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DOUTRINA

Paula Costa e Silva - A liquidação da massa insolvente

A LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE(1)

Pela Prof. Doutora Paula Costa e Silva

SUMÁRIO:
A liquidação da massa insolvente—1. O processo legislativo conducente ao novo regime de insolvência—2.
Enquadramento geral da insolvência, apresentação do tema e delimitação do objecto—3. A massa insolvente—
3.1. A noção de massa insolvente—3.2. Integração de bens isentos de penhora na massa insolvente—4. A
liquidação da massa insolvente—4.1.. A assembleia de apreciação do relatório—4.2. A venda de bens
integrados na massa insolvente—4.2.1. O trânsito em julgado da decisão declaratória da insolvência—4.2.2. A
articulação dos meios de impugnação da decisão declaratória da insolvência—4.2.3. A conformação da
actuação do administrador da insolvência com as deliberações da assembleia de credores—4.3. A venda
imediata de bens da massa insolvente—4.4. A liquidação da empresa—4.5. A liquidação de bens indivisos ou
sobre os quais seja exercido direito à restituição—5. Os actos de especial relevo—6. Liquidação e credores
garantidos e preferentes—7. Competência funcional e destituição do administrador da insolvência na fase da
liquidação—8. O depósito do produto da liquidação—9. O processamento da liquidação—10. A dispensa de
liquidação—11. A incidência eventual da apresentação e homologação de um plano de insolvência sobre a
liquidação—12. A incidência do deferimento da administração da massa insolvente ao devedor sobre a
liquidação—13. Repercussão da insuficiência da massa sobre a liquidação.

1. O processo legislativo conducente ao novo regime de insolvência

Em 18 de Março de 2004, foi publicado o Decreto-Lei n.° 53/2004, que veio instituir um novo modelo de
execução universal. O diploma previa como data para a respectiva entrada em vigor o dia 15 de Setembro de
2004. Em 18 de Agosto de 2004, foi publicado o Decreto-Lei n.° 200/2004 que, segundo se afirma no
respectivo preâmbulo, se destinaria a “assegurar que a entrada em vigor de uma reforma desta envergadura (a
reforma integral do direito falimentar nacional) não é prejudicada por eventuais dúvidas que a redacção legal
possa suscitar nos operadores judiciários.” Apesar de tais dúvidas exigirem que se procedesse, tão só, “a
pequenas correcções e ajustamentos que, entretanto (!) se verificaram ser necessários”, o legislador entendeu
por bem proceder a uma republicação, em Anexo ao Decreto-Lei n.° 200/2004, de 18 de Agosto, do Código da
Insolvência e da Recuperação de Empresas, “não só para que o trabalho dos operadores judiciários fique mais
facilitado como para que o novo diploma esteja mais acessível.”

Pareceria que os operadores judiciários bem dispensariam semelhante cautela atendendo a que o legislador
não só os considerou capazes de absorverem mais uma reforma (agora a reforma integral do direito
falimentar, nas palavras do legislador) em seis meses, como porque o mesmo legislador afirma que a
“preparação dos meios humanos e materiais necessários para a correcta implementação do novo regime (...)
foi já iniciada, quer a nível legal, com realce para o novo Estatuto do Administrador da Insolvência, quer ao
nível da divulgação e da discussão da reforma”.

Depois da experiência com a reforma da execução singular, teme-se experiência semelhante com a reforma da
execução universal. Entre Março de 2003 e Setembro do mesmo ano, os operadores judiciários tiveram de
absorver um novo modelo de execução singular, inspirado no modelo francês. Entre Março de 2004 e Setembro
do mesmo ano, os operadores judiciários tiveram de absorver um novo modelo de execução universal,
inspirado na lei alemã. Ainda é cedo para que as estatísticas demonstrem os resultados reais do novo modelo
falimentar. Talvez seja já tarde demais para se apagarem das estatísticas os efeitos da entrada em vigor do
novo regime de execução singular. A realidade vem infirmando a aparente normalidade, que visa conferir-se a
um processo legislativo cada vez mais fortemente marcado por calendários políticos no preâmbulo dos
diplomas que vão procedendo a sucessivas reformas das reformas antes das respectivas entradas em vigor. A
fasquia colocada pelo legislador nacional nos diferentes operadores judiciários (ou a confiança na respectiva
capacidade) é elevadíssima. Lê-se em um dos grandes comentários à Insolvenzordnung que esta Lei, publicada
em 18 de Outubro de 1994, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 após décadas de discussão(2). O nosso
legislador sabe-nos capazes de absorvermos em seis meses uma reforma idêntica em envergadura àquela que
os operadores judiciários alemães levaram 4 anos e dois meses a assimilar. O legislador nacional sabe ser tal a
maturidade do sistema jurídico português que se permite dispensar os longos anos de discussão que a
Alemanha entendeu serem necessários.

Idiossincrasias como a que acabámos de descrever trazem-nos sempre à memória um episódio ocorrido em
Lisboa aquando da reforma do sistema (legal) nacional em matéria de prova. Este foi brilhantemente
apresentado por um orador que, face a uma audiên-cia constituída por magistrados de diversos países
europeus, absolutamente maravilhados com a modernidade nacional, referia a nova modalidade de inquirição
por video conferência. Apesar de, talvez por pudor, nenhum dos ouvintes ter perguntado se os tribunais
portugueses dispunham dos meios que a lei supunha, o orador seguinte não resistiu a afirmar, no início da sua
intervenção, que o seu país não tinha capacidade financeira que lhe permitisse dotar os tribunais dos sistemas
inovadores seguramente instalados nos nossos tribunais. O constrangimento foi total na medida em que quem
depunha acerca do estado de penúria comparativa era um juiz de um tribunal superior alemão.

2. Enquadramento geral da insolvência, apresentação do tema e delimitação do objecto

Tradicionalmente, a insolvência (e/ou falência) é estudada enquanto tipo de processo de liquidação de um


património (cfr. epígrafe do Capítulo XV do Livro III, Título IV do Código de Processo Civil), sendo afastada dos
demais processos de liquidação de um património pela finalidade (a insolvência é o processo de liquidação
realizado em benefício dos credores) e da liquidação singular por esta consistir num processo de liquidação em
benefício de um credor (o credor exequente da acção executiva destinada ao pagamento de quantia certa).
Para além dos gravosos efeitos substantivos que desencadeia(3), sendo um processo tendencialmente universal
(a insolvência envolve a liquidação de todo o património penhorável do devedor em benefício de todos os seus
credores), a insolvência apresenta-se como um processo de elevada complexidade(4), incluindo múltiplas
actividades, repartidas por uma fase declarativa e por uma fase executiva, entre as quais avultam, na
primeira fase, a declaração do devedor em estado de insolvência e, na segunda, as de apreensão e liquidação
dos bens do devedor, de identificação do passivo e de pagamento aos credores.

Não curaremos, aqui, de todo o processo de insolvência, mas tão só da liquidação da massa insolvente, acto
complexo integrado na fase executiva do procedimento, instrumental à realização do fim da insolvência: a
satisfação dos interesses dos credores(5).

Em que consiste a liquidação da massa insolvente?

Diremos que a liquidação da massa insolvente envolve as operações/actividades que se integram na liquidação
em sentido estrito por contraposição aos actos que se costumam considerar integrados na fase da liquidação
em processo insolvência. Enquanto esta, supondo a declaração do devedor em estado de insolvência, integra
as actividades de apreensão de bens, verificação do passivo, liquidação do activo e pagamento aos
credores(6), a liquidação em sentido estrito respeita, tão só, à liquidação do activo. E é da liquidação em
sentido estrito que nos ocuparemos.

3. A massa insolvente

3.1. A noção de massa insolvente

Analisar a matéria da liquidação da massa insolvente supõe que se saiba, antes de mais, em que consiste esta
massa.

