Você está na página 1de 10

SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR DETENÇÃO,

PRISÃO PREVENTIVA E/OU PRISÃO DO TRABALHADOR, À


LUZ DA LEI N.° 7/15 DE 15 DE JUNHO - LEI GERAL DO
TRABALHO.

Por: Valdano Pedro

DO PROBLEMA
Para além de prestar o trabalho com diligência e zelo, na forma, tempo e local de trabalho
estabelecidos no contrato de trabalho, o trabalhador tem mais alguns deveres, dentre eles,
o dever de ser assíduo e pontual,1avisando o empregador em caso de impossibilidade de
comparência, justificando os motivos da ausência conforme estatuído no artigo 44.º,
alíneas a) e c) da Lei n.° 7/15 de 15 de Junho - Lei Geral do Trabalho (doravante LGT) .
Se assim não proceder, e por hipótese ausentar-se do centro de trabalho durante o período
normal de trabalho diário, tal comportamento traduzir-se-ia em, ou configurará falta –
conforme artigo 3.º, n.º 16 da LGT.
Se não justificadas, quando excedam três (3) dias por mês ou doze (12) por ano ou
independentemente do seu número, se forem causa de prejuízos ou riscos graves para a
empresa, as faltas constituem justa causa para despedimento disciplinar - artigo 206.º,
alínea a) da LGT.
Quid juris, se o trabalhador se ausentar do centro de trabalho, por um período de 10 (dez)
dias úteis consecutivos sem informar o empregador do motivo da ausência, o empregador
pode declarar o trabalhador na situação de abandono do trabalho, nos termos do artigo
229.º da LGT?
E se a ausência for imprevista?
E se para além de imprevista dever-se ao facto de o trabalhador ter sido detido pelas
autoridades policiais, estar preso preventivamente ou mesmo estar a cumprir uma pena
de prisão,2estando assim privado da sua liberdade de locomoção, i.é, do seu «ius

1
A assiduidade nas palavras de Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", 13ª edição, Almedina, pág.
242, reflecte a observância por parte do trabalhador, do "programa" da prestação de trabalho, no tempo e
no espaço. Significa, em suma, que ele deve estar disponível nas horas e locais previamente definidos. (...)
A assiduidade associa-se, por conseguinte, à pontualidade, isto é, ao cumprimento preciso das horas de
entrada e de saída em cada jornada de trabalho.
Mas tudo isso, naturalmente, apenas na medida em que seja socialmente exigível a comparência do
trabalhador.
Não pode considerar-se violado o dever de assiduidade pelo facto de o trabalhador ser forçado à ausência,
em virtude de circunstâncias suficientemente justificativas de tal conduta (...)
A justificabilidade implica o reconhecimento da não exigibilidade da comparência, isto é a neutralização
do dever de assiduidade".
2
Prisão (quer seja pena de prisão maior, quer seja pena de prisão correcional), pode ser definida como a
sanção penal que se traduz na privação da liberdade de alguém (agente de um crime) decretada pelo
Tribunal competente. Sobre a diferença entre detenção, acto processual de privação precária da liberdade
ambulandi» (latim - direito de transitar, de ir e vir) e consequentemente impedido de
prestar o seu trabalho?3
A prisão do trabalhador, faz cessar a relação jurídico-laboral?

INTRODUÇÃO

A relação de trabalho tem uma dimensão jurídica e uma dimensão factual, obviamente
entrecruzadas. Se é certo que, por um lado, o trabalhador e o empregador (também
chamado por entidade patronal), se vêem ligados por direitos e obrigações que se vão
renovando com o decurso do tempo, e que constituem o conteúdo da relação jurídica que
entre eles se estabeleceu - é também, por outro lado certo, que essa relação jurídica
(definida pelos direitos e deveres entre as partes) pode ser «modelada», no decurso da sua
existência, pelas vicissitudes ocorridas no contacto entre o trabalhador e a entidade
patronal ou que nele se reflictam.
Uma relação jurídica é fundamentalmente uma relação da vida social disciplinada pelo
Direito, mediante a atribuição à uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjectivo
e a correspondente imposição à outra de um dever ou de uma sujeição. Todavia, este é
apenas um modelo genérico: também podemos dar o nome de relação jurídica a um
conjunto de direitos subjectivos e deveres ou sujeições, quando tais direitos e deveres ou
sujeições advêm de um mesmo facto jurídico. Diz-se nesta última hipótese, que há uma
relação jurídica complexa ou múltipla. A este modelo corresponde a relação jurídica de
trabalho: o seu conteúdo é integrado por um conjunto de direitos e deveres assumidos
pelo trabalhador e pelo dador de trabalho, por efeito de um certo facto jurídico - o contrato
individual de trabalho. É assim que o Capítulo II daLGT referente ao - Estabelecimento
da Relação Jurídico-Laboral, Secção I – Contrato de Trabalho - artigo 10.° cuja epígrafe
é – Constituição -, prescreve no seu n.° 1, que «a relação jurídico-laboral constitui-se
com a celebração do contrato de trabalho e torna mutuamente exigíveis os direitos e
deveres do trabalhador e do empregador que são partes no contrato».4
Com estas noções postas, podemos agora adentrar ao cerne do nosso problema.

