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management

STEVE JOBS
REVISITADO
UM NOVO OLHAR SOBRE
O HOMEM QUE MUDOU O
MUNDO DOS NEGÓCIOS
3 O JEITO JOBS DE INOVAR
3 A APPLE SEM JOBS
3 A INDÚSTRIA PÓS-JOBS
Nº 118 SET./OUT.
R$ 54,00
9 771415 886008

3 OS PRÓXIMOS JOBS
00118 >

CAPITALISMO CRIATIVO E O BRASIL • OKR, A TÉCNICA DE GESTÃO DO VALE DO SILÍCIO


STEVE JOBS
REVISITADO

3 O JEITO JOBS DE INOVAR


3 A APPLE SEM JOBS
3 A INDÚSTRIA PÓS-JOBS
3 OS PRÓXIMOS JOBS
SETEMBRO/OUTUBRO 2016

48 O manual do superchefe
Após dez anos de pesquisas,
o especialista Sydney
Finkelstein, de Dartmouth,
acredita ter descoberto
o melhor método de
desenvolver líderes com
pessoas que exercem uma
espécie de “superchefia”.

Intraempreendedorismo:
54
lições das pioneiras
Conheça algumas
empresas brasileiras que já
entenderam o que precisam
fazer: ir bem além de
convencer funcionários a se
comportarem como “donos”.

44 Como a inteligência 64 OKR, a técnica de gestão 70 Microsoft e Slack lutam pela


artificial vai mudar a do Vale do Silício comunicação nos escritórios
gestão em cinco anos A ferramenta (pronuncia-se De um lado, a empresa de Bill
Reid Hoffman, cofundador “ouquiar”) começa a ganhar Gates, com o Office, o Skype e
do LinkedIn, destaca as três fãs no Brasil. Colaborativa o LinkedIn; de outro, o viciante
áreas fundamentais em e escalável, diferencia-se de aplicativo para grupos de
que isso vai acontecer e faz metodologias tradicionais trabalho Slack. Nessa disputa, a
uma aposta: o management como PDCA e Balanced medalha de ouro é o domínio
será humanizado. Scorecard pela simplicidade. da comunicação corporativa.

74 O novo paradigma do
capitalismo criativo
Você sabia que, no mais
recente Índice de Criatividade
Global, o Brasil não aparece
tão mal como em outros
rankings? A criatividade pode
ser o pilar do crescimento
econômico de um país? Sim, e
o especialista Richard Florida
explica por quê.

DIRETO AO PONTO
8 Contagem regressiva com José Galló • 10 10 lições da rainha do pop • 12 A receita do Google para um
bom brainstorming • 14 Ginasta e gestor • 16 Outsight: antes da autoanálise, busque as respostas do lado de
fora • 17 Estereótipos da geração Y atrapalham • 18 Faltam 10 anos para a Rosie, dos Jetsons
2 | edição 116
Nosso código de cores
HSM Management
organiza seu conteúdo
pelos temas de gestão
que mais interessam
aos líderes de hoje e
de amanhã. Cada matéria
80 Como ser “original”? tem um tema principal e,
O psicólogo organizacional de modo multidisciplinar,
Adam Grant pesquisou aborda outros.
a capacidade de inovar e Identifique os temas
também pelas cores:
afirma: o inovador é uma
pessoa comum que tem
mais ideias do que as outras • estratégia e execução
(não melhores ideias) • liderança e pessoas
e possui cinco hábitos • empreendedorismo
interessantes. • educação executiva
• ética e sustentabilidade
20 • inovação
88 É preciso emocionar-se • marketing e vendas
para aprender
INOVAÇÃO, ANO 5 Acesse cinco estratégias
e um ambiente que
DEPOIS DE JOBS permitem à empresa
promover um
Diz o bom senso que ninguém aprendizado sentimental
é insubstituível, nem Steve e mais eficaz, que faça
Jobs. Será que o icônico os gestores “acordarem
empresário, morto em outubro misteriosamente” para os
de 2011, manterá sua marca temas ensinados.
nas quatro frentes em que
fez história? Com a ajuda de
especialistas, este Dossiê 92 Conhece teus
concorrentes
reavalia (1) o jeito Jobs de como a ti mesmo
inovar, (2) o negócio Apple, Como Sun Tzu e Maquiavel
(3) a indústria da computação ensinaram, informações
pós-Jobs e (4) os potenciais sobre os rivais são cruciais
herdeiros de Jobs no papel de para o sucesso de qualquer
mentor. As lições a tirar são empreendimento. Mapear a
inúmeras. concorrência adequadamente
permite aos departamentos
de P&D, marketing e
vendas posicionarem melhor
qualquer marca no mercado.

COLUNISTAS
52 Liderança e pessoas: Luciano Lobato • 63 Estratégia e execução: Sandro Magaldi • 79 Inovação: Julian
Birkinshaw • 86 Empreendedorismo: Daiane Andognini • 98 HSM: Luis Augusto Lobão Mendes

edição 116 | 3
editorial

O encantamento e
suas ramificações

DIVULGAÇÃO HSM
I
Guilherme Soárez,
CEO da HSM
Educação Executiva

Imagine a cena: a vendedora da loja atende o te- vêm conseguindo implementar o espírito de startup.
lefone. No outro lado da linha, uma senhora que A segunda fala do conceito de originalidade, que é a
mora em uma cidade distante pergunta se a unida- capacidade de inovar, desenvolvido por Adam Grant,
de tem tele-entrega, porque seu afilhado, cuja famí- professor da Wharton School – e tem muitas surpresas.
lia reside ali, faz aniversário hoje e ela precisa enviar Faço o storytelling de Canoas igualmente por causa do
um presente. Tele-entrega não há, nem modo de artigo de Richard Florida sobre a ascensão do capita-
pagar a distância, mas a colaboradora se oferece lismo criativo e o índice de criatividade global – trata-
para levar o presente ela mesma e usa seu cartão de -se de uma das maiores chances de o Brasil ser compe-
crédito para efetuar a compra – a madrinha pode titivo um dia, como sabemos, e está na hora de levá-la
enviar um cheque à loja para reembolsá-la depois. realmente a sério. Percebemos no ranking de Florida
Antes de ir à casa do garoto, a vendedora ainda (no qual o Brasil é o 29º colocado) a importância dos
pede a uma colega que a acompanhe fantasiada de talentos, e nada é mais estimulante ao talento do que a
Minnie Mouse e enche balões coloridos. liberdade para empreender, concorda?
A história é real. Aconteceu na loja Renner de um O caso da madrinha e seu afilhado ainda me dá
shopping center da gaúcha Canoas e o telefonema a oportunidade de costurar aqui mais um conteúdo
era de São Paulo. Teve enorme impacto sobre o ani- relevante destas páginas: o texto de nossa diretora
versariante e companhia, e a funcionária em questão Angela Maciel sobre a importância da emoção no
recebeu, pela iniciativa, uma pulseira, um prêmio aprendizado. Na Renner, não à toa, as histórias de
em dinheiro e o reconhecimento como “a melhor do encantamento são registradas por escrito; elas, e os
mês”. Eu a compartilho por conta da entrevista logo sentimentos que invocam, são usadas para ensinar.
no início desta revista, em que o CEO da Renner, Por fim, o conceito de encantamento me permite
José Galló, aborda sua filosofia de encantamento. É uma ligação direta com o assunto de capa: a influên-
uma estratégia executada para valer e deveria servir cia de Steve Jobs cinco anos após sua morte. Ele foi
de inspiração a todas as nossas empresas. o líder mais consistentemente admirado pela maioria
Eu a compartilho também porque a iniciativa dos CEOs, eu incluído, e é apontado como o verda-
da colaboradora da Renner foi empreendedora e deiro inspirador desse boom de inovação empresarial
o tema do intraempreendedorismo é um dos pon- que vivemos. Mas será Jobs insubstituível? Nosso Dos-
tos fortes desta edição. Trata-se da grande arena em siê revisa suas contribuições ao mundo dos negócios
que as organizações disputarão espaço e é cober- sem o calor do momento, com novas lições sobre
to em duas reportagens. A primeira elenca os sete seu estilo de gerenciar (inovando, mas não apenas),
pontos fundamentais para superar os obstáculos e sua empresa (a Apple), sua indústria (a computação)
fazer acontecer nessa área, além de compartilhar os e seus herdeiros (três?). Tudo isso pode ser um bom
processos e práticas de empresas estabelecidas que abridor de horizontes futuros. Imperdível.

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direto ao
PONTO

Contagem regressiva com


JOSÉ GALLÓ

O SEGREDO É
ENCANTAR
O CEO do Grupo Renner explica por que a empresa foi eleita, em pesquisa recente,
a varejista brasileira que mais soube entregar valor a seus públicos: “Buscamos
superar expectativas o tempo todo” | por ANDREAS MÜLLER e ROBSON PANDOLFI

SAIBA MAIS SOBRE


JOSÉ GALLÓ
Quem é: Gaúcho, preside
desde 1999 o Grupo Renner.
5
Há pouco, a Renner alcançou o primeiro lugar entre mais de 300
empresas na pesquisa Mais Valor Produzido (MVP) – Varejo Geral
2016. A que se pode atribuir esse resultado em um ano difícil?
Acho que tudo começa com a nossa missão: “Encantar a todos é a nossa
realização”. Não deixamos essas palavras dormirem em um quadro bonito na
parede. Nossa diferença é que buscamos praticar o princípio o tempo todo.
Em 1996, quando demos início à transformação da Renner, queríamos que a
empresa não só satisfizesse os consumidores, como fosse além de seus desejos,
superasse suas expectativas. É isso que “encantar” significa, e foi a partir daí que
Trajetória: Iniciou na
definimos a missão. E, por todos, queremos dizer que essa missão deve abranger

4
varejista J. A.Veríssimo como
os diversos públicos, de clientes a colaboradores, de fornecedores a acionistas.
estagiário, passou pela rede de
eletrodomésticos Imconsul, abriu
uma loja de móveis própria e
Como funciona, na prática, a busca diária
fez consultoria de planejamento por esses encantamentos?
estratégico, inclusive para a A proposta de valor que queremos em nossas lojas é a da excelência na
Renner, que o contratou para prestação dos serviços. Significa ter colaboradores à disposição, preocupação
executar o plano e depois o com o atendimento rápido, provadores confortáveis, música ambiente agradável,
tornou presidente. É chamado ar-condicionado na temperatura ideal – tudo o que precisa funcionar perfeitamente.
de Sam Walton brasileiro, pela Nada acontece se não tivermos colaboradores igualmente encantados, porque
simplicidade e estilo espartano. quem faz o encantamento são eles. A área de compras tem de encantar com
A Renner: Corporation típica produtos de qualidade e preços competitivos. A de produtos deve encantar
(de capital pulverizado em bolsa), com boas instalações e bom layout. A de visual merchandising precisa garantir
teve receita líquida de R$ 6,1 uma boa exposição. A de TI tem de encantar com softwares rápidos.
bilhões e lucro líquido de É isso que faz com que nosso consumidor pague a conta mais rápido e se encante.
R$ 578,8 milhões em 2015; inclui Reduzimos em 30% o tempo de espera na fila ao trocar as etiquetas plásticas por
Renner, Camicado e YouCom. etiquetas costuradas nas roupas. Mudamos o software de PDV e reduzimos mais 15%.

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3
De que maneira a Renner acompanha os
níveis de satisfação dos stakeholders?
Em nossos princípios e valores, falamos que é
preciso tirar o “bumbum da cadeira” e fazemos
isso para saber o que está acontecendo com o
cliente e em toda a cadeia. Os executivos vão às
lojas sempre e, uma vez por ano, também nos
reunimos com os principais fornecedores para
saber o que está bom e o que pode melhorar.Temos
“encantômetros” nas lojas, onde os consumidores
nos avaliam, e na nossa matriz, onde os fornecedores
dão sua opinião. E estimulamos os funcionários a
escrever suas histórias de encantamento; a Renner
já conta com nada menos que 780 mil histórias de

2
encantamento. Que empresa no mundo tem isso?

Como fazer para disseminar esse


espírito entre 16 mil colaboradores?
Nunca sabemos qual será o ponto de contato
do cliente com a marca – pode ser com o
vendedor, o auxiliar de crediário, o gerente, o
segurança da loja, o atendimento por telefone.
Por isso, partimos do pressuposto de que todos
os colaboradores precisam estar preparados
para atender o cliente e damos 120 horas per
capita de treinamento por ano, presencialmente
ou pela internet. Nossos resultados serão uma

1
consequência de conseguirmos encantar todos.

Como o sr. e sua equipe fazem esse


marketing de encantamento?
Temos um banco de dados extremamente
desenvolvido, com 24 milhões de cartões de
crédito, que nos ajuda a ter muitas informações.
Fazemos pesquisas constantemente, mas irmos às
lojas continua indispensável. Para analisar dados,
é preciso ter sensibilidade, e esta se adquire na
loja, na proximidade com os clientes, falando
com os vendedores. Nas segundas-feiras, boa
parte de nosso pessoal de compras começa
o dia nas lojas. Eu mesmo não fico um fim de
JEFFERSON BERNARDES

semana sem passar em duas ou três unidades.


Sou apaixonado pelo marketing, viu?! Fico indignado
quando vejo alguma menção pejorativa ao marketing,
como se fosse algo praticado por feiticeiros.

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direto ao
PONTO

10 A
LIÇÕES DA
RAINHA DO POP
Conheça alguns dos aspectos-chave do modelo que tem
feito a cantora Beyoncé levar sua influência para além do
mundo da música, inspirando empresas de vários setores

cantora Beyoncé dispensa


apresentações. Com mais de
75 milhões de discos vendidos e
20 prêmios Grammy, seu nome se tornou
2. Narrativa. Por exemplo, ela utilizou
seu mais recente álbum, Lemonade, para
redefinir a narrativa sobre a suposta
traição de seu marido, Jay-Z. Com
uma marca mundialmente conhecida, e a isso, mostrou-se mais “humana” e
influência de seu sucesso vai muito além estreitou os laços com seu público.
do setor da música.Tão além que tem
inspirado executivos de destaque a reavaliar 3. Autenticidade. Beyoncé já teve
estratégias, segundo a revista Fast Company. alguns posicionamentos políticos (a
Jonathan Mildenhall, diretor de marketing favor do movimento Black Lives Matter
do Airbnb, ressaltou à FC seu domínio ou das mulheres, por exemplo), ou seja,
sobre branding. “Como produto, ela é não recuou por medo de perder fãs,
incrivelmente consistente, em cada álbum, como acontece com tantos. Ao agir de
show, vídeo, entrevista e acordo comercial. E modo autêntico, ganhou novos fãs e,
possui algo que poucos têm: a compreensão sobretudo, reforçou os laços com os fiéis.
de como fazer a marca evoluir.” Beth
Comstock, vice-chairman da GE, fez um 4. Marketing e produto. Ela está
paralelo entre a imagem de sua empresa no apagando a fronteira entre o produto em si
estágio atual (“geek”,“vulnerável”) e a de e as ações de promoção do lançamento. O
Beyoncé (“que se expõe e fica vulnerável às álbum Lemonade faz as vezes de um espaço
críticas”) – mesmo com a vulnerabilidade cultural do qual os fãs sentem fazer parte.
contrariando a cartilha do branding.
Essa influência levou a FC a investigar quais 5. Senso de urgência. Entendendo
seriam as lições de Beyoncé, que concentra como a informação se espalha pela
seus negócios na Parkwood Entertainment, internet, Beyoncé lançou Lemonade
para os gestores. Descobriu dez: sem nenhuma divulgação prévia,
valendo-se do efeito surpresa.
1. Força. Uma das forças da marca
Beyoncé é o vídeo, cuja importância é 6. Risco e disciplina. Ela se
crescente na atual cultura digital.“Eu equilibra bem entre se agarrar ao que
vejo a música; é mais do que apenas é tradicional e correr para o novo
ouvir”, disse a cantora certa vez. sem compreender plenamente as

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A ESTRATÉGIA
MULTIPLATAFORMAS DE
LEMONADE CUSTARIA UMA
FORTUNA, MAS BEYONCÉ
TEVE A CORAGEM DE
BANCAR SUA VISÃO

implicações disso, ou seja, achou seu


meio-termo entre as duas abordagens.

7. Olhar para dentro. Sua carreira


teve vários pontos de inflexão, marcados
por escolhas pouco convencionais
– por exemplo, depois do sucesso
pop do álbum Destiny’s Child, ela
retornou ao hip-hop e ao R&B.

8. Coragem planejada. A estratégia


multiplataformas de Lemonade, incluindo o
filme de 65 minutos, era um grande risco,
pela fortuna que custaria. Beyoncé teve a
coragem de bancar essa visão (e outras), mas
sempre com um planejamento cuidadoso.

9. Longo prazo. Em vez dos eventos


típicos das celebridades instantâneas,
ela prefere aproveitá-los para gerar
valor duradouro, cruzando know-how
cultural e de marketing. Para lançar a
coleção de roupas Ivy Park, fez uma
joint venture em vez de só o buzz.

10. Ser imprevisível. Beyoncé produz


surpresas; assim, abre espaço na poluição
de informações da cultura digital.
A.RICARDO / SHUTTERSTOCK.COM

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direto ao
PONTO

A receita do
Google para um bom
BRAINSTORMING
Executiva do Google descreve os três princípios do
“google-storming”, o processo utilizado pela empresa para
gerar suas ideias mais inovadoras | por VERONIQUE LAFARGUE

N
ão, nós não temos uma se destina a solução; tudo vem 3. Escreva. Descrever a ideia com
fórmula secreta de daí. No Google, vamos a campo e menos de seis palavras, como uma
inovação no Google. falamos com as pessoas; ouvimos manchete de jornal ou revista,
O que descobrimos aqui foi suas histórias, conhecemos seus ajuda a dar clareza à proposta.
que as melhores ideias vêm de sentimentos e suas ideias. 4. Use imagens. Elas falam mais
provocações sistemáticas e de um alto e dão menos margem a
aperfeiçoamento determinado Pensando dez vezes interpretações erradas.
e que essa fórmula pode ser Com base nas informações 5. Pense grande. Busque
usada em qualquer empresa. dos usuários, dá para se dedicar a ideias ousadas e robustas
Elaboramos nossa própria pensar sobre a solução. Mas não se – soluções que melhorem
abordagem de brainstorming, que trata de pensar de qualquer jeito. algo dez vezes, não meras
combina liberdade de pensamento O conceito de pensar 10x mudanças incrementais.
com estruturação, com base em está no coração da maneira 6. Adie qualquer decisão. Não julgue
três princípios básicos. Nosso como inovamos no Google. O as ideias no calor do brainstorming;
processo tem as seguintes etapas: propósito é tentar melhorar algo deixe que cresçam para que se
dez vezes, em vez de apenas 10%. possa trabalhar em cima delas.
1. Conhecer o usuário. Isso fica evidente quando se
2. Pensar 10x (dez vezes). observa o que acontece depois Fazendo um protótipo
3. Fazer um protótipo. que os participantes de um Muitos brainstormings acabam
brainstorming voltam a se reunir já com o agendamento de outra
Parece simples, certo? E é, tendo colocado suas ideias no papel. reunião no mesmo horário. O
contanto que você execute cada Nessa hora, a mais produtiva do antídoto é partir para a ação.
passo de maneira correta. processo, há seis conselhos a seguir: No Google, o brainstorming
inclui um protótipo, que não
Conhecendo o usuário 1. Trabalhe com base nas ideias precisa ser perfeito.Trata-se
ILUSTRAÇÃO: AJGUL/SHUTTERSTOCK.COM

Para resolver qualquer grande dos outros. Especialmente no apenas da materialização de uma
questão, você precisa focar início da discussão, emende as ideia, com o único objetivo de
primeiramente o usuário a que propostas começando com “sim responder a questões imediatas
e...”, em vez de “não, mas...”. e testar pressupostos.
Veronique Lafargue é líder
2. Gere muitas ideias. Nesse
mundial de estratégia de conteúdo estágio, quantidade é mais hsm management
da divisão Google Apps for Work. importante que qualidade. © Fast Company

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direto ao
PONTO

Ginasta e
estratégia e aumentar nossa
eficiência operacional”, explica.
Nesse processo, a tecnologia
está sendo um elemento-chave,

GESTOR
especialmente no que diz
respeito ao impacto no
comportamento das pessoas –
cada vez mais conectadas –,
abrindo novos caminhos
para os consumidores e para
O campeão olímpico de ginástica artística Li Ning as empresas.“Espero que,
gradualmente, possamos criar
mostra talento gerencial e muda sua empresa com base valor a partir das experiências
nas experiências dos consumidores e na tecnologia dos consumidores com os
produtos e com os próprios
esportes e construir nossa

A
cabaram os Jogos do que mexer em aspectos competência central com
Olímpicos Rio 2016 e pontuais das operações ou do base nisso”, diz. A criação de
alguns se questionam: marketing, ele está conduzindo plataformas em que os clientes
qual o futuro dos atletas que a mudança como algo maior, possam formar comunidades
estão se aposentando? Vale estratégico. “O mundo está por interesse ou esporte
um benchmarking com o futuro mudando e é muito importante que praticam é o caminho.
de Li Ning, considerado herói nossa companhia mudar A nova visão traz, é claro,
na China por seus feitos na junto”, afirmou em entrevista mudanças para o modelo de
ginástica artística, que lhe à Knowledge@Wharton. gestão da empresa. Segundo
renderam seis medalhas Para onde aponta sua o ex-ginasta, como o objetivo
(três delas de ouro) em mudança? Ning explica que o é integrar o design de
1984. Ele fundou uma grife propósito é fazer com que as produtos, a área de vendas
de artigos esportivos com marcas da empresa tenham e o uso dos produtos – a
seu nome, que inclui uma foco em cinco categorias partir das experiências dos
rede varejista, e passou anos centrais: basquete, atletismo, clientes –, o primeiro passo
na confortável posição de badminton, roupas e acessórios é reformar a estrutura
acionista. Agora, aos 53 anos, para academia e para quem organizacional, rompendo
teve de reassumir a gestão, a pratica esportes no dia a dia. com a tendência de as
fim de reverter prejuízos. “Buscamos aprimorar o design pessoas manterem as formas
Ning está se revelando de produtos, o planejamento e a conhecidas de trabalhar.
um verdadeiro líder. Mais qualidade para responder a essa “Quero uma estrutura
baseada em negócios e em
atividades-fim, não em funções
preestabelecidas”, afirma.
Li Ning voltou em 2014
e já introduziu novidades,
como o e-commerce e a
TESTING/SHUTTERSTOCK.COM

reforma dos pontos de venda


Logotipo
físicos. Em 2015, a companhia
da grife e registrou seu primeiro
das lojas lucro líquido em quatro
Li-Ning anos (US$ 2,2 milhões).

14 | edição 118
direto ao
PONTO

OUTSIGHT: antes da
autoanálise, busque as
respostas do lado de fora
Em seu mais recente livro, Herminia Ibarra mostra a
importância das experiências diferentes e da perspectiva
externa para quem busca novos patamares de liderança

R
einventar a carreira é um mexer no que fazem, com quem se que passa de gestor a líder.
desejo de muitos profissionais. conectam e como se enxergam. 2. Ampliar a rede de contatos,
A sabedoria convencional diz E, para fazer as coisas de aproveitando melhor as
que, para isso, eles devem procurar maneira diferente, segundo ela, o situações propícias a fazer um
as respostas dentro de si, geralmente primeiro passo é realizar atividades número maior de conexões – e
por meio de reflexão e análise. diversas, que têm o poder de com pessoas mais influentes.
Herminia Ibarra, uma das pensadoras transformar as pessoas. Por isso, a 3. Investir no desenvolvimento
de gestão mais destacadas do mundo, especialista do Insead defende que do estilo pessoal (talvez mais
segundo o ranking Thinkers50, a experimentação e as experiências divertido), buscando redefinir
vai em sentido contrário. reais sejam utilizadas como seu senso de identidade.
Ibarra criou o conceito de caminho para essa mudança, mais
outsight. Diferentemente do insight, que a reflexão. É o que ela chama Muitos gestores acabam
trata-se da perspectiva externa de “tentativa e aprendizado”. presos no mesmo lugar na
a que todos podem ter acesso Onde tentar coisas novas? De carreira por não saberem
quando se envolvem em novas acordo com Ibarra, em atividades qual o passo seguinte a tomar.
experiências. Esse é um dos pontos dentro e fora do trabalho. Muitos Agora sabem: esse passo é
centrais de seu mais recente livro, dos profissionais estudados por o outsight – as atividades

FABERR INK/SHUTTERSTOCK.COM
Act Like a Leader,Think Like a Leader. ela viveram mudanças de carreira fora da rotina.
A ideia surgiu do crescente disparadas por projetos, iniciativas e
interesse da autora por gestores participação em grupos de trabalho
que deveriam agir como líderes dessa natureza. Em tais contextos,
na visão da empresa, apesar eles puderam experimentar modos
de não terem uma promoção inéditos de agir e, com base nisso,
formal ou uma mudança no fazer sua reflexão (e não o inverso).
perfil do cargo que gerasse a As experiências reais são a
oportunidade da transição. oportunidade de um executivo
Ibarra estudou como o fazer as três mudanças
comportamento pode ser mudado fundamentais propostas pela autora:
e concluiu: esses gestores têm de
encontrar seu jeito próprio de 1. Redefinir seu papel, para se
fazer as coisas. Para isso, precisam tornar mais estratégico, à medida

16 | edição 118
ESTEREÓTIPOS
da geração Y atrapalham
Livro afirma que os preconceitos sobre os nascidos entre 1980
e 2000 estão induzindo as empresas a cometer vários erros

M
uito do que se diz sobre desenvolvimento organizacional qualificado seus produtos
a geração Y é estereótipo e de talentos, disse à Knowledge@ como sendo feitos sob medida
puro. Quem afirma Wharton que “muita gente da para esses consumidores
isso é Jessica Kriegel, autora do geração é até avessa à tecnologia e nascidos entre 1980 e 2000,
livro Unfairly Labeled: How Your o oposto de mimada ou mandona”. conforme Kriegel, na tentativa
Workplace Can Benefit from Ditching Segundo Kriegel, os gestores de parecerem “antenadas’ com
Generational Stereotypes, segundo precisam ativamente reverter o os dias atuais, e, sem perceber,

YURY SHCHIPAKIN/SHUTTERSTOCK.COM
a qual a palavra millennial tem sido approach preconceituoso, seja na vêm excluindo parte significativa
automaticamente associada a relação cotidiana com suas equipes, dos potenciais compradores.
pessoas descoladas em tecnologia, para não ter expectativas injustas, “Trata-se de um jogo
inovadoras e mimadas – coisas que seja no modo como se comunicam perigoso para as empresas e
não são verdadeiras para todos com os consumidores millennials. não necessariamente traz valor
dessa faixa etária. Kriegel, que atua Amparadas nos estereótipos, para suas marcas”, alertou a
na Oracle como consultora de cada vez mais empresas têm consultora da Oracle.
direto ao
PONTO

Faltam 10 anos
para a Rosie, dos
JETSONS
A inteligência artificial avançará rápido no dia a dia; todas as próximas
10 mil startups farão algo acrescido de IA | por VIVEK WADHWA

A
inteligência artificial (IA) está EM TODO LUGAR
chegando. Logo estará presente O editor-fundador da Wired, Kevin
em nossos aparelhos de TV Kelly, comparou a inteligência artificial
ou dirigindo nossos carros. Será nossa à eletricidade: barata, confiável, gerada
amiga ou secretária. Poderá também no nível industrial e que está por trás
assumir o papel do médico da família. de tudo. Segundo ele, a IA vai “animar
A IA tem aplicações em todas as áreas objetos inertes, tal como fez a eletricidade
em que dados são processados. mais de um século atrás”. Assim, o que
A tecnologia vem avançando mais antes foi “eletrificado” agora ganhará
nos últimos três anos do que nas três “capacidade cognitiva”. “Praticamente
décadas anteriores. A tendência são as tudo poderá ser feito de uma forma nova,
máquinas que aprendem: você ensina o diferente e mais interessante”, afirmou.
que e como devem aprender e, a partir Concordo: em breve, a inteligência
daí, elas tomam as próprias decisões. artificial estará em todo lugar. As
Além disso, a nova inteligência empresas em geral vêm incorporando
artificial está, cada vez mais, utilizando esse recurso em seus produtos.
técnicas semelhantes a nosso Google, Amazon e Apple desenvolvem
processo de aprendizado. As mais assistentes comandados por voz para
recentes técnicas de programação nossas casas, para que sejam capazes
usam o padrão das redes neurais do de gerenciar as luzes, pedir comida
cérebro humano, segundo o qual a e agendar reuniões. Robôs como a
informação é processada em camadas Rosie, do velho desenho animado da TV
e as conexões são fortalecidas Jetsons, e o R2-D2, da série Star Wars,
com base no que é aprendido. estão a apenas uma década de distância.
Esse processo é conhecido como Provavelmente, os planos de negócios
Vivek Wadhwa aprendizado profundo, por conta do das próximas 10 mil startups vão todos
é fellow da Singularity
University, professor da número (crescente) de camadas de oferecer “x” mais inteligência artificial.
Stanford University e diretor informação que são processadas por Devemos temer que a IA saia
IMAGEM DIVULGAÇÃO

de pesquisa do Center for computadores cada vez mais rápidos. do controle e domine o mundo?
Entrepreneurship, da Duke
Isso possibilita às máquinas reconhecer Sim, ela pode nos superar em
University. Este texto foi
originalmente publicado no imagens, voz e texto – e realizar conhecimento, mas provavelmente
Singularity Hub. tarefas próprias dos seres humanos. não nos próximos 15 ou 20 anos.