A noção de massa insolvente surge no art. 46 do CIRE. Segundo o n.° 1 desta disposição legal, a massa
insolvente abrange todo o património do devedor à data (e hora(7)) da declaração de insolvência, bem como
os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Que esta massa é um património de afectação
resulta do próprio art. 46/1 uma vez que aí se refere que este se destina à satisfação dos interesses dos
credores da insolvência.

Apesar da sua aparente simplicidade, o art. 46/1 não é ausente de dificuldades. Pergunta-se: o que quer a lei
significar quando dispõe que a massa é constituída, salvo disposição em contrário, por todos os bens do
devedor, destinando-se esta massa à satisfação dos interesses dos credores? Se a dúvida não reside em saber
se a declaração de insolvência apenas atinge os bens actuais ou se também implica a integração na massa de
bens futuros, já que, quanto a este aspecto a solução é clara (integração de todos os bens, actuais e futuros,
na massa), Que disposições podem estar aqui em causa? Aquelas que preservam determinados bens do devedor
da satisfação dos interesses dos credores ou, mais imediatamente ainda, aquelas que isentam determinados
bens do devedor de penhora, logo, da susceptibilidade de responderem pelas dívidas do insolvente?

Se concatenarmos o art. 46/1 do CIRE com o art. 601 do Código Civil, entendemos ser esta a solução. Ao
prever que, salvo disposição em contrário, a massa insolvente será integrada por todo o património do
devedor, deve o art. 46/1 do CIRE ser interpretado no sentido de a esta massa pertencerem apenas os bens
que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas dívidas do devedor.

Se é este o sentido da disposição porque se terá o legislador afastado da terminologia tradicional, nos termos
da qual a massa é constituída “por todos os bens susceptíveis de penhora” (cfr. art. 175/1 do CPEREF)?

Uma comparação com a evolução do sistema alemão pode explicar este afastamento. Dispunha o § 1 da
Konkursordnung que a massa insolvente era constituída por todo o património do devedor submetido a
execução. Lê-se, agora, no § 35 da Insolvenzordnung que o processo de insolvência abrange a totalidade do
património pertencente ao devedor à data da abertura do procedimento, bem como aquele que, durante tal
processo, o devedor vier a adquirir. Se perante o regime da Konkursordnung os bens adquiridos pelo devedor
após a abertura do processo apenas poderiam ser afectos à satisfação dos interesses de credores que viessem
a adquirir esta qualidade também em momento posterior àquele(8), com a redacção do § 35 da
Insolvenzordnung teve o legislador em vista afectar o património do devedor, contemporâneo e ulterior à
declaração de falência, à satisfação dos interesses de todos os seus credores, pondo fim à segregação até
então existente. A abertura do processo deixou de constituir uma cesura à reclamação de créditos, adquirindo
o procedimento, na sua nova conformação, natureza verdadeiramente universal.

A supressão da referência no § 35 à susceptibilidade de execução dos bens que compõem a massa insolvente
não implicou que a Insolvenzordnung tivesse passado a prever que os bens isentos de penhora integram aquela
massa. Com efeito, logo no § 36.1 se dispõe que não pertencem à massa objectos não submetidos à execução
(ou que não podem ser atingidos em execução).

Será que, num esforço de simplificação, o legislador nacional disse, ao prever que, salvo disposição em
contrário, a massa insolvente é integrada por todo o património do devedor, aquilo que encontramos no § 36.1
da Insolvenzordnung?

Conforme já acima sustentámos, pensamos que a resposta a esta interrogação deve ser positiva. As disposições
que podem implicar que determinados bens, pertencentes ao devedor, não venham a integrar a massa
insolvente são aquelas que isentam tais bens da satisfação do interesse dos credores. E as disposições que
assim procedem são aquelas que, dando prevalência ao interesse do devedor, numa clara atenuação do favor
creditoris, isentam determinados bens de penhora.

3.2. Integração de bens isentos de penhora na massa insolvente

A isenção de determinados bens de penhora visa a tutela de interesses do devedor. Seja qual for a natureza da
impenhorabilidade, esta visa garantir ao devedor que certos bens integrados no seu património não poderão
ser compulsivamente sujeitos a liquidação quer em processo singular, quer em processo universal.

Pode, porém, o devedor ter interesse em que bens insusceptíveis de ataque por terceiro sejam integrados na
massa insolvente, desde logo para que do incremento desta resulte a satisfação de maior número de credores.
Sendo a impossibilidade de tais bens serem atingidos estabelecida no interesse exclusivo do devedor, se este
assim entender pode prescindir da tutela que a lei lhe confere. Esta faculdade de integração na massa de bens
isentos de penhora por impulso do devedor é prevista no art. 46/2 do CIRE.

Sucede, no entanto, que as impenhorabilidades absolutas tutelam, não apenas interesses do devedor, mas
também interesses da colectividade. Por esta razão a lei não reconhece ao devedor a faculdade de prescindir
da tutela que lhe é conferida através da instituição de impenhorabilidades absolutas. Neste sentido depõe a
parte final do art. 46.2 do CIRE.

Uma dúvida que seguramente se levantará na delimitação da faculdade conferida ao devedor de fazer atingir
pela insolvência bens isentos de penhora respeita aos bens relativa e parcialmente impenhoráveis. Pode o
devedor apresentar voluntariamente estes bens? Uma interpretação estritamente literal do art. 46/2
determinaria uma resposta positiva a esta interrogação. No entanto, a solução para este problema há-se
passar pela compreensão dos fundamentos dos diferentes tipos de impenhorabilidades.

Pensamos que a resposta não será igual para os casos de impenhorabilidades relativas, por um lado, e de
impenhorabilidades parciais, por outro. Se tendemos, quanto às impenhorabilidades relativas, a aceitar que o
devedor possa apresentar tais bens à insolvência, atendendo a que a respectiva (in)susceptibilidade de
penhora depende da causa do crédito exequendo/reclamando, já quanto aos bens parcialmente impenhoráveis
pensamos que, no limite da impenhorabilidade, esta é equivalente, nas suas razões, a uma impenhorabilidade
absoluta, pelo que o devedor não pode oferecer voluntariamente tais bens de modo a que venham a ser
integrados na massa insolvente. Bens como os rendimentos do trabalho, as pensões de aposentação, os seguros
e as indemnizações são bens que, quanto à parte em que não são penhoráveis, devem ser considerados como
absolutamente impenhoráveis. Os interesses que os salvaguardam, nesta parcela, de penhora ultrapassam a
pessoa do devedor, se bem que seja ele o beneficiário directo da protecção. No entanto, a comunidade não
pode aceitar que o devedor seja colocado (ou que se coloque) numa situação em que fique totalmente privado
dos meios que lhe permitam assegurar a sua subsistência.

4. A liquidação da massa insolvente

4.1. A assembleia de apreciação do relatório

A matéria da liquidação da massa insolvente está regulada nos arts. 156 a 170 do CIRE, prevendo-se, no art.
171, a dispensa de liquidação.

No entanto, esta regulação, se isolada do contexto do processo de insolvência, é dificilmente compreensível.


Basta ver o art. 156/1, onde se dispõe: “Na assembleia de apreciação do relatório (...).”
A que relatório se refere a lei?

A resposta a esta questão encontra-se no art. 155 do CIRE. Segundo esta disposição, incumbe ao administrador
da insolvência, cujas competências estão genericamente enunciadas no art. 55 e que deverão ser exercidas
sob fiscalização do juiz (cfr. art. 58) e da comissão de credores (cfr. art. 68/1), elaborar um relatório. Este
relatório, que conterá os elementos indicados no art. 155/1, deve ser junto aos autos com, pelo menos, oito
dias de antecedência sobre a data da assembleia destinada à respectiva apreciação. Ao relatório se anexarão:

a) o inventário, elaborado nos termos do art. 153;


b) a lista provisória de credores, elaborada nos termos do art. 154.

