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ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL MINAR COMO FATOR DE OTIMIZACAO DO PROCESSO. O SANEAMENTO “COMPARTILHADO” E A. PROBABILIDADE DE REDUGAO DA ATIVIDADE RECURSAL DAS PARTES. Luiz Rodrigues Wambier Doutor em Direito pela PUC/SP- Professor do Centro de Extensio Universitiria, CEU, Brasil Professor da Universidade de Ribeirao Preto, UNAERP_ Consultor do ALI The American Law Institute Advogado no Parand, Desde a reforma de 1994, ha afirmagdes na doutrina, no sentido de que a introdugdo da audiéncia preliminar, em nosso sistema, tem profunda relago com os anseios por maior celeridade dos feitos que tramitam junto aos drgdos do Poder Judiciatio. Sua criagio es intimamente vinculada questéo da efetividade da prestagdo da tutela jurisdicional que, em iiltima andlise, engloba todos os esforgos em favor de solugdes ligadas 4 ampliagdo dos meios de acesso a justiga, i, a provimentos dotados de aptidio para a tempestiva produgdo de efeitos com menor custo. A incluso da audiéncia preliminar em nosso sistema processual se deu sob expressa (¢ confessa) inspiragdo do Cédigo Modelo de Processo Civil para a América Latina, idealizado pelo Instituto Tberoamericano de Direito Processual e que se revela um extraordinirio modelo de lei processual, construido sob os expressivos fundamentos da efetividade e da integragdo dos diversos sistemas processuais da América Latina ¢ da peninsula ibérica. © que se buscou, com sua incluso no CPC, foi modificar a sistematica do saneamento do processo ¢, com isso, criar-se ocasido apropriada (e oportuna, sob o aspecto temporal) para que o juiz efetuasse a tentativa de conciliago, antes do inicio da fase instrutéria A grande demanda da sociedade, por solugdes do Poder Judiciétio para seus multifacetados conflitos, tem causado, isso é notério, impressionante sobrecarga no volume ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL de trabalho aos juizes. Soma-se a isso — como outro fator que justifica o aplauso a idéia da adogdo de um momento procedimental prematuro para a tentativa de conciliagdo — a histérica © evidente falta de preparo (e, muitas vezes, de disposi io) dos operadores, para a busca da composigdo. Esses dois elementos fizeram com que, ao longo da histéria do CPC de 1973, fosse deixada de lado a possibilidade de se levar a efeito a tentativa de conciliagio “a qualquer tempo”, prevista no art. 125, IV, do CPC. Por certo, o sistema anterior a 1994 era inadequado, pelo menos sob 0 enfoque temporal, pois parecia ser absolutamente “fora de hora” langar mio dos primeiros minutos da audigncia de instrugio e julgamento, para realizar a primeira tentativa de conciliagdo entre as partes. Sempre consideramos verdadeiro despropésito realizar a primeira aproximagio das partes, sob a condugo do magistrado diretor do processo, num momento como o da audigncia de instrugao e julgamento. Isso porque, nessa fase, no processo ja se ter desencadeado a fase instrutéria, com todos os seus custos econdmicos, sem que, antes de seu inicio, tivesse sido conferida ao juiz a oportunidade de ter contacto direto com as partes, para fins de exorté-las & composigao dos interesses capaz. de por fim ao processo. A verdade é que, nessa tardia ocasifio, o “gasto” de energia e o desembolso de recursos financeiros jé tera ocorrido, por exemplo, com eventual prova pericial (e a pratica ‘mostra que a pericia costuma ser 0 episédio em que mais se investem recursos financeiros no processo). Trata-se de ocasido logicamente mais préxima do momento da prolagdo da intenga do que do inicio do processo. E s6 esse fator, de ordem temporal, j4 permite inferir que, nesse momento, as partes pouco provavelmente tém motivagao para realizar acordo. Isto porque j4 se encontram na iminéneia da prestagio da tutela jurisdicional (com a sentenga), porque ja efetuaram todo o tipo de “investimento” (gastos com a produgdo da prova pericial, por exemplo) necessario, restando apenas a prova oral e, logo depois, a sentenga. F, portanto, extremamente interessante e oportuna, a idéia de se criar uma ocasido, no proceso, que, dentre varias finalidades, tenha essa, especifica, de proporcionar um didlogo do juiz com as partes, para a busca da conciliagdo, E a audiéneia preliminar ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL nasceu, em nosso sistema, com esse propésito claro: servir de ocasidio para a exortagdo do juiz 4s partes, em favor da conciliag4o, num momento bem anterior ao do inicio da instrugdo. Tratou-se, como dissemos, de iniciativa legislativa extremamente elogidvel, porque pretendeu atender a uma série de reclamos da sociedade e da doutrina, em favor da ripida solugdo dos litigios, medida que se requer, no contexto da busca da efetividade do proceso, Apesar de tudo i ©, surpreendentemente, a audiéneia preliminar sofreu imimeras criticas e foi dest tiria da mA vontade de muitos, especial e infelizmente de varios setores da propria