18 | edição 118
dossiê

Vale a leitura porque...


... a história ensina que só se entende um fenômeno em retrospectiva, e Steve Jobs, cofundador da Apple, é
unanimemente considerado um fenômeno do mundo dos negócios.
... há múltiplas vozes decretando a morte da Apple sob a liderança de Tim Cook, bem como predomina
entre executivos e empreendedores a sensação de que falta um role model a seguir.

20 | edição 118
INOVAÇÃO,
ANO 5 DEPOIS
DE JOBS
No dia 5 de outubro de 2011, morria o homem que pôs a inovação no
mapa dos negócios e também o mais admirado dos líderes. Deixou ao
mundo um tríplice legado – lições sobre como inovar, uma megaempresa,
uma indústria reinventada –, mas, em seu papel de inspirador de
empreendedores e executivos, muitos o julgaram insubstituível. Passados
cinco anos, este Dossiê faz a revisão dos quatro aspectos, com a ajuda
de Steve Wozniak, Guy Kawasaki, Clayton Christensen e outros.

O JEITO JOBS DE A APPLE SEM


INOVAR pág. 22 JOBS pág. 28
FOTO: SHUTTERSTOCK.COM

A COMPUTAÇÃO PÓS- OS PRÓXIMOS


-JOBS pág. 32 JOBS pág. 36

edição 118 | 21
dossiê

O JEITO JOBS FEATUREFLASH PHOTO AGENCY/SHUTTERSTOCK.COM

DE INOVAR
O fundador da Apple (1955-2011) continua a ser estudado pelos
pesquisadores da gestão, e o que se acredita hoje é que ele promoveu a
inovação por meio da promoção do design thinking | por HEINAR MARACY

22 | edição 118
S
teve Jobs. O gênio um gestor, exatamente o maes-
inovador. O em- tro da orquestra da cena fictí- Na Pixar, Jobs teve
preendedor visio- cia. Ele não teria conseguido
nário. O chefe ego- voltar à Apple e reerguê-la se de comandar gente que
cêntrico que leva- tivesse a personalidade tão au- entendia muito mais
va seus funcionários à loucura. tocentrada da lenda. Para ele,
Filmes, biografias e livros de a gênese do estereótipo do
do produto que ele
negócios foram escritos usando “CEO passivo-agressivo” seria
seu nome como chamariz, boa o fato de as entrevistas mais po-
parte deles enfatizando a dico- pulares de Jobs terem se con-
tomia entre gênio e déspota. centrado na época de enfant ter-
No filme biográfico Steve Jobs, rible do dono da empresa que Na NeXT, ele torrou o di-
o roteirista Aaron Sorkin colo- criou a computação pessoal, nheiro dos investidores em um
cou na boca de Steve Wozniak, com 20 e poucos anos. Então computador moderno e ele-
o parceiro de Jobs na criação ele podia ser cheio de húbris e gante que quase ninguém
da Apple, uma frase fictícia, insegurança, irascível e emoti- comprou (um deles foi parar
mas definitiva: “Você não é en- vo, deixava programadores e nas mãos de Tim Berners-Lee,
genheiro, não é designer. Você designers aos prantos ao escu- que “só” o usou para criar a
não consegue pregar um prego lhambar o trabalho deles e ao web, mas essa é uma história à
com um martelo. Eu construí assumir indevidamente a au- parte). Outra esteve no fato de
a placa-mãe [do Apple II]. A toria das ideias de que gostava. ter comandado uma empresa
interface gráfica foi roubada. Essa fase marcou a perso- onde os subordinados enten-
Então, como é que eu leio, dez na pública de Jobs, segundo diam muito mais do produto
vezes por dia, que Steve Jobs é Schlender, mas tem muito final do que ele, o que ocorreu
um gênio? O que você faz?”. pouco a ver com sua segun- na Pixar.
O Jobs do filme, interpreta- da e definitiva fase na Apple, Uma terceira, também do
do por Michael Fassbender, iniciada depois de 13 anos de tempo da Pixar, foi o princípio
responde: “Músicos tocam “exílio” – o período em que ele do bom executivo de refazer
seus instrumentos. Eu condu- fundou a NeXT, fracassan- algo até acertar. “Em quase
zo a orquestra”. do retumbantemente ao ten- todos os filmes que eles fazem,
Mesmo nunca tendo exis- tar criar um sucessor para o alguma coisa sempre fica meio
tido na realidade, a cena foi Macintosh, e em que com- capenga e eles têm uma vonta-
aprovada por Wozniak. “Mais prou a Pixar, produtora que de magnífica de voltar atrás e
do que qualquer coisa, Steve trouxe a computação gráfica refazer até ela se acertar. Ali, a
queria ser a pessoa conhecida para as massas com seus pre- data de lançamento não é tão
por ter criado tudo aquilo.” miados desenhos animados. importante quanto fazer o me-
Passados cinco anos de sua Essa década pouco conheci- lhor que você consegue”, disse
morte, Jobs continua a ser es- da da vida de Jobs teria sido a ele a Ron Johnson, VP de va-
tudado e revisado, pela in- de formação, quando ele se rejo da Apple na época.
fluência sobre as empresas, desenvolveu como executivo. Sem essas experiências,
pelo que fez na Apple, pelo im- Aprendeu a controlar o ego, Jobs não teria sido o executivo
pulso que deu à inovação no a ouvir, a comandar equipes capaz de realizar o turnaround
âmbito empresarial. Com os multidisciplinares e, importan- da Apple, em 1998, no mo-
olhos de hoje, o que Jobs fez? te, a não deixar seu perfeccio- mento mais obscuro da em-
nismo comprometer projetos. presa. Ali Jobs mostrou habi-
GESTÃO EFICIENTE As lições do exílio são po- lidade em costurar alianças,
Brent Schlender, autor de Be- derosas. Uma foi a dos erros reorganizar uma companhia
coming Steve Jobs, diz que Jobs foi como fonte de aprendizado. em torno de um foco simples

edição 118 | 23
dossiê

e compreensível a todos os sta-


keholders e fazer a Apple migrar
de fabricante de computado-
res para uma empresa de pro-
dutos de consumo.
Quando Jobs voltou à Apple,
a companhia tinha prejuízos
de mais de US$ 800 milhões
ao ano e ele conseguiu fazê-la
retomar o caminho da lucra-
tividade com uma estratégia
que poderia partir de qual-
quer gestor eficiente: simplifi-
cou a linha de produtos (Macs
para consumidores/Macs para
profissionais) e iniciou a venda
direta pela web (desagradando
ao canal de revendas, mas au-
mentando os lucros). Os passos
geniais viriam depois.
DIVULGAÇÃO

DESIGN THINKING
“O aspecto mais valioso
da personalidade de Jobs que
os executivos deveriam ten-
tar emular é sua capacidade Os filmes Em uma indústria domina- Jobs e seu braço direito, Jo-
sobre Jobs
de antecipar o que as pessoas (Steve Jobs, de da por engenheiros, onde o nathan Ive, atual executivo-
querem. Ou, então, de criar 2015, estrelado design é apenas a etapa final, -chefe de design (CDO) da
por Michael
um produto a partir de seus Fassbender, e a “carcaça“, esse simples Apple, colocaram o design de
desejos e necessidades e con- Jobs, de 2013, approach colocou a Apple bem produto em um novo patamar.
em que ele é
vencer os outros de que tam- interpretado por adiante da concorrência. O Eles utilizavam elementos de
bém precisam dele. Essa era Ashton Kutcher) primeiro produto com esse design para solucionar um
ressaltam quem
a parte genial de Steve Jobs”, ele era aos 20 enfoque foi o icônico iMac problema ou criar uma liga-
e poucos anos,
analisou Guy Kawasaki para não quem se – um computador de formas ção emocional com o usuário,
esta reportagem. tornou depois arredondadas, com gabinete geravam inúmeros protótipos
Kawasaki foi um dos primei- de plástico azul-esverdeado para testar suas ideias e traba-
ros “evangelistas” do Macin- transparente que sobressaía lhavam em conjunto com a en-
tosh, aliás. “Evangelistas” era em um mar de caixotes bege. genharia para adequar a tec-
como se chamavam os funcio- Em termos tecnológicos, o nologia a seus objetivos.
nários da Apple incumbidos iMac não trazia nenhuma ino- Hoje, termos como “jornada
da missão de convencer pro- vação, era apenas um reempa- do usuário”, “prototipagem”,
gramadores a criar programas cotamento de processadores e “empatia” e “foco em soluções
para a plataforma da empresa. componentes já presentes há de problemas” estão formali-
A lição de Jobs, portanto, é: um bom tempo no mercado. zados na disciplina conheci-
design e engenharia devem ca- No entanto, a maneira como da como design thinking, mas é
minhar juntos no desenvolvi- foi concebido foi algo total- possível dizer que Jobs, intui-
mento de produtos, com foco mente novo, resultando em um tivamente, seguiu esses precei-
na experiência do usuário. produto único. tos. Do gabinete de plástico do

24 | edição 118
Apple II, passando pelo pri- exaltadas pelo alemão Dieter costuma trazer um território
meiro Macintosh monobloco e Rams, da Braun: ser inovador, fértil para a inovação”, diz o
sem ventoinha, até o iPhone, utilitário, autoexplicativo, não professor Clayton Christen-
o primeiro smartphone sem obstrutivo, atento aos detalhes. sen, criador da teoria da ino-
teclado nem canetinha, seus Outra evidência do design vação de ruptura. “Se algo é
produtos sempre tiveram um thinking de Jobs está no fato importante para você, então
único foco: provocar uma liga- de que ele não acreditava em provavelmente é importante
ção emocional com o usuário. pesquisas de mercado para para os outros. Steve Jobs, na
Isso é algo que só se consegue criar produtos e decidir em verdade, fazia uma poderosa
entendendo design não como que mercados a Apple deveria pesquisa de mercado olhando
forma, mas como processo. entrar; privilegiava sua expe- no espelho”, disse Christensen
A Apple foi a primeira, e tal- riência de vida. a HSM Management.
vez a única, fabricante de com- “Como escrevi em meu livro
putadores que entendeu que o mais recente, Competing Against NOVOS MERCADOS
design de um produto ou servi- Luck, entender ‘trabalhos’ mal Mesmo com a gestão eficien-
ço deve ter as cinco qualidades resolvidos em sua própria vida te e o entendimento sobre como

MANDAMENTOS DE JOBS
entrar em caminhos errados e a não fazer coisas
demais que distraiam a empresa de seu core business.

6. EQUIPES PEQUENAS INOVAM MAIS


1. INTEGRAÇÃO É MELHOR QUE FRAGMENTAÇÃO “É melhor ser pirata do que entrar para a Marinha”,
Mac x PC, iOS x Android. Jobs sempre fez questão de disse Jobs ao criar a divisão Macintosh, uma pequena
controlar todos os aspectos do desenvolvimento de seus Apple dentro da Apple. Hoje, devido ao crescimento da
produtos, mantendo hardware e software em suas mãos, empresa, uma equipe “pequena” de desenvolvimento
ao contrário de Microsoft e Google, que criaram sistemas pode ter algumas centenas de funcionários.
operacionais e trabalham com muitas fabricantes. Para ele,
o controle da experiência do usuário era fundamental. 7. O MELHOR DESIGN É O NÃO DESIGN
Tudo o que não for necessário para o produto
2. CRIE PRODUTOS PARA VOCÊ MESMO realizar sua função deve ser descartado para que sua
Jobs era o usuário mais exigente dos produtos Apple e ainda usabilidade se sobressaia. Isso inclui ventoinhas, botões,
obrigava toda a sua diretoria a utilizá-los como testadores betas. portas de entrada e partes móveis. Menos é mais.

3. NÃO ACREDITE EM PESQUISAS 8. SILÊNCIO VALE OURO


Jobs nunca acreditou em focus groups ou pesquisas de Enquanto Google, Microsoft e outras empresas
mercado para definir novos produtos. Ele repetia a máxima apresentam seus conceitos muito antes de eles virarem
de Henry Ford: “Se eu perguntasse o que as pessoas queriam, produtos, a Apple esconde. Alguns projetos são
elas me diriam que queriam cavalos mais rápidos”. descontinuados sem nunca terem vindo a público.

4. REÚNA A MELHOR EQUIPE QUE VOCÊ ENCONTRAR 9. MATE SEU PRODUTO ANTES
Inovação não tem nada a ver com quanto você gasta em O iPhone matou o iPod. O iPad comeu mercado
P&D. Quando a Apple criou o Mac, a IBM gastava pelo menos dos MacBooks. Inovar significa canibalizar.
cem vezes mais em P&D. Não é o dinheiro que o leva ao
êxito na inovação; são as pessoas que você tem, o que o 10. VERTICALIZE SEMPRE QUE POSSÍVEL
move e quanto você compreende o problema a resolver. A Apple tem controle total de seu ecossistema.
Processadores, aparelhos, sistemas operacionais, aplicativos,
5. APRENDA A DIZER “NÃO” serviços e até os cabos que ligam os aparelhos na tomada
Para cada produto lançado, a Apple engavetava (e são proprietários. Dominar as “tecnologias básicas” é uma
engaveta) quase mil projetos. Dizer “não” ajuda a não das diretrizes da empresa para entrar em um mercado.

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dossiê

Por menos glamourosa que


pareça, a diversificação
em novos mercados foi um
dos legados de Jobs

URBANBUZZ/SHUTTERSTOCK.COM
o design deve orientar a produ- quais os problemas que os con-
ção industrial, a Apple não so- correntes não estão atacando
breviveria (e Jobs não entraria e “consertá-los”. De novo, o
para a história) se continuasse design thinking em ação.
a produzir só computadores. Foi assim com os smartpho-
Em 2001, dois anos depois de nes. A Apple não inventou o
reassumir o comando da em- smartphone. Olhou para um A biografia autorizada por Jobs,
escrita por Walter Isaacson
presa, com o título irônico de mercado controlado por gi-
iCEO, ou CEO interino, a em- gantes como Nokia, RIM e
presa comercializava 40 vezes Motorola e identificou dois
menos equipamentos do que a grandes problemas: a interface
concorrência, distância que só inconsistente, com teclado mi- ne, iPod e iPad, a diferença
fez aumentar até 2004, quando núsculo, tela reduzida e pro- entre Macs e PCs passou a cair.
foram vendidos 55 vezes mais gramas que basicamente eram Hoje, a Apple é a quarta maior
PCs que Macs. listas em modo texto, e uma fabricante de computadores
A Apple detectou um gran- dependência total das opera- do mundo, atrás só de Lenovo,
de problema: o gap geracional doras de telefonia. Para atuali- HP e Dell. E faz 13 anos que seu
de seus usuários. Ela já tinha zar ou instalar programas em crescimento é maior do que o
inaugurado suas estilosas lojas seu smartphone, o usuário de- da indústria de PCs em geral.
de varejo, mas não havia nada pendia da operadora, não da
nelas que os jovens pudes- fabricante. Isso era inadmis- LIDERANÇA
sem comprar sem a ajuda dos sível para Jobs, que exigia ter Por fim, nessa revisão, po-
pais. Jobs decidiu que a onda controle total da experiência de-se dizer que Jobs também
da música digital, propagada do usuário em seus produtos. conseguiu ser um líder – ou
pela popularização do forma- Sem trazer nenhuma tecno- seu espírito não continuaria a
to MP3 e pela pirataria, seria logia revolucionária, o iPhone orientar a Apple.
a ponte para a Apple resgatar virou o mercado de smartpho- Isso é visível em dois lança-
o público jovem. Ao mesmo nes de ponta-cabeça, apenas mentos. O primeiro foi o Mac
tempo, seria a maneira de a com uma interface revolucio- Pro, em 2013, obra-prima do
Apple pôr o pé no mercado de nária, baseada no multitouch, design industrial acondiciona-
eletrônicos de consumo (e for- tecnologia conhecida desde a da em um gabinete cilíndrico
taleceria os computadores). década de 1980. A fórmula foi negro brilhante menor que um
O sucesso do iPod colocou replicada com o iPad, também latão de cinco litros de cerveja;
a Apple nos trilhos do suces- não o primeiro tablet, mas o pri- o segundo, o Apple Watch, pri-
so e solidificou o “ jeito Jobs” meiro a ser bem-sucedido. meiro de uma nova categoria –
de inovar: encontrar um mer- Quanto aos computadores, os wearables, ou computadores
cado em ascensão, descobrir após a diversificação com iPho- vestíveis. Um autêntico Jobs.

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dossiê

A APPLE
SEM JOBS
D
Apesar de a morte da izem que a Apple está morrendo. Ela não inova mais,
empresa ser insistentemente perdeu mais de US$ 180 bilhões em valor de merca-
do de 2015 para cá, as vendas de iPhone vêm caindo
anunciada, o essencial e as grandes ondas tecnológicas do momento – inter-
permanece e os planos de net das coisas, inteligência artificial, realidade virtual –
longo prazo são ambiciosos estão sendo surfadas por rivais como Google, Microsoft, Facebook e
Amazon. Teria a empresa de Steve Jobs perdido o ímpeto inovador
| por HEINAR MARACY após a morte do CEO e se conformado em descansar sobre glórias
passadas, extraindo o máximo de seu smartphone dos ovos de ouro?
“Eu não acho que a Apple esteja descansando”, diz Guy
Kawasaki, evangelista-chefe da startup Canva, que já ocupou
esse mesmo posto na Apple na década de 1980. “Ela está ten-
tando – tentando com muito empenho até. Só que a indústria de
tecnologia é muito competitiva. Quase tudo o que você tenta não
dá certo. É como as coisas são. Mesmo assim, no final das contas,
aposto que a porcentagem de sucesso da Apple é muito maior que
a de qualquer outra empresa de tecnologia.”

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EASYTURN/ISTOCK.COM
Para uma empresa que este- mando. A principal mudan- para sempre e que não crê que
ve à beira da falência na virada ça é seu tamanho; seu fatu- o mercado de smartphones es-
do milênio, as coisas não estão ramento é hoje quatro vezes teja saturado, pois muita gente
tão ruins. A Apple acaba de maior do que era em 2010. E a no planeta ainda não possui
vender seu bilionésimo iPhone. empresa se prepara para dar um, sobretudo em países em
No último trimestre, que vários saltos muito mais ambiciosos desenvolvimento. “Estou con-
analistas consideraram desa- do que os dados por Jobs. vencido de que, com o tempo,
pontador, seu lucro foi maior A Apple estaria ficando cada pessoa do mundo terá
que os da Alphabet, Amazon, grande demais para inovar? um smartphone”, declarou há
Facebook e Microsoft combi- “Tamanho é uma faca de dois pouco ao The Washington Post.
nados. Somente o negócio de gumes”, diz Kawasaki. “Ele Steve Wozniak, cofundador
serviços (a loja iTunes, o servi- significa que você tem a marca da empresa, afirma que Tim
ço na nuvem iCloud e seu sis- e os recursos para criar e do- Cook tem a seu favor o fato de
tema de pagamento via celu- minar mercados, mas também “enxergar os funcionários e os
lar Apple Pay) deve alcançar o que você precisa superar a ten- consumidores da Apple como
tamanho de uma empresa da tação de não fazer nada além pessoas de verdade”, como Jobs
lista Fortune 100 em 2017. de melhorar sua situação pro- fazia. “Assim, Tim mantém a
vendo bons resultados finan- tradição de Steve de fazer bons
AS MÃOS DE TIM COOK ceiros de curto prazo.” produtos que ajudam as pessoas
A situação não é tão críti- Que gume vai prevalecer? As em sua vida. Ele poderia estar
ca, mas é preciso reconhe- palavras de Tim Cook dão uma seguindo o caminho de ‘fazer
cer: a Apple, nas mãos de Tim ideia. Ele tem repetido insisten- uma grana em anúncios com o
Cook, é uma empresa diferen- temente que vê a Apple como que sabemos de você’, mas não.
te do que era com Jobs no co- uma empresa que deve durar E eu fico muito feliz com isso.”

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dossiê

pronto para elas, sentindo a


“[O Apple Watch como uma necessidade de tê-las”, conta.
“O mundo pensa que nós en-
joia] não tem nada a ver tregávamos uma revolução a
com a Apple que mudou cada ano quando Steve estava
aqui, mas os produtos foram
o mundo” Steve Wozniak desenvolvidos ao longo de um
grande intervalo de tempo.”