O inventário permitirá ficar a saber-se:

— que bens e direitos integram a massa insolvente (art. 153/1);


— que valor e natureza têm esses bens (art. 153/1);
— que ónus impendem sobre os bens integrados na massa (art. 153/1);
— se o valor dos bens diverge em função da continuidade ou não continuidade da empresa (art. 153/2);
— que litígios, que possam afectar o valor dos bens, estão pendentes (art. 153/4).

Já a lista provisória de credores, prevista pelo art. 154, permite:

— conhecer os credores que constam da contabilidade do devedor, que hajam reclamado os seus créditos ou
que sejam por outra forma conhecidos;
— conhecer a causa dos créditos;
— conhecer a natureza dos créditos, ou seja, saber se são créditos garantidos (créditos que, nos termos do art.
47/4 a), gozam de garantias reais), privilegiados (créditos que, segundo o art. 47/4 a), gozam de privilégio
creditório geral), subordinados (créditos que apresentam a característica de serem graduados depois dos
restantes créditos sobre a insolvência; cfr. arts. 47/4 b) e 48) ou comuns (nos termos do art. 47/1 c), os
demais);
— saber se os créditos estão subordinados a condição (cfr. art. 50);
— conhecer a avaliação das dívidas da massa caso haja liquidação imediata.

Um vez elaborado, o relatório, com os seus anexos, é submetido à assembleia de credores, convocada para a
respectiva aprecia-ção. Nesta assembleia, podem ser tomadas múltiplas deliberações, ulteriormente
modificáveis ou revogáveis. Mas este aspecto não nos interessa agora aprofundar.

Isto porque, aquilo que, para o nosso tema, é relevante, é o que se dispõe no art. 158 do CIRE, primeira
disposição efectivamente integrada na liquidação da massa em sentido estrito.

4.2. A venda de bens integrados na massa insolvente

Segundo o art. 158 do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens
apreendidos para a massa insolvente, desde que:

a) a decisão de declaração da insolvência tenha transitado em julgado;


b) haja sido realizada a assembleia de apreciação do relatório e
c) as deliberações tomadas pelos credores na assembleia de apreciação do relatório não se oponham a essa
venda. Caso típico de deliberação que se oporia à venda de bens do devedor seria aquela que determinasse a
suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente.

Segundo o texto do art. 158/1, a venda deve ocorrer independentemente da verificação do passivo. Com isto
se quer significar que o incidente da verificação dos créditos não tem eficácia suspensiva da liquidação da
massa insolvente, solução idêntica àquela que já se encontrava no art. 1245/1 do Código de Processo Civil e
no art. 179/1 do CPEREF.

Analisemos, então, cada um destes pressupostos nos aspectos que podem surgir como mais problemáticos.

4.2.1. O trânsito em julgado da decisão declaratória da insolvência

O primeiro requisito de que a lei faz depender a licitude dos actos de venda praticados pelo administrador da
insolvência é o de que tenha transitado em julgado a decisão declaratória da insolvência do devedor.

Pergunta-se: quando transita esta decisão em julgado?

A resposta pareceria simples: a sentença declaratória da insolvência transita em julgado logo que ela seja
insusceptível de recurso ou de reclamação. Este o regime constante do art. 677 do CPC.

Porém, verifica-se que a sentença pode ser impugnada pela parte legitimada, não apenas por meio de recurso
(cfr. art. 42 do CIRE), mas também através de oposição (cfr. art. 40 do CIRE).
Surge nova questão. A decisão pendente de oposição transitou em julgado?

Encontramos, desde logo, uma pista no sentido de a resposta a esta interrogação ser negativa no art. 40/3.
Segundo esta disposição, a oposição de embargos à sentença, bem como o recurso da decisão que, proferida
sobre os embargos, haja mantido a declaração de insolvência, têm efeito suspensivo da liquidação.

Quererá isto dizer que a decisão contra a qual a parte deduziu oposição não transitou em julgado? Como se
articula uma resposta eventualmente negativa a esta questão com o regime do art. 677 do CPC que se limita a
aferir o trânsito em julgado pela insusceptibilidade de recurso da decisão?

A primeira observação que deve ser feita respeita à atipicidade da oposição enquanto meio de impugnação de
decisões judiciais. A oposição por embargos não está prevista no art. 677 do CPC pela simples razão de que as
decisões judiciais se impugnam, regra geral, por meio de recurso. E é esta regra geral que encontramos
vertida no art. 677 do CPC.

E, perguntar-se-á, porque se prevê apenas a impugnação das decisões por meio de recurso e não também por
meio de oposição no art. 677 do CPC.

Se bem que a resposta a esta questão seja complexa por implicar a chamada à colação de múltiplos vectores
do nosso sistema de recursos em articulação com os princípios que regem a conformação do objecto
processual, diremos, num esforço de simplificação, que o art. 677 do CPC limita a impugnação das decisões ao
recurso na medida em que, regra geral, a sentença, quando é proferida, admitiu já o exercício de
contraditório do demandado. Tal implica que a decisão, quando foi proferida, tomou já em consideração os
elementos trazidos ao processo por ambas as partes adjectivas. Como tal, o meio de impugnação adequado é o
recurso, já que este se caracteriza, no nosso sistema, por desencadear uma apreciação da legalidade da
decisão proferida. Este aspecto é da maior relevância no que tange, directamente, à determinação do objecto
abstracto do recurso (a decisão recorrida) e, indirectamente, aos fundamentos admissíveis de impugnação
(ilegalidade da decisão face aos elementos de que dispunha o tribunal a quo, com quase exclusão de
consideração de novos fundamentos da acção ou de defesa).

Ora, a oposição é um meio típico de reacção que implica a dedução de elementos novos (quer se trate de nova
matéria de facto, quer se trate de novos meios de prova). relativamente àqueles de que o tribunal dispunha
quando proferiu a decisão. Porque assim é e porque, regra geral, estes elementos são trazidos ao processo
antes do proferida a decisão, não prevê a lei, como meio geral de impugnação de decisões judiciais,
impeditivo do respectivo trânsito em julgado, a oposição.

No entanto, um caso paralelo àquele que o art. 40 do CIRE descreve quanto ao momento de exercício do
contraditório é constituído pelas providências cautelares. Sem nos determos agora na determinação dos tipos
que admitem diferimento do contraditório do requerido (refira-se que se há providências em que o
diferimento é admissível outras há em que esse diferimento não é estruturalmente possível, como sucede no
caso de suspensão de deliberações sociais, na medida em que o efeito útil da providência depende da citação
do requerido), certo é que quando o contraditório do requerido é posterior à decisão, este tem a possibilidade
de se opor a este acto jurisdicional por meio de oposição (cfr. art. 388/1b) do CPC).

E aqui nos surge nova pista, esta substancial, quanto à articulação entre o conceito de trânsito em julgado e a
dedução de oposição contra uma decisão. Se a oposição determina a dedução de elementos novos e se estes
deverão ser apreciados pelo tribunal, não pode aceitar-se que haja transitado em julgado uma decisão contra
a qual pende oposição. Isto porque o conceito de trânsito em julgado contém uma ideia de imutabilidade e de
estabilidade da decisão judicial. Ora se a decisão proferida antes da dedução de oposição não pode
considerar-se nem estável, nem imutável já que é susceptível de alteração em atenção aos novos elementos a
ponderar pelo tribunal não pode dizer-se que tal decisão haja transitado em julgado

A esta razão de ordem substancial acresce uma outra, se bem que mais ténue, no sentido de se não poder
considerar transitada em julgado uma decisão contra a qual a parte deduziu oposição. Na verdade, diz-nos o
art. 40/3 do CIRE que a decisão proferida sobre a oposição, que mantenha a declaração de insolvência, é
susceptível de recurso. Se assim é, não pode ter-se por transitada a decisão pretérita, já que, sendo ela
mantida, ela é susceptível de recurso.

