.

Juízo de retratação, à fl. 1.150.

Manifesta-se a douta Procuradoria de Justiça, à fl. 1.185, ratificando o


parecer de fls. 1.156/1.159, pelo não provimento do recurso.

Em linhas gerais, narra a denúncia "que, no dia 05 de junho de 2007, o


primeiro denunciado, de forma livre e consciente, aplicou em sua sociedade
empresária denominada "Centro Educacional Cecília Meireles Ltda"
agrotóxicos contendo substância ativa de organofosfato clorpirifós, de nome
"Fenônemo", comercializado ilegalmente pelos denunciados Sonia Maria
Batista Pereira e João Batista Pereira,

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causando, com isso, a morte de Anna Luz de Castro Baião e Júlio César
Namorato Batista, e lesões corporais gravíssimas na pessoa de Pedro
Cosme Castro Silva... a denunciada Sandra era sócia de Sebastião e que ela
se omitiu na adoção de cautelas para evitar os resultados apurados nesses
autos, olvidando-se do contrato empresarial que firmara com os genitores
das vítimas no sentido de assegurar-lhes a integridade física e psíquica
durante suas estadas na escola, portanto, de impedir o resultado verificado.
No mesmo sentido, foi identificada a pessoa de Maria do Rosário como
sendo a professora responsável pela proteção e vigilância das crianças
vitimadas nesses autos, que se encontravam no maternal, mas que, no dia
dos fatos, foram por ela negligenciadas, já que acessaram, em conjunto,
produto venenoso enquanto se encontravam sob a sua supervisão".

Inicialmente, merece ser salientado que apenas o recorrido Sebastião Franco


Teixeira foi denunciado pela prática de crimes de homicídio doloso, dois
consumados e um tentado, todavia, a sua eventual pronúncia refletirá nos
demais recorridos, porque atrairá o julgamento deste processo para o
Tribunal do Júri.

Na busca incessante de se fazer justiça, em que pese a tendência de se


reconhecer o dolo eventual em casos semelhantes ao tratado nestes autos,
não se pode reconhecê-lo de uma maneira apriorística e absoluta, sem
considerar as peculiaridades de cada caso.

No presente caso, o recorrido Sebastião Franco Teixeira provocou a morte


de duas crianças e danos irreversíveis numa terceira, entretanto, a meu
sentir, assim agiu com culpa consciente.

Para que haja o dolo eventual é necessário que o agente assuma o risco de
produzir o resultado e o aceite conscientemente; de outro lado, para que haja
a culpa consciente, o resultado é previsto, mas o agente, levianamente,
descarta a possibilidade de que ele ocorra.

Assim, tanto no dolo eventual, como na culpa consciente, ocorre a


previsibilidade do resultado. Só que, enquanto no dolo eventual o agente dá
o seu assentimento, a sua aquiescência ou sua anuência ao

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resultado lesivo, na culpa consciente não há qualquer adesão.

Acerca dessas questões, leciona o renomado doutrinador Francisco de Assis


Toledo:

"A diferença é que na culpa consciente o agente não quer o resultado nem
assume, deliberadamente, o risco de produzi-lo. Apesar de sabê-lo possível,
acredita sinceramente poder evitá-lo, o que só não ocorre por erro de cálculo
ou erro na execução. No dolo eventual, o agente não só prevê o resultado
danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis. É como
se pensasse: vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê
no que der, vou praticar o ato arriscado" (Princípios Básicos de Direito Penal,
Ed. Saraiva, 1987, p. 291).

No caso em testilha, não se pode dizer que o recorrido Sebastião Teixeira


Franco, ao realizar a detetização na escola utilizando produtos inadequados,
agiu com dolo eventual, assumindo o risco de intoxicar as crianças e
provocar a morte delas.

Sinceramente, acredito nisso, porque, um, como proprietário da escola, não


desejaria o mencionado recorrido tal resultado.

Dois, porque o próprio, por circular nas dependências da escola, poderia


sofrer tal conseqüência.

Três, porque a escola parecia ser bem cuidada, conforme se pode ver das
fotos juntadas aos autos, e as crianças despendiam de bons tratos, como
restou demonstrado através dos depoimentos colhidos, tanto é, que até os
fatídicos acontecimentos, nada de desabonador foi apurado em desfavor da
instituição.

Quarto, o fato de o recorrido Sebastião Franco Teixeira realizar a


dedetização na escola utilizando de produtos inadequados, por repetidas
vezes, sem que nenhum efeito negativo fosse sentido, de certo modo,
acobertava o perigo a que todos estavam expostos, fazendo-o crer até
mesmo que agia do modo correto.

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Um último ponto deve ser ressaltado, embora levantado de modo diverso


pelo assistente de acusação, as condutas criminosas imputadas ao recorrido
Sebastião Franco Teixeira não são omissivas.

Portanto, tenho que a morte das duas crianças e os danos irreversíveis na


terceira, ainda que ocorrido nas situações em que o representante ministerial
apresenta, não devem ser tidos como dolosos, mas como culposo, pois
entendo que o recorrido Sebastião Teixeira Franco não pensou no resultado
fatídico e o assumiu; ele pensou nesse resultado e, de forma leviana,
sinceramente, acreditou que ele não ocorreria.

Nesse sentido, traz-se à colação julgado:

"Não dando seu assentimento, sua aquiescência, sua anuência ao resultado,


não age o acusado com dolo eventual, mas, sim, com culpa consciente, que
é confinante com aquele, sendo sutil a linha divisória entre ambos" (RT
548/300).

Assim, embora se reconheça a gravidade e reprovabilidade dos fatos, sendo


até admissível a imprudência na conduta, não se pode afirmar que o
recorrido Sebastião Teixeira Franco aceitou o resultado como possível,
aderindo esse a sua vontade, afastado, portanto, o dolo eventual, não
havendo como pronunciá-lo, submetendo-o ao Tribunal do Júri.

Por oportuno, em solidariedade aos parentes das vítimas e em resposta à


sociedade, sinto a necessidade de registrar que esta decisão não redunda
em impunidade, mas, sim, em punir, de forma justa, os eventuais
responsáveis por tamanha fatalidade.

Pelo exposto, acolhendo a manifestação da douta Procuradoria de Justiça,


NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS, mantendo-se "in totum" a decisão
hostilizada, para que o presente feito seja julgado pelo juízo singular.

Custas na forma da lei.

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Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es):


ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO e ADILSON LAMOUNIER.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS.

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