de alguém por tempo não superior a (48) Quarenta e oito horas (…), e prisão preventiva, medida de coacção
pessoal traduzida em privação da liberdade, aplicada a um arguido pela autoridade competente em sede de
um processo-crime, vide Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro – Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal.
3
Se a ausência for imprevista, estabelece a LGT que o trabalhador deve logo que possível, mas sempre antes
de retornar ao trabalho, solicitar ao empregador a justificação de faltas – cfr. o n.º 3 do artigo 144.º da LGT,
artigo ao qual remete a lei relativamente ao «abandono de trabalho conforme artigo 229.º, n.º 4.º também
da LGT.
Relativamente a questão que tem que ver com a ausência e consequente impossibilidade de prestação do
trabalho por causa de detenção, prisão preventiva ou cumprimento de pena de prisão hit et nunc, com base
na lei, na doutrina e na jurisprudência trataremos de responder.
4
Vide PEDRO, Valdano Afonso Cabenda, in Contrato de trabalho, pressupostos e processo de
formação - à luz da Lei n.°7/15 de 15 de Junho (Lei Geral do Trabalho), trabalho científico apresentado
à FDUAN/2016, publicado em https://www.trabalhosgratuitos.com/Humanas/Direito/O-CONTRATO-
DE-TRABALHO-PRESSUPOSTOS-E-PROCESSO-DE-1437073.html
SUSPENSÃO DA RELAÇÃO JURÍDICO-LABORAL

Há suspensão da relação jurídico-laboral sempre que, com carácter temporário, o


trabalhador esteja impedido de prestar o seu trabalho por factos que lhe respeitem, mas
não lhe sejam imputáveis, bem como por factos relativos ao empregador que o impeçam
ou o dispensam de receber o mesmo trabalho.
Dito de outro modo, a suspensão da relação jurídico-laboral é a pausa ou breve
interrupção da relação jurídico-laboral causada por factos impeditivos da prestação ou
recepção do trabalho, nos termos da lei laboral. Trata-se de um fenómeno contratual onde
se verifica a coexistência entre a manutenção do vínculo laboral e a paralisação dos
principais efeitos do contrato de trabalho, não havendo assim uma cessação temporária
dos efeitos do contrato e liga-se ao facto do contrato de trabalho ser tendencialmente
duradouro.
Ora, por causa desta e de outras vicissitudes ocorridas no desenrolar da relação jurídico-
laboral, é nosso entendimento que a relação jurídica de trabalho ou relação jurídico-
laboral é uma relação vicissitudinária, isto é, sujeita a vicissitudes.

REGIME JURÍDICO

O regime jurídico da figura da suspensão da relação jurídico-laboral é o constante no


Capítulo IX, artigos 184.º a 197.º da LGT.
Importa, entretanto, aqui frisar que não obstante a existência deste regime jurídico
(comum ou geral), sobre esta matéria, leis especiais respeitantes às relações jurídico-
laborais de carácter especial, poderão consagrar regimes jurídicos diferentes, como é o
caso do Decreto Presidencial n.º 155/16, de 9 de Agosto – Diploma legal que aprova o
Regime Jurídico do Trabalho Doméstico e de Protecção Social do Trabalhador de Serviço
Doméstico, artigos 16.º e sgs.
EFEITOS DA SUSPENSÃO

