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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS

Órgão 8ª Turma Cível

Processo N. APELAÇÃO CÍVEL 0003419-47.2019.8.07.0016

AGRAVANTE(S)

AGRAVADO(S)
Relator Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO

Acórdão Nº 1669606

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DOCUMENTOS EXTEMPORÂNEOS. NÃO CONHECIMENTO.


PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO À PRECLUSÃO. NEGATIVA
DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REJEIÇÃO. ALIMENTOS EX-CÔNJUGE.
EXCEPCIONALIDADE. NECESSIDADE. INCAPACIDADE DE PROVER O PRÓPRIO
SUSTENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. OCORRÊNCIA. ASSÉDIO
PROCESSUAL. ASSÉDIO MORAL. CRIME DE PERSEGUIÇÃO. STALKING. CRIME DE
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER. DIREITO FUNDAMENTAL À PAZ
EXISTENCIAL. DIREITO FUNDAMENTAL À FELICIDADE. VIOLAÇÃO CONTÍNUA E
CONUMAZ. AÇÃO PENAL PÚBLICA. REMESSA DE CÓPIA DOS AUTOS AO
MINISTÉRIO PÚBLICO. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ARTIGO 40.

1. A juntada de documentos após a sentença é medida excepcional, cabível apenas quando houver
documento novo ou quando a parte demonstrar que deixou de juntá-los anteriormente por motivo de
força maior (CPC, arts. 435, parágrafo único e 1.014).

2. Não há cerceamento de defesa quando os documentos juntados aos autos mostraram-se suficientes
para a apreciação da lide, assim como para firmar a livre convicção do julgador.

3. Rejeita-se a preliminar de violação à preclusão pro judicato, pois a litispendência é matéria de


ordem pública e pode ser apreciada de ofício, em qualquer grau de jurisdição (CPC, art. 337, §§1º, 2º e
3º).

4. A prolação de julgamento em sentido contrário aos interesses da parte não configura negativa de
prestação jurisdicional, tampouco violação à paridade processual.

5. A obrigação alimentar entre cônjuges decorre do dever de mútua assistência (CC, art. 1.566, III) e
pode permanecer após o rompimento do vínculo conjugal.

6. Em razão do caráter excepcional, o pagamento da pensão entre ex-cônjuges só deve ser deferido
quando comprovado que o alimentando não dispõe de meios próprios para manter a sua subsistência.
Precedentes.

7. Não comprovada a necessidade de receber os alimentos nem a incapacidade para prover o próprio
sustento, correta a sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

8. A perseguição reiterada (Stalking) à ex-esposa, invadindo sua esfera de liberdade e privacidade por
meio de ações e incidentes judiciais repetitivos, infundados e temerários, aptos a lhe causar inquietação
e dano emocional por prejudicar sua liberdade de determinação e degradar sua integridade psicológica,
perturbando sua paz existencial e impedindo, assim, o exercício da felicidade , que são direitos
fundamentais intrínsecos à pessoa humana, tipifica, em tese, assédio processual, conduta subsumida
nos arts. 147-A e 147-B do Código Penal, sem prejuízo de outra classificação a ser dada pela
Autoridade competente.

9. “O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o
indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de
autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o
governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares.
Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal
Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres
Britto, DJe de 14/10/2011. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução
das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em
face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela
lei.” (RE 898060, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, Processo Eletrônico
Repercussão Geral - Mérito DJe-187 Divulg 23/08/2017 Public 24/08/2017).

10. “Antes de mais, impõe-se referenciar que a problemática do Stalking surge como um problema
social relacionado com a violência contra as mulheres, concretamente em situações de ruptura de
relacionamentos amorosos. (...) O Stalking pós-ruptura relacional trata-se de uma extensão ou variante
da violência conjugal como forma de manter a ligação entre os/as stalkers e ou seus/suas (ex-)
parceiros/as, ou como tentativa de manter o poder e o controle sobre estes/as; ações entendidas como
tentativas legítimas para reatar a relação ou “reconquistar” a ex-companheira, camuflando a fase da
“lua-de-mel” característica da violência doméstica.” (BÁRBARA FERNANDES RITO DOS
SANTOS. Stalking. Parâmetros de tipificação e o bem-jurídico da integridade psíquica. Coimbra:
Almedina, 2017, p. 27; 32).

11. Entende-se como violência psicológica à mulher “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e
diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise
degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir
e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.” (Lei nº
11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei Maria da Penha, at. 7º, II).

12. Havendo indícios de crime de ação penal pública, cabe remessa dos autos ao Ministério Público
para as providências que julgar cabíveis (CPP, art. 40).