4.2.2. A articulação dos meios de impugnação da decisão declaratória da insolvência

Passemos rapidamente em vista a articulação dos meios de impugnação da decisão declaratória da insolvência.
Apesar de a lei dispor, no art. 42/1 do CIRE, que podem as pessoas com legitimidade para deduzirem oposição
por meio de embargos contra a decisão, alternativamente ou cumulativamente com estes recorrer da decisão,
tal não significa que haja uma neutralidade do meio face ao fundamento da impugnação. Como se disse
acima, o recurso visa a apreciação da legalidade da decisão recorrida, destinando-se a oposição por meio de
embargos à dedução de matéria nova. Daqui resulta que a parte deve escolher o recurso sempre que entenda
que a decisão do tribunal a quo é ilegal na medida em que, face aos elementos de que o julgador dispunha,
outra seria a solução decorrente do sistema. Ao invés, se a parte pretende trazer matéria nova ao processo
deverá deduzir oposição. O que a parte não deve fazer é recorrer da decisão se pretende pedir a apreciação
de novos elementos, ou opor-se à decisão quando pretenda sustentar tão só a ilegalidade da decisão
recorrida(9).

Exactamente porque não há neutralidade do meio de impugnação, bem andou o legislador ao prever que a
parte pode, em alternativa ou em cumulação com a oposição, recorrer da decisão declaratória da insolvência.
Na verdade, do facto de a parte se ter oposto à decisão não deve resultar prejudicada a faculdade de
desencadear a apreciação da legalidade dessa mesma decisão, apreciação que determinará a pendência
simultânea de oposição e recurso contra a sentença declaratória da insolvência. Ao invés, pode, por um lado,
a parte prescindir da dedução de elementos novos (não se opondo à decisão) e limitando o seu ataque ao
recurso ou, por outro, prescindir do recurso e deduzir tão só oposição.

Uma zona problemática de articulação dos meios de impugnação em sede de insolvência surge a propósito do
art. 40/3 do CIRE, disposição que reabre uma polémica já desencadeada face ao regime do art. 388/2 do CPC.
Pergunta-se: pode o objecto do recurso da decisão que mantém a declaração da insolvência, contra a qual a
parte deduziu num primeiro momento apenas oposição, abranger ilegalidades da decisão proferida
inicialmente? Ou devem estes fundamentos ter-se por prejudicados uma vez que a parte, podendo ter
recorrido da decisão, contra a qual apenas deduziu oposição, dela não recorreu? Deve entender-se que o
recurso da decisão que mantém a declaração da insolvência deverá limitar-se objectivamente à aferição da
legalidade da decisão de manutenção face aos elementos novos trazidos na oposição e que, no entender da
parte, determinavam decisão distinta?

A resposta a esta interrogação é mais fácil perante o regime paralelo do art. 388 do CPC, relativo ao exercício
do contraditório sucessivo pelo requerido em procedimento cautelar. Porque o requerido tem de optar entre a
interposição de recurso e a dedução de oposição contra a decisão que deferiu a providência, se pretende
exercer contraditório ex post através da dedução de matéria nova, deverá deduzir oposição. Num segundo
momento e caso a decisão seja mantida, tem o requerido acesso à via do recurso. Sendo que a nova decisão se
“integra” na decisão inicialmente proferida, porque o requerido não podia, na altura do respectivo
proferimento, ter cumulado os diferentes meios de impugnação, pode o objecto do recurso interposto da
decisão de manutenção estender-se a vícios da decisão originária.

Porém, o art. 42/1 do CIRE não impede a pendência simultânea de recurso e de oposição. Quer isto significar
que o exercício da faculdade de recorrer da decisão originária não é prejudicado pelo facto de ter havido
oposição. Ora, se a pessoa legitimada podia recorrer imediatamente da decisão declaratória da insolvência,
não se vê como deva admitir-se que ela possa fazer abranger no recurso interposto da decisão de manutenção
fundamentos que podia ter deduzido em momento processual anterior.

No entanto, razões de pragmatismo poderão determinar solução distinta. Na verdade, pouco sentido tem
admitir a tripla impugnação da decisão declaratória da insolvência: uma oposição, um primeiro recurso
interposto dessa decisão declaratória, objectivamente limitado à apreciação de legalidade de tal decisão face
aos elementos de que o tribunal dispunha antes da dedução da oposição e ainda um segundo recurso,
interposto da decisão de manutenção da decisão declaratória, confinado, objectivamente, à apreciação da
legalidade da decisão de manutenção face aos elementos de que o tribunal passou a dispor com a oposição.
Por esta razão, tendemos a interpretar o art. 42/1 do CIRE no sentido de os meios (oposição mediante
embargos e recurso), se são cumulativos (no sentido em que a decisão declaratória admite ambos), são
alternativos, mas, sendo deduzida oposição, serão sucessivos (primeiro oposição e respectivo julgamento e
subsequentemente, recurso da decisão). A escolha desta ordem de dedução dos meios de defesa não é
arbitrária; ela atende à ampliação objectiva traduzida pela oposição.

A interpretação que agora se propõe é, não só melhor resolverá as situações em que a decisão é revogada na
sequência do julgamento da oposição, como ainda a que permite a maior racionalização dos meios judiciais.

Na verdade, se se entender que o interessado deve, imediatamente, deduzir oposição e recurso, teremos um
recurso que se verifica ser inútil caso a oposição venha a ser julgada procedente, sendo revogada a decisão
recorrida. Por outro lado, se o interessado deduzir recurso e oposição e a decisão vier a ser revogada, ficará
aberta a legitimidade daquele que é prejudicado com a decisão de revogação para recorrer. Teríamos, em
tese, um recurso destinado a apreciar uma decisão entretanto revogada e um novo recurso destinado a
apreciar uma decisão de revogação.

4.2.3. A conformação da actuação do administrador da insolvência com as deliberações da assembleia de


credores

O segundo pressuposto de licitude da actuação do administrador da insolvência é, nos termos do art. 158/1 do
CIRE, a conformidade desta sua actuação com as deliberações tomadas na assembleia de credores destinada a
apreciar o relatório. Solução paralela pode ser encontrada no § 159 da Insolvenzordnung.

O que sucede se o administrador vender bens contra as deliberações da assembleia?

A solução do CPEREF parecia ser a seguinte. Por um lado, previa o art. 136 a possibilidade de impugnação dos
actos do liquidatário que fossem ilegais ou inconvenientes (aqui não cabia directamente a situação agora
prevista no art. 158/1 na medida em que a venda não dependia, nos termos do art. 179/1 do CPEREF, da
respectiva conformidade com as deliberações da assembleia que aprovava o relatório; dizia-se, tão só, no art.
180/1 do CPEREF, que a liquidação era efectuada pelo liquidatário com a cooperação e a fiscalização da
comissão de credores). Por outro, o art. 184, relativo à reclamação contra irregularidades da liquidação,
parecia apontar no sentido de ser possível a destruição dos actos praticados.

Quanto ao CIRE, pensamos que a solução passa pela aplicação conjugada dos arts. 161 e 163 e pela
necessidade de se distinguirem os efeitos dos actos no plano externo (relações com terceiros, estranhos ao
processo de insolvência) e no plano interno (relações dos diversos órgãos da insolvência). Esta é, também, a
solução da lei alemã(10).

O art. 161 do CIRE prevê a figura dos actos que assumam particular relevo para o processo de insolvência. Por
seu turno, o art. 163 do mesmo Código regula os efeitos dos actos que, assumindo particular relevo, não
hajam sido autorizados pela assembleia ou pela comissão de credores.

A venda, realizada pelo administrador da insolvência, em desconformidade com as deliberações da assembleia


de credores que aprovou o relatório, pode assumir ou não especial relevo para o processo. Numa opção clara
pela preservação dos actos praticados pelo administrador da insolvência (plano externo), resulta do art. 163
do CIRE que, na primeira hipótese, o acto se mantém, salvo se as obrigações assumidas pelo administrador da
insolvência excederam manifestamente as da contraparte. No segundo caso, o acto é eficaz,
independentemente do equilíbrio das prestações(11).

