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Ceticismo

A primeira resposta ao ceticismo é óbvia: será que o cético tem como


certa e fiável pelo menos a sua crença no ceticismo? Quem diz «só
sei que nada sei», não aceitará pelo menos que conhece uma verda-
de, a do seu não saber? Se nada é verdade, não é verdade pelo
menos que nada é verdade? Numa palavra, ao ceticismo é censurado
ser contraditório consigo próprio: se é verdade que não conhecemos
a verdade, pelo menos já conhecemos uma verdade... logo não é
verdade que não conheçamos a verdade. (A esta objeção o cético
poderia responder que não duvida da verdade mas duvida que
possamos distingui-la sempre fiavelmente do falso...) Outra
contradição: o cético pode dar bons argumentos contra a
possibilidade de conhecimento racional mas para isso precisa de
utilizar a razão argumentativa: tem que raciocinar para nos
convencermos (e convencer-se a si próprio!) de que raciocinar não
serve para nada. Pelos vistos, nem sequer se pode rejeitar a razão
sem a utilizar. Terceira dúvida face à dúvida: podemos sustentar que
cada uma das nossas crenças concretas é falível (ontem
acreditávamos que a Terra era plana, hoje que é redonda e
amanhã... quem sabe!) mas se nos enganamos deve entender-se que
poderíamos acertar, porque se não há possibilidade de acerto - quer
dizer, de conhecimento verdadeiro, mesmo que ainda não se tenha
dado -, também não há possibilidade de erro. O pior do ceticismo não
é impedir-nos de afirmar algo de verdadeiro mas impedir-nos até de
dizer algo de falso. Quarta refutação, mais grosseira: quem não
acredita na verdade de nenhuma das nossas crenças não deveria ter
muita dificuldade em sentar-se na linha do comboio à espera do
próximo expresso ou saltar de um sétimo andar, pois pode ser que o
medo inspirado por essas condutas se baseie em simples mal-
entendidos. Bem sei que estou a utilizar um golpe baixo.

F. Savater, As Perguntas da Vida, D. Quixote, 1999, p. 57.

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