Você está na página 1de 5

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO
GABINETE PGU (GAB) (PGU)
SAS, QUADRA 03, LOTE 5/6, 10° ANDAR - AGU SEDE IEDIFÍCIO MULTIBRASIL
CORPORATEFONES: (61) 2026-8633/8635 BRASÍLIA/DF - CEP: 70.070-030

NOTA JURÍDICA n. 00151/2023/PGU/AGU

NUP: 00405.003007/2023-25
INTERESSADOS: KIM PATROCA KATAGUIRI
ASSUNTOS: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OUTROS

I - DO OBJETO

1. Trata-se de requerimento (seq. 2), datado de 26 de janeiro de 2023, assinado pelo


Exmo. Deputado Federal Kim Patroca Kataguiri e pelo Exmo. Vereador de São Bernardo
do Campo/SP Glauco Novello Braido.

2. Em resumo, alegam o seguinte:

[...] o presidente da República, em pronunciamentos oficiais recentes -


ou seja, valendo-se do cargo de Presidente da República e de toda a
publicidade por ele proporcionada - se referiu, repetidas vezes, ao
impeachment da ex-presidente Dilma Roussef como “golpe”.
[...] o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, está
deliberadamente propagando desinformações a respeito de um fato
histórico e do funcionamento das instituições democráticas brasileiras.

3. Diante disso, com fundamento no art. 47, II, do Decreto nº 11.328/203, os


requerentes peticionam que à União, por meio da Procuradoria Nacional da União de
Defesa da Democracia dessa Advocacia-Geral da União (PNDD/PGU/AGU), ajuíze ação
em face do Exmo. Presidente da República.

4. A respectiva tarefa foi distribuída em 14 de fevereiro de 2023, ao Exmo.


Procurador-Geral da União, que proferiu o Despacho n. 01260/2023/PGU/AGU (seq. 3),
no qual determinou o encaminhamento do feito à Secretaria de Comunicação Social da
Presidência da República (SECOM), dada sua competência temática regimentalmente
instituída, para prestar subsídios sobre a matéria.

5. O Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão da Secretaria de Políticas


Digitais da SECOM proferiu a Nota Técnica nº 1/2023/DLIB/SPDIGI/SECOM (seq. 10),
de 8 de fevereiro de 2023, encaminhada a esse Gabinete/PGU, por meio do Ofício nº
5/2023/GAB/SE/SECOM/PR, de 9 de fevereiro de 2023.

6. A mencionada Nota Técnica nº 1/2023/DLIB/SPDIGI/SECOM (seq. 10) concluiu


o seguinte:

[...] diante do caso concreto não parece que haja conexão com os
dispositivos mencionados, em especial o artigo 47, II, do Decreto nº
11.328 de 2023, seja porque o conteúdo impugnado não se refere à
política pública, seja porque não há previsão legal para ampliação deste
conceito que abarcasse o pretendido pelo requerente.

7. Não há juntada de documentos. Não há pedido de tutela de urgência ou alegação de


risco de perecimento de direito por parte dos requerentes.

II - DA ANÁLISE

8. Com fundamento no art. 47, II, do Decreto nº 11.328/203, os requerentes


peticionam (seq. 2) para que a União, por meio da Procuradoria Nacional da União de
Defesa da Democracia dessa Advocacia-Geral da União (PNDD/PGU/AGU), ajuíze ação
judicial em face do Exmo. Presidente da República, por propagar desinformação, ao se
referir ao impeachment da ex-Presidente Dilma Roussef como “golpe”.

9. A Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD), provocada


pelo requerente, foi criada pelo Decreto nº 11.328, de 1º de janeiro de 2023, em vigor a
partir de 24 de janeiro de 2023, que estabeleceu a Estrutura Regimental da Advocacia-
Geral da União. É o artigo 47 que estabelece as competências da referida PNDD:

O Decreto nº 11.328, de 1º de janeiro de 2023


(Anexo I: Estrutura Regimental da Advocacia-Geral da União)
Art. 47. À Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia
compete:
I - representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e
procedimentos para defesa da integridade da ação pública e da
preservação da legitimação dos Poderes e de seus membros para
exercício de suas funções constitucionais;
II - representar a União, judicial e extrajudicialmente, em
demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à
desinformação sobre políticas públicas;
III - promover articulação interinstitucional para compartilhamento de
informações, formulação, aperfeiçoamento e ação integrada para a sua
atuação;
IV - propor a celebração de acordos e compromissos internacionais para
compartilhamento de informações, criação e aperfeiçoamento de
mecanismos necessários à sua atuação;
V - planejar, coordenar e supervisionar a atuação dos órgãos da
Procuradoria-Geral da União:
a) nas atividades relativas à representação e à defesa judicial de agentes
públicos de competência da Procuradoria-Geral da União; e
b) nas atividades relativas à representação e à defesa judicial da União
em matéria eleitoral;
VI - exercer a representação e a defesa judicial da União nas causas de
competência da Advocacia-Geral da União junto ao Superior Tribunal
de Justiça, ao Tribunal Superior do Trabalho, ao Tribunal Superior
Eleitoral, ao Superior Tribunal Militar e à Turma Nacional de
Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, em
matéria eleitoral; e
VII - analisar, no âmbito da Procuradoria-Geral da União:
a) os pedidos de representação judicial de agentes públicos; e
b) as medidas relacionadas com a defesa de prerrogativas de membros.

10. Não se identifica correlação entre as atribuições da Procuradoria Nacional da União


de Defesa da Democracia, acima elencadas, com a formulação contidas no requerimento
inicial.
11. Como dito, os requerentes apontam a norma do artigo 47, II, do Decreto nº
11.328/203, para fundamentar pedido de ajuizamento de ação judicial em face do Exmo.
Presidente da República, por propagar desinformação, ao se referir ao impeachment da
ex-Presidente Dilma Roussef como “golpe”.

12. Ocorre que o referido dispositivo delimita o objeto de atuação da União, por
intermédio de sua Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia:
“representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para
resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas;”.

13. Para José dos Santos Carvalho Filho, políticas públicas são como “diretrizes,
estratégias, prioridades e ações que constituem as metas perseguidas pelos órgãos
públicos, em resposta às demandas políticas, sociais e econômicas e para atender aos
anseios oriundos da coletividade”1.

14. Lindomar Wessler Boneti esclarece que as políticas públicas “determinam um


conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento e/ou o
redirecionamentos dos rumos das ações de intervenção administrativa do Estado na
realidade social e/ou investimentos”2.

15. Política pública, assim, consiste em programa de ação governamental. É a atuação


do Estado na elaboração de metas, na definição de prioridades, na fixação do orçamento
e dos meios de execução, para a consecução das ações governamentais, em harmonia com
os compromissos constitucionais e os arranjos institucionais.

16. Não se espera, contudo, que haja unanimidade na agenda política governamental.
No regime democrático, a definição das políticas públicas está sujeita ao debate e à
divergência de ideias. “Divergências ideológicas, políticas, de visão estatal, são sempre
reforçadas, evidenciadas, contrastadas, quando se discute a formulação de determinado
desígnio estatal. Não se espera, pois, facilidades, ou unanimidades, quando se pretende
construir uma determinada política pública”3.

17. “Por outro lado, [...] a construção de uma conduta governamental deriva do seu
contexto social e político. A política pública acaba sendo fruto de consequências
derivadas de uma arena política”.4

18. Nesse contexto democrático, a escolha e a concretização de políticas públicas não


necessariamente trazem tranquilidade e uniformidade ao ambiente político de um Estado.
E nem é isso o que se busca. Aliás, é nos governos totalitários que se impõe a
conformidade de ideias, o monólogo dos atores, a autoridade de uma única vontade e a
imposição de uma narrativa uníssona.

19. É sobre essa premissa que deve funcionar a Procuradoria Nacional da União de
Defesa da Democracia (PNDD), criada pelo artigo 47 do Anexo I do Decreto nº 11.328,
de 1º de janeiro de 2023.

1
In: FORNITI, Cristiana; ESTEVES, Júlio César dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca (Org.)
Políticas Públicas: possibilidade e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 110-1.
2
Políticas Públicas por dentro. Ijui (RS): Unijui, 2007, p. 74.
3
ARAÚJO, Fabiano de Figueiredo. Políticas públicas, legística e a AGU: o papel do advogado público
federal na efetividade normativa. In: Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 04, p. 67-92, out./dez. 2015,
p. 71.
4
ARAÚJO, Fabiano de Figueiredo. Políticas públicas, legística e a AGU: o papel do advogado público
federal na efetividade normativa. In: Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 04, p. 67-92, out./dez. 2015,
p. 73.
20. Relativamente à atribuição constante no inciso II do citado dispositivo,
evidentemente, a atuação da PNDD não compreende a função de censor de opiniões, mas
sim, conforme a sua capacidade institucional e de acordo com os limites constitucionais,
representar a União no enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas.