13. A remessa dos autos ao Ministério Público não é criminalização indireta nem intimidação ao
exercício do direito de acesso à Justiça, mas indispensável proteção jurídica à pessoa perseguida,
evitando-se que o abuso do direito de ação, com argumentação manifestamente pretextuosa, seja causa
de pedir de processos judiciais repetitivos e temerários, o que pode caracterizar, em tese, crime de
perseguição e violência psicológica contra a mulher, sem prejuízo de outra classificação penal a ser
dada, privativamente, pelo Ministério Público.

14. Evidenciado que o autor procedeu de modo temerário durante o trâmite processual, o que se repete
em diversos processos em curso neste Tribunal, com manifesto assédio processual contra a parte
contrária, mulher, é cabível a aplicação de multa de 5% sobre o valor corrigido da causa por litigância
de má-fé, em favor da parte ré (CPC, art. 80, V e art. 81).
15. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito


Federal e dos Territórios, DIAULAS COSTA RIBEIRO - Relator, ROBSON TEIXEIRA DE
FREITAS - 1º Vogal, JOSE FIRMO REIS SOUB - 2º Vogal, CARMEN BITTENCOURT - 3º Vogal e
EUSTAQUIO DE CASTRO - 4º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador ROBSON
TEIXEIRA DE FREITAS, em proferir a seguinte decisão: Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido
e não provido. Maioria., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 02 de Março de 2023

Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO


Relator

RELATÓRIO

1. Apelação cível interposta por C. M. S contra a sentença da 3ª Vara de Família de Brasília que, em
ação de divórcio c/c alimentos proposta em desfavor de J. M. M. G, julgou o pedido inicial
improcedente (ID nº 38230818).

2. O autor foi condenado a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes fixados em
10% sobre o valor da causa. A gratuidade de justiça, inicialmente deferida ao autor, foi revogada.

3. Os embargos de declaração opostos pelo autor (ID nº 38230821) foram rejeitados (ID nº 38230829).

4. Nas razões de ID nº 38230833, o apelante suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença por:

(a) cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de prova e do encerramento


prematuro da instrução processual;

(b) violação à preclusão pro judicato em razão da revogação de ofício de decisão anterior que havia
reconhecido a conexão com o processo proposto pela apelada;

(d) negativa de prestação jurisdicional pela não apreciação das nulidades arguidas;

(e) violação ao direito de paridade de tratamento processual entre as partes.

5. No mérito, sustenta que a sentença baseou-se em pressuposto equivocado, pois os relatórios da e-F
inanceira são inservíveis para aferir a sua suposta capacidade financeira, já que apresentam “severa
distorção quantitativa dos valores informados”. Acrescenta que o Banco do Brasil emitiu documento
reconhecendo que os valores informados nos relatórios estão em duplicidade.
6. Defende que, em razão disso, a movimentação bancária para o ano de 2017 foi de R$ 202.447,14 e
não R$ 404.894,29 como fundamentou a sentença.

7. Argumenta que o arbitramento de alimentos entre cônjuges é necessário para a recuperação do


reequilíbrio socioeconômico vivenciado. Acrescenta que comprovou que após o término da relação
tentou se reinserir no mercado de trabalho, mas “sofreu um monstruoso decréscimo patrimonial (Id.
46391897), além de contrair empréstimos (Id. 46393403), o que consumiu integralmente suas reservas
financeiras e sua previdência complementar”.

8. Ressalta que o benefício da gratuidade de justiça deve ser restabelecido.

9. Pede a reforma da sentença para que os pedidos iniciais sejam julgados procedentes.

10. Sem preparo.

11. Contrarrazões apresentadas (ID nº 38230846), com preliminar de não conhecimento dos
documentos e de inovação recursal.

12. O pedido de gratuidade de justiça foi indeferido (ID nº 38531940) e o apelante recolheu o preparo
(ID nº 38881946).

13. O agravo interno interposto pelo autor (ID nº 39419092) não foi conhecido (ID nº 39465560).

14. Cumpre decidir.

VOTOS

O Senhor Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO - Relator

15. Conheço e recebo o recurso no duplo efeito (CPC, arts. 1.012 e 1.013).

Documentos extemporâneos

16. Após a prolação da sentença, o apelante juntou novos documentos (ID nº 38230834 a nº
38230836; nº 38230839).

17. A juntada de documentos após a sentença é medida excepcional, cabível apenas quando houver
documento novo ou quando a parte demonstrar que deixou de juntá-los anteriormente por motivo de
força maior (CPC, arts. 435, parágrafo único e 1.014).

18. Por não constituírem fatos novos, os documentos que acompanham o recurso e a petição de ID nº
38230839 deveriam ter sido apresentados no momento processual oportuno, sobretudo porque o
apelante não apresentou qualquer justificativa para a juntada extemporânea.
19. Os documentos de ID nº 38230834 a nº 38230836 e nº 38230839 não podem ser examinados, sob
pena de supressão de instância e de afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Do cerceamento de defesa

20. O apelante afirma que, ao negar a produção de prova pericial contábil, o juiz violou o seu direito
de defesa. Argumenta que esse fato o impediu de comprovar a “severa distorção quantitativa” dos
relatórios de crédito e de movimentação financeira apresentados pela Receita Federal e a sua
imprestabilidade como fundamento para a sentença. Acrescenta que o Banco do Brasil confirmou a
existência de duplicidade nas informações repassadas aos relatórios dos exercícios de 2017, 2018 e
2019.

