Você está na página 1de 10

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

Alicy Neves de Moura

Ana Carolina Peixoto Costa

Diego Pinheiro Carvalho Miranda

Iago Eanes Batista Sousa

Ingrid Menezes Sieira de Magalhães

Larissa Ramos de Mendonça

Natália Ludvig Lima

Paulo César de Araújo Preá

Estudo de Caso - Direito ao Esquecimento

Belo Horizonte
2021
Vincenzo Demetrio Florenzano

Estudo de Caso - Direito ao Esquecimento

Trabalho apresentado à disciplina


de Direito Constitucional II - da
Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Curso de Direito, 5º
período, Campus Praça da
Liberdade.

Orientador: Vincenzo Demetrio


Florenzano

Belo Horizonte
2021
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4

2. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA ......................................................................... 4

3. POSSÍVEL CONTESTAÇÃO DA EMISSORA ....................................................... 7

4. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 8

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 10


1. INTRODUÇÃO

Em caráter inicial, torna-se necessária breve exposição acerca do contexto


fático que engendrou tal litígio de repercussão geral. Com vistas a isso, a ação foi
interposta por Nelson Curi e outros, na qual se requere a indenização por danos
morais e ressarcimento da família quanto o uso ilegal da imagem de Aída Curi para
fins lucrativos, em desfavor da emissora Globo.
A causa concerne a matéria jornalística apresentada pela referida rede de
televisão na data de 29/04/2004 em seu programa “Linha Direta - Justiça”. O episódio
transmitido remonta os fatos relacionados ao homicídio de Aída Curi, ocorrido no dia
16 de julho de 1958, no bairro de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro/RJ.
Ademais, a família da vítima fundamentou seu pedido no fato da exibição do
documentário reabrir dolorosas lembranças e feridas do passado, no uso não
permitido da imagem de seu ente querido; se atendo ao princípio do Direito ao
Esquecimento.
Ademais, foi arguido pela advogado dos autores que o réu havia transmitido
uma obra cinematográfica, com roteiro e imagens extremamente dramáticas e a fim
de, meramente, prender a atenção do telespectador; sem nenhum compromisso com
a verdade, ao mesmo tempo que não haveria demonstrado respeito pela história da
vítima e de seus familiares.
O pedido foi julgado improcedente, em primeira instância, pela 47ª Vara Cível
da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Em análise do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro, a sentença foi mantida em razão da liberdade de expressão que detém o
réu e o fato do Direito ao Esquecimento estar na contramão da necessidade de
informação e alerta. Na fase de Recurso Especial, o pedido dos autores foi julgado
improcedente, segundo o entendimento da maioria, caso a ação fosse acatada, seria
possível abrir precedentes para um possível cerceamento do direito à informação e
da liberdade de imprensa, assegurada no art. 220 da Constituição Federal.

2. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

A ação movida em despeito da emissora Globo, como acima explicitado, teve


como parâmetro legal o Direito ao Esquecimento, consistindo este em desdobramento
do direito à privacidade. Nos casos concretos é necessária ponderação, uma vez que
tal direito, do ponto de vista jurisprudencial, não é um direito absoluto, já que colide
com outro direito fundamental, qual seja o Direito de Liberdade de Imprensa
(informação).
O direito à informação é um dos direitos fundamentais em uma sociedade
democrática, isso porque por meio desse princípio constitucional é garantido o
exercício digno da cidadania, bem como a soberania popular pelo controle social em
face a atuação da administração pública; além de permitir a efetivação e
desenvolvimento de outros direitos. Partindo desse pressuposto, é válido ressaltar um
trecho da obra “Direito ao Esquecimento na Internet: Das Decisões Judiciais do Brasil”
pela Editora Juruá durante o IX Congresso Internacional da ABraSD (Associação
Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito) da Mestre Melina Ferracini de
Moraes que diz que:

“O direito de se informar consiste na faculdade conferida ao indivíduo de


buscar informações sem obstáculos ou restrições desprovidas de
fundamentação constitucional. O direito de se informar traduz-se como um
meio de acesso à informação constante de registros ou banco de dados
públicos. A garantia não se restringe apenas ao conhecimento, mas também
abrange a possibilidade de corrigir essa informação. O direito de ser
informado e o direito de se informar estão relacionados à possibilidade de se
obter informações, ao passo que o direito de informar relaciona-se com a
transmissão de informações. Os três conceitos formam, juntos, o valor
fundamental do direito à informação” (MORAES, 2018, p. 29).