NOVOS MERCADOS
Pelo menos de uma coisa
De cima para No entanto, Wozniak de- Steve Jobs se certificou antes
baixo, o eterno
evangelista da monstra uma preocupação de deixar a Apple e este plano
Apple, Guy com a Apple de Cook – que ela de existência: que suas ideias
DIVULGAÇÃO

Kawasaki;
Steve Wozniak, seja levada só para o mercado sobre como criar e implemen-
cofundador da
empresa; e Tim premium, “de joias” (uma vez tar produtos fossem bem com-
Cook, o atual que o Apple Watch é um produ- preendidas por toda a empre-
CEO, escolhido
por Jobs como to que chega a custar US$ 1 mil sa. Juntando isso com o prin-
seu sucessor só por ter uma pulseira diferen- cípio da diversificação em
te). “Embora eu entenda que novos mercados ensinada por
é preciso acompanhar o mer- Jobs, a pergunta é: para onde
cado, isso não tem a ver com a vai a Apple agora?
Apple que mudou o mundo.” Basicamente, para onde ela
De resto, Wozniak vê o ca- quiser – e sem contar para nin-
minho certo sendo percorrido. guém. Em termos de unidades
“Em todo o resto, aprovo total- vendidas, será difícil encontrar
mente as ações de Cook. Amo outro mercado com as carac-
o hardware e o software que terísticas levantadas por Cook
eles fazem, amo cada update.” de fato, com cada ser huma-
“Quando os críticos insis- no sobre a Terra como prospect.
DIVULGAÇÃO

tem que a Apple tem fracas- Mas, em termos de faturamen-


sado em introduzir disposi- to, os três mercados em que se
tivos e serviços ‘revolucioná- especula que a Apple deverá
rios’, eles esquecem três fatos entrar nos próximos cinco anos
importantes sobre a tecnolo- são bem atraentes.
gia”, disse Eddie Cue, VP sê- O primeiro, onde ela já mo-
nior da Apple, à Fast Company. lhou o dedinho do pé, é o de
“Primeiro, que momentos de entretenimento, um mercado
ruptura são resultados impre- global de mais de meio bilhão
visíveis de uma inovação con- de dólares. A Apple fez uma
tínua e incremental; segun- primeira tentativa de negociar
do, que inovações por trás das conteúdo ao vivo com canais
MARCO PRATI / SHUTTERSTOCK.COM

cenas trazem benefícios signi- de TV para sua Apple TV. Essa


ficativos, mesmo que não con- foi frustrada. Segundo alguns
sigam criar rupturas singula- executivos, a empresa foi muito
res; e, terceiro, que as novas dura e as negociações não vin-
tecnologias só dão certo quan- garam – nem com a Disney,
do um público de massa está cujo presidente faz parte do

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board da Apple. Jobs está fazen- Há cerca de 600 pessoas na
do falta na mesa de negocia- Apple trabalhando em proje-

ISTOCK.COM
ções para mesmerizar a todos tos relacionados com automó-
com sua lábia e o DNA fenício. veis. Se isso vai resultar em um
Porém reinventar a TV era carro elétrico com a maçã ou
um dos sonhos de Jobs, que apenas uma versão mais ela-
afirmou a seu biógrafo oficial, borada do CarPlay, que repro- É mais um mercado no qual a empresa não vai
Walter Isaacson, ter descober- duz funções do iPhone no pai- ser a primeira (Microsoft, Samsung, Facebook
to como fazê-lo, sem dar muitos nel do veículo, só o tempo dirá. e Google estão adiantados), mas ela pode repe-
detalhes a respeito. Cinco anos O mercado de saúde e fitness, tir sua missão de ser a melhor.
depois, a Apple ainda não lan- avaliado na casa dos trilhões de Inteligência artificial é outra área promisso-
çou nenhum aparelho de TV dólares, também está no radar ra. Em outubro, a Apple lança uma nova versão
disruptivo, mas fez um upda- da companhia. Nesse ela vem de seu OS X com a assistente virtual Siri em-
te substancial em sua Apple entrando sutilmente, no en- butida. É uma incógnita se as pessoas se acos-
TV, anos-luz em inteligência tanto, com o Apple Watch e tumarão a falar com o computador em vez de
embutida adiante de qualquer os iPads sendo utilizados pon- digitar e clicar, porém essa é uma aposta da
smart TV do mercado. tualmente em hospitais e pela empresa. E aqui ela chegou cedo. Lançada em
Desde o ano passado, a indústria farmacêutica. 2011 (na verdade, em 2010, por um desenvol-
Apple TV aceita apps de ter- Contudo, por seu tamanho vedor independente comprado pela Apple), a
ceiros e, há pouco tempo, a e pelas possibilidades que a Siri precedeu Google, Microsoft etc. A Apple
empresa começou a se aven- tecnologia tem de melhorar o está em posição privilegiada para tornar essa
turar modestamente na pro- acompanhamento médico de experiência mais útil, pois a Siri agora estará
dução de conteúdo, criando pacientes, tratamentos e regis- em todos os seus produtos – iPhone, Mac, Apple
um reality show chamado Pla- tros, o segmento de saúde e fit- Watch, Apple TV, CarPlay.
net of the Apps. Também está em ness deve ganhar mais atenção
seus planos um aplicativo es- da empresa em breve. COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS
tilo TV Guide para o usuário Quando você estiver lendo este texto, em se-
conseguir encontrar seu pro- NOVAS TECNOLOGIAS tembro, a Apple estará às voltas com seu evento
grama ou filme favorito, este- Em termos de tecnologias para lançar o iPhone 7 e, provavelmente, uma
ja ele na Netflix, HBO, Fox, ascendentes, a Apple dá sinais nova linha de laptops. Os produtos ainda estão
NBC ou qualquer uma das de que não está parada. Nunca envoltos em segredo, à moda de Jobs, mas uma
centenas de opções de hoje. gastou tanto em pesquisa e coisa já se sabe: as ações da empresa subirão no
Outro mercado bem desenvolvimento, com inves- dia anterior ao evento e cairão imediatamente
atraente à Apple é o automo- timentos que devem chegar a depois de Tim Cook deixar o palco.
bilístico, com seus cerca de US$ 10 bilhões este ano. Cook O mercado sempre se decepciona com os lan-
US$ 3,5 bilhões movimenta- já declarou que considera a çamentos da Apple, devido à enorme expectativa
dos ao ano. Pela lógica de Woz- realidade aumentada (RA) que causam. Isso não impede, contudo, que, se-
niak, combina com a empresa. – a integração de imagens e manas ou meses depois, quando os produtos che-
“A Apple é enorme e as opor- dados virtuais a imagens reais garem finalmente às lojas, enormes filas se for-
tunidades de investir precisam – um campo promissor. E, mem para comprá-los.
ser igualmente grandes”, diz o nos últimos dois anos, a Apple Não se iluda: a Apple de Cook é uma empresa
parceiro de Jobs. E Woz com- adquiriu várias empresas diferente, mas o essencial permanece: a qualida-
pleta: “Os carros elétricos e os com tecnologias relaciona- de de referência de seus produtos e a experiên-
autônomos estão chegando e das com RA, como superim- cia de uso e integração entre hardware, softwa-
utilizam inteligência artificial. posição de cenários virtuais re e plataformas diferentes. Se a Apple conseguir
Isso vai melhorar muito a vida sobre a realidade, captu- transferir essas competências para os novos mer-
das pessoas, e é onde a Apple ra de movimentos e contro- cados e tecnologias que tem como alvo, será rele-
gosta de transitar”. le facial de avatares virtuais. vante por muito tempo ainda. Mesmo sem Jobs.

edição 118 | 31
dossiê

A COMPUTAÇÃO
PÓS - JOBS
A nova fronteira da indútria da
informação são os serviços na nuvem, que
Bob O’Donnell é CEO
e analista-chefe da TECHnalysis remetem a uma era pós-equipamento
Research, empresa de pesquisa de
mercado especializada em consultoria
– uma distopia para empresas como a
Apple e também um novo parâmetro
OLLY/SHUTTERSTOCK.COM

estratégica e análise de mercado para a


indústria de tecnologia e a comunidade
financeira dos Estados Unidos. de inovação | por BOB O’DONNELL

32 | edição 118
E
m junho de 2010, o mundo atingiram um pico
Steve Jobs anun- no quarto trimestre de 2011 Há sinais de que
ciou o início da e depois disso têm diminuído
era pós-PC, em paulatinamente. o pico de vendas
que o computa- Pois a mesma coisa está dos smartphones
dor pessoal estaria, de certo ocorrendo com os tablets.
modo, ultrapassado. A decla- Embora algumas pessoas esteja próximo
ração foi feita no contexto da previssem ingenuamente que
revolução que ele esperava eles substituiriam um dia os
com o iPad e, como o próprio computadores, seu mercado
fundador da Apple esclare- mundial nunca se equiparou
ceu na época, não pretendeu ao dos desktops e, salvo ex- A exemplo dos desktops
insinuar que os computadores ceções, os tablets jamais se e dos tablets, isso não quer
de mesa, os desktops, desapa- tornaram o equipamento de dizer que os smartphones vão
receriam, embora essa tenha computação definitivo para desaparecer. Longe disso.
sido a interpretação de mui- as pessoas, como muitos ima- Em várias partes do mundo,
tos. O que ele quis dizer foi que ginaram. As vendas de tablets eles acabaram se tornando
os computadores assumiriam em todo o mundo atingiram um equipamento de compu-
uma função mais especializa- o pico no quarto trimestre de tação para uma fatia da popu-
da – “tal como fazem os cami- 2013, apenas dois anos depois lação, tanto ou mais do que os
nhões no segmento dos trans- dos computadores pessoais – desktops e os tablets.
portes em geral”. e passaram a declinar lenta- Só que vem ficando cada
O fato é que o comentário mente de lá para cá. vez mais claro, ao menos para
de Jobs teve enorme repercus- E os smartphones? Estou mim, que os smartphones –
são e se universalizou; hoje, convencido de que testemu- com seus milhões de distin-
toda análise sobre as transi- nhamos, enquanto você lê este tos aplicativos para funções
ções no mercado da tecno- artigo, o mesmo fenômeno no e plataformas específicas –
logia remete a ele de algum universo dos smartphones. também não são o futuro da
modo. E é isso que estou Embora seja muito cedo para computação pessoal.
fazendo agora, porque acre- ter certeza disso – devem ser E o que virá? Afinal, não há
dito que é hora de reconhe- necessários mais 12 a 18 meses no horizonte nenhum sucessor
cer: estamos entrando na para confirmá-lo –, creio que evidente para o smartphone.
era “pós-tablet” e até mesmo as vendas de smartphones em Algumas categorias novas e
na “pós-smartphone”. Minha todo o mundo estão prestes a importantes estão aparecen-
tese é a de que estamos entran- atingir o pico. Novamente, do, só que nenhuma parece
do em uma era “pós-equipa- dois anos depois do equipa- ter potencial para reformular
mento” em geral. mento que estava sob os holo- o ambiente da computação e
fotes logo antes – os tablets. alcançar o nível de centenas
A EVOLUÇÃO Cada vez mais indicadores de milhões de vendas anuais
Voltemos a Steve Jobs. Sua de mercado – incluindo ven- como fizeram os desktops, os
declaração se baseou no fato das abaixo das expectativas e tablets e os smartphones.
de que, naquele momento, projeções relativamente som- Há a tecnologia vestível, os
o crescimento de vendas de brias das fabricantes de com- wearables, mas entraremos na
computadores pessoais esta- ponentes, dos produtores de era dos vestíveis? Acho que
va perdendo fôlego e previa- equipamentos e das próprias não. Existem também a rea-
-se que cairia mais ainda. marcas de telefones – suge- lidade virtual e a realidade
De fato, as vendas globais do rem que já atingimos o “pico aumentada, porém será que o
mercado de desktops em todo dos smartphones”. início da era da RV e da RA

edição 118 | 33
dossiê

fio. Obviamente, nem tudo o Para as outras fabricantes


que se quer fazer com máqui- de hardware, os desafios são
A nova era nas inteligentes pode ser con- ainda maiores. Elas se en-
seguido nesse modelo, mas frentarão nas categorias dos
vai demandar a capacidade de obter infor- equipamentos existentes (e
dispositivos mação – e tomar medidas – até mesmo futuros), mas essa
ao falar simplesmente suge- é uma situação difícil de su-
simples, só com re uma nova era empolgante portar. Criar, adquirir e/ou
saída de áudio e que depende menos de equi- firmar parcerias em serviços
pamentos tradicionais. que podem ser alavancados
conexão Wi-Fi por vários equipamentos será
OPORTUNIDADES importante para sobreviver
E AMEAÇAS em longo prazo e ter sucesso.
As implicações dessa mu- Tal como aconteceu nas ou-
dança são profundas. Para tras transições, a mudança
está próximo? Pouco provável, uma empresa como a Apple, para uma era pós-equipamen-
pelo menos por enquanto (ape- ser uma fabricante de equipa- tos, voltada para serviços, não
sar de a ideia ser excitante). mentos pioneira em uma era representa o fim dos dispositi-
Mesmo os carros inteligentes, pós-equipamentos é uma es- vos tradicionais; eles são neces-
conectados e autônomos, por pécie de pesadelo distópico, no sários para prestar os serviços.
mais que estejam destinados qual suas impressionantes ha- Ainda assim, as fabricantes de
a ganhar vasta importância, bilidades de gerar equipamen- equipamentos terão de expan-
provavelmente não vão pro- tos cada vez melhores serão dir o modo como pensam so-
vocar uma transição com a apreciadas por um número breviver e prosperar na pró-
mesma magnitude que implica decrescente de clientes. xima era. A transição gera-
uma “mudança de era à la Jobs”. Não foi à toa que a empre- rá tanto desafios inesperados
O futuro da computação sa se concentrou tanto em ser- como oportunidades efetivas.
está aparentemente em um viços recentemente (embora a
conjunto de serviços de pla- venda de um app na loja iTu-
taformas e equipamentos in- nes não seja o tipo de serviço hsm management

dependentes. Concretamen- que se encaixe no universo ba- © Fast Company


Editado com autorização.Todos os
te falando, o que está em evi- seado em serviços para o qual direitos reservados. Distribuído por
dência hoje são interações acredito que rumamos). Tribune Media Services International.
baseadas na voz, impulsiona-
das por grandes instalações
de servidores na nuvem ro-
dando algoritmos de apren-
dizado profundo.
Trata-se de um modelo de
computação que não requer
o tipo de potência ofereci-
JUERGEN FAELCHLE/SHUTTERSTOCK.COM

do por equipamentos como


desktops, tablets e smartpho-
nes. Esses serviços podem ser
acessados por meio de dis-
positivos mais simples, com
pouco mais que uma saída
de áudio e uma conexão sem

34 | edição 118
dossiê

OS PRÓXIMOS SHUTTERSTOCK.COM

JOBS Quem pode assumir o posto de


mentor da inovação na comunidade
empresarial, deixado vago com a morte
do fundador da Apple? São citados Jeff
Bezos, da Amazon, e Elon Musk, da
Tesla; por fora corre um novato – Travis
Kalanick, do Uber | HSM MANAGEMENT

36 | edição 118
V
ocê conhece o Fal- tumam crescer 3,5 vezes mais Ainda há um terceiro nome
con e o New She- rápido do que as que não têm, é na corrida de sucessão de Jobs
pard? São fogue- possível imaginar o impacto de no papel de inspirador, mas, por
tes que, em seus Jobs sobre os negócios globais. enquanto, é um azarão: Tra­vis
testes em 2016, Desde que o fundador da Kalanick, o polêmico fundador
já conseguiram subir mais de Apple morreu, em outubro de e CEO do Uber. Com sua em-
102 quilômetros acima do 2011, essa cadeira está vazia. presa, Kalanick está reinven-
nível do mar e pousar com per- Enquanto uns insistem que ele tando algo que usa tecnologia
feição. Pertencem à SpaceX e é insubstituível na capacidade e mexe tanto com o cotidiano
à Blue Origin, respectivamen- de influenciar a comunidade dos seres humanos como a
te as empresas aeroespaciais de negócios, outros especu- computação pessoal e a comu-
dos inovadores Elon Musk e lam sobre quem seria capaz nicação: a mobilidade urbana.
Jeff Bezos. Como recentemen- de substituí-lo e, entre estes, as A seu favor, também exibe
te afirmou a revista Fast Com- primeiras duas respostas têm uma personalidade extrema-
pany, os dois empresários, mais sido Bezos e Musk. mente forte (ao que tudo indi-
conhecidos por suas organi- Estamos comparando la- ca, tão difícil como a associada
zações Tesla e Amazon, estão ranjas com maçãs? Não. Todos ao fundador da Apple) e, mais
em uma frenética corrida para trabalham com tecnologia de importante, o mesmo nível de
fazer história – e pelo posto de ponta e ninguém duvida que foco. Diferentemente de Bezos
sonhador-chefe do planeta. Jobs, Bezos e Musk sejam si- e Musk, que se dividem entre
Simbolicamente, tanto o Fal- milares em termos de ambição várias frentes de negócios,
con como o New Shepard po- e coragem para fazer as coisas Kalanick põe todas as suas fi-
deriam ser os novos iPhones. de modo diferente do usual, chas na cesta do Uber, como
Ambos estão prestes a reinven- duvida? Os três também com- fez Jobs com a Apple, em uma
tar os limites da Terra e o esti- partilham a personalidade concentração capaz de tornar
lo de vida de seus habitantes, marcante. Seria possível argu- sua voz mais persuasiva.
Como fez
assim como o iPhone reinven- mentar que, como seus fogue- Jobs com a Um dia alguém será uma ins-
tou a computação pessoal, a co- tes (ainda) não interferem tanto comunicação e piração tão grande para a co-
a computação
municação e o modo de consu- na vida das pessoas dos dife- pessoal, Travis munidade de negócios como foi
mir mídia. Sem se darem conta, rentes países quanto o iPhone Kalanick Jobs? Se sim, quem? A seguir,
reinventa um
Bezos e Musk parecem ter outra de Jobs, a influência de Bezos e setor sensível HSM Management analisa
disputa em andamento: qual- Musk tende a ser menor. às pessoas: os três candidatos aventados
a mobilidade
quer um deles pode ser o novo Só que tanto Bezos como urbana sob a perspectiva da influência.
Steve Jobs, ao menos no papel Musk assinam também rein-
de mentor de empreendedores venções mais palpáveis, apesar
e pessoas de negócios em geral. de ainda não tão disseminadas:
Jobs conseguiu, com o alcan- o primeiro reinventou o varejo
ce de seus movimentos e de sua (com a Amazon) e a indústria de
personalidade, liderar todos os livros (com o Kindle) e vem mu-
rankings de executivos mais dando a computação pessoal de
admirados do mundo, em pra- modo indireto, com sua com-
ticamente todos os países. Na putação em nuvem; o segun-
prática, isso o tornou uma es- do caminha para reinventar a
pécie de mentor a distância de indústria da energia (com a ba-
um gigantesco contingente de teria elétrica doméstica Tesla
SHUTTERSTOCK.COM

gestores. Se as pesquisas mos- alimentada pela energia solar


tram que startups de empreen- da Solar City) e o ato de dirigir
dedores que têm mentores cos- (com seu carro Modelo S).

edição 118 | 37
dossiê

Bezos e Jobs compartilham


o foco na experiência dos
clientes; Musk é tão marketeiro
de seus produtos como Jobs

DIVULGAÇÃO
JOBS X BEZOS ment Magazine: “Nosso pensa- Existem seus e-mails públicos e sempre
semelhanças
Antes de mais nada, Jeff mento é sempre sobre como significativas fizeram questão de responder
entre as
Bezos rejeita qualquer compa- podemos encantar os clientes; histórias às mensagens pessoalmente) e
ração entre ele e Jobs. “Tenho não buscamos a disrupção”. pessoais de a moldagem das companhias
Steve Jobs e
minhas próprias visões e abor- O fundador da Apple até pa- Jeff Bezos com uma mentalidade única.
dagens e ninguém será o próxi- recia impor as próprias ideias Por fim, Stelios Kapantais,
mo Steve Jobs; ele era um cara aos clientes, mas o que ele da newsletter Daily Hint, ob-
único”, declarou ao site Masha- fazia no fundo era design thin- serva que tanto Bezos como
ble. Na superfície, é difícil com- king, colocando-se no lugar do Jobs construíram culturas em
pará-los mesmo: Jobs lidava usuário, e era intransigente torno da inovação e experi-
com produtos premium, caros, quanto ao bom atendimento mentação. Conforme Kapan-
para uma elite, enquanto man- ao cliente. tais, a crença nos superpode-
ter preços baixos é uma obses- Tanto Jobs como Bezos abri- res da narrativa e das equipes
são para Bezos, que quer atin- ram mercados para os em- pequenas e o trato implacável
gir a massa dos consumidores. preendedores com suas plata- com a concorrência para eli-
No entanto, os dois biógrafos formas. Jobs o fez para os de- miná-la eram outra caracte-
de Bezos apontam semelhan- senvolvedores de aplicativos, rísticas compartilhadas entre
ças entre ele e Jobs. Richard que puderam usar o iPod, o ambos (o leitor lembra que
Brandt, autor de Nos Bastidores iPhone e o iPad como suportes Jobs tentou comprar o Drop-
da Amazon, crê que a capacidade e o iTunes e a App Store para box antes de lançar o iCloud?).
de ver o todo e também os de- a distribuição. Bezos lançou o
talhes é comum aos dois, assim Marketplace, que permite a JOBS X MUSK
como a preocupação com o de- pessoas físicas e empresas ven- A opinião de Elon Musk
sign – do produto, em um caso, der produtos e até exportar sobre Steve Jobs não é das me-
e do processo, no outro. É notó- para o exterior. lhores. “Era um idiota”, já de-
ria a obsessão de Bezos com a Brad Stone, autor de A Loja de clarou, com a lembrança do dia
facilidade de compra na Ama- Tudo, destaca o Bezos exigen- em que se conheceram.
zon – compra em um clique. te com os funcionários, que os De novo, à primeira vista, o
Para Brandt, ainda que de inspira e também lhes provoca fundador da Tesla é muito di-
modo distinto, o consumidor medo, exatamente como rezam ferente do fundador da Apple,
está no centro das atividades as lendas sobre Jobs. E chama a porque faz questão de não pa-
de ambos, pois a experiência atenção para três premissas ge- tentear nenhuma de suas ino-
do usuário é privilegiada por renciais parecidas entre Jobs e vações. Porém Musk é o gran-
Apple e Amazon. Bezos expli- Bezos: apostas de longo prazo, de herdeiro de Jobs, na visão
cita a importância do cliente, comunicação direta com o de quem o conheceu bem – o
como disse à Rotman Manage- consumidor (os dois tornaram ex-evangelista Guy Kawasa-

38 | edição 118
dossiê

ki. Logo se percebe, por exem- velada em julho último. As no-


plo, que Musk tem o mesmo vidades vão de caminhões elé-
pendor de Jobs para ser mar- tricos a pequenos ônibus autô- Kalanick prioriza
keteiro dos próprios produtos. nomos que levarão as pessoas
O frisson gerado pelos dois no até a porta de casa em vez de recrutar os maiores
meio empresarial é imbatível deixá-las em um ponto prede- talentos, como
e inclui atitude de pop star – se finido. Part deux é a segunda
Jobs virou personagem real das cinco etapas do plano, no- fazia Jobs
de dois filmes, é sabido que meadas em francês pelo em-
Musk inspirou o Homem de presário, e revela que ele tem a
Ferro interpretado por Ro- mesma vontade de Jobs de do-
bert Downey Jr. na franquia minar um setor como um todo, nhar (algo que o ajuda é posicio-
homônima. Por isso, Musk faz não apenas um pedaço. nar os rivais – por exemplo, os
um marketing tão bom de seus Outra coincidência entre taxistas– como inimigos, exa-
produtos como Jobs fazia. Jobs e Musk está na busca in- tamente como Jobs fez com o
Por exemplo, Musk lança cessante da beleza e da qualida- Windows); (4) recrutar as me-
cartas abertas como manifes- de nos produtos. Não é à toa que lhores pessoas é sua prioridade
tos, à moda de Jobs, para de- os carros Tesla viram objeto de (um exemplo é a contratação do
fender a experiência de seus culto da mesma forma que os executivo Brian McClendon,
usuários. Se Jobs escreveu novos iPhones. Se os segundos que ele tirou do Google Maps);
para reclamar do Flash, da fazem as pessoas enfrentarem (5) as campanhas publicitárias
Adobe, por exemplo, Musk es- imensas filas, os primeiros che- do Uber são originais e criati-
creve sobre seus planos e o que gam a ser encomendados com vas (são famosas, por exempo,
os restringe. um ano de antecedência. as que brincam com o concor-
Musk consegue criar o Musk provavelmente pensa rente, o Lyft, marcado por um
mesmo tipo de suspense em maior do que Jobs – ele quer bigode rosa-choque).
torno de seus lançamentos, fazer a reengenharia do plane- Mais cinco motivos são: (6)
como comprova um tuíte seu de ta Terra, não só de sua indús- Kalanick é 100% comprome-
2014, que dizia: “Está na hora tria. E executa maior também, tido com o Uber (até se ofende
de revelar o D e algo mais”, com como mostra sua Gigafactory, quando lhe perguntam se vai
uma enigmática foto de um a gigantesca fábrica de bate- vendê-lo); (7) põe os usuários
carro Tesla que lembrava o bat- rias que está construindo. Mas na frente dos lucros; (8) enxerga
móvel. Do The Washington Post existiria Musk sem que Jobs ti- tanto a floresta como as árvo-
ao The Wall Street Journal, toda vesse existido primeiro? res; (9) é um rebelde por natu-
a mídia publicou especulações reza; (10) tem bom gosto, o que
sobre o que seria D, e toda a in- JOBS X KALANICK fica claro quando diz que “o
ternet. O Twitter, claro, bom- Na visão de Lauren Holli- Uber é eficiência com elegân-
bou (até porque o D lembrou day, editora do site de negó- cia por cima, como é o iPhone”.
os tuiteiros de Dick, gíria para cios SitePoint, o fundador e
pênis, assim como o iPad de CEO do Uber é o mais perto QUESTÃO DE GERAÇÃO
Jobs, anos antes, os havia lem- que se pode chegar de Jobs. Se estivesse vivo, hoje Steve
brado de absorvente feminino). Ela elenca cinco motivos: (1) Jobs teria 61 anos – um baby
As ações da Tesla subiram 6% os usuários do Uber são tão boomer. Já Bezos, Musk e Kala-
em uma semana, o que gerou fanáticos como os da Apple; nick são membros da geração
ganho de US$ 2 bilhões. (2) Kalanick é autêntico e por X, respectivamente com 52, 45
A part deux do plano master de isso alguns o acham desagra- e 40 anos. Talvez a diferença
Musk para reinventar o modo dável, como ocorria com Jobs; entre eles seja só geracional.
como as pessoas dirigem foi re- (3) ele entra sempre para ga-

40 | edição 118
dossiê

MERGULHE NO TEMA
Brandt, Richard. Nos Bastidores da Uma seleção de keynotes de Jobs, que per-
Amazon: o Jeito Jeff Bezos de Revolucio- mite entender seu estilo peculiar.
nar Mercados com Apenas um Clique.
Saraiva, 2011. Um mergulho no proces- O Discurso de Stanford, 2005.
LIVROS
so decisório de Bezos, um possível herdei- http://bit.ly/1GIASiU. Para acompanhar
Schlender, Brent e Tetzeli, Rick. ro de Jobs na mentoria dos gestores. com legendas em português o famoso
Como Steve Jobs Virou Steve Jobs. In- discurso que Jobs fez como paraninfo
trínseca, 2015. O diferencial do livro Stone, Brad. A Loja de Tudo: Jeff dos formandos da Stanford University,
é observar a evolução de Steve Jobs Bezos e a Era da Amazon. Intrínse- em 2005, que sintetizaria sua filosofia de
como gestor e pessoa, em vez de se ca, 2014. O autor descreve a Amazon vida. Ele conclama os jovens a ouvir sua
ater a uma imagem cristalizada dele. como uma companhia similar à Apple voz interior e a se manter “com fome”
(quando liderada por Jobs), com am- de fazer as coisas, além de “ingênuos” a
Isaacson, Walter. Steve Jobs. biente competitivo e atrito constante. ponto de tentar o novo.
Companhia das Letras, 2011. Biogra-
fia oficial do empresário, que deu 40 Vance, Ashlee. Elon Musk: Como A Histórica Entrevista de Steve
entrevistas ao autor. Isaacson também o CEO Bilionário da SpaceX e da Tesla Jobs e Bill Gates. HSM, 2015. http://bit.
teve acesso a familiares, amigos e cole- Está Moldando Nosso Futuro. Intrín- ly/28SZ621. O registro do encontro de
gas, além de ouvir seus rivais. seca, 2015. Apresenta Musk, outro dos dois dos homens mais influentes da era da
potenciais herdeiros de Jobs, como um informação na conferência D5 de 2007.
Sander, Peter. O Que Steve Jobs gestor que pode revolucionar três indús-
Faria? Universo dos Livros, 2012. O trias ao mesmo tempo.
colaborador da revista Fast Company
organiza o modelo de gestão de Jobs Branson, Elliott. Uber: How to
em seis partes: cliente, visão, cultura, Make Money with Uber. CreateSpace, REVISTAS
produto, mensagem e marca pessoal. 2015. É um guia para motoristas que quei-
ram se associar ao Uber. Há pelo menos Steve Jobs, por Regis McKenna.
Bushnell, Nolan e Stone, Gene. outros dois livros desse tipo, mostrando HSM Management, 2012. http://bit.
Encontre o Próximo Steve Jobs. HSM, o encantamento tipo “Apple” da empresa ly/1R8flqi. Artigo exclusivo do pionei-
2013. O primeiro empregador de Jobs, do “herdeiro” Travis Kalanick. ro do marketing no Vale do Silício que
na Atari, repassa as características que acompanhou a trajetória de Jobs de per-
ele tinha e que podem ser detectadas to e revela detalhes pouco conhecidos.
em qualquer talento.
O quociente da Apple não é o que
Wozniak, Steve e Smith, Gina. você pensa. HSM Management, 2014.
iWoz: a Verdadeira História da Apple. VÍDEOS http://bit.ly/2bUQnkn. Acesse a história
Évora, 2010. O parceiro de Jobs na Steve Jobs’ 10 Most Important Keyno- da Apple contada por funcionários que
criação da Apple dá sua versão dos fatos te Announcements. http://bit.ly/2c0fY9T. saíram de lá e entenda sua real inovação.
e reflete sobre o papel da inovação.