21. O juiz pode determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito (CPC, arts. 370 e 371).
Apreciará as provas constantes nos autos e indicará as razões de seu convencimento, indeferindo
diligências inúteis ou protelatórias (princípio do livre convencimento motivado).

22. Os documentos juntados mostraram-se suficientes para a apreciação da lide, assim como para
firmar a livre convicção do julgador.

23. Ao contrário do que alega o apelante, os relatórios da e-Financeira apresentados pela Secretaria da
Receita Federal do Brasil são documentos hábeis e idôneos para fundamentar a sentença, pois
demonstram os montantes globais mensalmente movimentados pelo contribuinte (IN RFB nº
1571/2015).

24. Desnecessária a produção de prova para comprovar a “severa distorção quantitativa dos créditos”
supostamente descrita nesses documentos, pois, além de a análise da movimentação dos créditos e
débitos não exigir a realização de perícia contábil, os relatórios da e-Financeira foram apreciados em
conjunto com outros elementos de prova existentes no processo.

25. Ademais, a instrução processual deu-se com ampla participação das partes, abertura de prazo para
especificação de provas e intimação para manifestação sobre os documentos juntados, não havendo
que se falar em encerramento prematuro, tampouco em cerceamento de defesa.

26. Rejeito a preliminar.

Da violação à preclusão pro judicato.

27. O apelante afirma que houve violação à preclusão pro judicato em razão: (a) da revogação de
ofício de decisão anterior que havia reconhecido a conexão com o processo proposto pela apelada; e
(b) da alteração de ofício dos elementos essenciais da ação, “restringindo pedido e causa de pedir
expressamente suscitados”.

28. Na ação nº 0716483-83.2019.8.07.0016, a apelada pediu a decretação do divórcio; a guarda


compartilhada; regulamentação do regime de convivência e alimentos às filhas menores.

29. Na presente demanda, o apelante requereu a decretação do divórcio; a guarda compartilhada;


regulamentação da convivência paterna e alimentos provisórios para si, pelo período de 12 meses, no
valor de 2 salários mínimos. Posteriormente, aditou a inicial para pleitear a fixação do lar de
referência paterno, bem como alimentos em favor das filhas no importe de 35% dos rendimentos da
apelada (ID nº 38230561).

30. Ante a repetição de parte dos pedidos, a decisão de ID nº 38230580 reconheceu a litispendência
em relação aos pedidos de fixação de guarda, regime de convivência e alimentos às filhas –
concentrando a sua discussão nos autos nº 0716483-83.2019.8.07.0016 – e manteve o presente
processo apenas quanto ao pedido de fixação de alimentos em favor do autor/apelante (cônjuge).

31. Não houve violação à preclusão pro judicato, nem alteração de ofício dos elementos essenciais da
sentença, mas apenas aplicação dos efeitos da litispendência, cuja matéria é de ordem pública e pode
ser apreciada de ofício, em qualquer grau de jurisdição (art. 337, §§1º, 2º e 3º do CPC).

32. Precedente: Acórdão 1086474, 00053353520178070001, Relator Robson Barbosa De Azevedo, 5ª


Turma Cível, DJE de 17/4/2018.

33. Também não há prejuízo ao apelante, já que os pedidos serão apreciados no processo nº
0716483-83.2019.8.07.0016.

34. Rejeito a preliminar.

Da negativa de prestação jurisdicional e da violação à paridade processual.

35. O apelante suscita preliminar de nulidade da sentença por negativa de prestação jurisdicional, sob
o argumento de que não houve análise das nulidades arguidas nas decisões proferidas pelo juízo da 6ª
Vara de Família, que declarou-se suspeito.

36. Apesar de essa questão ter sido objeto do agravo de instrumento nº 0727898-77.2020.8.07.0000, o
recurso não foi conhecido, ante a não demonstração de urgência da matéria. Em razão disso, a matéria
pode ser alegada como preliminar da apelação.

37. Sabe-se que o juiz não está obrigado a enfrentar todo e qualquer argumento levantado pela parte,
mas somente aqueles fundamentais para solucionar a controvérsia.

38. A despeito das alegações recursais, verifica-se que na decisão de ID nº 38230704, o juiz
expressamente rejeitou as supostas nulidades das decisões proferidas pelo juízo antecessor e ratificou
os atos processuais já realizados.

39. Do mesmo modo, na sentença, todas as teses relevantes foram debatidas, tendo o magistrado
indicado satisfatoriamente os fatos e o direito que o levaram a julgar improcedente o pedido inicial.