E como fica o administrador da insolvência? Aqui passamos para a análise dos efeitos do acto desconforme com
as deliberações da assembleia de credores no plano interno.

Diremos que, nestes casos, o administrador pode ser desti-tuído, ao abrigo do art. 56/1, uma vez que existirá,
seguramente, justa causa para a respectiva destituição. Por outro lado, o administrador é responsável pelos
danos causados, se os houver, ao abrigo do disposto no art. 59/1, uma vez que violou claramente os seus
deveres de actuação.

4.3. A venda imediata de bens da massa insolvente

Segundo o art. 158/2, há situações em que o administrador deve proceder imediatamente à venda de bens
integrados na massa. Assim sucede quando os bens não possam ou não devam conservar-se por estarem
sujeitos a deterioração ou depreciação. É mais um afloramento do princípio da preservação máxima do valor
do património do devedor.

Neste caso, a venda imediata depende, exclusivamente, da natureza dos bens e da prévia concordância da
comissão de credores ou de autorização do juiz. Esta solução constava já do art. 145/1 b) do CPEREF.

Havendo venda antecipada não pode deixar de ponderar-se que possam vir a ser vendidos bens daquele que foi
declarado insolvente por decisão que vem a ser ulteriormente revogada, quer na sequência de oposição
mediante embargos, quer na sequência de recurso.

Quanto ao valor dos actos praticados, a resposta encontra-se no art. 43 do CIRE:a revogação da sentença não
afecta os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência. O administrador da insolvência
é um órgão da insolvência. Se obteve a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz para vender
imediatamente bens integrados na massa, agiu licitamente. Se assim é os efeitos dos actos praticados não são
afectados, pois que as vendas realizadas não são prejudicadas.

Em que situação fica o insolvente putativo?

Do seu património saíram coisas que ele eventualmente não quereria vender, mas entraram preços. Isto
bastará para que lhe seja negada qualquer possibilidade de reacção?

A resposta a esta interrogação passará, segundo cremos, pela aplicação do art. 22 do CIRE. Se houve venda
antecipada de bens, se a decisão declaratória da insolvência vier a ser revogada e se se concluir que o
procedimento teve como causa um pedido infundado, então poderá o devedor, caso tenha sofrido danos,
requerer a responsabilização do requerente da insolvência. A simplicidade da nossa conclusão esconde a
complexidade do art. 22 do CIRE. Não temos grandes dúvidas de que esta disposição prevê o dever de
indemnizar por litigância de má fé uma vez que o comportamento ilícito, que desencadeia o dever de reparar
danos, é um comportamento processual — a dedução de um pedido infundado. Porém, sendo que se prevê o
dever de indemnizar por litigância de má fé, não se compreende o afastamento face à recente evolução do
sistema geral de indemnização por comportamento processual. Com efeito, se na versão originária do art. 456
do CPC apenas se considerava agir de má fé quem agisse com dolo, a reforma de 95/96 determinou um
alargamento da responsabilidade aos casos em que a parte age com negligência grave. Dificilmente se
encontrarão razões que possam justificar a restrição do art. 22 do CIRE à actuação processual dolosa. E não
basta invocar o brocardo culpa lata dolo aequiparatur para se atingir um nivelamento do art. 22 do CIRE pelos
parâmetros estabelecidos no art. 456 não só porque tal brocardo não tem eficácia preceptiva(12), como
porque o alargamento da responsabilidade processual aos casos de negligência sempre foi dos aspectos mais
polémicos.
4.4. A liquidação da empresa

Quanto à liquidação da empresa, a regra geral, constante do art. 162/1 do CIRE, é a de que ela deve ser
vendida como um todo. Atendendo ao que se dispõe no art. 5 do CIRE, concluir-se-á que deve ser vendida
como um todo “a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício da actividade económica.”

Pode, porém, ser decidia a venda separada de certas partes da empresa se:

a) não houver proposta satisfatória para a aquisição desta como um todo;


b) sendo for reconhecida vantagem na liquidação separada.

4.5. A liquidação de bens indivisos ou sobre os quais seja exercido direito à restituição

Sobre a liquidação de bens indivisos ou sobre os quais seja exercido direito à restituição rege o art. 159, que é
equivalente ao anterior n.° 2 do art. 179 do CPEREF e ao ainda anterior art. 1245/2 do C.P.C.

A regra é a de que só podem ser liquidados no processo de insolvência bens pertencentes ao devedor pois só
estes respondem pelas suas dívidas. Deste modo, se o insolvente for meramente co--titular de bens,
relativamente a estes só se liquida o direito que o insolvente tenha sobre tais bens (afecta-se a situação
jurídica à satisfação dos interesses dos credores e não directamente o objecto por ela atingido). Era esta já a
solução do art. 1245/2 do CPC, retomada pelo art. 179/2 do CPEREF. Do mesmo modo, verificado o direito à
restituição de bens, relativamente a estes nada se liquidará uma vez que se concluiu que eles não integram o
património do devedor ou seja, o património que responde pelas dívidas da insolvência.

Quanto ao procedimento que permite requerer a verificação dos direitos à restituição e à separação de bens,
este segue o disposto nos arts. 141 e seguintes do CIRE que são análogos aos arts. 201 e seguintes do CPEREF
que, por sua vez, eram análogos aos arts. 1237 e seguintes do C.P.C.

O regime do artigo 159 é completado pelo art. 160 do CIRE. Aí se prevê que estando pendente acção de
reivindicação, pedido de restituição ou de separação de bens apreendidos para a massa insolvente, estes bens
não podem ser liquidados enquanto aquelas pretensões não forem definitivamente decididas.

A liquidação é, porém, admitida se:

a) houver anuência do interessado;


b) nos casos de venda antecipada;
c) se o adquirente for advertido de que adquire um bem litigioso e aceitar a álea inerente à decisão.

Várias são as dificuldades levantadas pelo art. 160 do CIRE.

Quanto à alínea a) do n.° 1 do art. 160, perguntar-se-á, desde logo, quem é o interessado a que a lei se
refere. Por simplificação, o insolvente? A parte que, contra ele, requer a reivindicação, a restituição ou a
separação de bens apreendidos para a massa insolvente?

Em face do art. 179/3 do CPEREF, entendia-se que o interessado era o autor da acção de reivindicação ou o
requerente do pedido de restituição ou de separação de bens(13). Da anuência decorria o efeito de este
interessado, caso tivesse ocorrido a venda do bem reivindicado, ter apenas direito ao preço recebido pela
então massa falida e não ao bem em si.

No CIRE mantém-se a solução já constante do CPEREF. Assim, prevê o art. 160/1a) que pendendo acção de
reivindicação ou de separação sobre um bem, não será este vendido salvo se ocorrer anuência do interessado.
Pergunta-se: qual a repercussão desta anuência?

Uma primeira resposta poderia consistir em se admitir que a anuência seria necessária para que a venda fosse
lícita. Esta anuência corresponderia, quanto aos seus efeitos, a uma autorização. Mas tal significaria
considerar que o bem não é livremente transmissível por relativamente a ele pender acção de reivindicação ou
de separação. No entanto, semelhante entendimento contraria o regime legal. Segundo o art. 579 do C.C., o
bem é livremente transmissível se bem que tenha o estatuto de coisa litigiosa. Se assim é, a anuência não
pode funcionar como pressuposto da liberdade de transmissão já que esta existe independentemente daquela.

Pode, porém, entender-se que foi intenção clara do legislador afastar, no caso de bem integrado em massa
insolvente, o regime geral que permite a livre transmissão de bens litigiosos. Para que haja uma estabilidade
das vendas de bens integrados na massa insolvente, a lei não quis que estes negócios pudessem desencadear
uma reacção do terceiro adquirente caso a acção de reivindicação ou de separação viesse a ter resultado
desfavorável para o insolvente. Neste contexto, proíbe a liquidação de bens integrados na massa insolvente,
mas de titularidade duvidosa. Somente perante a dissipação definitiva dessa controvérsia (trânsito em julgado
da decisão proferida em acção de reivindicação ou de separação) se pode proceder à liquidação.
Sendo este o sentido do art. 160/1, a anuência teria a virtualidade de permitir a liquidação antes da
dissipação das dúvidas quanto à titularidade do bem.