A LGT, precisamente nos artigos 185.º, 186.º, 190.º e 195.º no que aos efeitos da
suspensão diz respeito, com uma sistematização de causar ataranto refere-se aos:
a) Efeitos da suspensão;
b) Outros efeitos da suspensão;
c) Efeitos da suspensão relativos ao trabalhador e;
d) Efeito no direito a férias.
De um modo geral, nos termos da lei, mas sem se prender à sua sistematização, são efeitos
da suspensão da relação jurídico-laboral os seguintes:
a) Salvo disposição expressa5 em contrário, cessam os direitos e deveres das partes
na relação jurídico-laboral inerentes à efectiva prestação do trabalho, mantendo-
se, no entanto, os deveres de respeito e lealdade;

5
No silêncio da lei, entendemos tratar-se quer de disposição legal quer de disposição convencional.
b) O contrato de trabalho e por via disso a relação jurídico-laboral que titula,
extingue-se no momento em que se torna certo que o impedimento da prestação
ou recepção do trabalho é definitivo;
c) Se o contrato de trabalho for por tempo determinado, a suspensão não impede a
extinção da relação jurídico-laboral pelo decurso ou vencimento do prazo ou
verificação do facto gerador da caducidade;
d) A suspensão implica a perda do direito ao salário a partir da sua verificação, salvo
nos casos em que a lei determine o contrário, nomeadamente nas situações de
doença e acidente comum ou profissional;
e) Os direitos ao fornecimento de alojamento e de assistência médica prestados pelo
empregador mantêm-se até um período de três (3) meses, salvo acordo por escrito
das partes.
f) A suspensão não afecta o direito a férias, vide artigos 131.º n.º 3 e artigo 190.º n.º
3;
g) O período de suspensão conta-se para efeitos de antiguidade6 do trabalhador que
conserva o direito ao posto de trabalho.

FACTOS GERADORES DA SUSPENSÃO DO CONTRATO DE


TRABALHO POR FACTO RELATIVO AO TRABALHADOR7
São factos geradores da suspensão do contrato de trabalho respeitantes ou relativos ao
trabalhador nos termos da lei – artigo 189.º da LGT, os seguintes:
a) Prestação de serviço militar, de serviço cívico substitutivo e períodos obrigatórios
de instrução militar;
b) Acidente e doença profissional ou comum;
c) Licença de maternidade;
d) Exercício de cargo público por eleição e funções de direcção e chefia em empresas
públicas, desde que o cargo ou funções sejam exercidas em regime de
exclusividade;
e) Detenção preventiva8;
f) Exercício de funções sindicais em tempo inteiro;
g) Cumprimento de pena de prisão até um ano, por crime em que não seja
lesado o empregador e que não respeite à prestação do trabalho;9

6
Este é um efeito importante, sobretudo para efeitos de compensações e indemnizações, cfr. artigo 241.º
da LGT.
7
Sobre a suspensão do contrato por facto relativo ao empregador vide artigo 193.º e segs da LGT.
8
Pensamos nós que o legislador ao referir-se a “detenção preventiva”, figura inexistente no nosso Direito
Processual Penal quis ou quer referir-se simultaneamente à detenção e a prisão preventiva.
9
Esta condicionante é de todo em todo, lógica e necessária, pois que do contrário estar-se-ia a premiar um
trabalhador que com ou por causa do seu comportamento criminoso causou prejuízos ao empregador, e
ademais não estando condicionada, esta causa de suspensão, prejudicaria, ou melhor revogaria neste campo
o poder disciplinar e o seu exercício por parte do empregador, o que nem de perto nem de longe seria uma
solução legal concebível.