40. A prolação de julgamento em sentido contrário aos interesses da parte, tanto nas decisões
impugnadas quanto na sentença, não configura negativa de prestação jurisdicional, tampouco violação
à paridade processual entre as partes.

41. A sentença está devidamente fundamentada e não se enquadra em qualquer das hipóteses previstas
no §1º do art. 489 do CPC, tampouco afronta o texto constitucional.

42. Rejeito a preliminar.

Do mérito.
43. A obrigação alimentar entre cônjuges decorre do dever de mútua assistência (CC, art. 1.566, III) e
pode permanecer após o rompimento do vínculo conjugal, desde que comprovada a dependência de
uma parte em relação à outra, observando-se, quanto ao valor, o trinômio: necessidade do
alimentando, possibilidade do alimentante e proporcionalidade.

44. Em razão do caráter excepcional, o pagamento da pensão entre ex-cônjuges só deve ser deferido
quando comprovado que o alimentando não dispõe de meios próprios para manter a sua subsistência
(REsp 1558070/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. p/ Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti,
Quarta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 01/12/2016).

45. As partes casaram-se em 11/6/2014 (ID nº 38226154), sob o regime de separação obrigatória de
bens e separaram-se de fato em dezembro de 2016. O divórcio foi decretado em decisão parcial de
mérito proferida em 8/2/2017 (ID nº 38230468, págs. 5-7).

46. O apelante pediu a fixação de alimentos provisórios pelo “prazo fixo e máximo de 12 meses” a
contar da separação de fato (dezembro de 2016), “para que possa se restabelecer e se lançar no
mercado de trabalho”. Na petição inicial, ressalvou expressamente (ID nº 38226148, pág. 6):

“O pedido de alimentos provisórios não é aqui formulado para sustento do alimentado por todo o
tempo do processo e nem para depois de julgado o feito e transitada em julgado a decisão. O tempo do
pedido de alimentos é de 12 meses, apenas, contados do deferimento da decisão liminar que os fixar.

Como a demanda sempre foi a provedora da família, nada mais natural que continue provendo a
família e o autor, este por curto espaço de tempo, apenas até arrumar um emprego, uma nova casa
para morar e uma nova condição de vida com dignidade.” (sic)

47. O pedido de fixação de alimentos é, portanto, restrito ao período de 12 meses após a separação de
fato do casal, ocorrida em dezembro de 2016, ou seja, há mais de 6 anos.

48. À época, o apelante contava com apenas 47 anos de idade, era empresário e advogado experiente
(ID nº 38230587), inscrito na seccional do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal (IDs nº 38230585;
nº 38230755 e nº 38230673), com histórico de atuação profissional em escritórios renomados (ID nº
38230664) e de atividade de assessoria de Ministro do STF.

49. Também era sócio de quatro empresas (ID nº 38230591 e nº 38230599, pág. 17 e nº 38230670),
titular de patrimônio estimado em R$ 972.244,99, além de sócio proprietário de escritório de
advocacia localizado no Distrito Federal (ID nº 38230673), de quem, inclusive, recebeu rendimentos
tributáveis e não tributáveis no ano de 2017 (declaração de imposto de renda ano calendário 2017, ID
nº 38230762, págs. 17-26).

50. Some-se a isso o fato de que os relatórios da e-Financeira referentes àquele ano (IDs nº 38230775,
pág. 5) comprovaram movimentações financeiras de R$ 404.894,29 em uma conta e R$ 25.706,03 em
outra. Por mais que o apelante insista na existência de duplicidade das informações ali prestadas e
pugne pela sua análise com redução de 50%, ainda assim, os valores encontrados são incompatíveis
com a natureza excepcional e provisória da prestação de alimentos entre ex-cônjuges.

51. As alegações de que “sofreu um monstruoso decréscimo patrimonial, além de contrair


empréstimos” (IDs nº 38230661, pág. 5 e nº 38230662), não autorizam a fixação dos alimentos
provisórios. Além de a alteração da capacidade socioeconômica dos cônjuges ser comum ao fim das
relações conjugais, o direito de reclamar os alimentos deve se pautar tanto na necessidade do
alimentando como na ausência de autonomia financeira para prover a própria subsistência, aspectos
não demonstrados pelo apelante, que, vale repetir, era advogado experiente, com escritório próprio, e
empresário à época da separação.

52. Precedentes: Acórdão 1168606, 20170610036638APC, Relator: Maria De Lourdes Abreu, 3ª


Turma Cível, publicado no DJE: 8/5/2019. Pág.: 542/546; Acórdão 938100, 20140210024445APC,
Relator: Hector Valverde Santanna, 6ª Turma Cível, publicado no DJE: 10/05/2016. Pág.: 371.

