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22 REVISTA FUNDIçÃO | Publicação trimestral | Nº 286 | setembro 2018 Contribuições técnicas 23

ENGAGEMENT NO
Introdução

O funcionamento dos sistemas produtivos está marcado na atualidade pela ocorrên-


cia de profundas transformações de natureza tecnológica, económica, social e cultural.

TRABALHO E NOVOS
Para enfrentar adequadamente estas alterações temos sido progressivamente con-
frontados com fortes solicitações para perspetivar e empreender mudanças, por
vezes radicais, nas lógicas que privilegiamos e nas práticas que mobilizamos nas
intervenções no domínio da gestão de pessoas (GP). Neste enquadramento dos de-

DESAFIOS À GESTÃO safios à GP e das respostas que se podem equacionar, assumimos como finalidade
deste artigo refletir com os gestores e líderes das empresas formas alternativas de
concetualizar e implementar a gestão e dinamização das pessoas e das equipas que

DE PESSOAS NO
têm sob sua responsabilidade. Na sua concretização daremos particular ênfase ao
engagement no trabalho, dada a relevância deste conceito para a efetividade do
funcionamento organizacional, como ilustraremos no ponto 3.1..
Esta reflexão configura-se como particularmente relevante na indústria da fundição,

ATUAL CONTEXTO
aparentemente confrontada com dificuldades significativas para atrair e reter talen-
tos qualificados que lhe permitam fazer face aos dinamismos do seu mercado e às
transformações tecnológicas que lhe estão inerentes.
Para estruturar esta reflexão, no ponto 2, identificarmos tendências determinantes

DOS SISTEMAS de transformações que têm vindo a ocorrer em sistemas produtivos e as inerentes
consequências para a GP. No ponto 3, caraterizamos os desafios que decorrem para
as formas de perspetivar e de concretizar a GP, promovendo a adesão e o engage-

PRODUTIVOS
ment dos trabalhadores adequadamente articulados nos projetos e estratégias orga-
nizacionais, operacionalizados na sua missão, visão e valores.

Transformações organizacionais e consequências na GP

A envolvente externa e interna dos sistemas produtivos está a transformar-se de


Camilo Valverde forma significativa. Estas mudanças caraterizam-se frequentemente pela sua gran-
Católica Porto Business School, Universidade Católica Portuguesa de complexidade resultante da confluência das seguintes dimensões: a sua natureza
cvalverde@porto.ucp.pt multidimensional; a sua grande velocidade; o seu caráter, por vezes, disruptivo; a
grande profundidade das alterações provocadas; e a sua extensão muitas vezes ge-
neralizada e com impacto sistémico no funcionamento das organizações.
Não é nosso propósito, nem caberia no âmbito deste artigo, enumerar e caraterizar
Resumo
de forma exaustiva as inúmeras transformações que influenciam o funcionamento
empresarial, com particular incidência as que se situam no contexto industrial, dada
Este artigo tem como finalidade refletir sobre o protagonismo de gestores e líderes
a natureza desta revista. Neste ponto 2 pretendemos elencar tendências marcantes
empresariais para enfrentarem novos desafios no domínio da gestão de pessoas
de algumas dessas transformações, de que salientamos algumas das mais relevantes
em consequência de mudanças no contexto em que operam os sistemas produtivos
pelo seu impacto ao nível das conceções e as práticas da GP que sustentem a efetivi-
na atualidade.
dade, dinamismo e flexibilidade do funcionamento organizacional, nomeadamente:
Partindo da enumeração de algumas das principais transformações no mundo em-
presarial e das suas repercussões na gestão do capital humano, analisamos novos
• A 4ª revolução industrial, marcada pela digitalização;
desafios que se verificam neste domínio e intervenções que podem ser perspetiva-
•A
 s questões demográficas, marcadas pelo envelhecimento da população e
das para o seu enfrentamento. Optamos por desenvolver particularmente a pro-
pelo aumento da diversidade, decorrente da importância crescente de um
blemática do engagement1 dos trabalhadores em resultado da importância atribuída
conjunto de fatores de que podem salientar-se a interculturalidade, as ques-
a este conceito, tanto pela investigação através da literatura científica, como pelos
tões de género e a inserção das novas gerações no mercado de trabalho;
protagonistas das intervenções no terreno através da análise das práticas.
•A
 s alterações nas lógicas inerentes à estrutura e funcionamento das organi-
Adotamos um posicionamento que valoriza a análise pragmática das possibilidades
zações, marcadas pelo incremento da sua flexibilidade e agilidade; pelo de-
de mobilização dos conceitos em contextos reais, procurando que as sugestões prá-
clínio das estruturas hierárquicas; e pela emergência das redes de equipas
ticas fornecidas conciliem o rigor dos conhecimentos no plano conceptual e a sua
interdependentes com poder de agir/decidir [1];
adequação no plano da ação concreta.
•A
 intensificação da competição e da sustentabilidade das empresas, marca-
das por contextos cada vez mais complexos, diversificados e globalizados.