A Constituição da República Federativo do Brasil (CRFB/88) discorre nos


artigos 5º, inciso XIV e XXXIII de forma expressa sobre o direito à livre expressão na
atividade de comunicação, sendo esta independente de licença e censura; entretanto
não se omite no caso de responsabilização quando há ofensa à imagem, honra,
privacidade e intimidade. Acerca disso, Gilmar Mendes argumenta em seu livro que:

“A proibição de censura não obsta, porém, a que o indivíduo assuma as


consequências, não só cíveis, como igualmente penais, do que expressou”
(MENDES,2020). Logo, havendo excesso como mesmo exposto pelo texto
constitucional a parte que ofende a outra parte deverá ser responsabilizada.
Outrossim, o artigo 220 do mesmo diploma jurídico dispõe que:

“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob


qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,
observado o disposto nesta Constituição''.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística” (BRASIL, 2021).

À vista disso, doutrinariamente, a liberdade de conhecimento deve ser


propagada de forma verídica, responsável e visando o interesse coletivo; bem como,
os veículos de informação devem ter por finalidade o compromisso com a informação
imparcial de modo a noticiar com exatidão a informação. Sobre o assunto, Alexandre
de Morais defende que quando a informação é de utilidade pública, o direito individual
é mitigado em favor deste, pois a informação com este caráter possui aplicabilidade e
valores que refletem os interesses objetivos dos que recebem ou podem receber à
informação.
Ademais, dado que o Direito ao esquecimento não se trata de um
entendimento já superado, deverá sempre perpassar por um grande debate
principiológico que, em última análise, dependerá do caso concreto para que a técnica
da ponderação possa ser exercida.
A complexidade da questão se dá muitas vezes, na dificuldade de se
estabelecer no caso concreto, se há o interesse público de fato no caso em análise,
ou se o uso das informações teve o intuito de gerar um mero entretenimento com o
objetivo de saciar a curiosidade de terceiros.
Nas palavras da juíza e professora Viviane Nóbrega Maldonado:

“não há fórmula rígida para o estabelecimento de critérios, notadamente


quanto à definição do que seja relevante do ponto de vista histórico, a tornar
subsistente o interesse público [...] Sendo assim, apenas por meio do
exercício de ponderação entre todos esses direitos de igual dimensão,
chegar-se-á ao justo resultado, no caso concreto, no que pertine à
possibilidade de que a imprensa dê divulgação, no momento atual, quanto a
fatos obsoletos” (MALDONADO, p. 274)
À fim de ampliar as referências, podemos trazer parte da doutrina americana
para extrair outros pontos de vista e traçar um direito comparado.
Daniel Solove, professor de Direito da Universidade George Washington, atesta
que a ideia contemporânea de direito à privacidade e, consequentemente, de direito
ao esquecimento conflita com a liberdade de expressão e de informação muito mais
do que as antigas leis de proteção da pessoa contra a difamação. Segundo ele, o
direito à privacidade em seu conceito atual, pressupõe que mesmo o ato de divulgar
informações verídicas sobre alguém tem o potencial de causar algum dano.
Por esse motivo, Solove cita que a Suprema Corte Americana tem firmado o
entendimento de que o direito à liberdade de expressão e de informação demanda
ponderação caso a caso frente aos outros direitos fundamentais envolvidos, inclusive
o Direito à privacidade em questão. Ainda assim, de acordo com o mesmo, há o
entendimento de que se deve manter sobre estas liberdades comunicativas, no
mínimo, uma posição preferencial diante dos demais direitos em conflito.
Vale ressaltar, que devido à recente influência que diversos juristas e os
tribunais superiores brasileiros vêm recebendo da doutrina e jurisprudência de outros
países, tal como o Estados Unidos em variados casos, muitos constitucionalistas
passaram a defender, que o direito à liberdade de expressão e de informação no
Brasil, também deve manter uma posição preferencial quando colocado à frente de
outros princípios. Neste sentido, o Ministro Luís Roberto Barroso argumentou que a
restrição prévia, judicial ou legislativa, de publicação ou divulgação de fato ou de
opinião deve ser, necessariamente, excepcional, posto que a Constituição Federal
não contempla, ao menos explicitamente, esta possibilidade de limitação.