In Direito Brasileiro - A prisão do empregado não autoriza a dispensa por justa causa, mas apenas a
suspensão do contrato de trabalho, https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-
juridicas/importadas-2011-2012/prisao-de-empregado-apenas-suspende-o-contrato-de-trabalho-08-11-
2012-06-01-acs.
h) Outros casos de força maior temporária impeditivos da prestação do trabalho;
i) A participação do trabalhador como candidato às eleições gerais ou autárquicas
aprovadas pelo órgão competente.
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR DETENÇÃO, PRISÃO
PREVENTIVA E/OU PRISÃO DO TRABALHADOR. OS INTERESSES EM
CONFLITO.
Na esteira de Joana Lizardo Pratas Antunes Luís (in Os Reflexos da Prisão do
Trabalhador no Contrato de Trabalho), entendemos que, a detenção, a prisão preventiva
e a prisão (decretada por decisão judicial) do trabalhador, ainda que não se deva a um
crime relacionado com a sua actividade profissional, pode originar efeitos geradores de
tensão entre ambas as partes da relação jurídico-laboral.
No que ao trabalhador constituído arguido diz respeito, a partir da prisão preventiva a sua
relação com a entidade empregadora é especialmente marcada pela necessidade de
assegurar o respeito pelo princípio fundamental da presunção da sua inocência.10 A prisão
preventiva, tal como decorre da própria designação do instituto, não se associa a qualquer
certeza jurídica, mas apenas a um juízo probabilístico e provisório, fundado na existência
de meros indícios da prática de um crime.
Por essa razão, a tutela do trabalhador implica que, até que se obtenha uma sentença
condenatória transitada em julgado, este continue também na esfera laboral, a ser tratado
como (presumível) inocente.
Esta regra de presunção de inocência reflete-se sobre a relação jurídico-laboral em mais
do que um prisma. Por um lado, este princípio tem aplicação para prevenir discriminações
em relação à restante força produtiva, ou o sancionamento disciplinar do trabalhador com
base na concreta circunstância de ser suspeito da prática de um crime. Por outro lado, este
princípio é também aplicável para tutela do trabalhador quanto às ausências que,
necessariamente, decorrerão do cumprimento da medida de coação.11 Em particular, a
presunção de inocência do trabalhador constitui um dos principais obstáculos a que os
efeitos dessas ausências se projetem sobre a sua esfera jurídica.
Mas, da natureza sinalagmática do contrato de trabalho decorre também a necessidade de
tutela de interesses do empregador. Embora o cumprimento da medida de coação se funde
apenas na presença de fortes indícios, com a ausência do trabalhador o empregador vê-
se, por motivo que lhe é alheio, privado de um dos elementos da sua força produtiva. Esta
ausência, ao prolongar-se indefinidamente no tempo, pode determinar a perda de interesse
do empregador na prestação do seu trabalho. E, neste caso, há que aferir durante quanto
tempo e, em que condições, pode exigir-se ao empregador que aguarde o regresso do
trabalhador faltoso.
Para além desta dimensão mais prática, associada às faltas 12, há que ter em conta que
apesar de nos encontrarmos ainda no plano meramente indiciário, a ausência por motivos