Lashinsky, Adam. Nos Bastidores Você aplica quando...


da Apple. Saraiva, 2012. Como a Apple
usa o sigilo e a estrutura de gestão para ... reavalia seus próprios
se manter ágil como uma startup. conceitos sobre o que Steve Jobs
representou, eliminando os vieses.
Kane, Yukari. Haunted Empire: Ilustração
Apple After Jobs. HarperBusiness, ... aprende com o que está publicada
em HSM
2015. A ex-repórter de tecnologia do acontecendo na Apple, no setor Management
The Wall Street Journal sugere que tensões da computação pessoal e com nº 67: Mark
Zuckerberg
são enfrentadas por Tim Cook, sucessor os três potenciais herdeiros versus Jobs.
de Jobs na Apple. Cook negou tudo. de Steve Jobs. E aplica.

IDIOMAS: Inglês Português Todos os links citados foram acessados em 24 de agosto de 2016.

42 | edição 118
liderança e pessoas | artigo
inovação

IURII/SHUTTERSTOCK.COM
COMO A INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL vai mudar a
gestão em cinco anos

N
O uso de IA no trabalho já começou,
mas o diagrama de conhecimento
“Nos próximos cinco anos, como a tecnologia muda-
corporativo que deve surgir rá a gestão?” A essa pergunta, formulada pela revista
afetará (e humanizará) três áreas MIT Sloan Management Review, respondo com segu-
fundamentais | por REID HOFFMAN rança: estamos prestes a testemunhar uma grande
ruptura na maneira como as organizações coletam,
analisam e agem sobre o conhecimento.
A inteligência artificial (IA) em breve fará a gestão
evoluir de uma arte para uma combinação de arte e
Reid Hoffman é ciência. Não porque estaremos seguindo o comando
cofundador do LinkedIn e autor
dos livros Comece por Você e The
de mestres robôs de ficção científica, mas porque a IA
Alliance: Managing Talent in the nos permitirá aplicar a ciência dos dados às intera-
Networked Age. ções humanas no trabalho, de um modo que teóricos

44 | edição 118
A IA VAI APERFEIÇOAR AS
REUNIÕES: QUANDO ALGUÉM Vale a leitura porque...
... o temor de que a inteligência artificial
SE DISPUSER A AGIR, ISSO SERÁ acabe com os empregos humanos não
GRAVADO, ACOMPANHADO é infundado, mas é preciso conhecer
seus potenciais benefícios para a gestão
E LIGADO À REUNIÃO de organizações, como os usos do
diagrama de conhecimento corporativo.
... ainda que o Brasil esteja pouco atento
ao debate sobre IA, ele avança nos EUA.
pioneiros, como Peter Drucker, será onipresente na organiza-
Por exemplo, no final de 2015, surgiu
mal poderiam imaginar. ção e indexará cada documen-
uma iniciativa chamada “OpenAI”, com
Já vimos o poder da IA es- to, pasta e arquivo e também es- financiamento de US$ 1 bilhão e adesão
pecializada na forma do Wat- tará no fluxo de comunicação, de várias empresas de ponta, que tem
son, da IBM, o sistema que coletando todo o produto de seu como um dos principais apoiadores
respondeu às perguntas do trabalho, de e-mails a compar- Reid Hoffman, autor deste artigo.
programa da TV norte-ame- tilhamento de arquivos e men-
ricana Jeopardy!, dando uma sagens de chats. Será capaz de
surra nos melhores compe- se conectar com a proposta que
tidores humanos. Também você salvar, compartilhá-la com
vimos o AlphaGo, do Google um colega e discuti-la no sistema
DeepMind, derrotar um dos de mensagens interno.
maiores no jogo de tabuleiro Tudo isso pode parecer um
chinês Go, Lee Sedol, pelo Big Brother, mas a IA vai ofe- diária. Você as encontra cada
placar de quatro a um. recer aos trabalhadores do co- vez que começa a digitar uma
Apesar de não poderem pas- nhecimento ferramentas novas palavra no campo de pesquisa
sar no teste de Turing, que ve- e poderosas para coletar e com- do Google e lhe aparecem op-
rifica a capacidade das má- preender as informações e agir ções – ou quando procura um
quinas de apresentarem com- sobre elas. produto na Amazon e o site
portamento equivalente ao A inteligência artificial tam- lhe recomenda outros itens dos
humano, esses sistemas são ca- bém nos ajudará a aperfeiçoar quais poderia gostar.
pazes de processar e manipular o flagelo da produtividade que No entanto, o surgimento
enormes quantidades de dados são as reuniões. Estas serão do diagrama de conhecimen-
em um ritmo que nosso cérebro gravadas, transcritas e arqui- to afetará a prática da gestão de
não alcança, e é aqui que está o vadas em um depósito de co- três maneiras fundamentais:
paralelo com a gestão [que vive nhecimento. A qualquer tempo
o mesmo desafio de ritmo]: nos que alguém em uma reunião se 1. Dashboards signifi-
próximos cinco anos, organi- habilitar a agir, a IA gravará e cativos. Hoje esses “painéis
zações de vanguarda aplicarão acompanhará esse compromis- de controle” – conjuntos de
IA especializada para cons- so e automaticamente conecta- informações que os executi-
truir um complexo e abrangen- rá a realização completa daque- vos acompanham e usam para
te “diagrama de conhecimen- la ação à reunião na qual ela se tomar decisões – são limitados
to corporativo”. originou. Parece improvável? a dados estruturados fáceis de
Assim como um gráfico social extrair e exportar de sistemas
(social graph) hoje mostra as rela- BENEFÍCIOS existentes, como receita, núme-
ções das pessoas em uma rede As tecnologias de IA para ro de downloads de aplicativos
social online, o diagrama de co- classificação, combinação de e dados de folha de pagamento.
nhecimento representará a in- padrões e sugestão de informa- Tais métricas têm valor, uma
terconexão de todos os dados e ções potencialmente relaciona- vez que ajudam os gestores a
comunicações na empresa. A IA das já são parte de nossa vida compreender o que aconteceu

edição 118 | 45
liderança e pessoas | artigo

a suas operações e a identificar destacar o que for mais interes- capaz de saber quem tomou a
pontos críticos para a solução sante, e isso será aprofundado decisão mais importante para a
dos problemas. pela inteligência humana para entrada em um novo mercado e
Porém os diagramas de co- chegar a conclusões e decidir quais pessoas de fato conduzi-
nhecimento gerados pela IA ex- ações. É a isso que Joi Ito, dire- ram ações para que isso aconte-
pandirão enormemente o esco- tor do MIT Media Lab, chama cesse. Se a gestão de desempe-
po desses controles. Por exem- de “inteligência estendida” – nho fosse um filme, com a IA ela
plo, os gestores serão capazes tratar a inteligência como um se tornaria menos O Gladiador e
de avaliar a análise de senti- fenômeno de rede, usando a IA mais Moneyball – O Homem que
mento da comunicação interna para melhorar, em vez de subs- Mudou o Jogo.
(ou “mining de opiniões”), a fim tituir, a inteligência humana. Mesmo que o diagrama de
de identificar os assuntos que conhecimento reduza o papel
são mais discutidos, os riscos 2. Gestão de desempe- da adivinhação e da intuição,
que estão sendo considerados e nho baseada em dados. o humano ainda estará no co-
onde as pessoas planejam inves- Os atuais processos de gestão mando, exercitando a toma-
tir seus recursos-chave (seja de de desempenho são terrivel- da de decisão bem informada,
capital ou de atenção). mente obsoletos. Um estudo baseada em dados melhores.
Os dashboards baseados em da consultoria Deloitte levan- A consequência será a aloca-
IA oferecerão inteligência pre- tou que apenas 8% das organi- ção mais eficiente de capital
ditiva que proporcionará um zações acreditam que seu pro- humano, conforme mais pes-
nível totalmente novo de co- cesso de avaliação anual valha soas forem encaixadas em pro-
nhecimento sobre a tomada de a pena. Uma das maiores ra- jetos adequados a seus pontos
decisões da gestão. Os compu- zões para essa insatisfação é a fortes e os talentos de destaque
tadores não decidirão por nós, falta de dados para balizar a forem designados a projetos de
mas poderão peneirar quanti- gestão de desempenho objeti- mais alto nível.
dades enormes de dados para va. Para gerir a performance, é
preciso ser capaz de medi-la e, 3. Intensificação da mo-
na maioria das empresas, isso é bilidade dos talentos. À
simplesmente impossível. medida que aperfeiçoarem a
Líderes seniores têm de ser alocação de capital humano,
avaliados com base nos resulta- as organizações precisarão
dos gerais da companhia e, em- fazer um melhor trabalho de
bora certas funções, como ven- apoio à intensa mobilidade de
das, tenham métricas objetivas talentos, tanto dentro como
e quantitativas de desempenho, fora de suas fronteiras. Na era
quase todas as áreas baseiam-se das conexões em rede, os talen-
em critérios e análises subjeti- tos tenderão a fluir na direção
vos. Na falta de dados, a políti- de seu nível de uso mais alto.
ca interna e o viés inconsciente Os acordos de “trabalho por
costumam ter grande influên- missão” [veja quadro na página
cia, resultando em um proces- ao lado] beneficiarão tanto a
so viciado e impreciso. empresa como o colaborador,
O diagrama de conheci- mas as pessoas não são apare-
mento permitirá aos ges- lhos que você liga e usa; preci-
tores identificar aqueles sam de tempo para tornar-se
que realmente contri- produtivas em um novo papel,
buem para os resultados em grande parte porque leva
dos negócios. Você será tempo construir as conexões

46 | edição 118
O TRABALHO POR MISSÃO, UMA NOVA PROPOSTA
O trabalho por missão (tour of duty, em inglês) é um ficar claro que mais de um trabalho por missão pode ser
compromisso ético entre empresa e colaborador por assumido por um profissional no mesmo intervalo de tempo.
tempo determinado. Segundo Reid Hoffman, cofundador No livro The Alliance, Hoffman e os coautores Bem
do LinkedIn, esse tipo de acordo gera confiança, na Casnosha e Chris Yeh explicam que o trabalho por missão
medida em que leva as duas partes a serem sinceras sobre faz com que a relação entre a companhia e seu colaborador
seus objetivos e expectativas de tempo de dedicação. se aprofunde aos poucos, com base em reciprocidade.
Situado em algum lugar entre o emprego convencional Para quem acredita que esse tipo de acordo só serve
e o job de free-lancers, o trabalho por missão pode ser para facilitar a demissão de funcionários, Hoffman chama
combinado para um período de quatro ou cinco anos, a atenção para um paradoxo: entender que pode perder
por exemplo, viabilizando uma perspectiva de mais longo as pessoas talvez faça a empresa querer construir um
prazo. Depois, nova aliança poderá ser – ou não – selada, relacionamento melhor com elas, que as convença a
dependendo da vontade das partes. Além disso, deve ficar. “Esse é o segredo do trabalho por missão.”

necessárias em uma nova rede. sor investia tempo. Como essa É precisamente por isso que
O diagrama de conheci- alocação evoluiu ao longo dos eu e amigos como Sam Alt-
mento tornará o início e a últimos 12 meses?”). Sistemas man, Elon Musk, Peter Thiel
orientação em uma nova fun- de IA pedirão aos colaborado- e Jessica Livingston estamos
ção mais rápidos e efetivos. Já res que estejam de saída, inclu- apoiando o projeto conhecido
no primeiro dia de trabalho, sive, que anotem os principais como “OpenAI”, que promo-
o colaborador será capaz de documentos a serem transmi- ve a IA aberta, sem as pressões
conhecer o diagrama e com- tidos a seus sucessores. impostas pela necessidade de
preender não apenas sua des- Ou seja, o conhecimento tá- gerar retorno financeiro. O
crição de cargo, mas também cito que tipicamente leva se- objetivo é maximizar a possi-
os principais pontos de cone- manas ou meses para ser assi- bilidade de desenvolver uma
xão com que terá de trabalhar. milado no ambiente de traba- IA que ajude a humanidade,
Em vez de simplesmente re- lho atual terá sido capturado e em vez de ameaçá-la.
ceber uma pilha de arquivos e processado com antecedência, A inteligência artificial já
ser apresentado aos colegas, o de maneira que, nas primeiras chegou – e veio para ficar.
recém-chegado terá acesso a horas de uma pessoa nova na Alavancar a IA especializa-
uma “IA de integração”, que função, ela será capaz de apli- da para aumentar a inteligên-
responderá a perguntas como car esse conhecimento. cia humana em áreas como a
“Com quem preciso interagir gestão organizacional é uma
na nova dinâmica de traba- OS PERIGOS forma pela qual poderemos
lho?”, “Quais foram as reuniões Por todos esses possíveis progredir na direção de um
em que isso foi discutido?”, benefícios, algumas pessoas mundo em que a IA enrique-
“Quando será a próxima reu- muito inteligentes estão preo- ça nosso futuro.
nião de acompanhamento?”. cupadas com os potenciais pe-
A IA de integração também rigos da IA, sejam eles ligados
hsm management
permitirá ao novato pergun- à criação de desemprego ou
© MIT Sloan Management Review
tar como as coisas eram fei- a conflitos reais, como os de- Reproduzido com autorização. Distribuído
tas (“Mostre-me uma nuvem correntes da aplicação da IA por Tribune Media Services International.
Todos os direitos reservados.
de tags em que meu predeces- a sistemas de armamentos.

edição 118 | 47
liderança e pessoas | entrevista

O manual do
SUPERCHEFE
Após dez anos de pesquisas, o especialista Sydney Finkelstein, de Dartmouth, crê ter
descoberto o modelo ideal de liderança para desenvolver novos líderes; este pode alavancar
a política de talentos de sua empresa | por JOHN G. MAXWELL e ART KLEINER

O O que o ex-treinador do time de


futebol americano San Francisco
49ers, Bill Walsh, falecido em 2007,
pode ter em comum com o magna-
ta da moda Ralph Lauren? Segun-
do Sydney Finkelstein, professor de
gestão da Tuck School of Business,
do Dartmouth College, nos EUA,
lista, que inclui Alice Waters, funda-
dora do lendário restaurante Chez
Panisse, na Califórnia, no qual mui-
tos chefs renomados iniciaram a car-
reira, Lorne Michaels, produtor do
programa Saturday Night Live, da TV
norte-americana, que se tornou uma
plataforma de talentos, e o cofunda-
e membro do ranking Thinkers50, dor da Intel Robert Noyce, que foi
Vale a leitura porque...
ambos são “superchefes” – líderes mentor de muitos empreendedores
... as empresas sentem que ajudam os subordinados a rea- do Vale do Silício.
necessidade de desenvolver lizar seu potencial de liderança. Finkelstein pôde, então, identificar
maior número de lideranças A capacidade de atrair e desenvol- pontos comuns e classificou os estilos
para enfrentar os desafios ver pessoas especiais é requisito fun- de liderança dos superchefes em três
dos tempos atuais. damental para qualquer organiza- tipos, segundo suas personalidades:
ção, e em seu novo livro, Superbosses: • “Chatos gloriosos”, que fazem tudo
... desenvolver líderes requer How Exceptional Leaders Master the Flow para vencer e, com isso, elevam as
uma nova abordagem para os
of Talent, Finkelstein explora por que perspectivas para aqueles que traba-
modelos de competência e
alguns indivíduos parecem ter apti- lham com eles.
para os modos de identificar e
dão especial para isso. • “Cuidadores”, que lideram como
criar talentos de alto potencial.
Na verdade, a “superchefia” não mentores, prestando muita atenção
tem a ver com aptidão; é resultado a seus subordinados diretos e guian-
natural de práticas habituais no tra- do-os por carreiras mais duradouras.
balho. Ao longo de dez anos, Finkels- • “Iconoclastas”, que lideram pelo
tein entrevistou centenas de pessoas exemplo e são os mais frequentes
John G. Maxwell sobre os chefes que mudaram suas nos negócios criativos.
é líder global de varejo e consumidor da vidas – promovendo avanços nas De acordo com o livro, cada
PwC, e Art Kleiner, editor-chefe
da revista strategy+business. carreiras alheias – e chegou a uma uma dessas personalidades tem

48 | edição 118
SAIBA MAIS SOBRE
SYDNEY
FINKELSTEIN

Quem é: Integrante do
ranking Thinkers50, dos
mais influentes pensadores
da gestão mundial, é
professor de gestão da
Tuck School of Business,
do Dartmouth College.
Livros: Superbosses: How
Exceptional Leaders Master
the Flow of Talent e Por que
Executivos Inteligentes Falham.

um jeito próprio de orientar


as pessoas e de se relacionar
EYAL IZHAR
com elas, mas todas podem
fomentar talento em bases
contínuas. Quem conseguir
reproduzir suas capacida-
POR QUE EU GOSTARIA DE TER UM des tenderá a criar um novo
padrão de gestão de talentos
por Sydney Finkelstein em sua organização.
Nesta entrevista, o estudioso
Eu gostaria de ter um superchefe. Esse tipo de personalidade cria um
aborda como desenvolver em-
mundo no qual cada gestor individual tem uma oportunidade gigantesca de
presas cheias de superchefes.
fazer a diferença. As pessoas que entrevistei vibram ao falar sobre como
é energizante trabalhar para um superchefe, quantas oportunidades e
Em seu livro, o sr. destaca três
desafios lhes são oferecidos e quanto conquistam. Pessoalmente, eu amaria tipos de superchefes. O que
a criatividade e o ambiente aberto que um superchefe torna viáveis. eles têm em comum é uma
O benefício de se reportar a um superchefe fica particularmente evidente conexão especialmente forte
quando as pessoas se tornam elas mesmas chefes. Essa é uma fase na com o trabalho?
qual muitos desistem, pois problemas não param de surgir – entre eles, a Sim, a semelhança é essa. E
microgestão, que leva a pessoa a assumir o trabalho de um subordinado por as diferenças estão mais no tipo
saber fazer melhor do que ele; habilidades de relacionamento interpessoal de motivação que têm.
insuficientes; falta de compreensão sobre o que um gestor eficaz deve Por exemplo, os cuidadores
fazer. Nessas condições, quem contou com um superchefe terá vivido mais se importam com o desenvol-
experiências com a gestão eficaz e tenderá a se sair melhor como líder. vimento das pessoas e pensam
Minha sugestão para todas as empresas é que, quando forem identificar sobre o próprio legado.
seus high potentials, incluam alguns elementos de superchefe nessa seleção. Há Já os iconoclastas não pen-
uma necessidade real de conceber um conceito melhor de competência de sam muito nisso, mas organi-
liderança, e acredito que o modelo superchefe, inserido no recrutamento e camente atraem pessoas in-
no desenvolvimento de talentos, pode ser especialmente útil nesse aspecto. teressantes e ambiciosas que

edição 118 | 49
liderança e pessoas | entrevista

querem aprender deles e com sejam próximos, colaborativos nando. Dispensam os benefícios
eles. Esses chefes gostam de ter e apoiadores uns dos outros e, de serem executivos e continua-
gente talentosa por perto, por- ao mesmo tempo, estimular mente circulam por suas orga-
que isso faz com que seu traba- a competição acirrada entre nizações, buscando pessoas que
lho tenha resultados melhores. eles. Esses chefes são abertos a possam assumir mais responsa-
Desenvolver talentos acaba mudanças, desejam quebrar as bilidades – e as delegam a elas.
sendo um efeito colateral. regras do setor. Se alguém da Estão fazendo networking o tempo
Por sua vez, os superchefes equipe faz uma boa sugestão, todo, especialmente com quem
do terceiro tipo, os chatos glo- eles a consideram de verdade e se mudou para outras empresas.
riosos, geralmente não se im- podem levá-la adiante.
portam nem um pouco com o Adotam, ainda, um modelo Consegue-se escalar tais
desenvolvimento dos outros. de treinamento pelo qual os co- ideias? Os hábitos dos su-
No entanto, são loucos por laboradores mais novos têm con- perchefes podem ser insti-
vencer e sabem que precisam tato próximo com o modo como tucionalizados?
das melhores pessoas para eles – ou outros líderes do grupo Acho que sim. Da mesma
fazer isso. Eles fazem o que for – trabalham. Estão sempre ensi- forma como países frios cul-
preciso para vencer.
Assim, a razão para ser um
superchefe varia significativa-
mente entre os três tipos, mas
todos fazem mais ou menos as
mesmas coisas.

E que coisas são essas?


No livro, eu descrevo o que
fazem como o “manual do su-
perchefe”. Inclui um recruta-
mento intenso e idiossincráti-
co e também a procura de pes-
soas que “captam as coisas”,
que são tão habilidosas ou in-
teligentes que podem ensinar
algo ao chefe, em vez de serem
indivíduos que se encaixa-
riam nos quesitos formais de
um cargo. Os superchefes se
arriscam mais com as pessoas
e toleram mais rotatividade se
isso significar encontrar os co-
laboradores certos. Inspiram
os outros com altas aspirações
e esperam deles e de si mesmos
a excelência.
Os superchefes também
criam espaços seguros para as
pessoas testarem suas ideias
e até para fracassarem. Para
tanto, têm de desenvolver
equipes com membros que

50 | edição 118
tivam palmeiras tropicais em E lembre-se de definir in-
uma estufa, é possível multipli- centivos que reconheçam os
car essas práticas criando um superchefes. Por exemplo, se
ambiente de negócios que seja SUPERCHEFES ESTÃO as recompensas forem direcio-
especialmente propício a elas. nadas apenas por desempenho
SEMPRE ENSINANDO financeiro, torna-se mais difí-
Há um processo para institu- E BUSCANDO cil para alguns líderes aplicar
cionalizar esses hábitos? técnicas de superchefe.
Sim. O primeiro passo é PESSOAS ÀS QUAIS Se você fizer tudo isso, abri-
identificar em que ponto POSSAM DELEGAR rá a porta de sua companhia
você está hoje e se seus ges- para receber um impacto
tores ou líderes já são super-
RESPONSABILIDADES maior do que o provocado
chefes. Procure pessoas fortes pela orientação individual.
e capazes e pergunte a elas Agora, não deixe de prestar
quem na organização as aju- atenção aos critérios utilizados
dou a construir suas carreiras para contratar pessoas e certifi-
ou com quem aprenderam. que-se de incluir fatores que os
KIRILL_MAKAROV/SHUTTERSTOCK.COM

Considere realizar uma ava- superchefes consideram espe-


liação mais formal das forças cialmente valiosos, como cria-
e fraquezas de seus gestores, tividade, mente aberta, flexibi-
usando atributos-chave do lidade e competitividade.
manual do superchefe.
Busque barreiras e catalisa- Qual a proporção ideal de su-
dores existentes não apenas perchefes em uma empresa?
em relação à mentoria, mas Não há um percentual má-
também ao envolvimento ximo. É claro que a empresa
forte com o trabalho, como o estará melhor se contar com
que tem um chato glorioso ou vários deles, em vez de poucos,
um iconoclasta. já que os superchefes extraem
Construa, então, uma coa- muito mais de suas equipes do
lizão de pessoas que sejam do que outros líderes, tanto em
tipo superchefe e faça com termos de desempenho como
que se conheçam e aprendam em inovação, criatividade e
umas com as outras. Desen- trabalho em equipe. Ou seja,
volva também um currícu- quanto mais superchefes hou-
lo que possa ser incorporado ver em uma empresa, mais for-
pela organização. tes serão suas equipes.

Você aplica quando...


... reconhece a necessidade de reavaliar os padrões atuais de liderança e
busca identificar o grau de “superchefia” na empresa, em você e em outros
gestores – perguntando às pessoas de sucesso com quem aprenderam.