21. Exemplo hipotético dessa atuação seria no caso de propagação de informação falsa
sobre política pública relacionada à programa de saúde do Governo Federal. Suponha-se
que alguém (agente público ou não) divulgasse que as vacinas contra a Covid-19: (a)
podem alterar o DNA das pessoas imunizadas; (b) contém chip líquido e inteligência
artificial para controle populacional; (c) são transmissores de HIV; (d) criam campo
magnético no corpo de quem é imunizado; (e) não têm comprovação científica.

22. Em tese, o exemplo acima se enquadra na hipótese “desinformação sobre políticas


públicas”, pois se trata de divulgação de informação falsa sobre programa de saúde do
governo, atraindo, portanto, a atuação da PNDD, com fundamento no inciso II, artigo 47,
Anexo I, Decreto nº 11.328, de 2023.

23. O requerimento inicial, no entanto, não traz hipótese de desinformação sobre


política pública. Conforme narrado na Nota Técnica nº 1/2023/DLIB/SPDIGI/SECOM
(seq. 10), de 8 de fevereiro de 2023:

Os Autores afirmam que, “o Impeachment é procedimento


constitucionalmente previsto e parte indissociável do sistema de freios
e contrapesos”. De fato, trata-se de um procedimento jurídico,
conduzido pelo Congresso Nacional, a vistas de julgar o cometimento
de crime de responsabilidade, não guardando assim qualquer relação
com o objetivo de uma política pública. No caso submetido à apreciação
desta secretaria vislumbra-se tratar de um juízo de valor sobre um fato
político, sendo legítima a livre manifestação de pensamento, opinião ou
crítica.

Ademais, conforme bem exposto pela Procuradoria Geral da União no


despacho n. 01260/2023/PGU/AGU, o Grupo de Trabalho ainda está
em fase de constituição, não havendo parâmetros delimitados para sua
atuação. A própria AGU manifestou-se afirmando que não atuará de
modo a cercear opiniões ou críticas de forma a contrariar as liberdades
públicas.

24. Ademais, é da essência do jogo democrático a coexistência de ideias opostas5.


Como não é possível conceber democracia sem pluralidade, não se espera aniquilar as
ideias divergentes, mas espera-se que um Estado Democrático de Direito, por meio de
suas instituições, busque transformar a desinformação destrutiva em informação
construtiva.

25. Assim a atuação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia


deverá ser pautada na lógica democrática e do pluralismo de ideias, com respeito aos
direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos, em especial a
inviolabilidade do direito à liberdade, à livre manifestação do pensamento e à livre
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença (CF/88, art. 5º, caput e incisos IV e IX).

26. Além do mais, o desempenho da Procuradoria Nacional da União de Defesa da


Democracia será nos limites do desenho institucional traçado pelo art. 131 da

5
DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
Constituição Federal de 1988, pela Lei Complementar n. 73, de 1993, e pelo Decreto nº
11.328, de 2023.

27. Nesse sentido, cumpre esclarecer, ainda, que, apesar da previsão da Procuradoria
Nacional da União de Defesa da Democracia e de suas atribuições, seu funcionamento
pende de regulamentação.

28. Efetivamente, a Portaria Normativa AGU nº 82, de 20 de janeiro de 2023, instituiu


Grupo de Trabalho, no âmbito da Advocacia-Geral da União, com a finalidade de obter
subsídios e contribuições das organizações da sociedade civil e dos poderes públicos, para
auxiliar na elaboração da normatização da Procuradoria Nacional da União de Defesa da
Democracia. O referido Grupo de Trabalho ainda está em constituição.

29. Assim, embora a regulamentação da PNDD esteja ainda em construção, o que irá
delinear sua forma e seu funcionamento, o requerimento inicial extrapola a competência
definida na norma criadora da PNDD, razão pela qual, não tem viabilidade jurídica.

III – DA CONCLUSÃO

30. Diante de todo o exposto, conclui-se pelo indeferimento do requerimento inicial.

À consideração superior.

Brasília, 24 de fevereiro de 2023.


Assinado digitalmente por NATALIA RIBEIRO MACHADO

NATALIA RIBEIRO VILAR:64782042353


DN: C=BR, O=ICP-Brasil, OU=presencial,
OU=00489828000317, OU=Secretaria da Receita Federal

MACHADO VILAR: do Brasil - RFB, OU=ARMPDG, OU=RFB e-CPF A3,


CN=NATALIA RIBEIRO MACHADO VILAR:64782042353
Razão: Eu sou o autor deste documento

64782042353 Localização: sua localização de assinatura aqui


Data: 2023.02.24 10:37:18-03'00'
Foxit Reader Versão: 10.1.3

(assinado eletronicamente)
NATALIA RIBEIRO MACHADO VILAR
ADVOGADO DA UNIÃO

Você também pode gostar