53. Como bem fundamentou o Juiz:

“Portanto, ao contrário do que sustenta o autor, este possui plenas condições de se manter, sem
necessidade de auxílio da ré, restando demonstrado que o requerente exerce atividade financeira, com
movimentação bancária expressiva no período em que pleiteia os alimentos.

Outro fato que chama atenção aos autos refere-se ao patrimônio do requerente, visto que, no momento
do ajuizamento da demanda, conforme declaração prestada à Receita Federal, contava com patrimônio
superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) (ID 31786068 - Pág. 10). A circunstância, segundo
alega o autor, de que teria realizado a venda de parte do patrimônio para fins de prover as suas
despesas somente demonstra que possui plena capacidade de prover o próprio sustento.

Esclareço, ainda, não prosperar a alegação do requerente acerca da imprestabilidade do Relatório da


e-Financeira para fins de aferição da movimentação bancária. Ora, o referido relatório demonstra a
movimentação dos créditos e débitos realizados nas contas bancárias dos períodos correspondentes,
não havendo qualquer duplicidade dos valores descritos nos mencionados relatórios.

Logo, a situação fática demonstrada, não justifica fixação de obrigação alimentar da ré em favor da
autora”.

54. O decurso de mais de 6 anos desde o pedido de alimentos reforça a conclusão de que o apelante
possui capacidade de se manter sem qualquer auxílio da apelada. Esse aspecto, aliado ao fato de que o
apelante já se encontra inserido no mercado de trabalho desde novembro de 2017, impede o
arbitramento da verba alimentar.

55. Não comprovada a necessidade de receber os alimentos, nem a incapacidade para prover o próprio
sustento, correta a sentença que julgou improcedente o pedido inicial.

56. Confirmo a sentença.

57. Por fim, advirto o apelante e seus advogados que todos os sujeitos do processo devem cooperar
entre si para que se obtenha, em tempo razoável, a adequada prestação jurisdicional (CPC, art. 6º).

58. A ação de divórcio c/c alimentos foi proposta em 1º/2/2017. O pedido de alimentos formulado
pelo apelante foi restrito ao “prazo fixo e máximo de 12 meses” para que “possa se restabelecer e
reinserir no mercado de trabalho” (ID nº 38226148, pág. 6). Desde 2/9/2019 o processo tramita
apenas quanto a esse pedido (ID nº 38230580). A reinserção no mercado de trabalho ocorreu em
6/11/2017 (ID nº 38230660).

59. Apesar disso, o apelante insistiu na condenação da apelada a pagar-lhe alimentos, em


contrariedade à própria pretensão que formulou.

60. Durante o trâmite deste processo, apresentou inúmeras petições sobre matérias estranhas ao objeto
da lide, mesmo após a decisão que determinou o prosseguimento do feito apenas em relação ao pedido
de alimentos entre ex-cônjuges. Como exemplo, cito as petições de IDs nº 38230599; nº 38230685; nº
38230698 nº 38230707; nº 38230729; nº 38230741.

61. A certidão de ID nº 38526869 demonstra que o apelante interpôs pelo menos seis agravos de
instrumento, dois deles sobre os mesmos fatos, o que motivou o Relator de um deles, Exmo. Sr.
Desembargador Sandoval Oliveira, a não conhecê-lo, sob os seguintes fundamentos (autos nº
0720581-28.2020.8.07.0000):

“A detida análise dos autos revela que o pronunciamento judicial ora impugnado, proferido nos autos
do Processo n.º 0003419-47.2019.8.07.0016, também é objeto do Agravo de Instrumento n.º
0705978-47.2020.8.07.0000, desafiando, além da preclusão, o Princípio da Singularidade
(Unirrecorribilidade ou Unicidade), segundo o qual, para cada ato judicial recorrível há um único
recurso previsto pelo ordenamento, sendo vedada a interposição concomitante, cumulativa ou
sucessiva de outro, visando a impugnação do mesmo ato judicial.

Com efeito, o presente recurso rebate, por via oblíqua, a mesma decisão objeto do Agravo de
Instrumento anterior, tendo sido aventadas, naquele recurso, as mesmas nulidades ora apontadas.

Inclusive, o pleito do recurso primitivo é no sentido de que seja anulada a decisão de ID 17327254 -
Pág. 46, para que o Juízo a quo aprecie, um a um, os pedidos deduzidos na petição de ID 17327253 -
Pág. 107, reconhecendo a nulidade dos atos decisórios do Juízo da 6ª Vara de Família de Brasília.

Tal pretensão equivale à ora deduzida, com a diferença de que agora se ambiciona também a
declaração de nulidade da decisão agravada, para que se examinem as razões da referida petição e dos
aclaratórios, confessadamente idênticas.