Mas volta a ressurgir a questão acima colocada: e que efeitos tem a anuência?

Dizer que a anuência permite a liquidação imediata do bem de titularidade controvertida é ficar a meio
caminho. Isto porque há que saber que reflexos tem o resultado da acção de reivindicação ou de separação
sobre a venda realizada. esta parte do problema não encontra resposta na lei.

Uma outra solução passaria por se entender que da anuência para a transmissão resultaria uma anuência para
a habilitação do transmissário na acção de reivindicação ou de separação. Isto porque a transmissão de um
bem na pendência de uma acção determina a imediata aplicação do regime constante do art. 271 do CPC, ou
seja, a perpetuação da legitimidade do transmitente até à habilitação do transmissário (no caso, aquele que
viesse a adquirir à massa insolvente o bem que é reivindicado ou relativamente ao qual pende acção de
separação ou pedido de restituição).

Mas esta solução implica traçar claras fronteiras entre o art. 160/1a) e o art. 160/1c). Nesta nova previsão
face ao art. 179/3 do CPEREF se prevêem os casos de venda de bem litigioso, com adaptação do regime da
substituição processual, consagrado pelo art. 271 do CPC.

Haverá interpretação possível para a al. a), se se entender que a anuência releva para efeitos de habilitação
do transmissário, sem que de tal interpretação resulte uma sobreposição com a al. c)?

A resposta a esta interrogação é positiva. Basta verificar que enquanto a al. a) toma como ponto de referência
a parte estranha à transmissão, a al. c) tem o transmissário como ponto de referência. Assim e enquanto a al.
a) poderá estar a prever a anuência da parte estranha à transmissão, ou seja, a contraparte processual, à
habilitação do transmissário, a al. c) aplicar-se-á aos casos em que o transmissário aceita a álea da decisão.
Mas temos de conceder que o resultado desta posição é pouco frutífero. O art. 9 do CC impõe que se busque
uma outra solução.

Poderá aceitar-se que da anuência para a liquidação imediata de um bem, cuja propriedade o interessado
disputa, resulta uma desistência da pretensão de reivindicação? Terá a autorização para a liquidação o efeito
de aniquilar a pretensão do interessado?

Várias razões se podem aduzir contra este entendimento. Em primeiro lugar, se a lei tivesse tido o objectivo
de associar a anuência à desistência do pedido, seguramente que o teria declarado expressamente. Os efeitos
deste tipo de desistência são de tal modo radicais que dificilmente se compreende que possam resultar
indirectamente da anuência para a simples transmissão. Mas mais, é possível encontrar uma outra solução
para este trecho do art. 160/1a) do CIRE que melhor equilibra os diversos interesses em conflito. Ora, apontar
como boa uma que rompesse com um equilíbrio, que é possível de alcançar, não é proceder a uma adequada
interpretação da disposição.

Vimos que se propunha uma diversa interpretação para o art. 179/3 do CPEREF. Lembre-se que se entendia
que a anuência tinha como efeito a convolação da situação jurídica do interessado. Na verdade, se ele não
anuísse na venda, sucederia que, havendo transmissão na pendência da acção, caso a sua pretensão de
reconhecimento da propriedade e de restituição do bem viesse a ser julgada procedente o transmissário,
porque vinculado pelos efeitos da decisão (art. 271/3 CPC), deveria reconhecer tal direito e proceder à
restituição da coisa que entretanto adquirira. Ao invés, se o interessado anuísse na transmissão, mesmo que a
acção por ele proposta viesse a ser julgada procedente, não teria o transmissário de lhe restituir a coisa,
sendo antes a massa que deveria entregar-lhe o preço da venda. O direito sobre o bem convolar-se-ia num
direito sobre o preço pelo qual o bem fora vendido.

Esta solução (convolação do direito da contraparte processual em acção em reivindicação ou de separação)


tem a enorme vantagem de deixar incólume a transmissão do bem litigioso, fosse qual fosse o desfecho da
acção. Se assim não fosse, o transmissário agiria redibitoriamente contra a massa já que adquiria um bem que
deveria entregar a terceiro reivindicante. A opção da lei terá sido clara: entre abrir o conflito entre um
estranho à massa (o adquirente do bem litigioso) e a massa ou entre o reivindicante e a massa, a lei preferiu a
segunda opção. A opção da lei é amigável para a insolvência, já que permite a estabilização dos negócios
celebrados com terceiros. Se assim se não procedesse, dificilmente se encontrariam terceiros interessados na
aquisição de bens integrados na massa.

Em suma, parece que da anuência para a transmissão resultam diversos efeitos, entre os quais avultam a
admissibilidade da liquidação da venda de bem de titularidade controversa e a convolação da situação jurídica
do reivindicante.

• Quanto à alínea c) do art. 160.º n.º 1 c), afirma-se que a liquidação é admissível, apesar de a titularidade do
bem integrado na massa insolvente ser controversa, se o adquirente for avisado de que adquire um bem
litigioso e aceita a álea da decisão.

Quanto a esta previsão, apenas duas notas breves.


No art. 160/2, procede-se a uma adaptação do regime previsto no art. 271 do CPC, que tem de ser conjugado
com o art. 376 do mesmo diploma. Mas a redacção da disposição denota uma certa imprecisão quanto ao
conceito de substituição processual. Na verdade, esta verifica-se sempre imediatamente, mal haja transmissão
da coisa ou direito em litígio, cessando no preciso momento em que ocorre a habilitação do transmissário.

A segunda observação vai para a parte final da alínea c) do art. 160 n.º 1. Segundo esta disposição, para que
se proceda à imediata liquidação de um bem de titularidade controversa é necessário que o adquirente aceite
ser inteiramente da sua conta a álea da decisão. Com isto se pretende afastar a possível reacção do
adquirente contra a massa insolvente caso viesse a concluir-se que ele adquirira a non domino; aceitar ele a
álea parece querer significar que ele aceitará o risco da perda da demanda, sem possibilidade de pedir a
restituição do preço pago.

5. Os actos de especial relevo

Segundo o art. 161 do CIRE, a prática de actos jurídicos, que assumam especial relevo para o processo de
insolvência, depende do consentimento da comissão de credores, ou, não existindo aquela, da assembleia de
credores. São, assim, actos que dependem de uma actuação conjunta de diversos órgãos da insolvência.

Apesar de a actuação do administrador da insolvência estar genericamente submetida à fiscalização da


comissão de credores, a lei subordina a eficácia de certos actos jurídicos a prévio consentimento dos credores.
Estamos perante a concessão de um poder de fiscalização prévia aos credores, que acresce ao poder geral,
previsto no art. 68/1.

Que actos têm especial relevo?

A lei utiliza uma técnica mista de qualificação que visa, seguramente, conferir flexibilidade ao preceito(14).
Por um lado, apresenta índices de qualificação no n.° 2 do art. 161, por outro, enuncia, no n.° 3 do mesmo
preceito, tipos de actos que se presumem ter particular relevo. Isto implica ter especial relevo quer um acto
relativamente ao qual se preencham os índices do n.° 2, quer um acto que se apresente como análogo àqueles
que estão enunciados no n.° 3.

Tanto dos índices, quanto dos casos expressamente previstos, resulta que terão especial relevo actos que
influenciem decisivamente o processo de insolvência, quer porque têm especial impacto na massa insolvente,
quer porque repercutem efeitos no conjunto das dívidas da insolvência. Curiosamente, entre os actos que
assumem especial relevo não se prevêem especificamente as actuações processuais.