3. POSSÍVEL CONTESTAÇÃO DA EMISSORA

Em primeira instância, é de natureza essencial demonstrar a impossibilidade


de apresentar a fatídica história do homicídio de Aída Curi sem fazer menção a sua
pessoa, uma vez que, lamentavelmente, tornou-se elemento indispensável no
decorrer do delito e do inquérito policial. Consequentemente, a falta de sua citação ou
dos detalhes envolvendo o referido caso, seria ato ilógico, visto tratar-se de
adulteração do mundo dos fatos; desconsiderando-se a importância de transmitir a
verdade aos cidadãos.
Segundamente, o delito foi exibido em programa jornalístico, que se presta da
criação de documentários acerca de eventos históricos de considerável interesse
público; o programa “Linha Direta - Justiça”, limitou-se a exposição objetiva dos fatos
concernentes a trágica morte de Aída Curi, não possuindo qualquer intuito de difamar,
caluniar ou injuriar a vítima do crime ou qualquer de seus familiares. Acrescenta-se
aqui, a condição pública do que publicado, uma vez que extremamente divulgados,
nas últimas cinco décadas, pela mídia e nos meios acadêmicos; resta comprovado,
portanto, o exercício regular do direito de imprensa e de expressão, sem qualquer
violação à privacidade da parte autora.
Outrossim, apesar da necessidade da emissora Globo de gerar lucros para se
manter no mercado capitalista; contudo, no caso concreto em análise não é
observável a elevação deste quantitativo com o mero uso da imagem de Aída Curi e
apresentação dos fatos ligados ao homicídio da mesma, muito menos a atração de
patrocinadores, já que o crime foi praticado muitas décadas antes. Assim, confirma-
se, somente, o cumprimento da função social de informar da produtora de conteúdo;
contribuindo também para a conscientização e reflexão acerca da sociedade em que
vivemos, com fins em nosso prosperar.
Finalmente, acrescenta-se o fato de que a ideia do programa é absolutamente
comum no Brasil e no exterior e que incontáveis vezes veículos de comunicação
divulgaram programas jornalísticos sobre casos criminais célebres.

4. CONCLUSÃO

Embora não se possa desprezar a dor que o revolvimento de certos fatos pode
provocar a determinadas pessoas, em especial a família e amigos de vítimas de
crimes violentos, como na hipótese debatida, é importante analisar o risco proveniente
do uso abstrato do direito ao esquecimento, o qual não pode ser aplicado sem uma
ponderação entre os direitos envolvidos para evitar a supressão de registros
históricos, informáticos e jornalísticos de domínio público.
Consequência direta de sua aplicação é a impossibilidade de acesso a
informações, não só por parte da sociedade em geral, mas por estudiosos; impedindo
à sociedade conhecer seu passado, revisitá-lo e refletir sobre ele. Com base nisso,
bem como no direito de imprensa, é de competência da imprensa recontá-los
indefinidamente, bem como rediscuti-los, em diálogo com a população.. Sendo
inegável o interesse público na discussão aberta de fatos históricos pertencentes à
memória coletiva, e de todos os pormenores a ele relacionados.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da


Personalidade. Revista de Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, v. 235 jun. 2004 p. 2.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 16
mar. 2021.
CONSALTER, Zilda Mara. Direito ao esquecimento – Proteção da Intimidade e
Ambiente Virtual. Juruá, 2017, p. 410.
MALDONADO, Viviane Nóbrega. O direito ao esquecimento. Escola Paulista de
Magistratura, p.274.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 15. São Paulo Saraiva
2020 1 recurso online (IDP). ISBN 9788553618088.
MORAES, Melina Ferracini. Direito ao esquecimento na internet – Das decisões
Judiciais no Brasil. 22 ed. Curitiba, 2018, p. 156.
SOLOVE, Daniel. The Future of Reputation: Gossip, Rumor and Privacy on the
Internet. New Haven: Yale. University Press, p. 126-127.

Você também pode gostar