10
“Presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. Cfr. artigo
67.º n.º 2 da Constituição da República de Angola
11
Vide alínea d) do n.º 1 do artigo 145.º da LGT.
12
“(…) A problemática das faltas por motivo de prisão mantém-se com a entrada do Código do Trabalho,
quer quanto à prisão preventiva, quer no que concerne ao cumprimento de pena de prisão, pois que o
legislador continuou a não regular directamente esta matéria, ao contrário do que sucede noutros
ordenamentos jurídicos.
Comecemos assim por tratar a situação das faltas dadas pelo trabalhador que se encontra na situação de
prisão preventiva.
No Acórdão do S.T.J., de 25 de Fevereiro de 1993, in Col. Jur. Tomo I, págs. 260, foi entendido que as
faltas de serviço, por motivo de prisão preventiva do trabalhador, são consideradas como injustificadas, por
procederem de comportamento gravemente censurável, constituindo, por isso, justa causa de despedimento.
Na mesma esteira o Acórdão da Relação do Porto de 20/11/92, no qual é defendido que as faltas dadas
pelo trabalhador durante o período de prisão preventiva devem ser consideradas injustificadas, (a
não ser que venha a ser absolvido) e por isso susceptíveis de fundamentarem o seu despedimento com
justa causa.
No Acórdão do S.T.J., de 14 de Maio de 1997, é mesmo referido que "não adianta chamar à colação
as máximas constitucionais da presunção de inocência do arguido e da proibição dos despedimentos
sem justa causa, pois que estamos no campo do direito disciplinar laboral e não no domínio do direito
penal ou processual penal".
Porém nesta matéria da prisão preventiva do trabalhador tem havido ao longo do tempo uma forte
mudança de rumo jurisprudencial que leva a que agora cremos ser entendimento jurisprudencial
que são justificadas as faltas ao trabalho resultantes do facto do trabalhador estar sujeito à medida
de coacção de prisão preventiva.
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2004, considera que face ao princípio
constitucional da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, são justificadas as faltas ao trabalho resultantes do cumprimento da medida de prisão
preventiva, devendo considerar-se motivadas na impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não
imputável ao trabalhador, decorrente do cumprimento de obrigação legal, ou o Acórdão da mesma Relação,
de 6 de Abril de 2005, no qual se defende só com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória,
que marca o fim da presunção de inocência, a culpa do condenado está definida, quer em relação ao
Estado, quer em relação aos privados, acrescentando-se que "como a prisão preventiva tem sempre
a natureza de medida cautelar, sem conteúdo punitivo, resultando de um mero juízo de
probabilidade, que não se concretiza com a acusação, já que mesmo verificando-se esta, pode ocorrer
a absolvição do arguido, as faltas dadas em consequência daquela não podem deixar de ser
consideradas justificadas", ainda no mesmo sentido o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 24 de Outubro de 2007.
Também na Doutrina é entendido que as faltas dadas pelo trabalhador em consequência de se encontrar em
prisão preventiva não são justa causa de despedimento implicando antes a suspensão do contrato de
trabalho.
Assim, para Monteiro Fernandes, obra citada, há que distinguir se essas ausências resultam de cumprimento
de uma pena de prisão ou são determinadas por prisão preventiva.
Se se trata do cumprimento de pena de prisão as faltas devem considerar-se imputáveis ao trabalhador: são
consequência, embora mediata, de um comportamento cujo carácter culposo foi judicialmente apurado. A
opção de conduta do trabalhador resultou, ou devia ter resultado, da ponderação de todas as suas sequelas,
incluindo a do impedimento de comparecer ao trabalho. Cessa, pois, a atendibilidade da causa imediata das
faltas como sua justificação.
Pelo contrário, e em princípio, as ausências determinadas por prisão preventiva – uma vez que esta não
permite estabelecer um juízo de imputabilidade – deverão ser tratadas segundo o regime das faltas
justificadas, acrescentando que se seguir a condenação do trabalhador, e o cumprimento da pena
correspondente, a imputabilidade assim apurada alastra a todo o tempo de detenção e, portanto, de não
comparência ao trabalho.
No sentido de que as faltas originadas pelo facto do trabalhador se encontrar sujeito à medida de prisão
preventiva levam à suspensão do contrato de trabalho ver entre outros Júlio Gomes in Direito do Trabalho,
volume I, Almedina, pág., 862, Jorge Leite in O desempenho de funções sindicais e o expediente da
suspensão do contrato, in R.D.E. n 16 a 19, Motta Veiga in Lições de Direito do Trabalho, Universidade
Lusíada.
Na situação de prisão preventiva encontramo-nos assim no campo da suspensão do contrato de trabalho e
dificilmente na situação das faltas justificadas pois que a experiência diz-nos serem residuais os casos de
prisões preventivas com uma duração inferior a 30 dias.
Sabemos que a suspensão do contrato de trabalho é uma figura jurídica, pelo qual pode passar o
contrato de trabalho e que está ligada à impossibilidade transitória de prestar ou de receber o
trabalho.
Trata-se de um fenómeno contratual onde se verifica a coexistência entre a manutenção do vínculo
laboral e a paralisação dos principais efeitos do contrato de trabalho, não havendo assim uma
cessação temporária dos efeitos do contrato e liga-se ao facto do contrato de trabalho ser
tendencialmente duradouro.
A questão de a restrição da suspensão do contrato à situação do trabalhador encontrar-se em prisão
preventiva e não em cumprimento de pena, levanta, porém, algumas questões: se o trabalhador no final do
