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Desadministrativação do direito do trabalho

Tivemos uma época de intervenção macro do Estado nas condições de trabalho, por
via do seu braço armado, a Inspeção Geral de Trabalho/Autoridade para as Condições de
Trabalho. Segue-se-lhe uma altura de ventos neo-liberais, que traduzem de alguma forma a
revisitação aos velhos princípios liberais de afastamento do Estado, endeusando a
autonomia das partes, tendo sido colocado, em termos de conformação dos negócios
jurídicos laborais, o contrato de trabalho, e a ACT/IGT em condições de uma intervenção
minimalista.
O art. 213.º (“O período de trabalho diário deve ser interrompido por um intervalo de
descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo a que o
trabalhador não preste mais de cinco horas de trabalho consecutivo, ou seis horas de trabalho
consecutivo caso aquele período seja superior a 10 horas”) trata do intervalo de descanso, o
qual não pode ser inferior a uma hora nem superior a 6 horas, de modo a que não preste
trabalho por mais de 5 horas consecutivas.
Estipula o n.º 3 que “compete ao serviço com competência inspetiva do ministério
responsável pela área laboral, mediante requerimento do empregador, instruído com
declaração escrita de concordância do trabalhador abrangido e informação à comissão de
trabalhadores da empresa e ao sindicato representativo do trabalhador em causa, autorizar a
redução ou exclusão de intervalo de descanso, quando tal se mostre favorável ao
interesse do trabalhador ou se justifique pelas condições particulares de trabalho de
certas atividades”.
O art. 119.º trata da mudança do trabalhador para categoria inferior determinando
que “a mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se encontra contratado
pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou
do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspetiva do ministério
responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição”.
O princípio da irredutibilidade da retribuição é um princípio máximo do direito do
trabalho, embora possa, em casos excecionais (como é aquele que vimos acima), ser reduzida.
O art. 340.º estabelece na sua al. a) que o contrato de trabalho cessa por caducidade.
O art. 343.º determina que “o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar
o seu trabalho ou de o empregador o receber”.

O contrato pode caducar sem qualquer responsabilização do empregador.


Esta intervenção macro não pode eventualmente ser maléfica? Se há uma visão muito
rígida da ACT, mesmo que exista acordo das partes, o empregador pode fazer uso da
caducidade. Embora a administração do direito do trabalho possa conduzir a soluções
adequadas, pode em outros casos levar ao fim do contrato.

O art. 337.º consagra a imprescritibilidade dos créditos laborais na vigência do


contrato de trabalho, estabelecendo que “o crédito de empregador ou de trabalhador
emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano
a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”. Assim, apenas
prescrevem depois de decorrido o prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

Refere o n.º 1 do art. 205.º que “o empregador e o trabalhador podem, por acordo,
definir o período normal de trabalho em termos médios”. O art. 205.º n.º 4 determina que “o
acordo pode ser celebrado mediante proposta, por escrito, do empregador, presumindo-se
a aceitação por parte de trabalhador que a ela não se oponha, por escrito, nos 14 dias
seguintes ao conhecimento da mesma, aí incluídos os períodos a que se refere o n.º 2 do
artigo 217.º”. Esta adaptabilidade relaciona-se com o registo curvilíneo das empresas.
O n.º 2 do art. 206.º estabelece que “caso a proposta a que se refere o n.º 4 do artigo
anterior seja aceite por, pelo menos, 75 /prct. dos trabalhadores da equipa, secção ou
unidade económica a quem for dirigida, o empregador pode aplicar o mesmo regime ao
conjunto dos trabalhadores dessa estrutura”. Onde está o princípio da autonomia da
vontade das partes? A vontade será afastada. Isto não é direito, viola princípios fundamentais
da Constituição e da lei civil. Se não aceitou não pode ser havido como se houvesse dito que
sim. Esta norma, com a aparência de ser direito, contraria-o.
A ideia de venire contra factum proprium passa pelo art. 155.º, o qual a propósito do
trabalho a tempo parcial, determina que “o trabalhador a tempo parcial pode passar a
trabalhar a tempo completo, ou o inverso, a título definitivo ou por período determinado,
mediante acordo escrito com o empregador”
É trabalho a tempo parcial horizontal quando trabalha de segunda a sexta, 3 horas por
dia. Como trabalho a tempo parcial vertical aponta-se aquele que trabalha 15 horas por
semana, segundas, quartas e sextas.
Para tutelar a vontade do trabalhador admite o n.º 2 que “o trabalhador pode fazer
cessar o acordo referido no número anterior por meio de comunicação escrita enviada ao
empregador até ao sétimo dia seguinte à celebração”. Trata-se de um direito ao
arrependimento, o qual não se admite nos casos do n.º 3: “Excetua-se do disposto no número
anterior o acordo de modificação do período de trabalho devidamente datado e cujas
assinaturas sejam objeto de reconhecimento notarial presencial”.
Em seguimento da ideia da desadministrativação retirou-se a possibilidade de o
inspetor do trabalho ajudar a aperfeiçoar a vontade do trabalhador.

Vejamos agora algumas normas que se referem à revogação.


Estabelece o art. 349.º que “o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o
contrato de trabalho por acordo”.
Quando há revogação por mútuo acordo parece que não é tão voluntário. Apesar disso,
vai ter acesso ao subsídio de desemprego, apesar de não estar voluntariamente
desempregado. Muita vezes estes negócios são truculentos (brutais).
Diz o art. 350.º que “o trabalhador pode fazer cessar o acordo de revogação do
contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida ao empregador, até ao sétimo
dia seguinte à data da respetiva celebração”.
O n.º 4 determina que “excetua-se do disposto nos números anteriores o acordo de
revogação devidamente datado e cujas assinaturas sejam objeto de reconhecimento
notarial presencial, nos termos da lei”.

O despedimento indireto – temos uma desvinculação porque há causa para isso, dada
pelo outro contraente – é resolução.

O art. 397.º determina que “o trabalhador pode revogar a resolução do contrato,


caso a sua assinatura constante desta não seja objeto de reconhecimento notarial presencial,
até ao sétimo dia seguinte à data em que chegar ao poder do empregador, mediante
comunicação escrita dirigida a este”.

Um caso que causa dúvida é o da denúncia. Sendo a manifestação da liberdade do


trabalhador, não se compreende a solução do art. 402.º, o qual estabelece que “o trabalhador
pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha
reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma
chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este”.
Empregador faz pacto para desvincular trabalhador, conduzindo-o para ir para uma
outra empresa. Durante o período experimental desvincula-o.

Desadministrativação (continuação)

Há lugar à ingerência no cumprimento das normas laborais por parte do empregador


pela criação de entidades administrativas que intervém no controlo daquele – a IGT/ACT.
Com o tempo, e em especial a relevância dada aos instrumentos de regulamentação coletiva,
há uma diminuição da relevância daqueles, que passam a ter uma interpretação minimalista.
Em muitas situações, para a prática de atos era necessária a consulta prévia àquela, o
que deixa de existir. Noutras situações, em que havia um controlo prévio, tal já não se
apresenta como necessário.

A principal obrigação do trabalhador é prestar uma atividade, a qual será definida pelo
contrato (art. 115.º). O art. 118.º determina que em regra aquela se rege por uma categoria
profissional. Limitou-se a intervenção da entidade administrativa, reduzida às situações em que
há uma diminuição da retribuição.

Acordo entre as partes pode levar àquela diminuição da categoria, apenas se


desconfiando quando há lugar à diminuição da retribuição.

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