... busca barreiras existentes à superchefia e as elimina, e, ao mesmo


tempo, fortalece os catalisadores – o que inclui formar uma coalizão de
pessoas do tipo superchefe para que aprendam umas com as outras.

edição 118 | 51
coluna • liderança e pessoas

USE “CUTUCÕES” NA AUTOR CONVIDADO:


Mestre em psicologia
experimental, Luciano

GESTÃO DE PESSOAS Lobato é CEO da


consultoria NudgesLab.
Atua desde 2003 na
Saiba como aplicar a arquitetura da escolha (nudging) – uma facilitação de mudanças
comportamentais por meio
combinação de ciência e design thinking – para aumentar a do design thinking.

produtividade e o comprometimento dos colaboradores

A
pesar de termos progredido o qual nos identificamos. Os positivos (é onde entra o design
imensamente aplicando experimentos da psicologia têm thinking). Exemplos de nudges?
as ciências aos desafios demonstrado a predominância do
do mundo material, ao tratar de sistema um sobre o sistema dois •P  ratos menores nas cantinas
problemas comportamentais e e a influência desproporcional que do Google – Reduziram o
sociais é como se estivéssemos o ambiente exerce sobre nosso desperdício de alimentos e
na idade das trevas. Há muito que comportamento. a obesidade.
as fórmulas utilizadas na gestão As práticas de gestão de pessoas •A  gradecimento da diretora em
de pessoas estão desalinhadas podem ser igualmente divididas em um call center – Os colaboradores
com o conhecimento científico, duas, na correspondência com os que o receberam realizaram 50%
sendo guiadas mais pelo senso sistemas mentais: são dirigidas à mais ligações na semana do que os
comum, pelas tradições ou cognição das pessoas (trabalhando que não foram expostos ao nudge.
por modismos e mostrando-se com o sistema dois delas, portanto) • Inscrição automática em planos
ineficazes ou prejudiciais quando ou focadas no contexto em que de aposentadoria – As empresas
(e se) avaliadas. No entanto, elas operam (atuando sobre o conseguiram aumentar a
problemas que envolvem o sistema um). Os meios de gestão participação de 49% para 86% dos
capital humano apresentam uma tradicionais sempre apostaram em colaboradores.
dinâmica contraintuitiva e, por isso, mudar a mentalidade (o sistema
exigem que avancemos além do dois) dos colaboradores. Só que, de Para arquitetar as escolhas, a
reducionismo para encontrarmos acordo com a concepção científica lógica é repensar, redesenhar e
respostas nas ciências e no atual, gerenciar pessoas de modo testar os programas de recursos
pensamento sistêmico. efetivo frequentemente é dar humanos. O trio “aplicação
As ciências atuais dividem cutucões (nudges) em seu sistema de insights comportamentais,
a mente em dois sistemas: um e um projetando seus ambientes experimentação e aprendizado
dois. O um é o caçador-coletor, físicos e sociais. contínuo” pelo RH equivale aos
que toma decisões rápida e É exatamente isso que propõe testes A/B realizados
intuitivamente, reagindo a fatores a arquitetura da escolha: moldar pelo marketing ou aos estudos
ambientais que podem ser o contexto no qual as pessoas clínicos randomizados a que a
importantes para sua sobrevivência, tomam decisões. Isso ocorre com medicina recorre. Assim, a
e o dois é o eu consciente, que o redesenho de ambientes para gestão fica mais eficaz e também
raciocina, racionaliza e com que influenciem comportamentos mais humana.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

ASSIM COMO O MARKETING USA OS TESTES A/B EM SITES


E OS MÉDICOS FAZEM ESTUDOS CLÍNICOS RANDOMIZADOS,
O RH RECORRE A NUDGES PARA SER MAIS EFICAZ E HUMANO

52 | edição 118
estratégia e execução | reportagem
inovação
empreendedorismo

Intraempreende
lições das pioneiras
Algumas empresas começam a encabeçar o
movimento no Brasil, entendendo que é preciso
ir além do discurso motivacional; é necessário
oferecer condições concretas para que a
inovação aconteça | por MAURÍCIO ANGELO

O
Vale a leitura porque...
... o intraempreendedorismo, ou O número de startups no Brasil como se estivessem em uma ga-
empreendedorismo corporativo, saltou de 2 mil para quase 15 mil ragem, sem abandonar as obri-
como costuma ser chamado, está nos últimos três anos, causando gações do dia a dia. O desafio é
sendo cada vez mais reconhecido forte dor de cabeça nos executivos dificílimo e não se resolve com
como uma necessidade e até das empresas estabelecidas. Eles recrutamento de gente de novo
uma vantagem competitiva. sabem que estão sob ameaça, por- perfil [leia a reportagem sobre origi-
... apesar disso, a maioria das que startups são muito ágeis para nalidade na página 80] nem com
empresas brasileiras ainda empreender e inovar e logo viram discurso motivacional. Seu
resiste à ideia de implantá-lo concorrentes perigosas nos pro- nome? Intraempreendedoris-
ou mostra ter dificuldades para dutos, nos serviços e nas pessoas. mo, ou empreendedorismo cor-
fazê-lo; esta reportagem traz A única reação possível para as porativo, a nova galinha dos
as soluções encontradas por companhias maduras é aprender ovos de ouro da gestão.
aquelas que estão chegando lá. a empreender e inovar tão roti- Já se sabe o que é preciso fazer
neiramente quanto uma startup. para promover o intraempreen-
Para isso, precisam selar parce- dedorismo. Como ensinam Filipe
rias com startups e/ou fazer com Pessoa, consultor de empreende-
que seus colaboradores se sintam dorismo do Cesar, hub de inova-

54 | edição 118
e dorismo:

NOMAD_SOUL/SHUTTERSTOCK.COM
ção situado em Recife, e Arthur nem conseguiu validar sua 6. E strutura adequa­
Garutti, executivo-chefe de ideia, e pode levar cinco ou da: fazer um “puxadi-
operações (COO) da acelera- dez anos para que o negó- nho” para abrigar a nova
dora Ace, os programas devem cio comece a dar frutos. ideia ou o novo negócio
ter uma cartilha mínima: 4. Metodologias de star­ em algum departamento
tup: uso de metodologias não funciona; no primei-
1. Financiamento de lon­ que sejam aplicadas a star- ro caso, deve-se criar um
go prazo: orçamento plu- tups em geral, como lean portfólio de investimen-
rianual para as atividades startup, design thinking, can- tos em ideias selecionadas
intraempreendedoras, de vas da proposta de valor e ligado à cúpula, como se
pelo menos cinco anos. outras; nada de optar pela fosse um portfólio de in-
2. Apoio de cima: patrocí- ferramenta-padrão adota- vestimentos em ações, e,
nio do CEO e da alta dire- da na firma. no estágio dos negócios, as
ção da organização. 5. Cultura de tolerância startups precisam ser apar-
3. E xpectativa de longo ao erro: a condição a ser tadas da empresa-mãe.
prazo: em seis meses, imposta é que todo erro 7. I ncentivo ao funcioná­
muitas vezes o colaborador precisa gerar aprendizado. rio: quem inova ou cria

edição 118 | 55
estratégia e execução | reportagem

um negócio tem de ser re-


compensado financeira-
mente, seja com prêmio
em dinheiro, com parti-
cipação nos resultados ou
com sociedade.

No entanto, mesmo com


esse conhecimento estando
acessível, o número de em-
presas que praticam intraem-
preendedorismo no Brasil
ainda é ínfimo, conforme os
especialistas. A raridade, para
Pessoa, não se deve exatamen-
te à resistência em dividir os
ganhos com os colaboradores,
mas ao fato de o modelo clás-
sico de intraempreendedoris- Acima, colaboradores
mo não ajudar os gestores a da Elektro discutem
um projeto deles; ao
entregar aquilo pelo que são lado, o lançamento da
cobrados: resultados de curto AlgarVentures, braço
de investimento do
prazo e riscos mitigados para Grupo Algar, que
vai investir também
manter a saúde financeira da em startups de
organização. funcionários – o
envolvimento de
Como o consultor do Cesar Clau Sganzerla,
pontua, as atividades intraem- vice-presidente
de estratégia e
preendedoras, especialmente inovação, comprova
o endosso da alta
as voltadas para a inovação, gestão à iniciativa
proveem o contrário – resul-
tados de longo prazo e incer-
tos. “Mesmo que haja alguma
atividade intraempreendedo-
ra em uma empresa, ela sem- Walter Ribeiro, coordena- cer os dilemas – entre curto e
pre será colocada em segundo dor do curso de administra- longo prazos, entre eficiência
plano”, avalia ele. ção da Universidade de Bra- e incerteza. HSM Manage­
Garutti concorda. Em sua sília (UnB) e diretor do Mac- ment investigou as práticas de
opinião, os gestores só que- kenzie DF, chama a atenção três e as compartilha a seguir.
rem se iludir ao falar para o para um problema de origem:
funcionário dedicar 20% de a centralização e a hesitação GRUPO ALGAR: SÓCIO
seu tempo a inovar. No fundo, em delegar tão comuns nas MAJORITÁRIO
sabem que as demandas de empresas brasileiras dificul- Com 20 mil funcionários
urgência atropelam o proces- tam mensurar o valor que um que atuam em telecomunica-
so e o fazem perder o timing e colaborador pode gerar. ções, agricultura, tecnologia
a paciência de que qualquer Algumas poucas compa- da informação, aviação, co-
empreendedor precisa para nhias parecem estar encon- municação, hotelaria e outros
tocar um produto novo e va- trando o próprio jeito de setores, o Grupo Algar acaba
lidá-lo no mercado. mudar essa prioridade e ven- de lançar a Algar Ventures,
braço de investimento em borador interno a possibilida- ciados” – como os funcionários
novos negócios. À primeira de de montar uma nova em- são chamados ali – já tinham a
vista, é apenas um meio para presa para o grupo. chance de intraempreender ao
dialogar com o ecossistema Segundo Clau Sganzerla, apresentar ideias anualmente
de startups, mas a novidade é vice-presidente de estratégia na Mostra de Inovação e re-
que vai abrir também ao cola- e inovação da Algar, os “asso- ceberem prêmios em dinheiro

3M: até a role model se mexe


Quando alguém pensa em incluem o patrocínio do Prêmio
empreendedorismo corporativo, Idea2Product, da FGV-EAESP, em que
o nome de empresa que primeiro colaboradores da empresa participam
vem à mente é 3M. Foi seu executivo também como juízes e mentores de
William McKnight que criou o que projetos de pesquisa das principais
poderia ser uma das máximas do universidades do País, e o apoio ao
intraempreendedorismo: “Contrate movimento 100 Open Startups, do
bons funcionários e deixe-os em Wenovate, organização criada por
paz”. E, desde a década de 1950, a investidores que conecta pessoas
3M deixa seus colaboradores em e grandes empresas em torno de
paz por pelo menos 15% do tempo, programas de inovação aberta. “Nesse
quando eles devem se dedicar a contexto, funcionários da 3M atuam
projetos próprios (os pet projects). como julgadores voluntários dos
No entanto, até mesmo a projetos e alguns chegam a participar
3M está atenta à renovação do de advisory boards ou a atuar como
empreendedorismo corporativo e coaches voluntários dessas startups ou
busca se aproximar do ecossistema de empresas associadas a organizações
de startups. Como conta Luiz como a Endeavor”, ressalta Serafim.
Eduardo Serafim, head de marketing, Além da inserção nesse ecossistema
e-business e insights da 3M Brasil, em e da regra dos 15%, a 3M promove
2013 a empresa selou parceria com também rodadas anuais de submissão
o Conselho de Secretários Estaduais de projetos de seus colaboradores a
para Assuntos de Ciência, Tecnologia fundos globais de fomento em duas
e Informação, passando a realizar categorias – desenvolvimento de novos
seleções de startups promissoras negócios e de novas tecnologias.
em diversos estados e promovendo O interessante é que não
trocas de conhecimento e Innovation há diferença entre as práticas
Days. “Entre eventos, palestras e intraempreendedoras na sede da
benchmarking, a 3M chega a conversar 3M, nos EUA, e nas subsidiárias. Os
com até 4 mil pessoas por ano”, enfatiza cerca de 3,8 mil funcionários da 3M
o executivo. É um convívio que areja brasileira, que tem cinco fábricas e No alto, Luiz Eduardo
Serafim, head de marketing,
e estimula o empreendedorismo. faturamento bruto anual de R$ 3,5 e-business e insights
Outras iniciativas que aproximam bilhões (2015), sentem-se igualmente da 3M Brasil; abaixo,
ambientes da empresa
os funcionários da 3M das startups estimulados a empreender e inovar. que convidam a inovar

edição 118 | 57
estratégia e execução | reportagem

ENEL: APOIO DE
ACELERADORA
Assim como a Algar, a multi-
nacional de energia e gás Enel
investe em intraempreende-
dorismo em sua subsidiária
brasileira, por meio de três di-
ferentes programas. Atuante
Filipe Pessoa, no País no campo de geração
consultor do
hub de inovação renovável e armazenamento
Cesar, de Recife,
vê o principal de energia, redes inteligentes
entrave na e mobilidade elétrica, ela tem
cultura de
resultados de a iniciativa Inspire Empreen-
curto prazo dedores, em que os funcioná-
rios apresentam novos mode-
los de negócio para a empre-
sa e, se aprovados, passam a
por elas – muitas foram incor- no capital, seja pela maior in- se dedicar integralmente ao
poradas às operações internas. teração com o mundo exterior desenvolvimento do projeto.
“Na Ventures, dependendo do – por meio de contato mais Assim, tornam-se empreen-
nível de disrupção, o associado próximo com a academia, Arthur Garutti, dedores e têm suas ideias ace-
executivo-chefe
tem a oportunidade de se tor- com centros de pesquisa, com de operações leradas por um período de até
nar um empreendedor efetiva- aceleradoras e com startups. da Ace, diz que 18 meses em um espaço exter-
a aceleração
mente, dono de uma startup “Percebemos que não conse- corporativa é no de coworking, o que possi-
com financiamento da Algar.” guimos fazer tudo sozinhos”, uma ponte para bilita a troca de experiências
empreender
Não foi à toa que o grupo explica Sganzerla. mais rápido com outros empreendedores.
mudou a prioridade. Nos O modelo de corporate ventu-
15 anos da mostra (que será re capital não será tradicional,
mantida), as 960 sugestões com investimentos por parti-
dos colaboradores foram cipação. A Ventures investirá
implementadas e trouxe- em outros fundos, inicialmen-
ram um retorno de R$ 400 te em uma fatia minoritária,
milhões, ante um investi- e o valor total do investimen-
mento de R$ 90 milhões – to ficará em torno de 5% do
a taxa é superior a um para lucro líquido anual do Grupo
quatro. Só em 2016 já houve Algar, que, em 2015, foi de
55 projetos de funcioná- R$ 200 milhões.
rios aprovados e 35 pro- O “detalhe” que pode fazer
tótipos, com investimen- a iniciativa atrair muitos em-
to de R$ 14 milhões e ex- preendedores internos é o per-
pectativa de retorno de centual do funcionário na star-
R$ 50 milhões em 12 meses. tup criada: ele será majoritário.
A Algar Ventures, portan- Pelo envolvimento de um vi-
to, tende a ser um ótimo ne- ce-presidente como Sganzerla
gócio, porque estimula ainda nas iniciativas de intraem-
mais um intraempreendedo- preendedorismo, ainda fica
rismo já existente, seja pela evidente na Algar o apoio ex-
possibilidade de participação plícito da alta gestão.

58 | edição 118
“Temos resultados muito po- que promove parceria e fo-
sitivos nessa iniciativa: foram mento a startups e inclui uma
sugeridas 64 ideias inicialmen- aceleradora própria, a Energy
te, e elas se transformaram em Star, para empreendimentos
oito propostas após organiza- em estágio mais avançado na
ção dos colaboradores em gru- área de energia, lidando, por
pos maiores. Selecionamos exemplo, com o negócio da
três projetos, e eles estão sendo LÍDERES DA ELEKTRO TÊM geração de ener­g ia solar. Os
acelerados pela Ace em um DE PROPOR SOLUÇÕES funcionários intraempreen-
ambiente de coworking em Nite- dedores são inspirados não só
rói”, conta o country manager da PARA PROBLEMAS DE pela existência da acelerado-
empresa, Carlo Zorzoli. OUTRAS ÁREAS ra, como pela possibilidade de
A ideia é que, comprovado eles mesmos a usarem.
o potencial dos projetos no fim Outro aspecto do jeito Enel
de promover o intraempreen-
dedorismo é o encorajamento
da aceleração, a Enel o integre aos colaboradores, em qual-
a sua carteira e o funcionário quer programa, para utiliza-
Ao lado, Carlo criador do projeto comande rem metodologias adequa-
Zorzoli, country
manager da a nova unidade e receba uma das, como lean startup, design
Enel, que tem participação nos resultados do thinking, customer development
três programas
para promover negócio. A empresa já está cap- model, canvas de modelo de ne-
empreendedores tando projetos para a segunda gócio, canvas de proposta de
entre seu
pessoal; abaixo, edição do programa. valor ou qualquer outra que
funcionários
discutem um A segunda iniciativa da Enel julgarem válida e necessária.
projeto se chama Inspire (sem comple- Isso tudo é levado em conta
mentos) e nela todos os cola- na hora da avaliação anual,
boradores são incentivados inclusive, uma vez que o fun-
a buscar novas soluções para cionário inovador ganha ava-
desafios do dia a dia, a satisfa- liações melhores e tem maior
ção do cliente, a segurança ou chance de ser promovido.
a eficiência operacional. No Se vale correr o risco? “Sabe-
programa, clientes e fornece- mos que é desafiador conciliar a
dores também são envolvidos atitude inovadora com a neces-
no desenvolvimento de práti- sidade de resultados de curto
cas inovadoras, o que garante prazo e o risco dos empreendi-
eficiência em toda a cadeia. mentos, mas também sabemos
“Por meio do programa Ins- que só teremos uma cultura de
pire, desenvolvemos em nossos inovação como parte de nosso
colaboradores o senso de ‘donos DNA se enaltecermos os cola-
do negócio’, e os resultados mos- boradores que demonstram co-
tram isso: já tivemos a partici- ragem de desafiar o status quo e
pação de mais de 600 pessoas proatividade”, afirma Zorzoli.
criando 175 projetos que leva-
ram a uma economia de cerca ELEKTRO: PROJETOS
de R$ 100 milhões”, diz Zorzoli. E LABORATÓRIO
A terceira iniciativa é o Pro- A Elektro, distribuidora de
grama de Inovação Inspire, energia que atua principal-

edição 118 | 59
estratégia e execução | reportagem

grama que buscará aproxi-


mar colaboradores e startups
que, futuramente, poderão
prover serviços e produtos
para a Elektro.
“Com esse modelo de em-
preendedorismo, queremos
aumentar significativamente
nossa capacidade de estimular
a inovação”, conta Xavier de
Sá. Vale ressaltar que os fun-
cionários são premiados por
suas iniciativas e estas também
os distinguem nas avaliações
de desempenho. Quanto à cú-
O ambiente da startup costuma ser pula, a da Elektro diz enfatizar
emulado em empresas com programas
de intraempreendedorismo continuamente a bandeira do
(nesta foto, na Enel) intraempreendedorismo.

UMA PONTE
mente no interior paulista, O dia a dia da organização,
organizou-se para adentrar em que a eficiência é mandató-
uma fase de intraempreende- ria, constitui um mundo bem
dorismo mais avançado, que diferente desse do empreen-
começa com o compromisso dedorismo e inovação. Para
de dar autonomia e liberdade haver intraempreendedoris-
totais para que as pessoas bus- mo, é preciso construir uma
quem novas soluções. ponte entre os dois mundos.
Entre as iniciativas, os líde- Esse papel cabe, em geral,
res recebem projetos para re- ao CEO, mas aceleradoras
solver problemas relacionados externas, como a Ace, podem
com áreas diferentes das suas, ajudar a desempenhá-lo. A
a fim de terem um olhar diver- uma etapa de colaboração co- Walter Ribeiro, ponte, garante Garutti, costu-
so para as questões da empre- letiva para ampliar e melho- professor ma trazer ganhos para ambos
da UnB, para
sa. Os colaboradores, por sua rar a solução e uma fase final quem a cultura os lados, porém ela não será
do erro zero
vez, contam com um laborató- de prototipagem. A intenção mata qualquer construída se não houver um
rio de inovação, em que par- é permitir que o funcionário iniciativa processo de sensibilização e
empreendedora
ticipantes de departamentos empreenda desde o começo, “evangelização”, palavra tí-
e perfis distintos se reúnem idealizando e depois implan- pica do meio.
para, criativamente, solucio- tando a solução. A sensibilização começa
nar algum problema ou apro- “Já construímos uma solu- quando as companhias perce-
veitar alguma oportunidade. ção inovadora para atendi- bem o que está acontecendo.
No “lab”, como é conhecido, mento ao cliente em apenas “Contamos para as empre-
são feitas rodadas de inovação três meses”, conta Luiz Flavio sas tradicionais que mesmo
de curta duração, organiza- Xavier de Sá, executivo de pro- as mais jovens e com modelos
das em quatro fases: enten- jetos estratégicos da Elektro. de negócio recentes já estão
dendo o problema/oportu- Para ir além, a empresa está preocupadas em desenvolver
nidade, sessões de ideação, estruturando um novo pro- novas linhas de receita por

60 | edição 118
estratégia e execução | reportagem

causa da velocidade da econo-


mia e isso faz soar o alarme;
elas veem que podem estar
muito atrás”, diz Garutti.
A evangelização é o que fará
a companhia sair do modus ope-
randi do dia a dia para dar au-
tonomia total e apoio a seu pes- Luiz Flavio
soal, a fim de que questione os Xavier de Sá,
executivo
processos estabelecidos e olhe de projetos
de maneira diferente para os estratégicos
da Elektro,
problemas. “É preciso dar re- que destaca
o laboratório
ferências para que o colabora- de inovação
dor suje as mãos, para que ar- feito com os
colaboradores
risque”, lembra Garutti. A alta
direção da empresa tem de dar
as referências, mas interferir o
mínimo possível. Esse apoio dedoras, e intraempreender positivamente toda a cadeia
equivale a uma mentoria. também depende de as em- de gestão, como é necessário.
Uma vez convencidas do presas conseguirem focar as Quem talvez vença mais rá-
que precisam fazer, as orga- dores do consumidor. O que pido os inimigos são as médias
nizações podem optar por acontece primeiro? É tudo e pequenas empresas, que, se-
reduzir o gap de empreende- simultâneo. gundo o professor da UnB,
dorismo com a ponte da ace- Pelo menos quatro inimi- tendem a ser um laboratório
leração corporativa, similar gos, contudo, têm de ser obri- muito bom para desenvolver o
à aceleração feita para star- gatoriamente vencidos para empreendedorismo corporati-
tups, porém adaptada a pro- que o intraempreendedoris- vo, se montarem o time certo.
jetos intraempreendedores de mo floresça: a cultura de erro O intraempreendedorismo
companhias estabelecidas. zero, a impaciência em rela- ainda é mais exceção do que
Estudos internos da Ace su- ção a custo, a não disposição regra, mas isso pode mudar rá-
gerem que um processo de de dividir os ganhos e a aliena- pido, à medida que mais ges-
aceleração corporativa pode ção do CEO. tores enxergarem nele a nova
ser até quatro vezes mais rá- Como lembra Walter Ribei- galinha dos ovos de ouro.
pido quando comparado com ro, “a expectativa de erro zero
o tempo que uma grande em- mata o espírito empreendedor
presa geralmente leva para va- em qualquer organização”. Você aplica quando...
lidar ideias por conta própria. Ele também diz que “só é caro ... cria programas ambiciosos
o que não dá nenhum retorno para promover o
POR ONDE COMEÇAR e, com o conhecimento ade- intraempreendedorismo,
A grande lição que as com- quado, o retorno é garantido”. sensibilizando toda a
panhias estabelecidas estão Compartilhar resultados e organização para o tema.
aprendendo com as startups participação é essencial para ... vence os quatro principais
é concentrar-se em proble- estimular os funcionários a inimigos do empreendedorismo
mas de mercado reais. Elas mostrar a firmeza de propó- corporativo, usando a ajuda de
têm de trazer essa habilidade sito da companhia. E a visão uma aceleradora externa se for
para dentro de casa. A arma- de liberdade empreendedora preciso: cultura de erro zero,
dilha é que esse foco depende tem de partir realmente do rejeição ao custo, divisão de
de atividades intraempreen- CEO ou não contaminará ganhos e alienação do CEO.

62 | edição 118
coluna • estratégia e execução

INTRAEMPREENDEDORISMO, AUTOR CONVIDADO:


Sandro Magaldi

UMA VANTAGEM COMPETITIVA


é CEO do meuSucesso.com,
escola de empreendedorismo
e insights. Ex-professor da
ESPM, é autor do livro
Em vez de fazerem parceria fora, é hora de as empresas consolidadas Vendas 3.0 e coautor de
Movidos por Ideias.
deixarem seus funcionários empreender, tornando-os sócios

N
os últimos cinco anos, o cadeias de valor. No entanto, muitas poderosa, mitigando o risco que
Brasil felizmente descobriu o a reduzem a uma visão apenas toda empresa naturalmente corre
empreendedorismo, motor comportamental – colaboradores ao investir em negócios com
tão fundamental à economia de um que sejam proativos na solução de empreendedores que não dominam
país, mas o conceito ainda costuma problemas, não importando em aquela área de atuação. E, de quebra,
ser restrito aos fundadores de que nível hierárquico estejam – e isso tende a reduzir a perda de
empresas. O empreendedorismo de outras tantas buscam isso fora de talentos na organização e criar a
funcionários de companhias existentes suas fronteiras, em parcerias com cultura inovadora tão almejada.
continua a ser visto por muitos startups. Resultados: um número O futuro empreendedor, por
como apenas mais um modismo, algo expressivo de funcionários ávidos seu turno, também sairá ganhando:
desnecessário ou inviável na prática. por empreender acaba se desligando diminuirá seu risco de insucesso ao
Será que é assim mesmo? das organizações e os talentos contar com os recursos financeiros
O primeiro pensador da gestão jovens nem entram ali. da empresa, com sua estrutura e
a estudar o fenômeno foi Gifford O que aconteceria se as empresas com maior facilidade na conquista
Pinchot III, que introduziu o criassem condições para que dos primeiros clientes – algo que
conceito no livro Intrapreneurship, seus colaboradores propusessem costuma ser difícil para uma startup.
em 1985. Segundo sua definição, é novos modelos de negócio que O intraempreendedorismo é
intraempreendedor quem trabalha tivessem relação com sua visão de uma oportunidade que não deveria
dentro de uma organização futuro? O fomento não poderia ser negligenciada por nenhuma
desenvolvendo inovações. Seu estar relacionado apenas com o empresa que busca competitividade
estudo sobre centenas de inovações incentivo ao comportamento, mas e sustentabilidade. Se contar
corporativas nos Estados Unidos com estímulos à criação de novas com o apoio da alta cúpula e
revelou que, em todos os casos empresas pelos funcionários, como for monitorado como uma das
bem-sucedidos, o projeto era recursos financeiros e expertise de prioridades da gestão, provará
liderado por “intraempreendedores”. apoio, convertendo-os em sócios. que não é só “mais um modismo
No Brasil, o primeiro a levantar Acredito que alinhar o vasto passageiro”, e sim um aliado
o assunto foi o saudoso Eduardo conhecimento do colaborador sobre estratégico na busca da diferenciação
Bom Angelo, ele mesmo um as peculiaridades da companhia, de e vantagem competitiva.
intraempreendedor de primeira um lado, com sua ambição de ter um
grandeza, que, em 2003, lançou o negócio próprio, de outro, é algo que * Leia mais sobre
livro Empreendedor Corporativo. pode gerar uma dinâmica realmente intraempreendedorismo na página 54.
Trinta e um anos depois
de Pinchot e treze depois de
Bom Angelo, hoje as empresas ALINHAR O CONHECIMENTO DO COLABORADOR
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

começam a sentir necessidade


de uma cultura empreendedora
SOBRE A EMPRESA, DE UM LADO, COM SUA AMBIÇÃO
ante a velocidade das mudanças DE TER UM NEGÓCIO PRÓPRIO, DE OUTRO, PODE
tecnológicas, que desestrutura as GERAR UMA DINÂMICA REALMENTE PODEROSA

edição 116 | 63
estratégia e execução | reportagem
inovação
empreendedorismo

OKR, a técnica de
gestão do Vale do Silício
Mantendo o nome em inglês (pronuncia-se “ouquiar”), a ferramenta preferida do
Google começa a ganhar força no Brasil; colaborativa e escalável, diferencia-se por sua
flexibilidade e por priorizar o resultado final | por EMANUEL NEVES e RICARDO LACERDA

Vale a leitura porque...