• Quanto ao consentimento, diz-nos n.° 4 do art. 161 que elementos devem ser comunicados pelo
administrador da insolvência à comissão de credores e ao devedor quando aquele tenha a intenção de efectuar
alienações, que constituam actos de especial relevo, desde que a modalidade da venda seja a negociação par-
ticular.

Levantam-se, aqui, diversos problemas.

Em primeiro lugar e quanto ao âmbito específico desta disposição, cabe perguntar que relação se estabelece
entre este n.° 4 e o n.° 1 do mesmo art. 161.

Dir-se-ia que, caso a venda fosse realizada por negociação particular, haveria que aplicar tão só o art. 161/4,
disposição especial face ao n.° 1 do mesmo preceito.

Mas, a ser assim, pergunta-se porque se exige, no n.° 1 do art. 161 do CIRE que haja consentimento da
comissão de credores ou, se esta não existir, da assembleia de credores, dispondo-se somente no art. 161/4
que, em caso de venda particular, seja apenas informada, acerca dos elementos da venda, a comissão de
credores, não se prevendo, caso esta não exista, a informação da assembleia de credores.

Atendendo aos riscos envolvidos na venda por negociação particular face a formas não particulares de venda,
dir-se-á que o n.° 4 do art. 161 visa aumentar as exigências de transparência e de isenção. Tender-se-á,
assim, a interpretar este preceito no sentido de as formalidades aí previstas serem um plus face ao que se
dispõe no n.° 1. Deste modo, se não houver comissão de credores, porque a competência para a prestação de
consentimento é da assembleia de credores, é esta que deve ser informada dos elementos indicados no art.
161/4. O regime do art. 80 do CIRE poderá ser, aqui, chamado à colação.

A segunda questão que o art. 161 suscita é a seguinte: no caso de negociação por venda particular, o devedor
e a comissão de credores ou, caso esta não exista, a assembleia de credores, devem ser informados dos
elementos essenciais do negócio.

E se a modalidade da venda, escolhida pelo administrador da insolvência, ao abrigo do art. 164/1, for outra,
não deve a comissão de credores ou, caso esta não exista, a assembleia de credores, ser informada acerca
daqueles elementos?
Responder negativamente a esta questão parece, no imediato, contraditório com a atribuição de competência
àqueles órgãos da insolvência para consentirem na prática do acto com particular ou especial relevo. Isto
porque a prestação de consentimento sem informação parece apontar para a arbitrariedade daquele.

Porém, se formos analisar as formalidades das diversas formas de alienação que poderão estar em causa
compreenderemos porque é que só na negociação particular é possível informar os elementos do negócio à
comissão ou à assembleia de credores para que seja prestado consentimento.

Segundo o art. 164/1, o administrador pode optar por qualquer das modalidades de venda admitidas em
processo executivo ou por qualquer outra que tenha por mais conveniente (este é um dos aspectos inovadores
do CIRE, tanto face ao Código de Processo Civil, como face ao CPEREF).

Pensemos nas vendas admitidas em processo executivo. Se percorrermos o art. 886/1 do CPC, veremos que o
único tipo de venda, em que o preço e outras condições são susceptíveis de fixação bilateral por administrador
da insolvência e adquirente é a venda por negociação particular. Por isso se exige que, neste caso e para
prevenir eventuais fraudes, a comissão ou a assembleia de credores e o devedor sejam informados dos termos
do negócio projectado, aquelas para prestarem o seu consentimento, este para exercer a faculdade que o art.
164/5 lhe confere.

Daqui resulta ainda que a escolha pelo administrador de insolvência de uma qualquer modalidade de venda em
que a fixação dos respectivos elementos dependa do acordo que ele possa estabelecer com o potencial
adquirente impõe a submissão dessa venda ao regime do art. 161/4. Resulta, também, que nos outros casos
seria desejável que a comissão ou a assembleia fossem informados dos elementos possíveis do negócio (v.g.
base de licitação) antes de aqueles órgãos da insolvência prestarem o respectivo consentimento. No entanto,
perante o que se dispõe no art. 161/1 assim não sucede; o consentimento é para a alienação e nada mais.

Ainda quanto à venda por negociação particular, permite o n.° 5 do art. 161 que esta seja sobrestada pelo juiz
havendo requerimento do devedor ou de credor relevante nesse sentido e desde que o requerente demonstre
a plausibilidade de a alienação a outro interessado ser mais vantajosa para a massa insolvente.

6. Liquidação e credores garantidos e preferentes

Quanto aos credores garantidos e preferentes, dispõe o art. 165 do CIRE que é aplicável o disposto para o
exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo. Isto significa que, quanto aos credores
garantidos, será aplicável o art. 887.º, que os dispensa de depositar a parte do preço que não seja necessária
para pagar a credores graduados antes dele e que não exceda a importância que tem a receber;

Quanto aos credores titulares de direito de preferência, legal ou convencional, com eficácia real, aplicar-se-á
o disposto nos artigos 892, quanto à respectiva notificação para a venda que deva realizar-se por proposta em
carta fechada, 896.º, quanto ao modo de exercício da preferência e 903.º, caso o administrador da insolvência
opte pela venda directa.

Quanto aos credores que gozem de garantia real sobre bens a alienar, dispõe o art. 164/2 do CIRE que devem
ser sempre ouvidos sobre a modalidade da venda, bem como informados acerca do valor base fixado ou do
preço da alienação. Por outro lado, resulta do art. 164/3 do CIRE que tais credores têm a faculdade de propor
a aquisição do bem por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada; se a proposta não
for aceite, o administrador da insolvência fica obrigado a colocá-los na situação em que ficariam se a proposta
houvesse sido aceite. A responsabilidade prevista é uma responsabilidade pessoal do administrador da
insolvência.

Por fim decorre do art. 166 que, em caso de atraso na alienação do bem dado em garantia, bem como quando
este se desvaloriza em função de uma utilização feita em benefício da massa, deve também o credor que goze
de garantia real ser compensado.

7. Competência funcional e destituição do administrador da insolvência na fase da liquidação

Para além das diversas competências já anteriormente referidas, ao administrador da insolvência compete:

a) escolher a modalidade da venda, conforme resulta do art. 164/1;


b) proceder à venda imediata dos bens, ao abrigo do já visto art. 158.
e) efectuar imediatamente diligências para vender empresa e estabelecimento, de acordo com o art. 162/2.

Por outro lado, sobre o administrador da insolvência impende a proibição de aquisição directa ou indirecta de
bens integrados na massa insolvente (cfr. art. 168/1), podendo ele ser destituído, por justa causa, caso viole
esta proibição. Se o fizer, incorre ainda no dever de restituição, sem contrapartida, do bem adquirido à massa
insolvente (cfr. art. 168/2).
Por fim, o administrador será destituído, também por justa causa, se for ultrapassado o prazo para a
liquidação, previsto no art. 169 do CIRE.

8. O depósito do produto da liquidação

Quanto ao depósito do produto da liquidação, prevêem os arts. 167 e 150/6 que o produto das diversas vendas
deverá ir sendo depositado à ordem da administração da massa em instituição de crédito escolhida pelo
administrador da insolvência, sendo ressalvadas as somas estritamente necessárias às despesas correntes da
administração.

A movimentação do depósito do produto da liquidação, havendo comissão de credores, tem de ser conjunta
(membro da comissão + administrador da insolvência).

Por fim, os valores monetários devem ser aplicados em produtos de baixo risco e que recolham parecer
favorável prévio da comissão de credores, se ela existir.

9. A tramitação do processamento da liquidação

Dispõe o art. 170 que a liquidação constitui um apenso do processo de insolvência.

10. A dispensa de liquidação

Segundo o art. 171, a liquidação pode ser dispensada, total ou parcialmente se:

a) o devedor for uma pessoa singular;


b) a massa insolvente não compreender uma empresa; e
c) o devedor entregar ao administrador da massa uma importância em dinheiro não inferior àquela que
resultaria da liquidação (perguntar-se-á como conseguirá o insolvente cumprir este requisito de que depende a
dispensa da liquidação, atendendo aos pressupostos da declaração de insolvência).