processo-crime for absolvido, não há qualquer problema, devendo apresentar-se no seu local de trabalho.
Mas e se ele foi condenado numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa?
Passará então a considerar-se "a posteriori" que afinal não havia lugar à suspensão do contrato e que ele
tinha incorrido em faltas injustificadas, apesar de ele a partir do trânsito da sentença ou ainda antes se for
alterada aquela medida de coacção, poder de imediato apresentar-se ao trabalho, como acontecia na situação
anterior?
E a mesma questão se coloca se ele é condenado numa pena de prisão efectiva, mas é de imediato libertado,
pelo facto de já ter cumprido aquele período de prisão na situação de prisão preventiva, através da figura
jurídica do desconto de pena, também aqui ele pode apresentar-se de imediato ao trabalho.
Sendo certo que a "Nota de Culpa" fundada nas faltas ao trabalho não pode ser condicional à circunstância
do trabalhador vir a ser condenado em processo crime que motivou essas ausências.
No que concerne às faltas dadas por cumprimento de pena de prisão, a Doutrina divide-se claramente,
colocando a tónica do requisito da imputabilidade ou não ao trabalhador/arguido na situação que se revela
impeditiva de comparecer ao trabalho.
A este propósito refere Joana Vasconcelos, na anotação II ao artigo 333 in "Código do Trabalho Anotado",
Almedina, 2004, que "quanto ao que deva entender-se por imputabilidade, para este efeito, a nossa doutrina
tem exigido um certo grau de intencionalidade, dirigido à própria relação laboral, mais exactamente à
criação da situação de impedimento. Dizendo de outro modo, será imputável ao trabalhador a
impossibilidade de execução do trabalho por este voluntariamente provocada".
A doutrina portuguesa tem, assim, uma visão mais exigente da imputabilidade, circunscrevendo-a aos casos
de dolo directo, dolo necessário e, com algumas reservas, aos de dolo eventual, mas nunca vai além do dolo
eventual, precisamente porque na negligência consciente faltará já a vontade de adesão ao impedimento
verificado – cf. Noutel dos Santos in "A suspensão do contrato de trabalho por motivos ligados ao
trabalhador: a suspensão por impedimento prolongado e o requisito da não imputabilidade" Prontuário de
Direito do Trabalho, nº 68, pág. 137.
Jorge Leite, Notas para uma teoria da suspensão do contrato de trabalho, Questões Laborais nº 20, Coimbra
Editora, pág. 125 e 126 salienta: "ao empregador é vedado, enquanto credor da prestação de trabalho,
censurar ou responsabilizar o trabalhador por se encontrar impedido de trabalhar, salvo quando se puder
concluir que este quis ou aderiu ao resultado, não bastando pois, a deficiência da vontade ou omissão da
diligência devida, ou a falta de discernimento exigível ou a sua leviana ou precipitada confiança. Trata-se,
afinal, se bem analisarmos a questão de um reflexo do princípio da irrelevância da vida extraprofissional
na vida profissional. O trabalhador só responde pelo não cumprimento se, podendo fazê-lo, não quis realizar
a prestação ou se, encontrando-se impedido, quis um tal resultado ou a ele aderiu. Não basta, pois, para
falar de um facto imputável ao trabalhador, que por ele este possa ser censurado, exige-se à semelhança do
que sucede no domínio da segurança social, um mínimo de intencionalidade.
Porém Jorge Leite, apesar de partir do princípio de que o critério de imputabilidade ao trabalhador dos
factos de que resulta o impedimento de prestar trabalho é muito mais restrito, havendo factos impeditivos
que o exoneram do seu dever de prestar trabalho e o não exoneram das demais obrigações sujeitas ao regime
comum dos contratos, vem porém a concluir que tratando-se de crime doloso a que corresponda pena
incompatível com o cumprimento do contrato é irrelevante que o agente não represente a prisão como
consequência do seu acto.
Em sentido diverso Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, pág. 507,
ao defender que a ilicitude que releva para a qualificação da falta do trabalhador ao trabalho tem a ver com
a imputabilidade da falta a um comportamento do trabalhador enquanto tal e não noutra qualidade.
Equipara a situação do trabalhador preso à do trabalhador que falta por ter sofrido lesões subsequentes a
um acidente de viação em que tenha sido considerado culpado.
Em ambas as situações tratar-se-iam de uma impossibilidade objectiva de prestação de trabalho,
concluindo que as faltas do trabalhador preso são de qualificar como faltas justificadas.
Também Albino Mendes Baptista considera no seu artigo "Faltas por motivo de prisão", Questões Laborais
nº 20, Coimbra Editora, pág. 47 e ss., que, para além das faltas motivadas por prisão preventiva deverem
ser consideradas justificadas pois que a impossibilidade de prestar trabalho resulta do cumprimento de uma
obrigação legal, também assim nas faltas motivadas por condenação em pena de prisão, o trabalhador
beneficia do regime da suspensão (ou, se for caso disso, do regime das faltas justificadas) a não ser que
de prisão preventiva está sempre associada à forte probabilidade de prática de um crime.
Por esta razão, a protecção dos interesses do empregador obriga a questionar se será
exigível ao empregador que continue a integrar nos quadros da sua empresa um
trabalhador acusado da prática de um crime. Pense-se, em particular, nas situações de
crimes de especial perversidade ou censurabilidade, cuja dimensão possa abalar
irremediavelmente a confiança entre as partes ou condicionar o ambiente de trabalho da
empresa. Em suma, a prisão preventiva do trabalhador determinará uma tensão constante
entre o princípio da presunção de inocência do trabalhador e a tutela do empregador, não
só quanto à situações que possam ameaçar o ambiente de trabalho e a imagem da