... o OKR (sigla em inglês de
objetivos e resultados-chave)
é provavelmente a metodologia
gerencial mais utilizada pelas
E
Em algum lugar de Palo Alto, na
Califórnia, Larry Page e Sergey
Bring sentam-se ao redor de uma
mesa de pingue-pongue. O ano é
1999, e eles comandam uma pro-
missora startup de tecnologia, idea-
lizada meses antes, quando fre-
quentavam o curso de ciência da
múltiplas cadências de checagem e
coloca o foco nas metas e, sobretu-
do, nos resultados.
Na virada do milênio, o OKR
(sigla em inglês de objetivos e resul-
tados-chave) não era exatamente
uma novidade. Havia surgido na
década de 1970, quando a Intel
startups do Vale do Silício, computação da Stanford Univer- deixara de lado a fabricação de me-
por ser muito prática para sity. Um cinquentão de óculos ges- mórias de computador para entrar
equipes enxutas, e começa ticula do outro lado da mesa. Trata- no segmento de microprocessado-
a ser usada no Brasil.
-se de John Doerr, representante do res. O CEO da empresa, Andrew
... a abordagem é cada vez fundo de investimento Kleiner Per- Grove, queria que cada funcioná-
mais aplicada por companhias kins Caufield & Byers, que resolve- rio se concentrasse no conjunto de
estabelecidas, por ser simples, ra apostar na ideia de negócio dos prioridades da companhia na tran-
por ativamente estimular a jovens. A missão? Organizar toda sição. E, para tanto, eles precisa-
orientação de baixo para cima a informação mundial e torná-la vam trabalhar em sinergia, conhe-
(diferentemente de métodos acessível a qualquer um. cendo suas metas e as dos colegas
como PDCA e Balanced Doerr está ali para falar de um para garantir um direcionamento
Scorecard) e por manter os método de gestão de processos mais produtivo dos esforços e para
colaboradores focados nos que pode ajudar os fundadores do cumprir o objetivo macro.
resultados da empresa.
Google a alcançar a meta estipula- A Intel avaliava o andamento
da. Na pauta, nada de estruturas da performance a cada trimestre,
estanques de planejamento ou es- utilizando métricas de efetivida-
tratégias sisudas, típicas das em- de. Com base nesses parâmetros,
presas. O investidor apresenta um os objetivos atingidos eram subs-
framework maleável, transparente e tituídos por novos – ou poderiam
colaborativo. O modelo estimula a sofrer adaptações, dependendo
participação ativa das equipes na dos feedbacks e das mudanças no
definição de prioridades, permite ambiente de negócio.

64 | edição 118
Doerr, que fazia parte da
Intel, gostava tanto do OKR
que transformou a ferramenta
em um procedimento particu- lhando cada vez mais”, con-
lar de gestão, levando-o para firma Felipe Castro, coach de
as empresas que começavam OKR e sócio da Lean Perfor-
a experimentar o novo mundo mance, consultoria dedicada
da internet – e, claro, investiu a ensinar os segredos do OKR

SHUTTERSTOCK
em algumas delas, como Ama- aos gestores brasileiros. Por
zon e Google. Depois daquela aqui, a ferramenta já faz parte
reunião, os “Google guys” pas- da rotina de empresas como
saram a aplicar o OKR para Nubank, Somos Educação,
guiar as tarefas de sua enxuta ContaAzul e Moip. Aruba, os Oliveira precisarão
equipe. E o sistema não apenas Aliás, o método em si não economizar R$ 40 mil durante
deu certo, como ajudou o Goo- tem grandes mistérios. A pre- um ano. Eis um resultado-cha-
gle a se tornar o que é hoje, uma missa do OKR é ser simples e ve, plenamente mensurável.
potência com mais de 60 mil compreensível a todos os en- Aqui encontramos alguns
funcionários espalhados pelo volvidos. O próprio midas John itens das cartilhas de OKR. A
mundo – todos eles usando e Doerr costuma resumi-lo na se- meta principal deve ser insti-
abusando do OKR. guinte equação: “Eu vou fazer tuída pela direção da empresa,
A evolução da empresa de- (O) medido por (conjunto de demandando um período re-
monstra a flexibilidade da téc- KRs)”. Isto é: define-se o obje- lativamente longo – em geral,
nica. Uma das principais ca- tivo e estipula-se um conjunto um ano. Essa definição tam-
racterísticas do sistema é ser de resultados-chave para che- bém tem caráter qualitativo e
escalável e adequar-se a dife- car se ele está sendo atingido. precisa trazer um forte elemen-
rentes dimensões de cada ne- to motivacional.
gócio. Essa possibilidade de va- DEFINA O OBJETIVO A partir daí, a organização
riações agrada à dinâmica das Quer um exemplo prático? alinha os diferentes setores a
empresas de base tecnológica, Imagine que a família Olivei- essa diretriz estratégica. Cada
sobretudo. Além do Google, ra, composta por quatro pes- área da empresa ganha liber-
diversos outros players do setor, soas, resolve curtir férias pa- dade para desenhar as próprias
como LinkedIn, Twitter, Spo- radisíacas no próximo verão. metas, desde que elas respei-
tify, Dropbox, Skype e GoPro, Esse é o objetivo macro, anun- tem o objetivo macro. É a cha-
têm empregado o OKR como ciado pelos pais durante a ceia mada gestão bidirecional. Em
vetor de eficácia. de Ano-Novo. Os dois filhos es- sistemas tradicionais, como
“É o framework mais usado no colhem o destino: Caribe. Para Balanced Scorecard (BSC)
Vale do Silício e está se espa- se esbaldarem nas águas de ou PDCA, há predomínio da

edição 118 | 65
estratégia e execução | reportagem

algum tempo para engrenar.


No início de 2016, contudo,
todos os times já haviam imple-
mentado seus planejamentos
trimestrais em algum grau. Foi
quando a empresa contratou a
consultoria de Felipe Castro e,
detalhe, viu que errara a mão.
As planilhas de OKR do Vi-
vaReal estavam recheadas de
tarefas. “Caímos no erro clás-

DIVULGAÇÃO
sico de não fazer a gestão por
resultados”, lembra Renata Lo-
renz, VP de pessoas da empresa.
orientação top down – surgida André mais velho, por exemplo, resol- O sucesso do OKR está direta-
nos níveis mais altos da gestão e Krummenauer, ve passar menos tempo na fren- mente ligado ao impacto causa-
fundador
replicada em cascata até a base da Involves te do computador. Já a caçula do pelas ações. Por isso, as métri-
Tecnologia,
da estrutura. Já o OKR dilui a que ressalta o decide deixar de lado o secador cas têm uma atuação altamente
definição dos objetivos entre top impulso que o de cabelo nos dias de semana. relevante na aplicação dos pro-
OKR dá à cultura
down e bottom up, em uma rela- colaborativa A conta de luz será a checagem cessos. “O indicador justifica a
ção média de 40% e 60% para mensal e mostrará se o depar­ tarefa do funcionário. Sem isso,
cada um, respectivamente. Ou tamento está tendo êxito. não há como saber o motivo
seja, depende mais de quem Vale um adendo: navegar do trabalho”, explica Lorenz.
está embaixo do que de imposi- menos na internet ou restringir Guiadas pelos números, as equi-
ções vindas de cima. o uso do secador não são KRs, e pes passam a adotar posturas
Embora os percentuais não sim tarefas. O foco do framework mais lógicas e proativas. Decre-
precisem ser mantidos, a divi- não está nisso, mas no valor que ta-se, assim, o fim das atividades
são demonstra a ingerência da virá estampado na fatura. meramente protocolares.
equipe na definição dos rumos. Esse envolvimento dos cola-
“Decidimos de modo 99% co- MIRE NO RESULTADO boradores gera uma mudança
laborativo. O OKR não funcio- Confundir KRs com tare- de mindset em qualquer orga-
na de outra maneira”, afirma fas é um engano comum na nização. “A beleza do OKR é
André Krummenauer, funda- assimilação da abordagem de que as pessoas deixam de pen-
dor e gestor da Involves Tec- OKR. O portal imobiliário Vi- sar em tarefas e olham para
nologia, empresa catarinense vaReal passou por isso quando o resultado”, reforça Raquel
especializada em trade marketing. resolveu adotar a metodologia, Mota, gerente de desenvolvi-
No caso dos Oliveira, a famí- em 2015. A missão demorou mento organizacional da Lo-
lia entendeu a necessidade de caweb. A empresa de hospe-
cortar custos para realizar a via- dagem de sites implementa
gem, e o “setor” dos filhos abra- o OKR há praticamente um
çou a causa de zelar pela econo- CONFUNDIR KRS ano. Hoje, cerca de 25% dos
mia doméstica. Esse é o objetivo (RESULTADOS-CHAVE) funcionários estão envolvidos
do departamento, subordinado no processo, mas toda a equipe
à meta geral. Um dos KRs é re- COM TAREFAS É UM é informada do sistema por co-
duzir a conta de energia elétri- ENGANO COMUM municação interna. “Isso gera
ca residencial em 45%. Achar uma cultura de engajamento.
a melhor maneira de chegar NA ASSIMILAÇÃO DA Nas reuniões, as pessoas sem-
lá caberá aos meninos. O filho ABORDAGEM DE OKR pre perguntam qual o OKR

66 | edição 118
Google é a referência
dos colegas”, destaca Mota. ensinando o sistema aos cole-
Utilizado há 40 anos e pouco explorado Para garantir a disseminação gas e zelando pela atualização
na literatura de gestão, o OKR cresceu do conceito, a Locaweb conta dos resultados. Também cha-
no boca a boca do Vale do Silício e só com funcionários multiplica- mados de champions, os multi-
ganhou notoriedade porque uma palestra dores, também chamados de plicadores asseguram a efetivi-
“OKR masters”. dade da metodologia.
do Google caiu na rede em 2012
A cadência de avaliação
O maior segredo do OKR é ter ficado DEFINA E NÃO mais curta possibilitou que os
praticamente desconhecido até o início desta ESQUEÇA Oliveira enxergassem os gar-
década, ainda que funcionasse como catalisador No primeiro mês do “Projeto galos e revissem a estratégia.
dos resultados em algumas das empresas mais Aruba”, a conta de luz da fa- Essa abertura a diversos ciclos
influentes do mercado tecnológico.“É um tipo mília Oliveira subiu. Os gastos de análise é uma vantagem do
de segredo público. Ninguém escondeu, mas com gasolina também cresce- OKR. “O mundo pretende
também ninguém falava”, explica Felipe Castro, ram – embora devessem cair andar em velocidade de star-
da Lean Performance. A causa disso pode 50%. Afinal, os pais haviam tup. Então, faz todo sentido
estar no fato de o OKR não ter sido criação combinado de usar um dos car- rever como as metas são de-
de acadêmicos ou teóricos da administração, ros da família para irem juntos finidas”, defende Felipe Cas-
e sim de quem estava com os olhos grudados ao trabalho, deixando o outro tro, da Lean Performance. No
nas planilhas de resultados, diariamente. na garagem. A primeira ava- serviço de streaming Spotify,
Os gestores responsáveis pela conceituação liação foi malsucedida porque por exemplo, a checagem das
do sistema não se preocuparam em escrever os Oliveira simplesmente não metas práticas ocorre a cada
livros ou artigos sobre o tema. A exceção estavam fazendo nada confor- seis semanas, enquanto o ob-
foi o próprio Andrew Grove, com seu me havia sido planejado. jetivo estratégico é revisto se-
Administração de Alta Performance, publicado O set and forget (definir e es- mestralmente. Já a Locaweb
originalmente em 1983, nos Estados Unidos. quecer) é um dos vilões para tem planejamentos trimes-
O termo OKR, inclusive, surgiu nessa obra. a implementação do OKR. trais, mas acompanha o an-
Entretanto, a disseminação da ferramenta se “Passada a euforia do come- damento a cada semana e faz
deu mesmo no boca a boca do Vale do Silício. ço, as equipes tendem a se aco- reuniões com a diretoria uma
O framework só foi despertar a atenção modar em seus antigos hábi- vez por mês.
do mercado há mais ou menos quatro anos tos”, confirma Lorenz, do Vi-
– e quase por acaso. Em 2012, o vídeo de um vaReal. Mas os OKR masters COMO FARIA JACK
treinamento oferecido a funcionários do podem ajudar nisso, atuando Outro passo importante é
Google Ventures – o fundo de investimento como pontos focais, verdadei- aplicar o OKR em etapas. O
da multinacional, recentemente renomeado ros embaixadores do OKR, ideal é começar com projetos
como GV – foi postado na rede por engano.
A palestra de Rick Klau, partner do GV, deveria Raquel Mota, gerente de desenvolvimento de pessoas da Locaweb:
ter ficado restrita à empresa. Acessível a “As pessoas deixam de pensar em tarefas e olham para o resultado”
qualquer um, o conteúdo transformou a caixa
DIVULGAÇÃO

de mensagens da página de Klau em uma


espécie de FAQ extraoficial sobre OKR.
Para assistir ao vídeo, basta digitar “Rick
Klau OKR” no próprio Google – empresa
que se converteu no principal case de sucesso
da metodologia. Por enquanto, o Google é a
melhor fonte de referências sobre o OKR,
em inglês. Em breve, Felipe Castro pretende
lançar um livro sobre o tema em português.

edição 118 | 67
estratégia e execução | reportagem

piloto, reunindo a diretoria e se-


Metas sob controle
tores sinérgicos. A Locaweb ini- Já existe uma série de plataformas dedicadas
ciou o processo pelos departa- à aplicação do OKR. Elas oferecem recursos
mentos de marketing e produto. como integração de KRs, progressos de
As duas áreas eram inter-rela- resultados em diferentes cadências e
cionadas, estavam acostumadas análises de resultados. Confira algumas:
com indicadores e podiam divi-

DIVULGAÇÃO
dir OKRs. (Os pais da família • BetterWorks: http://www.betterworks.com
Oliveira também partilhavam
• Kapta: http://www.kapta.com
um OKR: mitigar o gasto com
• 7Geese: https://www.7geese.com Renata Lorenz,VP de pessoas do portal
combustível cabia aos dois.) imobiliárioVivaReal, que adotou o método
A adaptação total ao frame- • StatusPath: http://www.statuspath.com OKR em 2015, cometeu erros e os corrigiu

work pode demorar um pouco, • TalentCove: https://www.talentcove.com


tendo entraves em algumas • Weekdone: https://weekdone.com o termo OKR, Andrew Grove
áreas. “No começo, dois de define em 70% o ponto ideal
nossos times ficaram muito fo- e funcionários precisa ser rela- para o atingimento de uma
cados nas rotinas e não defi- tivizado. Isso porque o sistema meta. Ou seja, bater 100% de
niram seus objetivos”, admite prega uma técnica chamada um KR pode não significar um
Krummenauer, da Involves. stretched goals – ou metas esten- bom desempenho, e sim um teto
Na scaleup de Florianópolis, a didas. O conceito é estabelecer pouco agressivo. De outro lado,
adequação ao OKR começou objetivos realmente desafiado- a definição correta de stretched
em outubro de 2015 e só atingiu res, capazes de tirar as equipes goals pode substituir a política de
100% dos departamentos em da zona de conforto – ainda que atingimento de metas por uma
julho de 2016. Agora, o OKR não sejam impossíveis de alcan- cultura de evolução frequente e
é considerado indispensável. A çar, a ponto de desmotivá-las. de alto parâmetro.
nova sede da Involves terá até Felipe Castro faz analogia A família Oliveira agiu assim
monitores de TV com a apre- com o alongamento para ex- quando estipulou em 45% a
sentação permanente dos gráfi- plicar os stretched goals: é mais ou margem de redução na conta
cos de performance. menos como quando alguém de luz. Isso também serve
tenta tocar o próprio pé. Pare- para balizar a remuneração
ESTENDA ATÉ ONDE DER ce inviável no começo, quando das equipes dentro do OKR.
No uso do OKR, cabe lem- as mãos mal passam dos joe- Uma das fórmulas de garan-
brar, o desempenho dos times lhos. Com tempo e esforço, os tir a justiça nas remunerações
dedos talvez ainda não toquem por meta é avaliar não apenas
os tênis, mas já alcançam locais o percentual alcançado, mas a
aos quais antes não chegavam. dificuldade de atingimento e a
Em seu livro Administração de contribuição prática do resul-
Alta Performance, no qual cunhou tado para o objetivo macro.

Você aplica quando...


METAS ESTENDIDAS ... de modo colaborativo, define objetivos e
PODEM MUDAR A estipula um conjunto de resultados-chave
para checar se estão sendo alcançados.
POLÍTICA DE METAS
PELA CULTURA DE ... trabalha com objetivos bem agressivos
(metas estendidas) e considera que o
EVOLUÇÃO FREQUENTE atingimento de 70% é um bom percentual.

68 | edição 118
estratégia e execução | reportagem
inovação

MICROSOFT
E SLACK
lutam pela comunicação
nos escritórios

GEORGE DOLGIKH / SHUTTERSTOCK.COM


A empresa de Bill Gates e a dona do viciante software de comunicação
interna disputam o posto de instrumento de produtividade preferencial
dos profissionais nas empresas e nos home offices | por HARRY M CRACKEN

E
c

Em um universo paralelo, a É fácil entender por que Lu


Microsoft não seria obrigada chegou a cobiçar o software
a competir com o Slack, soft- de comunicação entre equi-
ware de comunicação de equi- pes, com suporte para conver-
pes que é a grande sensação das sas e troca de arquivos entre
mensagens na internet. Sim- o pessoal do escritório. Com
plesmente o compraria. menos de três anos de vida, o
Em março último, o site de Slack já conta com 3 milhões
notícias de tecnologia Tech- de usuários ativos diários. E,
Crunch chegou a publicar ainda mais importante do que
que o vice-presidente de apli- isso, esses usuários gastam em
cativos e serviços da Micro- média 5 horas e 20 minutos
soft, Qi Lu, havia proposto no aplicativo em cada dia da
internamente que sua empre- semana – período no qual po-
sa adquirisse o Slack pagando deriam estar utilizando o Out­
até US$ 8 bilhões. look, da Microsoft, para enviar
Mas, segundo o site, o presi- e-mails, por exemplo.
dente da MS, Satya Nadella, e o No entanto, também fica
próprio Bill Gates descartaram claro entender por que Nadel-
a possibilidade. O argumento la e Gates podem ter reagido
de Gates foi o de que a Micro- friamente à proposta. A Mi-
soft deveria se concentrar em crosoft tentou oferecer ao mer-
Harry McCracken
tornar o Skype, com seus servi- cado um serviço semelhante ao
é colaborador da revista ços de voz, vídeo e mensagens, Slack várias vezes. Em 2011,
Fast Company. um grande rival do Slack. comprou o Skype por US$ 8,5

70 | edição 118
bilhões e, em 2012, o Yammer, mento de arquivos em nuvem e tos para servir melhor os usuá-
outra ferramenta de colabora- outras vantagens para disposi- rios, por meio do recurso que o
ção entre equipes, por US$ 1,2 tivos móveis. setor chama de bot (diminutivo
bilhão. Nenhuma dessas ini- O Skype não precisa ser um de robot) ou internet bot.
ciativas se mostrou realmente rival para aniquilar o Slack, e é Esses pequenos pedaços de
transformadora. improvável que um dia consi- software inteligente tentam
ga cumprir essa missão. Idem antecipar o que uma pessoa
QUESTÃO DE para o LinkedIn. O mais im- necessita e, então, realizar de-
PRODUTIVIDADE portante é que assegurem que terminadas atividades no lugar
A Microsoft tem muito o Office permaneça relevante, delas. Por exemplo, se a Cor-
em jogo nessa disputa com o em uma época em que a produ- tana, a assistente virtual inte-
Slack. A empresa que inven- tividade vai muito além de um ligente do sistema operacio-
tou o pacote de softwares para processador de texto, de plani- nal Windows 10 (semelhante
aumentar a produtividade dos lhas e de e-mails. Essa é uma à Siri, da Apple), percebe que
profissionais de escritório tem das mudanças que o software você está discutindo uma via-
nada menos do que 1,2 bilhão Slack está promovendo. gem de negócios pelo Skype,
de usuários do Office. ela pode agir. De maneira
Nos últimos tempos, ela vem O QUE QUER A proativa, a Cortana consegue
trabalhando para que as pes- MICROSOFT bloquear o horário correspon-
soas deixem para trás a versão A Microsoft delineou sua dente à viagem na agenda de
“física” do Office, que com- ambiciosa visão de futuro em seu Outlook, negociar com
pram e usam para sempre, e abril, durante a Build, sua con- o bot do hotel uma reserva de
migrem para o Office 365, ser- ferência anual de desenvolve- quarto e alertar um amigo de
viço pelo qual pagam mensal- dores. A empresa enxerga o sua cidade de destino sobre sua
mente e que inclui armazena- Skype e o Office operando jun- provável visita.

edição 118 | 71
estratégia e execução | reportagem

cotidianas como controlar des- usuários de outras ferramentas


O Slack ainda não possui pesas e encomendar comida. de produtividade – como o po-
Por conta disso, a Microsoft, pular programa Quip, de edi-
versão em português seguindo a tendência iniciada ção de documentos – façam o
pelo Slack, vem lançando fer- login utilizando a identificação
Com seus aplicativos web e móvel, esse
ramentas para ajudar os de- que possuem no Slack.
software de comunicação interna, que significa
senvolvedores a criar bots e até Essa nova possibilidade tem
“folga”, em inglês, permite criar conversas
abriu lojas online em que os o potencial de fazer do Slack a
públicas e privadas (como uma rede social),
clientes podem adquiri-los. forma preferida, e mais fácil,
trocar mensagens e arquivos de imagens
O Slack, por sua vez, foi além de trabalhar. O Sign in with
e vídeos (como um programa de e-mail),
e anunciou a criação de um Slack carrega a aspiração de
compartilhar tarefas etc. Além da enorme
fundo de US$ 80 milhões para fazer pelo aplicativo o que o
quantidade de funcionalidades, oferece novas
impulsionar a criação de bots e Connect fez pelo Facebook:
integrações a cada dia (é possível integrar
outros elementos integrados a disseminar o domínio por
Dropbox,Twitter, Google Docs,Asana,
eles que sejam capazes de ala- to­­
da a internet e tornar o
Trello, GitHub), e isso o tem rapidamente
vancar sua plataforma. Slack o Facebook da colabo-
transformado em referência mundial para
Esse movimento reflete um ração entre equipes.
a categoria de comunicação em grupos de
mantra repetido pelo cofun- A Microsoft pode acabar con-
trabalho. Não é raro ouvir depoimentos
dador e presidente do Slack, cluindo que US$ 8 bilhões pela
de usuários do Slack de que ficam viciados
Stewart Butterfield. Segun- compra do Slack seria a barga-
no sistema.Tanto que, entendendo isso,
do ele, o Slack deve trabalhar nha da década. No entanto, à
a empresa publica em seu site vagas de
emprego em companhias que usam o Slack.
com ferramentas de outras medida que o Slack agrega atri-
Não há versão do Slack em português
companhias, em vez de tentar butos típicos do Skype, como
do Brasil, mas, mesmo assim, o aplicativo
substituí-las. Conceito seme- voz e vídeo, deve ficar crescen-
é bastante usado nas startups do País. lhante é defendido pelo presi- temente cuidadoso em relação
dente da Microsoft, Satya Na- ao risco de acabar se transfor-
della. Talvez por isso mesmo mando em um site inchado, o
os bots da Microsoft funcionem que os usuários odeiam.
Em outras palavras, a Mi- dentro do Slack. Embora o futuro do trabalho
crosoft quer que seus produtos e a busca por produtividade
contribuam para a rotina dos AVANÇOS RECENTES tendam a deixar de lado os pa-
usuários, principalmente no O fato, porém, é que o Slack cotes de softwares que abran-
que diz respeito às coisas que está se movimentando mais ra- gem todo tipo de programas –
significam, muitas vezes, perda pidamente. Em maio, anunciou formato que o Office inaugu-
de tempo, liberando-os para o o lançamento do Sign in with rou nos anos 1990 –, o melhor
trabalho criativo que os softwa- Slack, serviço que permite que cenário para os usuários talvez
res de automação não são ca- seja mesmo a coexistência das
pazes de resolver. duas empresas, para que seus
Essa visão do futuro em re- produtos interajam de novas
lação à produtividade das pes- maneiras, permitindo que os
soas soa familiar para qual- A MICROSOFT profissionais sejam mais pro-
quer usuário do Slack. Afinal, TEM OFFICE, dutivos do que nunca.
os softwares inteligentes foram
um componente-chave de todo SKYPE, LINKEDIN;
o entusiasmo pelo aplicativo O SLACK CONTA hsm management

por mais de um ano. Há dúzias © Fast Company

deles disponíveis no Slack para COM O VÍCIO DE Editado com autorização.Todos os


direitos reservados. Distribuído por
que as pessoas realizem tarefas SEUS USUÁRIOS Tribune Media Services International.

72 | edição 118
inovação | artigo
estratégia e execução

O novo paradigma do
CAPITALISMO
CRIATIVO

A criatividade é o novo pilar do crescimento econômico dos países.