Entender pela possibilidade de tal análise – sob o pretexto de que a matéria em discussão é de ordem
pública e não haveria preclusão – implicaria em admitir a interposição de recurso contra cada decisão
proferida nos autos de origem daqui para frente, enquanto não anuída a tese de nulidade do agravante,
pois todo e qualquer comando irá, em certa medida, ter como base a decisão de ID 17327254 - Pág.
46, que recebeu a demanda e confirmou os atos processuais realizados no Juízo da 6ª Vara de Família
de Brasília.

Por todo o exposto, resta inadmissível o conhecimento da presente insurgência, seja em razão da
manifesta violação ao Princípio da Unirrecorribilidade, ou porque configurada a preclusão”.

62. A apelada, em contrarrazões, menciona a existência de “verdadeiro assédio processual”, com “


mais de 25 expedientes processuais em curso” promovidos pelo apelante.

63. O Código de Processo civil trata da litigância de má-fé nos arts. 80 e seguintes:

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;


VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá
ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte
contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as
despesas que efetuou.”

64. António Menezes Cordeiro, professor catedrático da Universidade de Lisboa, tem lição sobre a
litigância de má-fé a ser considerada pelos Juízes brasileiros por se tratar de comportamento comum
na prática forense de ambos os países e não só, causando os mesmos males à Justiça:

“1. A crise da Justiça. I. A ordem jurisdicional portuguesa revela-se incapaz de resolver os litígios, em
tempo útil. A afirmação, constantemente repetida na comunicação social, é apontada, pelos estudos de
campo, como uma das razões do atraso do País. Para além disso, ela é profundamente sentida por
quantos, como testemunhas, como partes, como advogados ou como magistrados, tenham presença no
foro. Episódios de chicanas, de desconsiderações, de demoras incompreensíveis e inexplicáveis, de
diligências sufocantes e inúteis e de decisões esvaziadas pelo decurso do tempo são relatadas e
repetidas, ad nauseam, por leigos e por peritos.

II. Em boa verdade e no terreno, os agentes que proclamam a incapacidade da Justiça logo se
apressam a afiançar exceções e, em especial, a enaltecer a generalidade dos advogados e dos
magistrados. Sejamos sinceros: individualmente, todas as pessoas são sérias, respeitáveis, cultas e
eficientes; muito raramente se prova o contrário. Mas no seu conjunto, o sistema não funciona. Por
quê?

III. A resposta é simples: porque o bloqueio da Justiça, conquanto que nocivo para o País, é vantajoso
para a parte que não deva obter ganho de causa. Para cada prejudicado, há um beneficiado. No plano
dos grandes números, todos perdem, mas todos ganham. Apenas desde o momento em que ninguém
lucre com as delongas, a própria dinâmica social se encarregaria de encontrar saídas. O crescente
recurso às arbitragens é, disso, um (tímido) sinal. [...]

4. O garantismo, a astúcia das partes e a timidez do Tribunal.

I. Os excessos de garantismo complicam, em geral, os diversos Direitos europeus. Para tanto


contribuíram a tradição anglo-saxónica da jurisdicionalização e a culpa alemã subsequente à queda do
III Reich. No imaginário legislativo, há que proteger as pessoas das medidas tomadas pelo poder,
neste se incluindo os tribunais. Aos arguidos em processos penais ou aos demandados em ações
cíveis, concedem-se todos os direitos. As vítimas de crime e os queixosos em Justiça são vistos com
desconfiança. Apenas as necessidades de eficiência econômica têm vindo a contrabalançar esta
curiosa postura Ocidental.

II. Nas leis portuguesas, o garantismo latente intensificou-se com a queda tardia do Estado Novo e
com a institucionalização da Ordem Jurídica da III República. A técnica processual penal de admitir,
através da instrução, um primeiro julgamento, artificializa o julgamento propriamente dito e constitui
porta aberta a uma labuta infindável. Além disso: a primeira fase é inútil, dada a impossibilidade
prática de, no julgamento, serem tomados em consideração os depoimentos prestados por arguidos e
testemunhas, em sede de inquérito (em regra, mais espontâneos e próximos dos factos), com danos
para a verdade material. No limite, os próprios arguidos são severamente prejudicados, acabando por,
em prisões preventivas alargadas, cumprir penas por crimes pelos quais não foram condenados. O
processo civil não é exceção: despachos de aperfeiçoamento, adiamentos por conveniência de
advogados, convocações surrealistas de testemunhas às quais são impostas horas e horas de espera,
regime das suspeições e possibilidade de enxertar os mais variados incidentes podem dilatar, por anos,
questões que deveriam ter soluções imediatas. Tudo isto dita a ineficiência e o desprestígio da Justiça.

III. É certo que as leis mais recentes têm procurado reagir: introduzindo a informática e limitando os
recursos. O primeiro ponto é positivo: tem, agora, de se repercutir nas realidades; o segundo merece
censura. Não são os recursos que retardam os processos; o grande óbice é o âmbito que podem
assumir os articulados, muitas vezes com elementos alheios à apreciação da causa e o segmento que
medeia entre os articulados e a sentença. De todo o modo, as medidas instrumentais nada têm podido
contra o garantismo e contra duas gravíssimas consequências que dele emergem: a astúcia das partes e
a timidez do Tribunal.”

(ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In
Agendo”. Coimbra: Almedina, 2016, p. 17-18; 23-24).

65. Paula Costa e Silva, também professora catedrática da Universidade de Lisboa, nos comentários à
legislação portuguesa sobre a litigância de má-fé, que é muito semelhante às disposições do Código de
Processo Civil brasileiro, anota:

“Na verdade, o direito de ação, como qualquer outro direito subjetivo, não traduz uma liberdade
absoluta: ainda que o direito a agir configure uma permissão normativa genérica, não pode significar
uma possibilidade de atuação sem fronteiras de licitude. O direito de ação, como qualquer situação
jurídica, está, desde logo, limitado pelos fins da sua atuação. Se é certo que a circunstância de se estar
a exercer o direito de ação, sem qualquer uma das suas refrações, não funciona como causa de
exclusão da ilicitude, certo é, também, que esta situação jurídica apresenta peculiaridades muito
próprias, que impõem valorações específicas na demarcação da fronteira entre ações lícitas e ilícitas.”

(PAULA COSTA E SILVA, Responsabilidade por conduta processual: litigância de má fé e tipos


essenciais. Coimbra: Almedina, 2022, p. 45-46).

66. Evidenciado que o autor/apelante procedeu de modo temerário durante o trâmite processual,
aplico-lhe a multa de 5% sobre o valor corrigido da causa por litigância de má-fé, em favor da parte ré
(CPC, art. 80, V e art. 81).

Perseguição (Stalking) e violência psicológica contra a mulher

67. As inúmeras iniciativas do apelante demonstram evidente assédio processual, que é o uso do
processo judicial como instrumento de assédio moral, de perseguição (Stalking), de violência
psicológica contra a mulher, não podendo o Poder Judiciário desconsiderar o desvio de sua finalidade,
que tem por objetivo, no uso dado pelo apelante, transformar a vida da ré em um inferno dantesco.
Vide o item 62 deste voto, com referência às contrarrazões do recurso, verbis:

“Derradeiramente, é importante informar ao Egrégio Tribunal que o apelante, promove verdadeiro


assédio processual contra a recorrida, tanto que já restou solicitado em diversos expedientes,
aplicações de multa por litigância de má-fé, pois há nítido intuito de procrastinar os efeitos e obter
vantagem indevida em face da ex-esposa. Aliás, apurou-se que existem mais de 25 expedientes
processuais em curso, todos promovidos por C. (...) Não bastasse o organograma acima, ainda pendem
os processos que envolvem o cumprimento de sentença dos alimentos, tombado sob n.
0004769-70.2019.8.07.0016, que possui os seguintes expedientes junto ao Egrégio Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios, tombados sob os ns. AgIntCiv 0717275-80.2022.8.07.0000,
AgIntCiv 0700635-65.2022.8.07.9000, EDCiv 0728926-46.2021.8.07.0000, AIREsp
0737222-91.2020.8.07.0000, AIREsp 0720581-28.2020.8.07.0000, AIREsp
0726393-85.2019.8.07.0000. Além disso, ainda há o processo há recurso perante a Colenda Corte
Superior, bem como ação indenizatória tombada sob n. 50071975820208210001, que tramita perante
a 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre/RS. (ID 38230846).”

68. A conduta do autor, que reitera inúmeras iniciativas processuais contumazes e temerárias contra
sua ex-esposa retiram dela a paz existencial e impedem o exercício da felicidade, ambos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, e tipifica, em tese, os crimes previstos nos arts. 147-A e
147-B do Código Penal, intitulados perseguição e violência psicológica contra a mulher, incluídos
no Código Penal pela Lei nº 14.132/2021. O crime de perseguição, também conhecido como Stalking,
e de violência psicológica contra a mulher, exigem representação da vítima para a ação penal, que não
exige forma especial prevista em lei. Para que não haja proteção insuficiente à mulher, neste caso, é
obrigatória a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público (CPP, art. 40), com cópia do acórdão.
Os indícios de crime(s) e a a condição de procedibilidade não podem ser avaliados pelo Juízo Cível. O
art. 40 do Código de Processo Penal se refere apenas ao gênero “ação penal pública”: “Quando, em
autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação
pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da
denúncia.”

69. “O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o
indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de
autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o
governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares.
Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal
Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres
Britto, DJe de 14/10/2011. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução
das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em
face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela
lei.” (RE 898060, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, Processo
Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-187 Divulg 23/08/2017 Public 24/08/2017)

70. Não se trata de criminalização nem de intimidação ao exercício do direito de acesso à Justiça, mas
de indispensável proteção jurídica à pessoa injustamente perseguida, principalmente tratando-se de
mulher, evitando-se que o abuso do direito de ação, com argumentação manifestamente “pretextuosa”,
seja causa de pedir de processos judiciais repetitivos, contumazes e temerários como tem ocorrido por
iniciativa do apelante contra sua ex-esposa. A análise da existência de crime e da condição de
procedibilidade é matéria da competência privativa do Ministério Público.