magistratura, Extremamente preocupados com a carga de trabalho a que esto submetidos, em razdo da falta de estrutura (no Poder Judiciario) capaz de absorver toda a.avalanche de agdes que, dia apés dia, aportam nas Varas, muitos juizes nela viam nada além de um fator de abarrotamento do Poder Judiciério, eis que, segundo muitos sustentam, a audiéneia preliminar serviria apenas para assoberbar ainda mais a dificil pauta de audiéneia das Varas Civeis. De acordo com raciocinio simplista, com essa nova audiéncia preliminar, além da audiéncia de instrugdo e julgamento, haveria mais uma audiéncia em cada proceso de conhecimento, ‘duplicando’, por assim dizer, a pauta destinada a essa atividade processual presidida pelo Magistrado condutor do processo. Em nosso sentir, hd varias causas para tanta indisposigao diante da audiéncia preliminar. Muito provavelmente a primeira delas deve ter sua origem num erro de denominago da nova audiéncia, quando de sua insergo no sistema processual brasileiro, em 1994. Nagquela ocasio, o legislador se serviu da expressio audiéncia de conciliagao, ao invés de audiéncia preliminar. A corresao, feita pela Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, fez com que a esse momento procedimental fosse dada denominag%o muito mais apropriada e correta. A denominagio equivocada — audigncia de conciliagdo - “colaborou” para o insucesso do novo momento de aproximagao das partes no processo, pois favoreceu a que se ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL formulassem interpretagdes no sentido de empobrecer seu contetido, como se apenas de momento para a tentativa de conciliago se tratasse. Isso, todavia, nunca correspondeu a que devesse ser tida como correta, nem mesmo antes da reforma de 2002. Mesmo em sua reda audiéneia “de io original, inserida no CPC em 1994, conciliagdo” jé se prestava, além de se constituir no momento oportuno para a tentativa de conciliagdo, a ser a sede de uma série de atos tendentes a facilitar o curso do procedimento, desse momento em diante. Essa circunstincia, todavia, foi extremamente mal compreendida, especialmente por aqueles que da nova audiéneia deveriam extrair 0 maior rendimento possivel, ou seja, os proprios magistrados. Outro fator do insucesso da inovagao (é expressivamente pequeno o niimero de casos em que da audiéncia os juizes se sirvam para efetivamente “aproximar” as partes com vistas ao acordo) esti ligado ao despreparo dos operadores do direito para tratar eficazmente da conciliagdo ¢ & falta de estrutura auxiliar que pudesse suprir a falta de habilidade dos juizes e advogados, A formagio do Bacharel em Direito nao prepara o profissional para esse tipo de situagdo, em que muito mais prepondera a capacidade p: -olégica de aproximar, pacificar, convencer e, enfim, promover a conciliagdo dos interesses em disputa. Esse despreparo gera ma vontade e, infelizmente, todo o esforgo da doutrina, traduzido em primoroso texto de lei, fica & mercé da disposigio quase “herdica” de poucos, que se dispdem a efetivamente realizar a audiéneia preliminar com cuidado e atengao. Poucos se deram conta do fato de a audiéneia preliminar ter sido trazida para 0 direito brasileiro como a oportunidade, desde que frustrada a tentativa de conciliago, de se realizar aquilo que nos permitimos chamar de “saneamento compartilhado”, Cabem aqui algumas informagdes sobre o saneamento do processo: Tradicionalmente o saneamento ¢ atividade concentrada realizada pelo juiz, que dira se 0 processo precisa ou nao seguir adiante ¢ quais as conseqiiéncias de conclusio num ou noutro sentido. ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Esse momento processual destina-se substancialmente a que o juiz extraia do processo todos os eventuais vicios de que o mesmo padega. Serve também para que o juiz decida a respeito das questdes processuais que ainda se achem pendentes ¢ para a preparagdo da instru probatéria, com a finalidade de tomé-la a mais objetiva (e produtiva) possivel Na sistematica anterior a 1994, o saneamento do processo era, sempre, um ato absolutamente solitirio do juiz, realizado em gabinete, sem que houvesse qualquer contacto com as partes. Do mesmo modo se dava com a importante fase da fixaglio dos pontos controvertidos, fungao entao atribuida unicamente ao juiz. Com a criago da audigneia de conciliagdo, na reforma de 1994, passou a constar do CPC previsio no sentido de que, nao obtida a conciliagdo das partes, deveria o juiz desde logo decidir as questdes processuais pendentes, fixar os pontos controvertidos ¢ determinar as provas a serem produzidas, designando, se necesséria, a audiéncia de instrugio julgamento. A audiéncia preliminar & a0 nosso ver, um momento extraordinariamente relevante para que se dé um contacto mais direto do magistrado com as partes e/ou seus procuradores, justamente naquela “delicada fase do saneamento, em que, com a verificagdo da auséncia de vicios processuais relevantes, ou com sua corregio, se definem os limites