Entenda os três Ts da criatividade – tecnologia, talento e tolerância –
e acompanhe os resultados da mais recente edição do Índice de
Criatividade Global, que mostra um avanço significativo do Brasil
| por RICHARD FLORIDA, CHARLOTTA MELLANDER e KAREN KING

Richard Florida, integrante do ranking


Thinkers50, é diretor do Martin Prosperity
Institute, da Rotman School of Management,
e autor do best-seller The Rise of the
Creative Class; Charlotta Mellander
é professora de economia da Jönköping
International Business School, da Suécia; e
Karen King é pesquisadora no Martin
O
O capitalismo está diante de uma
mudança de paradigma, do mode-
lo industrial para um novo, basea-
do no conhecimento e na criativi-
dade. É o capitalismo criativo.
Sim, e tem mais: a criatividade
difere fundamentalmente dos tra-
dicionais e tangíveis elementos da
recurso infinitamente renovável.
A questão agora é como ela surge.
Estudamos isso a fundo e des-
cobrimos que há ambientes pro-
pícios à criatividade, caracteri-
zados sobretudo por promover a
tecnologia, o talento e a tolerân-
cia – o que chamamos de três Ts.
Prosperity Institute. A edição de HSM produção industrial. Não se trata Outro aspecto relevante do
Management enfatizou os dados brasileiros. de um estoque de coisas, mas de um novo modelo emergente é o fato

74 | edição 118
Vale a leitura porque...
... o capitalismo vive uma mudança
de paradigma, do modelo industrial
para um novo, baseado no
conhecimento e na criatividade.
... a criatividade poderia ser uma
vantagem competitiva do Brasil, que
subiu da 46ª posição no ranking de
2011 para a 29ª no de 2015

SHUTTERSTOCK
de abrir caminho para a conso- cação e saúde e nas empresas OS TRÊS TS
lidação de duas classes de pro- de maneira geral. No paradigma do capita-
fissionais. A tradicional classe A classe do setor de servi- lismo criativo, o crescimento
trabalhadora, que atualmente ços abrange um grupo ainda e a prosperidade dependem,
corresponde a cerca de 20% maior de pessoas; elas têm como dissemos, dos três Ts do
da força de trabalho das na- baixa escolaridade e ganham desenvolvimento econômico:
ções desenvolvidas, está dando salários reduzidos para de- tecnologia, talento e tolerân-
lugar a duas novas classes: a sempenhar tarefas rotineiras cia. E é preciso entender o
classe criativa e a classe dos que em áreas como cuidados de papel que cada um desses fato-
atuam em serviços. saúde, alimentação, varejo e res desempenha.
A classe criativa, que já re- escritórios em geral. Tecnologia. Reconhecida
presenta 30% a 40% do total Importante: a divisão entre há muito tempo como ele-
de profissionais dos países os profissionais com trabalho mento-chave de prosperidade
avançados, inclui cientistas e associado à criatividade e os do e progresso, a tecnologia au-
especialistas em tecnologia, setor de serviços está na base menta a produtividade e pos-
artistas, gente da mídia e da da crescente desigualdade so- sibilita que o capitalismo seja
área de cultura, bem como cial observada tanto nas na- constantemente reinventado.
trabalhadores do conheci- ções desenvolvidas como na- Talento. O capital huma-
mento em setores como edu- quelas em desenvolvimento. no se apresenta, com a tecno-

edição 118 | 75
inovação | artigo

GCI X DESEMPENHO ECONÔMICO (PIB PER CAPITA)


Suécia
12.0 Singapura
Holanda Dinamarca
Alemanha Canadá
França Austrália
Japão
Hong Kong Estados Unidos
Coreia do Sul Finlândia
Chile Nova Zelândia
Rússia Reino Unido
10.0 Polônia Espanha
Venezuela Itália
DESEMPENHO ECONÔMICO

Malásia
Turquia Argentina
México Brasil
PIB per capita em US$ mil

Colômbia
Tailândia África do Sul
Irã
Indonésia China
8.0
Índia

Filipinas
Vietnã
Afeganistão
6.0 Bangladesh
Camboja
Etiópia
Haiti
Uganda
Libéria
Burundi

4.0

0.00 .2 0.40 .6 0.81 .0

ÍNDICE DE CRIATIVIDADE GLOBAL


Obs.: os círculos claros correspondem à escala de PIB per capita do eixo vertical; os escuros, ao CGI – eles ficam próximos
em muitos casos e, em alguns, sobrepõem-se (nesse caso, apenas um círculo escuro representa o país).

logia, como fator primordial dos países no que diz respeito aos quisa e pelo número per capita
de desenvolvimento. três Ts especificamente e à cria- de patentes registradas.
Tolerância. O papel da to- tividade de modo geral, dando Para ter uma ideia da dis-
lerância no desenvolvimento origem ao Índice de Criativi- tância entre os países, o Japão
econômico é o de criar o con- dade Global (GCI, na sigla em investe 3,26% do PIB em pes-
texto adequado para a inova- inglês). Veja o quadro acima e o quisa, enquanto, no Brasil, esse
ção tecnológica e para a atra- ranking da página 76 e confira a percentual é 1,16%, o que deixa
ção de talentos. No mundo análise dos principais resultados o País no 28º lugar do ranking.
contemporâneo, lugares aber- do estudo, realizado em 2015. No que diz respeito às patentes,
tos a diferentes tipos de pessoas a posição do Brasil é a 31ª.
levam vantagem no esforço de Índices de tecnologia Quando os dois critérios são
mobilização por novas ideias. Em nossa pesquisa, o fator analisados de maneira combi-
tecnologia é medido de duas nada, a Coreia do Sul fica com
O RANKING maneiras: pelo percentual do a liderança, seguida do Japão,
Investigamos o desempenho PIB do país investido em pes- de Israel e dos EUA. O Brasil

76 | edição 118
ocupa o 27º lugar – entre os lugar no primeiro e 22º no se- Comparamos o índice de
Brics, à frente apenas da Índia. gundo –, bem acima dos demais criatividade com o indicador-
países do grupo dos Brics. No re- -padrão de desempenho eco-
Índices de talento sultado geral, fica em 15º lugar, e nômico de um país: o PIB per
Esse fator é mensurado de o pelotão da frente tem Canadá, capita. A conclusão foi que
duas maneiras também: pelo Islândia e Nova Zelândia. tanto a criatividade como
percentual da força de trabalho cada um dos três fatores a ela
que integra a classe criativa e ÍNDICE GLOBAL associados (os três Ts) apre-
pela parcela de adultos que pos- Depois de analisar cada um sentam uma relação positiva
suem educação de nível supe- dos três Ts isoladamente, nosso com o desempenho econômi-
rior completo. estudo os avaliou conjuntamen- co, conforme mostra o quadro
Mais uma vez, o que chama te. O país de capitalismo mais da página ao lado.
a atenção é a enorme variação criativo em 2015 foi a Austrália, Dos três Ts, a relação mais
entre os países. No primeiro caso, uma evolução significativa em forte é com a tolerância. Em
essa variação vai de apenas 1% relação ao ranking de 2001, su- seguida, aparecem o talento
a mais de 50% da mão de obra perando a Suécia (1º lugar em e a tecnologia, nessa ordem.
total, como se vê no líder Luxem- 2004 e 2011). O Brasil ficou na E o impacto mais evidente é
burgo (54%). O Brasil se situa no 29ª posição. (Também teve evo- mesmo do GCI como um todo,
meio do caminho, no 61º lugar, lução significativa em relação ao assinalando a força do efeito
com 20% de seus trabalhadores levantamento de 2011, quando combinado dos três Ts.
pertencendo à classe criativa. ocupou o 46º posto.) No entanto, a correlação
No segundo critério, a varia- entre a criatividade e a com-
ção percorre de zero a 100%, COMPETITIVIDADE petitividade (esta, medida pelo
que é o percentual da Coreia do Nosso estudo ainda compa- Índice de Competitividade
Sul (Luxemburgo cai para 85º rou a criatividade com vários Global, do Fórum Econômico
aqui). Em 2º e 3º lugares estão, indicadores de progres­so eco- Mundial) é ainda mais forte do
respectivamente, os EUA e a nômico e social. As economias que aquela com o PIB per capita.
Finlândia, com mais de 90%. mais criativas são também as Dos três Ts, a tecnologia apre-
A pesquisa não contabilizou os que têm melhor desempenho senta a relação mais significati-
dados do Brasil nesse fator. econômico? O desenvolvimen- va nesse caso, seguida do talen-
O sub-ranking de talento, to humano piora nelas? to. (Tolerância importa pouco.)
cruzando os dois fatores, é li-
derado pela Austrália (que está
em 6º nos dois), seguida da Is-
lândia e dos EUA. O Brasil
aparece no 68º lugar. A ECONOMIA
Índices de tolerância
MAIS CRIATIVA
A tolerância, em nosso es- EM 2015 FOI A
tudo, também é medida por AUSTRÁLIA,
dois critérios: pela quantidade
de pessoas que afirmam viver QUE SERVE
em uma cidade receptiva a mi- DE MODELO:
norias raciais e étnicas e pela
quantidade de pessoas que EVOLUIU E
dizem viver em uma cidade re- SUPEROU A
SHUTTERSTOCK

ceptiva a gays e lésbicas.


O Brasil aparece em boas co-
SUÉCIA, CAMPEÃ
locações nos dois fatores – 17º EM 2004 E 2011

edição 118 | 77
inovação | artigo

Índice de Criatividade Global – Top 25 (e Brasil)


Posição no
ranking País Tecnologia Talento Tolerância GCI
1 Austrália 7 1 4 0,970
2 Estados Unidos 4 3 11 0,950
3 Nova Zelândia 7 8 3 0,949
4 Canadá 13 14 1 0,920
5 Dinamarca 10 6 13 0,917
5 Finlândia 5 3 20 0,917
7 Suécia 11 8 10 0,915
8 Islândia 26 2 2 0,913
9 Singapura 7 5 23 0,896
10 Holanda 20 11 6 0,889
11 Noruega 18 12 9 0,883
12 Reino Unido 15 20 5 0,881
13 Irlanda 23 21 7 0.845
14 Alemanha 7 28 18 0,837
15 Suíça 19 22 17 0,822
15 França 16 26 16 0,822
15 Eslovênia 17 8 35 0,822
18 Bélgica 28 18 14 0,817
19 Espanha 31 19 12 0,811
20 Áustria 12 26 32 0,788
21 Hong Kong 32 32 30 0,715
22 Itália 25 31 38 0,715
23 Portugal 35 36 22 0,710
24 Japão 2 58 39 0,708
25 Luxemburgo 20 48 32 0,696
29 Brasil 27 68 15 0,667

Estudamos outras correla- pecial as provocadas pelo fator ótimos resultados no GCI, estão
ções da criatividade com a eco- tecnologia, que concentra os no que chamamos de “estrada
nomia. Por exemplo: empregos nos maiores talentos. de baixa velocidade” rumo à
Empreendedorismo. A Nosso estudo desmente essa prosperidade, por terem maio-
correlação entre o GCI e o hipótese: a relação entre o GCI res índices de desigualdade.
empreendedorismo é ainda e a desigualdade de renda, me- Já nações criativas mais igua-
maior do que a observada com dida pelo Coeficiente de Gini, litárias, como Suécia, Dina-
o PIB per capita. é negativa. Ou seja, quanto marca, Finlândia e Holanda,
Urbanização. O capitalis- melhor a posição de um país vêm rodando em uma “estrada
mo criativo torna a densidade no índice de criatividade, mais de alta velocidade” no novo pa-
populacional e a urbanização baixo o nível de desigualdade. radigma do capitalismo.
ainda mais cruciais à inovação No entanto, deve-se obser-
e ao desempenho econômico. var que, nesse quesito, há dois
E a desigualdade? Para muitos padrões nas economias mais hsm management
economistas, ela vem crescendo criativas, no que diz respeito ao © Rotman Management Magazine
Editado com autorização da Rotman
por conta das transformações longo prazo. Países como EUA School of Management, da University of
em curso no capitalismo, em es- e Reino Unido, embora tenham Toronto.Todos os direitos reservados.

78 | edição 118
coluna • inovação

3 LENTES PARA GERAR AUTOR CONVIDADO:


Julian Birkinshaw
é professor de estratégia

MUITAS IDEIAS NOVAS e empreendedorismo


da London Business
School e um dos maiores
Um processo para que você e sua equipe possam desenvolver pesquisadores da inovação
em gestão; deve lançar em
raciocínios diferentes que levem a novos modelos de negócio, novos breve dois livros:
25-Need-to-Know MBA
produtos e serviços e novas abordagens de gestão; faça o checklist Models e Fast Forward.

S
er inovador é um desafio Há várias técnicas para tentar ver se isso desperta novas
para qualquer um, descobrir necessidades não ideias, menos convencionais.
especialmente quando expressas pelos consumidores,
se trabalha em uma grande e a etnografia aplicada ao 3. SE ALGO
organização. Diante de um marketing tem se mostrado FUNCIONARIA EM
horizonte quase infinito de uma das mais interessantes. OUTRO LUGAR
possibilidades, ajuda partir de Trata-se de um método de A terceira lente diz respeito
um pensamento minimamente pesquisa do comportamento ao fato de que muitas ideias
estruturado sobre inovação. das pessoas e inclui visitá-las de negócios são simplesmente
Apresento três “lentes” muito em suas casas e observá-las tomadas por empréstimo de
usadas por empreendedores enquanto utilizam produtos outros contextos ou indústrias.
de sucesso como apoio para e serviços. Muitos (talvez a maioria)
chegar a raciocínios diferentes dos novos negócios são, na
que levem a novos modelos 2. POR QUE AS COISAS verdade, provenientes de
de negócio, novos produtos e SÃO COMO SÃO ideias adaptadas de outros
serviços e novas abordagens O segundo caminho lugares. A boa notícia é que
de gestão. Cada um desses representa uma forma de a busca da inovação lhe abre a
caminhos oferece uma forma desafiar a ortodoxia corrente. possibilidade de passar algum
de promover discussões Todos os setores de atividade tempo conversando com
estruturadas que contribuem possuem jeitos tradicionais pessoas de outros setores
para o fluxo criativo. de fazer as coisas – um e até mesmo de países
conjunto de regras das diferentes, sempre com a
1. DO QUE AS PESSOAS quais mesmo as pessoas mente aberta.
PRECISAM que atuam no setor não são
A primeira lente ajuda completamente conscientes. 20% EVOLUEM
a enxergar necessidades Vale a pena elaborar uma Mais do que tudo, essas três
ainda não articuladas pelos lista dos pressupostos-padrão lentes são capazes de estimular
consumidores. Em vez de lhes e, a cada um, perguntar-se: o surgimento de uma grande
perguntar o que eles querem, é “Por que as coisas são assim?”. quantidade de ideias novas.
preciso buscar algo de que eles Em seguida, você pode fazer Estas têm de ser muitas, uma
necessitam e não é oferecido uma lista com pressupostos vez que, segundo as estatísticas,
no mercado. contrários aos originais, para de cada dez ideias propostas,
só uma ou duas evoluem
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

com sucesso; as outras nove


ou oito, mesmo sendo boas,
FAÇA UMA LISTA COM PRESSUPOSTOS acabam no fundo de uma
CONTRÁRIOS AO ORIGINAIS gaveta qualquer.

edição 118 | 79
inovação | highlights

Como ser
“ORIGINAL”?
O conceito “inovação” perdeu a força? O psicólogo organizacional norte-americano
Adam Grant encontrou um substituto e o definiu com precisão: originalidade.
Difere de criatividade e tem o medo como um sinal | por JANES ROCHA

Vale a leitura porque...


... o livro Originals, de Adam
Grant, tornou-se um best-
seller quase imediato e vem
tendo grande repercussão
internacional ao falar de como
a originalidade (outro nome
T Todo mundo quer ser criativo
hoje, na esteira do boom da ino-
vação. Prova disso é que “criati-
vidade ao alcance de todos” tem
sido tema de muitos dos livros
mais vendidos nos Estados Uni-
dos e em todo o planeta – Grande
Magia, de Elizabeth Gilbert, e Fora
nar e competir nos respectivos
esportes? É preciso ser gênio de
nascença? Adam Grant, psicólo-
go organizacional e professor da
Wharton School, escreve um re-
tumbante “não” em seu livro Ori-
ginals, também best-seller imedia-
to nos EUA, confirmando o alto
para “capacidade de inovação”)
FOTOS: SHUTTERSTOCK / DIVULGAÇÃO

está ao alcance de todos. de Série, de Malcolm Gladwell, são interesse que o tema provoca.
dois bons exemplos. Para ele, os chamados gênios
... Grant disseca do que é Como ser tão criativo quanto não têm ideias melhores do que
feita a originalidade e os Mozart? Lennon e McCartney? as outras pessoas, e sim apenas
comportamentos que ajudam Einstein? Ou mesmo Michael mais ideias. Grant explica, com
uma pessoa a ser original. Phelps e Usain Bolt, com seus base em vasta pesquisa, que as
diferentes processos para trei- pessoas primeiro têm ideias con-

80 | edição 118
startup de vendas online de
óculos e ele declinou.
Hoje, a Warby Parker é uma
startup-unicórnio, com valor
de mercado de US$ 1,2 bilhão,
e está na lista da Fast Company
das companhias mais inovado-
ras. Considera-se que ela fez
pelo segmento de óculos o que
a Zappos fez pelos calçados.
O que Grant não soube re-
vencionais e só depois libertam Da esq. p/ a de ter ideias. Dois termos de conhecer tem a ver justamen-
dir., Mozart,
o pensamento – e, enquanto a Einstein, Lennon raiz francesa utilizados por te com os termos franceses. Os
maioria de nós para na ideia e McCartney, Grant ajudam a explicá-lo: jovens questionaram o default –
Michael Phelps e
convencional, os supostos gê- Usain Bolt; eles default e déjà vu. o elevado preço dos óculos – e,
nios seguem em frente. Ex- são chamados O primeiro, aludindo à con- descobrindo que isso se devia
de gênios, mas,
perimentos da Northwestern na verdade, figuração de fábrica de um ao fato de a italiana Luxottica
são originais
University comprovaram isso: equipamento, deve ser sem- monopolizar o mercado, fize-
as primeiras 20 ideias dos vo- pre questionado em busca de ram o vuja de (sem parar nas pri-
luntários testados eram mais uma opção melhor; o segundo meiras ideias) e desenvolveram
convencionais, e as próximas precisa ser invertido e evoluir um novo modelo de negócio
15, menos. para o neologismo “vuja de”. Se apoiado na tecnologia que eli-
Enfim, para o professor de déjà vu define a sensação de que minava muitos dos custos.
Wharton, os que costumamos algo apresentado como novo Implantaram isso – mais que
chamar de gênios são mais não é novo – em algum lugar criativos, foram originais – e,
predispostos à criatividade, você já viu –, vuja de é aquilo em resultado, conseguiram en-
porém todos nós temos pro- familiar que vemos com uma tregar óculos da mesma qua-
pensão a desenvolvê-la. perspectiva nova, o que nos lidade da Luxottica a preços
Só que Grant não se limita capacita a enxergar novos ân- muito mais competitivos.
a abordar a criatividade, que gulos de um velho problema.
significa gerar um conceito Os dois servem de gati-
novo e útil; o que ele estudou lho não apenas para dispa-
por anos foi a originalidade. rar a criatividade, como tam-
Esta inclui tanto a criatividade bém para reconhecê-la. E, no OS DITOS GÊNIOS
como a iniciativa de materia- mundo dos negócios, é ne- NÃO TÊM IDEIAS
lizar o conceito novo e útil em cessário reconhecê-la. Grant
um domínio específico. sabe bem: ele não se esquece MELHORES DO
Então, como ser original? do dia em que, em 2009, não QUE OS OUTROS;
questionou o default nem fez o
DEFAULT, “VUJA DE” vuja de, e isso o impediu de re-
ELES TÊM MAIS
E O PROCESSO conhecer um conceito novo e IDEIAS DO QUE
Seja para Einstein, seja para útil. Foi quando uns jovens o OS OUTROS
você, há um passo a dar antes convidaram a investir em sua

edição 118 | 81
inovação | highlights

HÁBITOS E o pessimismo leva mais à aten-


Modelo e checklist COMPORTAMENTOS ção e à reflexão.
Para Adam Grant, as empresas O processo da originalidade • Seja mais pragmático
sofrem de falta crônica de de Grant ficou claro em seus do que idealista e mais in-
originalidade e, por isso, vivem se quatro passos: questionar o de- cremental do que radical.
repetindo. A solução? Deveriam fault, ter o olhar diferente do Segundo Grant, as pessoas que
deixar seus colaboradores serem vuja de, não parar nas primei- movem o mundo – na política,
originais. Grant está convencido de ras ideias até chegar àquela que nas artes, na ciência, nos negó-
que o ambiente certo possibilita seja nova e útil, e, por fim, im- cios – o fazem a partir de ideias,
isso e menciona um caso real: plementá-la. Mas como garan- sim, mas elas raramente são pa-
a Bridgewater Associates, fundo tir que uma pessoa não o repri- râmetros de convicção e com-
hedge comandado por Ray Dalio. ma inconscientemente? promisso com essas ideias.
“A Bridgewater criou uma cultura O professor da Wharton tra- O professor de Wharton lem-
de abertura radical, na qual se balha com comportamentos e bra que Martin Luther King Jr.,
espera que as pessoas discordem. hábitos – alguns devem ser cria- que liderou a marcha dos direi-
Entre seus princípios, um de dos; outros, eliminados. tos civis nos EUA, não tinha a
meus favoritos é o de que toda menor intenção de dar a vida
crítica tem de ser compartilhada”, • Não pense positivo; pelo movimento. Antes de
comentou Grant em uma conversa seja pessimista. Um dos abraçá-lo forçado pela indigna-
recente com Malcolm Gladwell, primeiros consensos derruba- ção com a situação dos negros
argumentando que evitar o dos por Grant é o de que a an- no país, tudo o que King queria
comportamento de manada foi siedade administrada e o oti- era cuidar de sua família, defen-
o que permitiu à Bridgewater mismo seriam formas de ener- der sua tese na universidade e
prever a crise financeira em gizar o criativo. “Muitas vezes, atuar em sua igreja, como mos-
2007 e avisar os clientes.“Eles o pessimismo é mais energi- tram várias biografias.
também treinam muito, enquanto zante que o otimismo”, diz ele, Michelangelo Buonarroti
a maioria de nós está sempre citando a obra Rethinking Positi- também não perseguia gran-
jogando, quase nunca treina.” ve Thinking, da psicóloga alemã des ideais. Na Roma do século
Além desses princípios, Grant Gabriele Oettingen, que quis 16 em que viveu, ele se via mais
aponta outras medidas para tirar estudar os possíveis efeitos das como escultor – a pintura não
seus originais do armário: frases motivacionais típicas dos o atraía – e a princípio recusou
livros e palestras de autoajuda a oferta do papa Júlio II para
• Estimular os originais é menos (incluindo os empresariais). pintar o teto da Capela Sistina.
importante; o fundamental Oettingen realizou uma pes- Só aceitou o trabalho pela in-
é não reprimi-los. quisa na New York University sistência do pontífice.
• Não fique trazendo gente de fora com essa finalidade. Ela divi- Traduzindo: não ter vontade
para “inovar”; isso derruba o moral. diu os estudantes em dois gru- de começar um negócio pró-
• Permita que as pessoas desenhem pos e orientou que, duran- prio ou de promover uma ino-
seus trabalhos – job crafting – e lhes te determinado período, um vação retumbante não significa
proporcione várias experiências. pensasse positivo e o outro, que você não fará essas coisas,
• Dê espaço aos originais em negativo. Ao fim da análise, o muito pelo contrário. Como
todas as áreas, incluindo grupo otimista sentia-se muito explica Grant, o que os origi-
as mais “caretas”. mais desmotivado do que o nais têm são pequenas ideias
• Apoie as mulheres. Embora pessimista. Segundo a psicólo- sobre como melhorar o traba-
questionem menos o default, elas ga, isso ocorre porque o otimis- lho, o estudo, a comunidade –
persistem mais do que os homens mo induz a um relaxamento e coisas que todo mundo tem. A
para implantar a ideia questionadora. a um descuido em relação aos diferença é que a maioria não
objetivos traçados, enquanto age para fazer acontecer.

82 | edição 118
inovação | highlights

OS ORIGINAIS
• Aceite o medo e corra dicação integral ao empreendi- TÊM MEDO DE
um risco controlado. O mento foi um dos motivos erra-
economista e cientista político dos pelos quais Grant não in- FRACASSAR,
austríaco Joseph Schumpeter vestiu na startup) e, voltando no PORÉM TÊM
já observou que a originalidade tempo, Henry Ford fez isso.
é um ato de destruição criativa, No início do século 20, Ford
MAIS MEDO
pois fazer o novo implica sem- já tinha desenvolvido o car- AINDA DE NÃO
pre destruir o velho. E isso, sa- burador mecânico que seria TENTAR
bemos, gera medo de fracassar. a base para o desenvolvime­
O que as pessoas não sabem é nto dos automóveis, mas não
que, quanto mais elas avançam largou seu emprego na com-
na originalidade, mais medo de panhia de Thomas Edison
falhar sentirão. Basta não dei- quando registrou a patente do originalidade, segundo o estu-
xar esse medo inibi-las, segun- invento. Esperou dois anos até do do professor da Wharton.
do Grant, até porque os origi- ter segurança para iniciar a Isso difere fundamentalmente
nais fracassam muito, uma vez própria empresa. da sensação que prevalece nas
que tentam mais do que os ou- • Aceite as dúvidas e pro- empresas em geral de que, se
tros. Na verdade, os originais crastine sem culpa. As pes- houvesse mais tempo livre para
têm muito medo de fracassar, soas costumam acreditar que pensar, seria mais fácil inovar.
porém têm mais medo ainda o fato de terem tantas dúvidas Ou seja, para ser original,
de não tentar. é um impeditivo para inova- envolva-se em muitos projetos
E quanto ao risco de tentar rem. Grant discorda com vee- dentro da empresa e fora dela
algo novo e prejudicar a carrei- mência: separando as dúvidas também. Já se sabe, por exem-
ra? Aí surge mais uma desco- em duas categorias (as dúvidas plo, que a maior parte dos ga-
berta contraintuitiva de Grant: sobre si mesmo e as relativas a nhadores do Prêmio Nobel de
os originais não fazem grandes ideias), ele observa que as pri- Ciências têm hobbies artísti-
ousadias; em vez disso, eles ad- meiras paralisam, sim, porém cos, como música ou pintura.
ministram o portfólio, mais ou as segundas só fazem energi-
menos como se recomenda no zar. Os originais de carteiri- UMA SURPRESA
mercado financeiro. Se deci- nha vivem cheios de dúvidas Atenção, você nunca leu isto
dem correr mais riscos em um do segundo tipo, não são aque- antes: não há certeza de que
projeto profissional, eliminam las pessoas repletas de certezas Mozart, Einstein e Lennon te-
ao máximo o risco em outro – como muitos supõem. nham sido gênios ou de que
por exemplo, mantendo o em- Outro ponto interessante é McCartney, Phelps e Bolt o são.
prego enquanto a startup não o da procrastinação – procras- Não é falta de reverência; é sim-
decola. Os rapazes da Warby tinar faz bem à originalidade, ples estatística – eles são origi-
Parker fizeram isso (e a não de- porque dá chance para que nais, e gênios não costumam ser,
mais e melhores ideias surjam. porque não criam nada.
Grant, disciplinado por natu- Basta observar os verdadei-
reza, fez esse experimento con- ros gênios – crianças-prodígio
sigo mesmo ao escrever Origi- que aos 5 anos tocam Mozart
nals e confirmou a tese. “O livro ou vencem olimpíadas de ma-
ficou muito melhor com minha temática. Muito poucas criam
Adam Grant foi o
professor mais jovem procrastinação.” algo na vida adulta.
da história da Wharton • Faça muitas coisas ao “Estudos mostram que os
FOTO: DIVULGAÇÃO

School (ingressou aos


24 anos). Ele diz que, mesmo tempo. Não é o foco, originais não tiveram uma in-
na infância, raramente mas a multiplicidade de tarefas fância diferente da média”,
desafiava o default; hoje,
porém, faz mágica o que mais ajuda a construir diz Grant. É o seu caso?

84 | edição 118
coluna • empreendedorismo

SE ESTÁ PRESTES A CRESCER, AUTORA CONVIDADA:


Daine Andognini

SUA STARTUP PRECISA DE RH


é fundadora e CEO da
Hug Consultoria, startup
especializada em RH de
startups. Psicóloga de formação,
Ponto de atenção dos investidores, a gestão de talentos tem de ser atua há 18 anos na área, em
startups em crescimento
profissional – mas diferente da feita em empresas estabelecidas como a ContaAzul.
Antes, atuou na Ambev.