71. Transcrevo, a propósito, excerto da dissertação de Bárbara Fernandes Rito dos Santos, sob
orientação de Manuel da Costa Andrade, ex-Presidente do Tribunal Constitucional Português e um
dos mais festejados professores de Direito Penal da Universidade de Coimbra:

“Antes de mais, impõe-se referenciar que a problemática do Stalking surge como um problema social
relacionado com a violência contra as mulheres, concretamente em situações de ruptura de
relacionamentos amorosos. (...) O Stalking pós-ruptura relacional trata-se de uma extensão ou variante
da violência conjugal como forma de manter a ligação entre os/as stalkers e ou seus/suas (ex-)
parceiros/as, ou como tentativa de manter o poder e o controle sobre estes/as; ações entendidas como
tentativas legítimas para reatar a relação ou “reconquistar” a ex-companheira, camuflando a fase da
“lua-de-mel” característica da violência doméstica. Em situações de pós-ruptura relacional há um
maior risco de violência física, persistência, reincidência, diversidade de estratégias e mais rápida
escalada de comportamentos; de homicídio conjugal após a ruptura do que durante a relação os
Stalkers tornam-se mais ofensivos, controladores e ameaçadores. (...) O Stalking caracteriza-se por um
conjunto peculiar de características que, cumulativamente, perfazem uma série de condutas delituosas
que ainda não se encontram criminalizadas como um todo. Então, a prática de condutas de
perseguição prevê a incursão na esfera da intimidade e privacidade da vítima, a reiteração de
comportamentos que causam prejuízo à saúde psicológica e emocional do sujeito passivo; ofensa à
sua idoneidade moral, modificação do estilo de vida e imposições à liberdade de ir e vir.”

(BÁRBARA FERNANDES RITO DOS SANTOS. Stalking. Parâmetros de tipificação e o


bem-jurídico da integridade psíquica. Coimbra: Almedina, 2017, p. 27; 32).

72. Confiro, ainda, a título de ilustração:

Código Penal português

Art. 154º-A (Incluído pela Lei nº 83/2015, de 5 de Agosto)

Perseguição

1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou
indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade
de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não
lhe couber por força de outra disposição legal.

2 - A tentativa é punível.

3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de
contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas
específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência
ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo
à distância.

5 - O procedimento criminal depende de queixa. [Representação]

Código Penal brasileiro

Perseguição (Incluído pela Lei nº 14.132/2021).

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade
física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo
ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:


I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste
Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

Violência psicológica contra a mulher (Incluído pela Lei nº 14.188/2021).

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento
ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização,
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e
autodeterminação:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais
grave.

73. Informações complementares: ação proposta em 1º/2/2017; valor da causa: R$ 22.488,00;


sentença proferida em 5/4/2022; honorários fixados em 10% sobre o valor da causa; não houve
recurso sobre o tema; não há gratuidade de justiça.

DISPOSITIVO

74. Rejeito as preliminares. Conheço e nego provimento ao recurso. Confirmo a sentença.

75. Majoro os honorários advocatícios de 10% para 20% sobre o valor atualizado da causa (CPC, arts.
85, §§ 2º e 11).

76. Aplico ao autor multa de 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa por litigância de
má-fé (CPC, art. 80, V e art. 81), em favor da parte contrária.

77. Remeta-se cópia dos autos ao Ministério Público ante os indícios de crimes de ação penal pública
(CPP, art. 40).

É o voto.

O Senhor Desembargador ROBSON TEIXEIRA DE FREITAS - 1º Vogal

Com a devida vênia, divirjo parcialmente do e. Relator.

Registro que acompanhoSua Excelência para rejeitar as preliminares suscitadas no recurso e negar
provimento à Apelação, com a aplicação de multa por litigância de má-fé, contudo, divirjo das
conclusões do voto no sentido da remessa de cópia dos autos ao Ministério Público (CPP, art. 40).
Diversamente de S. Exa., não vislumbro no feito o evidente assédio processual, tampouco a utilização
do processo judicial para a prática de delitos criminais.

Assim, com a devida vênia, divirjo parcialmente do e. Relator no tocante ao envio de cópia dos autos
ao Ministério Público.

É como voto.

O Senhor Desembargador JOSE FIRMO REIS SOUB - 2º Vogal


Com o relator
A Senhora Desembargadora CARMEN BITTENCOURT - 3º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador EUSTAQUIO DE CASTRO - 4º Vogal
Com o relator

DECISÃO

Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e não provido. Maioria.

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