dentro dos quais deve permanecer a discussdo no proceso, mediante a fixagdo dos pontos sobre os quais incidiré a atividade probatéria”' Nao ocorendo a conciliago, que, se verificada, determina a extingdo do processo, passa-se a fase de saneamento, por forga do que determina 0 § 3° do art. 331 © primeiro aspecto a destacar, quanto a essa fase, é que a secdo do Cédigo de Processo Civil destinada especialmente a0 saneamento do processo foi excluida do Cédigo, por forga da regra do art. 3° da Lei 10.444, 7 de maio de 2002 Deste tema jé tratamos em outra ocesiio (LUIZ RODRIGUES WAMBIER, A nova audiéncia preliminar—art, 331 do CPC, Revista de Pracesso, vol. 80, S.Paulo, RT, out/dez., 1995, p. 31 ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL De fato, a segdo antes denominada “Do saneamento do proceso” passou a chamar-se “Da audiéncia preliminar”. Na verdade foi um equivoco do legislador. Parece que teria sido melhor que a denominagio abrangente também do saneamento do processo (poderia ser “Da audiéncia preliminar e do saneamento do processo), justamente porque essa atividade organizadora do processo nao foi eliminada. Ao contririo, 0 novo parigrafo 3° do art. 331 prevé especificamente essa possibilidade, sempre que nio se tratar de hipdtese em que a audiéncia preliminar se deva realizar, © saneamento do processo, da forma como é conhecimento em nosso sistema, contemporaneamente, tem suas origens no antigo despacho saneador do CPC de 1939 que, por sua vez, foi inspirado no modelo processual civil portugués. Em Portugal © aqui, no Cédigo de 1939, essa decisio (equivocadamente denominada de despacho saneador) destinava-se ao expurgo de irregularidades e/ou nulidades de que padecesse 0 processo. Destinava-se, portanto, a corrigit os rumos do procedimento, mediante o suprimento das eventuais imegularidades e o afastamento das nulidades. Na verdade, a disciplina do saneamento do processo, como posta no CPC, tanto em 1973 quanto agora, em 2002, esté equivocada. Isso porque a atividade saneadora do juiz nfo se desenvolve s6 naquele momento, como fazem crer os dispositivos, tanto o anterior quanto o atual Na fase das providéncias preliminares ocorre verdadeiro saneamento do processo, Veja-se, por exemplo, que 0 art. 324 prevé que o juiz analisara se ocorreram ou no os efeitos da revelia; o art. 325 fala da declaragdo incidental, necesséria para o julgamento do pedido formulado pelo autor; 0 art. 326 faz referéneia & oposigdo, pelo réu que reconhece os fatos que fundam o pedido do autor, de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL © art, 327 faz mengao as preliminares do 301, determinando que juiz faculte a0 autor sobre elas manifestar-se e produzir prova documental. © mesmo art, 327 dispde que o juiz, verificando a existéncia de irregularidades sandveis, mandara supri-las. ORA O QUE E ISSO SENAO O SANEAMENTO?? Mesmo 05 arts. 329 ¢ 330, ao possibilitarem ao juiz a extinglio do proceso, permitem certo sancamento do procedimento, que seré abreviado, com evidente economia de esforgos e de energia Mas, na verdade, no CPC de 73, antes da reforma de 2002, havia uma secio logo abaixo dessa, destinada especificamente ao saneamento, A Giniea explicagdo razoavel, a Unica interpretagdo possivel, é a no sentido de que o momento dado pelo legislador como o do saneamento é, na verdade, o momento em que se tem por saneado 0 processo, com a verificago de que as providéncias foram tomadas e que nao € 0 caso de extingaio do proceso. Voltando a audiéneia preliminar, ¢ muito provével que, bem aplicadas as diversas possibilidades que ela oferece (conciliago ou, inocorrendo esta, 0 saneamento “compartilhado”), estar-se-A diante de grande esforgo em favor da efetividade. Isso porque, amplia- ¢ a possibilidade da redugo do volume de processos pendentes, a exigir custosa instrugdo, sentenga e eventual fase recursal. Teoricamente ao menos, parece proporcionar a diminuigdo das hipéteses de agravos, com a alegagdo de cerceamento de defesa, por exemplo, que muito provavelmente seriam interpostos em razio de falta de sintonia entre a posiggo adotada pelo Magistrado ¢ o interesse das partes, na fixagdo dos pontos controvertidos definigdo do conjunto de provas de que se langaré mio na instrugao. Por ébvio, parece que faltaria interesse recursal as partes, nesse preciso momento, se da definigo dos rumos do proceso tivessem efetivamente participado, junto com o Magistrado, e a posigdo uniforme tivessem chegado, no que diz respeito as questdes ¢ aos respective 's meios de prova. Enfim, em temas como celeridade e efetividade, 0 Cédigo de Processo Civil dispde de mecanismos extremamente titeis a que se aleancem os dois objetivos (proceso ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL célere e efetivo). A audiéncia preliminar ¢ 0 saneamento compartilhado so exemplos disso. Basta aos operadores deles se servir com mais operosidade, competéncia ¢ boa vontade.

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