tivesse praticado o acto para se furtar à prestação do trabalho, salientando que "o problema central neste
debate é, pois, o problema da imputabilidade, em sede de valoração laboral. Não é o problema da ilicitude
do acto ou da culpa no âmbito penal.
Ainda neste sentido Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, Almedina, pág. 76915 ao
defender que "o trabalhador que é preso não incorre, por isso, em faltas injustificadas: ele coloca-se numa
posição de impossibilidade de trabalhar, beneficiando da suspensão, salvo se se mostrar que congeminou a
prisão para não trabalhar"
Tem, porém, razão Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, pág. 861, nota de rodapé, ao
dizer que "para além da óbvia dificuldade de prova de tal intenção, convenhamos que os casos em que
alguém cometa um crime para ser preso e, para, por conseguinte, não trabalhar, parecem ser mais fruto da
imaginação dos juristas do que hipóteses reais".
Efectivamente, se por vezes se desabafa dizendo que "o trabalho é uma prisão", o certo é que estar em
liberdade a trabalhar ou estar preso não são situações minimamente comparáveis, pelo que é efectivamente
muito difícil que alguém de forma consciente opte por esta segunda situação em detrimento da primeira.
Sopesando os diversos argumentos jurídicos, entendo embora por razões algo diversas que a situação de
suspensão do contrato de trabalho tanto deverá valer para a situação de prisão preventiva, como para a
situação de cumprimento de pena de prisão.
Para além de tal dar resposta às questões jurídicas acima referidas relativas à decisão final proferida no
processo em que o trabalhador/arguido se encontrou preso preventivamente, considero que são similares as
razões que me levam a considerar haver lugar à suspensão do contrato quer no caso da prisão preventiva
quer no caso de prisão por cumprimento de pena.
Em ambas as situações estão em causa preceitos constitucionais da mesma grandeza, no primeiro é o
principio da presunção de inocência, na segunda é a proibição da pena de prisão não poder implicar
automaticamente a perda de direitos civis ou profissionais e o da manutenção ao cidadão detido dos seus
direitos fundamentais.
O artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, que tem na sua epígrafe "Limites das penas e das
medidas de segurança" preceitua no seu nº 4 que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda
de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos".
O nº 5 deste artigo 30º foi aditado pela Lei Constitucional nº 1/89 e preceitua que "os condenados a quem
sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantém a titularidade dos direitos
fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da
respectiva execução".
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, reiteradamente, pela inconstitucionalidade – por violação
do disposto no nº 4 do artigo 30° da Constituição – de normas que impõem a perda de direitos civis,
profissionais ou políticos como efeito necessário de uma condenação penal.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 249/92, o nº 4 do artigo 30º da Constituição
pretende assegurar a necessidade e a jurisdicionalidade da pena acessória e garantir a proporcionalidade
entre esta pena e o crime, para além de excluir os efeitos infamantes da condenação.
Este nº 5 contempla para Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa,
Anotada, Coimbra Editora, vol. I, pág. 505, "o princípio geral da manutenção de todos os direitos e com
um âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos, salvo naturalmente as limitações inerentes à própria
pena de prisão".
É verdade que não existe qualquer preceito legal que diga que o trabalhador que se encontre em
cumprimento de prisão será automaticamente despedido, o que seria claramente inconstitucional, por
implicar uma perda imediata desse direito profissional (…)” Importante excerto do Acórdão nº
TRP_254/07.1TTVLG.P1 de 19-10-2009 - Contrato de Trabalho - Despedimento do Trabalhador com
Fundamento em Faltas Injustificadas Por se Encontrar a Cumprir Pena Privativa da Liberdade - Abuso de
Direito - Montante Indemnizatório Decorrente da Ilicitude do Despedimento.
empresa13, mas também quanto às faltas sucessivas do trabalhador e à eventual perda de
interesse na prestação do seu trabalho.14
DO INÍCIO E FIM DA SUSPENSÃO.
A suspensão do contrato de trabalho respeitantes ou relativos ao trabalhador verifica-se
logo que o impedimento se prolongue por mais de trinta (30) dias seguidos, mas inicia-se
antes, logo que se torne certo que o impedimento tenha duração superior àquele prazo, ou
seja logo que se torne certo que o impedimento tenha duração superior a trinta (30) dias
seguidos, artigo 189.º n.º 2 da LGT.15
Finda ou terminada a causa da suspensão ou se quisermos, o facto impeditivo da prestação
do trabalho16, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar o trabalho
nas condições anteriores, sob pena de o contrato de trabalho extinguir-se.
A apresentação do trabalhador deve verificar-se nos cinco (5) dias úteis seguintes ao
termo da causa da suspensão, salvo se o empregador também estiver impedido de receber
o trabalho17.
O prazo de cinco (5) dias úteis é, entretanto, alargado para doze (12) dias úteis no caso da
suspensão dever-se à prestação de serviço militar, de serviço cívico substitutivo e
períodos obrigatórios de instrução militar, e no caso de outras situações de que tenha
resultado impedimento de duração não inferior a doze (12) meses e seis (6) dias úteis.18
O empregador é obrigado a integrar o trabalhador no seu posto de trabalho ou em posto
equivalente, logo que se apresente.19