A concessão da dispensa, pelo juiz, depende de solicitação do administrador, com o acordo prévio do devedor,
ficando sem efeito se o devedor não depositar a importância em dinheiro, fixada pelo juiz, no prazo de 8 dias.
Pergunta-se: porque não bastará a solicitação do devedor para que seja dispensada a liquidação, desde que,
ouvido o administrador da insolvência tenha dado o seu acordo prévio?

Esta a solução do Direito alemão, que terá também inspirado a solução constante do art. 171 do CIRE. A razão
poderá estar na incapacidade judiciária do insolvente para apresentar este requerimento em tribunal. Dir-se-á
que na sua pureza, o seu estatuto impede-o de praticar pessoalmente actos processuais.

11. A incidência eventual da apresentação e homologação de um plano de insolvência sobre a liquidação

À matéria da incidência da apresentação e homologação de um plano de insolvência sobre a liquidação serão


aplicáveis os arts. 192/1, 195/2 b) e 206 do CIRE.

Do art. 192/1 resulta que a liquidação da massa insolvente pode ser regulada num plano de insolvência, em
derrogação das normas do CIRE. Nos termos do art. 195/2 c), do plano constará a indicação dos preceitos
legais derrogados, bem como o âmbito dessa derrogação. Dentro das disposições relativas à liquidação, haverá
que estabelecer quais podem ser afastadas por acordo dos intervenientes processuais e quais são
inderrogáveis. Atendendo aos interesses que tutelam, os arts 159, 160 e 168 devem considerar-se
inderrogáveis.

Do art. 206 resulta que o proponente de um plano de insolvência pode requerer ao tribunal que suspenda a
liquidação da massa insolvente, se tal for necessário para a execução do plano.

12. A incidência do deferimento da administração da massa insolvente ao devedor sobre a liquidação

Há que referir, agora, a incidência do deferimento da administração da massa insolvente ao devedor, nos
termos dos arts. 223 e seguintes, sobre a liquidação. O que nos interessa reter é que o art. 223 é tipo próprio,
pois supõe que na massa insolvente, esteja compreendida uma empresa.

Quanto à liquidação, rege o art. 225, do qual resulta que esta só ocorre depois que ao devedor seja retirada a
administração. Deste preceito parece resultar que, enquanto o devedor continuar a administrar a sua
empresa, não há liquidação.

Mas o preceito faz duas ressalvas. Por um lado, apesar da suspensão da liquidação, ao remeter-se, no art. 225,
para o n.° 2 do art. 158, quer significar-se que o devedor deve vender imediatamente bens perecíveis, sob
pena de desvalorização do seu património.

Mas como entender a segunda ressalva, quando se afirma que a liquidação é suspensa sem prejuízo do n.° 1 do
art. 158? Quererá dizer-se que pode o devedor proceder com prontidão à venda de todos os bens apreendidos
para a massa insolvente? Se a resposta for positiva, tal significa que o devedor, além de administrar a massa
insolvente, a pode vender, havendo uma espécie de auto-liquidação. Mas o art. 226/2 parece afastar esta
interpretação, que seria aliás estranha, uma vez que aí apenas se prevê a prática de actos de administração,
não a prática de actos de disposição.

Mas, se assim é, que sentido imputar ao art. 225 quando ressalva o disposto no art. 158/1? A hipótese que nos
parece mais plausível é a de se entender que a remissão para o art. 158/1 significa que retirada a
administração ao devedor se dará imediatamente início à liquidação, salvo se esta liquidação contrariar as
deliberações tomadas na assembleia de credores destinada a apreciar o relatório (cfr. art. 224/3 do CIRE).

13. Repercussão da insuficiência da massa sobre a liquidação.

A insuficiência da massa para fazer face às suas próprias dívidas (cfr. art. 51 do CIRE) pode ser detectada em
momentos distintos. Em primeiro lugar, pode esta insuficiência ser detectada pelo juiz, aquando do
proferimento da sentença declaratória da insolvência. Em segundo lugar, pode esta insuficiência ser
identificada, em momento posterior, pelo administrador da insolvência.

Na primeira hipótese, aplicar-se-á o regime previsto no art. 39 do CIRE. Não há liquidação? Dir-se-á que tem
de haver, mas que esta tem um objectivo muito limitado: permitir, na medida do possível, o pagamento dos
encargos do processo.

Na segunda hipótese anteriormente delineada, vai aplicar-se o disposto no art. 232/4. Verificada a
insuficiência da massa para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, é
lícito ao administrador interromper de imediato a liquidação.

Lisboa, Setembro de 2005

Notas:

(1) O texto que se publica coincide, no essencial, à intervenção no curso organizado, em Maio de 2005, pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em colaboração com o Conselho Distrital de Lisboa, da Ordem
dos Advogados, sobre o novo regime jurídico da insolvência.

(2) NERLICH/RÖMERMANN, Insolvenzordnung. Kommentar, 2005, Vorwort.

(3) Já perante o Anteprojecto de Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, LUÍS MENEZES LEITÃO,
Os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, Código da Insolvência e da Recuperação
da Empresa, Ministério da Justiça, Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, 2004, pp. 61-68.

(4) ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, volume II , reprint 1982, p. 310.

(5) Neste sentido, STÜRNER, Münchner Kommentar zur Insolvenzordnung, 2001, vor §1, n. 2.

(6) ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, volume II, reprint 1982, p. 342.

(7) Quanto à relevância da hora na determinação do estado de insolvência e, como tal, na determinação do
património do devedor, cfr. arts. 122 do CIRE e 283 do Código dos Valores Mobiliários.

(8) NERLICH/RÖMERMANN, Insolvenzordnung. Kommentar, 2005, § 35.I.2.

(9) Assim, CARVALHO FERNNDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas


Anotado, vol. I (arts. 1 a 184), Quid iuris, 2005, sub. art. 42, n. 2.

(10) Cfr. § 159 da Insolvenzordnung. No sentido da distinção entre plano externo e plano interno, GÖRG,
Münchner Kommentar zur Insolvenzordnung, 2001, § 159, n. 21.

(11) Para além das críticas que podem ser apontadas à valoração que a lei faz dos actos praticados sem
autorização (eficácia/ineficácia em vez de validade/anulação), o art. 163 permite abrir o debate sobre a
aplicabilidade, aos actos praticados pelo administrador da insolvência, do regime geral do negócio jurídico, de
entre o qual assumem especial relevo as regras que impõem um equilíbrio interno das prestações.

(12) No sentido da equiparação da negligência grave ao dolo com fundamento no brocardo culpa lata dolo
aequiparatur, LUÍS MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª, 2005,
sub. art. 22.2. Em sentido paralelo, mas com restrição à culpa grosseira, CARVALHO FERNANDES/JOÃO
LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas cit., sub. art. 22, n. 3. Aceitando,
igualmente, uma eextensão do tipo do art. 22 do CJRE, decorrente da respectiva interpretação sistemática
integrada, PEDRO DE ALBUQUERQUE, Declaração da Situação de Insolvência, O Direito III (2005), 507-525 (524-
525). Afastando expressamente a possibilidade de extensão da responsabilidade por acto processual aos casos
de negligência grave, afirmando a irrelevância, neste contexto, do brocardo culpa lata dolo aequiparatur uma
vez que a lei, ao exigir o dolo, quis expressamente afastar a negligência grave, ALBERTO DOS REIS, Código de
Processo Civil Anotado, volume III, reimpressão 1981, p. 262.

(13) CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de
Falência Anotado, 2000, Anotação ao art. 179, n. 6.

(14) Neste sentido, quanto ao § 160 da Insolvenzordnung, possivelmente a fonte inspiradora do art. 161 do
CIRE, NERLICH/RÖMERMANN, Insolvenzordnung. Kommentar, 2005, §160.I.1.

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