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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

7VARCIVBSB
7ª Vara Cível de Brasília

Número do processo: 0715843-86.2023.8.07.0001

Classe judicial: PETIÇÃO CÍVEL (241)

REQUERENTE: CONFED NAC DOS TRAB DE ESTABELEC DE ENSINO, FEDERACAO


INTERESTADUAL DOS TRABALHADORES EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DO BRASIL
CENTRAL-FTRAE-BC, SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE GOIAS, SINDICATO DOS
TRABALHADORES EM EDUCACAO DE GOIAS

REQUERIDO: GUSTAVO GAYER MACHADO DE ARAUJO

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Trata-se de ação de conhecimento sob o rito comum, por meio da qual pretendem os autores, entidades
sindicais ligadas a trabalhadores e professores do Estado de Goiás, a exclusão do réu, Deputado Federal, das
redes sociais, ao argumento de que abusa da liberdade de expressão e prejudica terceiros, tendo estabelecido
como mote de campanha e de trabalho, a perseguição de opositores políticos, dentre eles professores, que a
seu ver realizam em sala a chamada “doutrinação de esquerda”.

Nessa cruzada, o réu teria exposto de forma injuriosa o professor Jeová Canhete, tornando-o alvo de
perseguição por seguidores do requerido, lançando ofensas pessoais e contra a sua família. Além disso, criou
uma plataforma on line para receber denúncias contra professores que a seu ver realizam a chamada
“doutrinação de esquerda”, com intenção de expor os profissionais da educação, que apenas cumprem seu
mister.

Acrescentam que o requerido também organizou um evento na Câmara dos Deputados, intitulado “Seminário
sobre Doutrinação nas Escolas”.

Ponderam que “os professores de disciplinas de natureza propedêutica dependem da análise de fatos
históricos, políticos e culturais para que o discente possa desenvolver seu pensamento e ter a capacidade de
raciocínio, sem que isso necessariamente afete a liberdade religiosa ou política de cada indivíduo”.

Número do documento: 23050917123602400000145434019


https://pje.tjdft.jus.br/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?nd=23050917123602400000145434019
Assinado eletronicamente por: LUCIANA CORREA TORRES DE OLIVEIRA - 09/05/2023 17:12:36

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Pedem a concessão de tutela de urgência para determinar às empresas GOOGLE BRASIL INTERNET
LTDA. (YouTube) e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (Instagram), que excluam
todos os vídeos e postagens realizadas pelo requerido, que exponham professores ou sejam voltadas para a
chamada “doutrinação de esquerda”, bem como para que suspendam as contas do réu em redes sociais, até o
julgamento final da lide.

É o relatório.

DECIDO

O art. 3º do referido Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) aponta os princípios que regem seu uso no
Brasil, dos quais merecem destaque a proteção da privacidade e o princípio da garantia da liberdade de
expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal.

A liberdade de expressão e informação é garantida, nos termos do art. 5º e 220 da Constituição, da forma
mais ampla possível, assegurado a todos o direito de externar pensamentos, ideias e opiniões, sem sofrer
qualquer restrição "sob qualquer forma, processo ou veículo".

O conteúdo da liberdade de expressão engloba toda mensagem e tudo o que se pode comunicar - juízos,
propaganda de ideias e de notícias sobre fatos.

Para tanto, a própria Carta Política, no § 1º do art. 220, estabelece alguns parâmetros para o exercício de tal
direito, tais como a vedação do anonimato, o direito de resposta, a indenização por danos materiais e morais,
bem como os direitos à honra e à privacidade.

Por isso, caso haja excesso, responde o ofensor por eventuais lesões e prejuízos causados à personalidade do
ofendido, decorrentes de eventual abuso de direito.

Obviamente devem ser atendidos os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa,


assegurada ao lesado reparação integral dos danos materiais e morais que venha a suportar.

A esse respeito destaco a lição de Carla Patrícia Frade Nogueira Lopes, nestes termos:

Número do documento: 23050917123602400000145434019


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“O exercício de poder pelos atos, condutas e atividades de comunicação deve ser analisado sob a ótica dos
limites externos que lhe são impostos, ora com o objetivo de restringir, ora com o intuito de ampliar o
conteúdo do poder a ser exercido pela imprensa, seus profissionais e comunicadores em geral. A fixação das
balizas legítimas desses limites servirá como mais um eixo conceitual no estabelecimento do critério
exclusivo de filtragem democrática da liberdade de expressão no âmbito do Judiciário, sempre que
provocado. São esses marcos limítrofes do exercício da liberdade de manifestação do pensamento, com
conteúdo restritivos ou extensivos, que demonstram a singularidade e mesmo identidade da imprensa como
instância de poder.” (LOPES, Carla Patrícia Frade Nogueira. Liberdade de imprensa e Poder Judiciário. 1. ed.
Brasília: TJDFT, 2018. p. 73-74.)

É certo que um dos limites ao direito à livre expressão do pensamento decorre da intangibilidade do
patrimônio moral de terceiros, que compreende os direitos tutelados pelo art. 5º, inc. X, da Constituição
Federal.

Todavia, no caso em comento, diante da colisão entre o direito à honra e personalidade (art. 5º, V e X, da
CF), e direitos do réu, firmados na liberdade de pensamento e da livre manifestação e exercício de opinião,
garantidos pelo estado democrático de direito, prudente a solução amparada no princípio da
proporcionalidade, porquanto inexiste hierarquia entre eles.

Nesse passo, deve ser considerado que o requerido exerce mandato de Deputado Federal e utiliza as
plataformas disponíveis em redes sociais para divulgar e realizar seu trabalho. Impedi-lo de se conectar com
seus eleitores e apoiadores afrontaria seu direito.

Por outro lado, não há que se falar em retirada do conteúdo publicado, quando não é comprovado que a
publicação tenha conteúdo inverídico, não parece desbordar dos limites da liberdade de expressão e
manifestação de pensamento, a todos constitucionalmente garantida.

Ante o exposto, por não vislumbrar a evidência do direito alegado pelos autores, indefiro a tutela
antecipada.

Proceda-se aos atos de citação e intimação pelos meios que se fizerem necessários, inclusive por carta
precatória, competindo ao advogado da parte interessada promover sua distribuição, e por edital (Prazo de 20
dias).

Fica desde já autorizada a localização de endereço pelos sistemas disponíveis ao Juízo.

Número do documento: 23050917123602400000145434019


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LUCIANA CORREA SETTE TORRES DE OLIVEIRA

Juíza de Direito

*documento datado e assinado eletronicamente pela Magistrada.

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