1
O conceito de engagement, tal como acontece com outros termos, não possui uma tradução con-
sensual para a língua portuguesa, pelo que optamos por manter a designação original. A tradução
portuguesa poderia ser “comprometimento” ou, mais corretamente, “engajamento”.
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Destas alterações organizacionais resultam significativas consequências que se Promoção do engagement no trabalho
configuram em diferentes exigências e novos desafios para a gestão de pessoas e
do capital humano, sendo que algumas destas mudanças podem ser caraterizadas O engagement no trabalho pode ser definido como um estado mental positivo rela-
como violentas, dada a rapidez, profundidade e extensão das transformações que cionado com o trabalho. Carateriza-se pela presença de três dimensões nos indiví-
induzem. duos que o vivenciam:
Para ilustrar algumas destas tendências, salientamos a necessidade de:
• Dedicação: trabalho percecionado como significativo, entusiasmante, inspi-
• Garantir o alinhamento das políticas e das práticas da GP com as exigências rador e fonte de orgulho;
das opções da estratégia global das organizações; • Vigor: mobilização de níveis altos de energia e resiliência no trabalho;
• Promover culturas organizacionais mais inclusivas, colaborativas e equitativas; • Absorção: grande concentração no trabalho, perdendo-se a noção do tem-
• (Re)organizar alguns processos, como a gestão da performance dos colabo- po despendido. [5].
radores [2];
• Solicitar maior protagonismo às chefias diretas e intermédias na promoção A literatura científica tem evidenciado correlações positivas entre o engagement dos
do comprometimento e desenvolvimento das pessoas que gerem. colaboradores e algumas dimensões fundamentais para o bom funcionamento das
organizações, nomeadamente através de indicadores que se constatam quando os
Desafios do engagement no trabalho e do alinhamento estratégico da trabalhadores estão ativamente comprometidos com o seu trabalho:
gestão de pessoas
• Alto desempenho dos indivíduos e das equipas;
Construção de alinhamentos estratégicos • Elevados níveis de produtividade;
• Redução das taxas de turnover;
A gestão de pessoas (GP) numa perspetiva estratégica envolve uma estreita ligação • Elevados índices de segurança e bem-estar dos trabalhadores;
com as especificidades e finalidades do negócio. Concretiza-se através de interven- • Elevada qualidade dos produtos e da satisfação de clientes;
ções sistemáticas visando a atração, identificação, desenvolvimento, retenção e mo- • Elevada rentabilidade das empresas e dos seus resultados nos planos eco-
bilização de pessoas com qualificações e envolvimento que possibilite acrescentar nómico-financeiro [6] e [7].
valor na concretização das opções estratégicas das organizações [3] e [4].
Nesta perspetiva, as pessoas são consideradas como fonte de vantagem competitiva Neste enquadramento a prestigiada Harvard Business Review [7] salienta a impor-
[3] e [4]. Esta capacidade distintiva do capital humano é possibilitada pelas suas com- tância de gestores e líderes empresariais considerarem o engagement dos seus cola-
petências e pelo seu comprometimento, que se operacionalizam através da mobili- boradores como uma prioridade. Devem ter clara consciência de que numa econo-
zação de altos desempenhos em atividades críticas para a concretização do negócio mia em rápida transformação uma força de trabalho de alto desempenho é essencial
e pelo seu elevado potencial para evoluir em trajetórias profissionais futuras mais para o crescimento e sustentabilidade das organizações. Consequentemente, devem
exigentes e de maior complexidade. reconhecer que uma força de trabalho ativamente comprometida pode mais con-
Podemos assumir que nesta perspetiva estratégica, gerir pessoas solicita aos ges- sistentemente promover a inovação, a produtividade e desempenho e, desta forma
tores e líderes, particularmente os que nas empresas desempenham funções ope- poder, reduzir custos relacionados com a necessidade de contratar talentos em mer-
racionais na interface direta com as pessoas e as equipas, o desenvolvimento uma cados altamente competitivos, devido à sua escassez.
competência crítica: construir alinhamentos estratégicos. Esta competência adequa- Tal como referimos no ponto anterior a propósito da construção de alinhamentos, a
damente mobilizada potencia a compatibilização dos interesses e da ação dos in- promoção do engagement é uma competência crítica de gestores e líderes que quoti-
divíduos e das equipas com as finalidades e opções estratégicas das organizações. dianamente se confrontam com a gestão operacional das pessoas e das equipas no
Na transposição prática desta competência de promoção de alinhamentos podem terreno/chão de fábrica. A eficácia da sua intervenção fica potenciada se pautarem a
surgir obstáculos resultantes de um conjunto de disfunções, como as que se ilus- sua intervenção adotando os comportamentos caraterizados no destaque 2.
tram no destaque 1, que devem ser adequadamente diagnosticados e geridos.