U
m dos maiores desafios de procurados, como foi dito, serão ação, como costumamos dizer. A
toda startup em fase de velocidade, mentalidade lean, alta premissa? Todos precisam ter o
crescimento é construir um capacidade de execução e conforto mesmo ritmo acelerado da startup.
bom time. Seus empreendedores com o crescimento acelerado. Esse é um ponto sensível em
fundadores têm outros focos – a Isso envolve construir processos empresas iniciantes. O mais
validação de ideias, a busca de aportes consistentes e fluidos, fluxogramas, comum é ninguém deixar claro
financeiros, as entregas – e geralmente métricas de gestão com base em para os novos líderes de startups
não dão conta desse recado. dados para tomadas de decisão – o que se espera deles no curto
Ter as pessoas certas, nesse e o conhecimento profundo sobre e no longo prazos, e eles têm de
caso, costuma significar ter o mercado e sobre onde estão os saber “se virar” sozinhos; também
indivíduos em sintonia com no melhores talentos é essencial para é frequente esses líderes terem
mínimo quatro atributos-chave isso. Hoje existem metodologias dúvidas sobre se conseguem
dos empreendimentos inovadores: que ajudam a estruturar e operar atender às expectativas. Assim,
velocidade, mentalidade lean, essa “máquina” de contratação, é importante investigar o perfil
alta capacidade de execução como o people analytics. desses líderes para acertar
e crescimento acelerado. A nova etapa? Investir tempo em na escolha e traçar planos de
Como conseguir? olhar para a cultura da empresa. desenvolvimento para eles.
Antes de mais nada, é crucial Em grandes empresas, a cultura é Gestão de talentos não é receita
definir um responsável pela área a primeira coisa a trabalhar, como de bolo. O importante é começar
de pessoas; não adie isso, senão norte de estratégias e planos, mas, com o essencial, exposto aqui,
vai ficar difícil colocar a equipe na no caso das startups, isso pode ficar e, depois, ir, de maneira simples,
“mesma página”. A recomendação para mais tarde, porque o movimento aprendendo lições em cada ciclo
é escolher alguém já experiente na cultural do fundador ainda é recente. para evoluir continuamente.
área que possa sair jogando rápido. Ao RH cabe fazer com que as
Em seguida, descubra como pessoas sejam evangelistas da cultura.
sua startup está posicionada em Definido o culture code – que, aliás,
relação às estratégias de atração, tem de incluir um propósito –, este OS LÍDERES DE
engajamento e desenvolvimento de deve ser usado como atrativo no STARTUP PRECISAM
time. Esse diagnóstico fornecerá recrutamento. TER O MESMO
os dados necessários para o plano Depois de resolver quem
de aumentar os talentos, com será o responsável pela área de RITMO ACELERADO
dois horizontes de tempo: curto e talentos, fazer diagnóstico, cuidar DA EMPRESA E SABER
médio prazos. do recrutamento e seleção e da AGIR SEM QUE
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

O próximo passo é estruturar a cultura, é hora


área de recrutamento e seleção, de focar o desenvolvimento dos
NINGUÉM DEFINA
uma das operações mais complexas líderes que serão os principais hubs COM CLAREZA O
de qualquer empresa. Os atributos de conexão entre a estratégia e a QUE FAZER

86 | edição 118
educação executiva | artigo

É preciso
EMOCIONAR-SE
para aprender
“A
Saiba o que fazer em
termos de estratégias e “A emoção não é uma ferramenta menos importante que o pensa-
mento. As reações emocionais exercem influência essencial e ab-
ambientes para alavancar o
soluta em todos os momentos do processo educativo. A educação
aprendizado em sua empresa sempre implica mudanças nos sentimentos” (Lev Vygotsky)
e ganhar competitividade
Recentemente, quando me preparava para construir
| por ANGELA MACIEL mais um programa capaz de gerar, em executivos bas-
tante diversos, o interesse por aprender, resgatei um
texto do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995).
Mais ou menos com essas palavras, ele dizia o seguin-
te: “Uma aula é uma espécie de matéria em movimen-
Angela Maciel é pedagoga to, porque cada grupo ou indivíduo pega dela o que lhe
e diretora de educação da HSM convém. Nem tudo a todo momento convém a todos. Há
Educação Executiva. momentos em que alguém está adormecido e outros em
que acorda misteriosamente”.

88 | edição 118
Vale a leitura porque...
... a edição 2013-2014 da pesquisa
Retrato do Treinamento no Brasil
mostra que a área ganha importância:
80% das empresas fazem
treinamento e desenvolvimento
(T&D), 87% dos colaboradores
são treinados em cada uma, o
tempo médio de treinamento é
de 45 horas/ano e o investimento
na área corresponde a 0,83% do
faturamento (pouco abaixo dos
EUA, cujo percentual é 1,1%).
... o desempenho de T&D é
crescentemente medido e cobrado.

Vivemos em uma socie- nhecimento racional. E o es- mente e a desenvolver diver-


dade do conhecimento que, pecialista em pedagogia Mal- sos tipos de habilidades e re-
como nunca, impõe aos indiví- colm Knowles acrescenta mais pertórios que lhes permitam
duos demandas de aprendiza- um requisito: aprender deve lidar adequadamente com
do cada vez mais numerosas, ser também “uma aventura, essa imprecisão dos cenários
diversificadas e complexas. temperada com a excitação de negócios atuais.
Nesse contexto, como lidar da descoberta”. E, na vida real, não é na­da
com os momentos adormeci- Para não me limitar às ciên- consensual a ideia de que a rea-
dos de Deleuze e fazer as pes- cias humanas, lembro que a lidade empresarial exige novas
soas “acordarem misteriosa- biologia também já provou práticas para o desenvolvi-
mente” o máximo possível? que emoção e cognição são mento dos profissionais.
Segundo o filósofo francês, processos fortemente inter-re- Sim, é exatamente isso que
o despertar acontece sempre lacionados e que todo pensa- você leu. Apesar de o discur-
que algo convoca o aprendiz, mento é imbuído de emoção (e so de valorizar o aprendizado
provocando-lhe um interesse vice-versa). Ou seja, desconfio pela experiência ser cada vez
que ele já tem intrinsecamen- que qualquer neurologista re- mais comum, no âmbito das
te. O problema é que não há comendaria emoções para a empresas ainda não foi real-
regras sobre como os professo- promoção de um aprendizado mente entendida a necessida-
res podem fazer tal convoca- mais eficaz. de de adotar novos modelos
ção, a não ser uma: transfor- teóricos para os programas
mar a aula em emoção. “Uma NOVOS MODELOS executivos e de treinamen-
BENJAVISA RUANGVAREE/SHUTTERSTOCK.COM

aula é tanto emoção como in- É chover no molhado dizer to – modelos esses que levem
teligência. Sem emoção não que, hoje, os cenários de negó- em conta toda a complexidade
há nada”, escreve Deleuze. cios são cada vez mais turbu- envolvida no aprendizado de
A conclusão também é uma: lentos e imprevisíveis. adultos e, especialmente, que
aprender precisa ser uma ex- É um pouco menos óbvio, prestem atenção aos afetos en-
periência gratificante e praze- no entanto, afirmar que os volvidos no processo.
rosa. A afetividade é o alicerce indivíduos agora são desafia- Como virar a chave e trans-
sobre o qual se constrói o co- dos a aprender permanente- formar os sistemas de trei-

edição 118 | 89
educação executiva | artigo

namento e desenvolvimento
(T&D) em algo mais eficaz?
Em primeiro lugar, é preci-
so reconhecer sinceramente
a insuficiência dos espaços de
treinamento ou salas de aula
atuais para dar conta do re-
cado. Esse reconhecimento é

ABRACADA/SHUTTERSTOCK.COM
mais difícil do que se imagina.
O passo imediatamente se-
guinte consiste em priorizar
estratégias ativas, baseadas em
experiências práticas ou em si-
mulações de situações (pro-
vocadoras potenciais de emo-
ções), bem como providenciar
tipos diferentes de ambientes
UMA DAS ESTRATÉGIAS ATIVAS
educacionais (que sejam capa- PARA TRABALHAR COM EMOÇÕES
zes de fazer as pessoas “acor- SÃO OS JOGOS EMPRESARIAIS
darem misteriosamente”).
Tanto na estratégia como
no ambiente, o domínio afeti-
voemocional tem de ser acio- certa situação, sem receber que motive as interações, es-
nado, para que o indivíduo se roteiros pré-prontos. timule mudanças de ações,
mantenha “acordado” men- • Estudos de caso: apresen- impulsione cada indivíduo a
tal, física e emocionalmente. tação de uma situação real criar. Se o ambiente despertar
Existem várias categorias ou fictícia para ser discutida emoções como medo e ansie-
de estratégias ativas de en- em grupo; a forma de apre- dade, o processo de aprendi-
sino que promovem apren- sentar o caso pode ser uma zado tenderá a ser dificultado.
dizados ancorados em emo- descrição, narração, diálo-
ções, entre elas: go, dramatização, sequência SOFT SKILLS AJUDAM
• Jogos empresariais: ati- fotográfica, filme ou artigo. Não é possível controlar
vidades lúdicas que envol- • A gendas de aprendiza- como alguém aprende, mas,
vem o cumprimento de re- do: registros de reflexões assim como a cognição e a
gras prescritas para vencer e aprendizados ocorridos ação, é preciso ver a emo-
um desafio, podendo ser in- em uma ação de T&D para ção como uma das formas de
dividuais ou em equipe, coo- consolidar o conhecimento transformar a experiência
perativos ou competitivos. que foi adquirido. de aprendizado. E a crescen-
• Dramatização: represen- O ambiente, por sua vez, te valorização das soft skills só
tação de uma situação real ou deve ser alegre e afetivo, para faz puxar esse movimento.
imaginária, com o objetivo de
discutir e ampliar as possibili-
dades de percepção e atuação Você aplica quando...
em situações similares.
• Role-playing: forma de ... reconhece que as salas de treinamento e de aula convencionais
ficaram insuficientes e adota uma ou mais de cinco estratégias de
dramatização na qual os
aprendizado ativas, tais como os jogos empresariais ou a dramatização.
participantes são orientados
a desempenhar papéis em ... cria um ambiente de aprendizado alegre e afetivo – e sem medo.

90 | edição 118
marketing e vendas | artigo
inovação

Conhece teus
CONCORRENTES
COMO A TI MESMO
Definir o posicionamento mercadológico de uma marca requer muita informação
sobre a concorrência, algo frequentemente subestimado; para tomar decisões
estratégicas, é preciso usar uma ferramenta que cruze dados quantitativos e qualitativos
dos rivais, descobrindo as lacunas a explorar | por MAXIMILIANO TOZZINI BAVARESCO

Maximiliano Tozzini Bavaresco


é fundador e CEO da consultoria estratégica Sonne e
professor de MBA e pós-graduação do Insper e da FIA-USP.

92 | edição 118
Vale a leitura porque...
... o discurso hegemônico sobre a orientação ao consumidor cas, suas relações e combina-
tem feito as empresas se esquecerem dos concorrentes, ções entre si, cruzando-as com
mas uma profunda análise destes pode apontar as as diferentes faixas de preços.
maiores oportunidades e as ameaças ao crescimento. Registrei sua propriedade inte-
lectual como “Vectors of Diffe-
... este artigo ensina a fazer tal análise passo a passo, rentiation and Pricing” (hoje a
cruzando dados quantitativos (preço) e qualitativos disponibilizo gratuitamente).
(diferenciais) de produtos/serviços, e também
mostra em que circunstâncias três companhias – JBS,
COMO FUNCIONA
Flow Executive Finders e Angelus – a fizeram.

P
Visualize um gráfico com
dois eixos: o vertical é quanti-
tativo – de faixas de preços –, e
o horizontal, qualitativo, repre-
Para vencer, é importante co- racterísticas de cada produto do sentando qualquer diferencial
nhecer a si e a seu adversário, segmento? Em que nichos estão que deseje analisar. Isso vai da
ensinava o general chinês Sun posicionados? Que nível de ser- qualidade do produto aos servi-
Tzu 500 anos antes do início da viço oferecem? E sabe onde está ços prestados, do atendimento
era cristã. Para afastar o risco de posicionada sua marca compa- ao cliente à área geográfica de
derrotas, há que avaliar correta- rativamente à concorrência? atuação, do prestígio da marca à
mente as próprias forças e as do Muitos gestores até têm essas relação com o consumidor.
oponente, completou Nicolau respostas, mas de maneira iso- Os dados virão de múltiplas
INGAGA/SHUTTERSTOCK.COM

Maquiavel, o precursor da ciên- lada, o que – Sun Tzu e Ma- fontes: pesquisas de mercado,
cia política, na Itália dos 1500. quiavel concordariam – ajuda análise da concorrência, ten-
A Olimpíada que acabamos pouco na decisão sobre seu dências futuristas, mapas de mí-
de acompanhar mostrou que posicionamento no mercado. dias sociais que levantem neces-
nos esportes, como na competi- Para tomar decisões mais pre- sidades não atendidas etc.
ção de vela que ilustra este arti- cisas, devem-se cruzar todas as A matriz resultante leva os
go, também é crucial conhecer informações disponíveis sobre gestores a enxergar os espaços
os rivais. E nos negócios não é os rivais e compará-las com as de ameaças e oportunidades de
diferente, por mais que o discur- de sua empresa, sempre levan- mercado que antes passavam
so atual, centrado no consumi- do em conta aspectos quantita- despercebidos e, assim, fica mais
dor, exclua a concorrência: ter tivos e qualitativos. fácil decidir ampliar o portfólio
uma visão clara dos players do Em 2007, durante um curso de produtos em determinada
setor é obrigatório para nortear em Chicago, nos EUA, preci- direção ou reposicionar uma
ações estratégicas e aumentar sei fazer uma análise sobre po- marca. Usando uma metáfora
as chances de sucesso. Só que, tenciais fusões e aquisições para em voga, a ferramenta confe-
dada a multiplicação dos con- uma empresa e tive de levan- re aos disputados oceanos ver­
correntes existentes, essa tarefa tar os dados das concorrentes. melhos uma cor azulada.
ficou tremendamente difícil. Deu trabalho, mas rendeu um Essas informações tendem a
Não é apenas o maior núme- insight: eu podia desenvolver impactar desde a área de pes-
ro de players que complica as coi- uma ferramenta para posicio- quisa e desenvolvimento – que
sas; a pouca diferenciação entre nar uma empresa no mercado. mais facilmente identificará
as marcas torna vários elemen- De volta ao Bra­sil, concebi e novos nichos a explorar – até os
tos intangíveis e/ou difíceis de refinei a ferramenta e comecei departamentos de marketing e
comparar. Pense bem: você a aplicá-la em meus projetos de vendas. Estes farão uma co-
realmente conhece seus con- de consultoria estratégica, para municação mais persuasiva se
correntes? Consegue dizer que analisar diferentes elementos puderem enfatizar seus diferen-
preços praticam? Quais as ca- da proposta de valor das mar- ciais em relação aos rivais.

edição 118 | 93
marketing e vendas | artigo

A real compreensão dos “ini- lecionadas e com cortes diferen- com dentistas e distribuidores
migos” e de “si mesmo” não ciados; Maturatta Friboi, para de produtos odontológicos e
serve só a grandes corporações. churrasco; Do Chef Friboi, em estudos de mercado, a fer-
Qualquer empresa que comer- para o mercado de food service; e ramenta surpreendeu Roberto
cialize um produto ou servi- Angus Friboi, produto premium Alcântara, presidente da Ange-
ço em um mercado concorri- com cortes certificados pela as- lus. “Muitas de nossas impres-
do terá vantagem em usar essa sociação de criadores de gado sões e conceitos não batiam
análise – e não importa o porte. Angus. A marca guarda-chuva com a realidade”, relembra.
Friboi, mantida, ganhou nova “Um exemplo foi o atribu-
QUANDO USAR identidade visual. to funcional de ‘dessensibili-
Como uma empresa de pro- A Angelus, empresa brasilei- zação’; seu peso mostrou ser
duto B2C, uma B2B e uma de ra de soluções de odontologia muito maior que o esperado.”
serviços aplicariam a ferramen- fundada em 1994, recorreu à Isso fez a empresa voltar ao
ta? A JBS, a Angelus e a Flow ferramenta quando se prepa- laboratório para aperfeiçoar a
Executive Finders me autoriza- rava para estrear no mercado fórmula química do produto.
ram a contar suas experiências. B2B com uma linha de clarea- Ela ainda reorganizou o mo-
Cerca de dois anos atrás, a dor dental para uso profissional delo de vendas e desenvolveu
JBS havia decidido segmentar e kit para continuidade do tra- embalagens mais inovadoras,
sua marca Friboi, da divisão tamento pelo paciente em casa. em especial para o tratamento
de carnes, em diferentes mar- Com dados obtidos em pes- continuado em casa. E decidiu
cas endossadas. Seus gestores quisas de campo com distri- buscar o mercado internacio-
tinham uma pergunta a res- buidores, em entrevistas feitas nal, além do doméstico.
ponder: qual seria a melhor ar-
quitetura de marcas para o re-
posicionamento dos produtos
Friboi, de modo que não hou- Faça sua ferramenta:
vesse sobreposição? TÊNIS – PREÇO VERSUS AMORTECIMENTO
Maria Eugênia Rocha, ge- MARCA 20

rente-executiva de marketing
PREÇO ALTÍSSIMO:
da divisão de carnes da JBS, ACIMA DE R$ 600
MARCA 19

conta que, com dados extraídos MARCA 18

de pesquisas de mercado e aná- MARCA 17

lise da concorrência, a empresa PREÇO ALTO:


MARCA 15

cruzou atributos como canal de ENTRE R$ 300 E R$ 600 MARCA 16 MARCA 14


MARCA 13
distribuição, tipo de produto e MARCA 11 MARCA 12

raça do animal com os preços.


“Enxergamos os gaps e isso fa- PREÇO INTERMEDIÁRIO: MARCA 10
MARCA 8
MARCA 6
MARCA 7

cilitou a elaboração da propos- ENTRE R$ 150 E R$ 300 MARCA 9 MARCA 5

ta de valor para cada marca da MARCA 3 MARCA 4

família Friboi”, reconhece ela,


MARCA 2
ressaltando o impacto sobre- PREÇO BAIXO:
MARCA 1
ENTRE R$ 50 E R$ 150
tudo na marca Angus Friboi,
cujo posicionamento quanto
ao canal e à faixa de preço era
uma incógnita para a empresa. PREÇO BAIXÍSSIMO:
ABAIXO DE R$ 50
Em março de 2016, a JBS
anunciou as novas bandeiras:
Reserva Friboi, para carnes se- SISTEMA DE SISTEMA EM SISTEMA SÓ NO SEM SISTEMA – APENAS
AMORTECIMENTO TODO O SOLADO CALCANHAR EVA (etileno vinil acetato)

94 | edição 118
A Flow Executive Finders, em- NÃO BASTA TER por conta de pesquisas de mercado.
presa de seleção de executivos, foi Cruzando os preços com os atri-
um caso diferente: pouco tempo de- DADOS DOS RIVAIS; butos, você logo descobriria os es-
pois de iniciar operações, em 2011, É PRECISO CRUZÁ-LOS paços mais e menos ocupados no
quis refinar seu modelo de negócio. mercado em relação ao sistema
Para isso, fez três pesquisas: uma
E COMBINÁ-LOS de amortecimento. Se seguisse o
de dados secundários com fontes DINAMICAMENTE mesmo procedimento com outros
especializadas, uma quantitativa atributos que julgasse relevantes,
com mais de 130 executivos (entre mantendo as mesmas faixas de
CEOs, CFOs e gestores de RH de FAZENDO VOCÊ MESMO apreçamento, em poucas horas
empresas médias e grandes, nacio- Você pode fazer uso de nossa fer- encontraria o lugar que sua marca
nais e internacionais) e entrevistas ramenta de maneira prática e intui- poderia passar a ocupar, evitando
qualitativas com cerca de cem exe- tiva utilizando apenas um flip chart os espaços superpovoados e ru-
cutivos contratados pelo método de ou algumas folhas de sulfite. Basta mando para as lacunas à espera de
executive search. desenvolver seus próprios vetores, serem exploradas.
Descobriu que só 18% dos can- como no esquema apresentado na Acabou a Olimpíada e, se você
didatos consideravam os players do página anterior, com o conheci- é fabricante de calçados esportivos
setor profissionais, competentes mento que tem acerca do mercado ou de qualquer outro produto ou
e eficientes e que apenas 27% ha- onde sua empresa está (ou pretende serviço, meu conselho é que refa-
viam desenvolvido um relaciona- estar, um dia) e, a partir disso, deci- ça essa análise em uma frequência
mento com seus headhunters. Dados dir sobre seu posicionamento. compatível com o dinamismo de
como esses, inseridos na ferramen- Por exemplo, imagine que sua seu segmento. É necessário sempre
ta, permitiram à Flow buscar um empresa fosse uma fabricante local atualizar as informações – se pos-
posicionamento novo. “Ao com- de calçados esportivos e desejasse, sível, fazendo sua equipe captá-las
preendermos como nossa marca um ano atrás, com vistas às ven- in loco –, porque os concorrentes se
seria percebida, nos diferencia- das na Olimpíada Rio 2016, re- movimentam constantemente e
mos”, diz Luiz Gustavo Mariano, posicionar seus tênis de corrida no novos players surgem a cada dia. (É
sócio-fundador da empresa. mercado disputado com outras 19 bem capaz que seu novo maior con-
O esforço de diferenciação co- concorrentes, com o objetivo de ga- corrente tenha acabado de entrar
meçou pela governança – a Flow nhar maior visibilidade. no mercado, inclusive.)
criou um sistema de partnership A primeira coisa a fazer teria Repita a análise com seus outros
aberto (em vez de propriedade de sido montar o eixo vertical com o produtos – outros tênis e talvez rou-
cotas) que garantiu igualdade de preço ao consumidor dos modelos pas e acessórios, no caso hipotético
oportunidades para que os head­ de tênis, que variam entre R$ 150 e tratado – e explore cada diferencial
hunters da equipe se tornassem só- R$ 850: você dividiria o eixo em competitivo que puder encontrar.
cios da empresa. Assim, as relações cinco faixas de apreçamento.
dos clientes e dos candidatos com Em seguida, você estabeleceria A LIÇÃO ESSENCIAL
a Flow ficaram mais institucionais o atributo que desejasse comparar Volto à pergunta: você realmente
– e perenes – e menos individuais. entre sua marca e as outras 19 – por sabe quem são seus concorrentes e
A percepção de má qualidade exemplo, o sistema de amorteci- qual é o melhor espaço para sua em-
do mercado de executive search, evi- mento – e colocaria, no eixo hori- presa no mercado?
denciada pela ferramenta, tam- zontal, suas variações – com sistema Você precisa saber. Utilize os veto-
bém levou a empresa a adotar uma em todo o solado, com sistema só res aqui descritos – os dados quan-
abordagem de avaliação que, segun- no calcanhar e sem sistema (apenas titativos e qualitativos seus e dos ri-
do Mariano, reduziu o custo para os EVA – etileno vinil acetato). vais – e você descobrirá uma série
clientes e incluiu a compreensão do Note que você certamente teria de oportunidades para crescer. E
risco financeiro da contratação er- essas informações e dados à mão, ou de ameaças. Não acredita em mim?
rada de um executivo. na memória de seus vendedores ou Creia em Sun Tzu e Maquiavel.

edição 118 | 95
coluna • HSM

JARDINS, AQUÁRIOS E AUTOR CONVIDADO:


Luis Augusto
Lobão Mendes

A LONGEVIDADE é diretor da HSM Educação


Executiva, com vasta experiência
executiva no desenvolvimento
Viver para sempre é impossível, mas a vida organizacional é e implantação de modelos de
gestão e acadêmica.
prolongada se gerida como um ecossistema, com quatro “tradições”

E
m sua última entrevista em e algumas morrem, mas o sistema ao deixar de ser comandada por
vida, concedida à revista HSM continua vivo. Terry Leahy.
Management, Peter Drucker Organizações podem durar mais O que aconteceu com essas
disse que árvores não crescem até do que suas atividades individuais se empresas? No caso da Tate & Lyle
o céu e que assim, da mesma forma, forem jardins. Proponho analisarmos e da GKN, acredito que cultivaram
empresas não vivem indefinidamente. as histórias de quatro empresas, o que eu chamei de visão de jardim
O mestre estava certo. Porém destacadas pelo jornal britânico completo ou de aquário – praticaram
eu gosto de fazer outra analogia, Financial Times e pelo livro Strategic a gestão de produtos/serviços que
também com a natureza – se todos Transformation, de Manuel Hensmans, possibilita que, enquanto umas
nós, indivíduos, queremos viver o professor da Toulouse Business murcham, outras floresçam. (E
máximo que pudermos, com saúde, School, em coautoria com Gerry também tiveram um bocado de sorte,
desejamos isso também para nossas Johnson e George Yip. provavelmente.)
organizações. Como fazer a proeza? Segundo o Financial Times, das A Tate produzia açúcar e foi
Nosso pensamento sobre 30 empresas que compunham mudando o foco para ingredientes
crescimento e declínio está originalmente o índice de ações FT30, especiais, até vender seu braço
dominado pela imagem de uma apenas duas mantiveram-se como açucareiro em 2010; a GKN, que
única vida média, animal ou vegetal membros da cesta ininterruptamente fabricava produtos como pregos e
– brotar, florescer completamente e de 1935 até hoje: a Tate & Lyle, que ganchos, investiu em uma empresa
morrer. “A flor que uma vez vicejou hoje fabrica adoçantes, e a GKN, alemã de autopeças e acabou
sempre morrerá.” No entanto, empresa de engenharia. conduzida por essa trilha.
para uma sociedade que se renova E, conforme o livro de Hensmans, Já a Cadbury e a Tesco foram infiéis
constantemente, a imagem mais a fabricante de chocolates Cadbury a seu jardim, que, traduzido por
apropriada seria a de um jardim Schweppes decaiu depois de ser Hensmans, é o conjunto de quatro
completo, um aquário equilibrado ou separada em 2008 (quando a divisão tradições estratégicas: continuidade
outro ecossistema qualquer – coisas Schweppes, de bebidas, foi vendida), (envolve reinventar sucesso histórico
nascendo, enquanto outras florescem bem como a supermercadista Tesco em vez de eliminá-lo), antecipação
(para aproveitar os imprevistos),
contestação (clima permanente
Maturidade de desafio, debate e autocrítica) e
Crescimento
mobilidade (trazer sangue novo).
A Cadbury Schweppes teria dado
Crescimento
Nova um tiro no pé quando vendeu a
plataforma divisão Schweppes, pois acabou com
a tensão criada entre o braço de
Reorganização
chocolates (continuidade) e o de
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

empresarial
bebidas (contestação). A Tesco fez algo
Início similar no momento em que Terry
Crise
Leahy foi embora, porque ele garantia
Falência a antecipação e a mobilidade.

98 | edição 118

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