CONCLUSÃO
Chegados até aqui, podemos concluir, asseverando que, a detenção, a prisão preventiva
e/ou a prisão (decretada por decisão judicial) do trabalhador conforme o facto e
circunstâncias que servirem de fundamento para a decretação/aplicação das mesmas, não
implica imediata, automática ou necessariamente o despedimento do trabalhador privado
da sua liberdade, e consequentemente a extinção da relação jurídico-laboral, não obstante
tais actos de privação da liberdade do trabalhador e consequentemente de impedimento
13
Perante o seu stakeholder e não só.
14
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17906/1/Os%20Reflexos%20da%20Pris%C3%A3o%20do
%20Trabalhador%20no%20Contrato%20de%20Trabalho%20-
%20Joana%20Luis%2C%20Mestrado%20Forense.pdf
15
Nos termos do artigo 192.º da LGT, o empregador pode, se o entender, contratar outro trabalhador para
desempenhar as funções do trabalhador com o contrato suspenso, sendo tal contrato celebrado por tempo
determinado, a termo incerto, nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da LGT.
16
No momento da apresentação ao trabalho, o trabalhador deve entregar ao empregador o documento
comprovativo da data da cessação, i.é, do fim do impedimento, cfr. n.º 2 do artigo 191.º da LGT.
17
Cessado o impedimento, o empregador deve afixar no centro de trabalho a informação da data de retorno
ao trabalho e notificar os trabalhadores com contratos suspensos, por meio apropriado, para retomarem o
trabalho, vide artigo 196.º da LGT.
18
Vide artigos 187.º e 191.º ambos da LGT e curiosamente com a mesma epígrafe “Apresentação do
trabalhador”.
19
Cfr. Artigo 187.º n.º 3 da LGT.
da prestação de trabalho, puderem abalar irremediavelmente a confiança entre as partes
(trabalhador e empregador), condicionar o ambiente de trabalho e/ou manchar a imagem
da empresa diante do seu stakeholder e não só.
Decorre da Lei n.° 7/15 DE 15 de Junho - Lei Geral do Trabalho, que a detenção, a prisão
preventiva e/ou o cumprimento de pena de prisão até um ano do trabalhador, por crime
em que não seja lesado o empregador e que não respeite à prestação do trabalho,
constituem apenas factos geradores da suspensão do contrato de trabalho e não já causa
de despedimento ou cessação da relação jurídico-laboral.

Você também pode gostar