Barreiras à construção de alinhamentos: Desenvolver engagement no trabalho:


Enquanto gestor/líder equacione os seguintes comportamentos para promover o comprometimento
•  Disfunção na referência: inexistência ou falta de clareza da estratégia organizacional; ativo dos seus colaboradores:
• Disfunção no foco: oscilação constante nas prioridades;
• Disfunção na prioridade: existência de prioridades conflituantes; • Atribuir as tarefas que os colaboradores sabem fazer melhor e sempre de acordo com seus
• Disfunção na pilotagem: liderança pouco consistente/atraente. pontos fortes.
• Proporcionar execução de trabalho significativo e útil, que possibilite a realização pessoal;
• Criar oportunidades de aprendizagem, de desenvolvimento e de evolução na carreira;
Destaque 1 - Barreiras à construção de alinhamentos • Comunicar com clareza o propósito, a missão e as prioridades aos indivíduos e às equipas;
• Considerar as opiniões dos colaboradores, mesmo quando não coincidentes ou até contrárias.
• Fornecer feedbacks de apoio e de correção, de forma contínua e exequível;
• Criar uma cultura organizacional colaborativa, marcada pela segurança psicológica: comu-
nicação aberta, confiança, consideração, justiça e aceitação da diversidade.
• Encorajar trabalho em equipa orientado para a excelência e para a satisfação dos clientes.

Destaque 2 – Desenvolver engagement no trabalho [5]


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Em jeito de conclusão e para perspetivar uma visão global e integrada das exigências
que as transformações nas organizações fazem ao papel dos gestores e líderes na
gestão de pessoas nas empresas atuais, apresentamos no destaque 4 as competên-
cias dos gestores que a Google valoriza, salientando que quase todas se relacionam
diretamente com a gestão de pessoas.

Competências dos gestores da Google:



1. É um bom coach;
2. Dá poder à equipa e não faz microgestão*;
3. Cria uma dinâmica inclusiva na equipa e preocupa-se com o sucesso e bem-estar;
4. É produtivo e orientado para resultados;
5. É um bom comunicador: escuta ativamente e partilha informação;
6. Apoia o desenvolvimento de carreira e analisa/discute a performance dos colaboradores;
7. Tem visão e estratégia claras para a equipa.
8. Tem competência técnicas que lhe permitem aconselhar a equipa;
9. Colabora com a organização na sua globalidade;
10. É muito bom decisor.

Destaque 4 - Competências dos gestores da Google [8]


A promoção de engagement é considerada como importante ferramenta para gerir
pessoas em contextos em que muitas organizações passaram a estruturar-se e a * Microgestão é perspetivada como disfunção resultante de estilos controladores e centralizadores de
funcionar como redes de equipas com grande interdependência e grande autono- alguns gestores. Carateriza-se pela supervisão estrita dos colaboradores e pelo controlo apertado
do seu desempenho. Conduz frequentemente ao envolvimento exagerado em detalhes do trabalho
mia decisória. Nestas situações, o comprometimento ativo das pessoas é determi- que poderia ser realizado a outros níveis.
nante. Assim, é importante que os líderes garantam o empoderamento das equipas
através de formas adequadas de mobilização, desenvolvimento e satisfação do bem-
-estar dos colaboradores.
Para potenciar o engagement no trabalho, os líderes incrementam a sua eficácia se tive-
rem em consideração as especificidades e a singularidade das caraterísticas dos seus
colaboradores, particularmente quando nas equipas existem diferenças culturais, ge-
racionais ou de género.
Os líderes devem também ser preventivos na identificação de atitudes e comportamen-
tos potencialmente reveladores de descomprometimento dos seus colaboradores. O
destaque 3 ajuda a fazer diagnósticos atempados na gestão profilática do engagement.

Sintomas de alerta na redução de engagement:


Identifique e atue o mais cedo possível face ao descomprometimento dos colaboradores. Analise
sinais reveladores através dos seus comportamentos:

• Alterações do padrão comunicacional (p.ex., reduz entusiasmo; menor contacto visual);


• Redução da participação (p.ex., intervém menos nas reuniões);
REFERÊNCIAS
• Redução ou ausência de sugestões;
• Prolongamento das pausas (frequência e/ou duração); [1] Deloitte University Press, Global human capital trends, 2016
[2] A. Rego, C. Valverde, E. Oliveira, M. Pina e Cunha, Gestão por Objetivos – Guias para Reflexão e Ação, Edições Sílabo, Lisboa, 2018.
• Incremento do absentismo;
[3] L. Holbeche, in: G. Rees, P. E. Smith (Eds.), Strategic Human Resource Management – An International Perspective, 2nd Edition, SAGE,
• Postura de maior criticismo face ao trabalho e à organização; London, 2017, 532-572.
• Menor disponibilidade para realizar esforços adicionais; [4] A. Rego, M. P. e Cunha, J. Gomes, R. C. e Cunha, C. Cabral-Cardoso, C. Marques, Manual de Gestão de Pessoas e do Capital Humano,
• Hesitação e indisponibilidade para se voluntariar para participar em projetos. 3ª ed., Edições Sílabo, Lisboa, 2015.
[5] W. A. Kahn, Academy of Management Journal, 33(4), 692 (1990).
[6] Gallup, State of the Global Workplace, Gallup Press, New York, 2017.
[7] Harvard Business Review, The impact of employee engagement on performance, 2013
Destaque 3 – Sinais de alerta na redução de engagement dos colaboradores [8] Harvard Business Review, How Google sold its engineers on management, 2013

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