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DESIGN GRÁFICO
Daniel Minchoni
VOCACIONAL
PERCORRENDO VOZES E ECOS DE UM PROJETO PÚBLICO
ÍNDICE
............................
............................
PARA UM EDITORIAL OU PRÓLOGO...............................................................................................06
DO CAMPO DE EXPERIÊNCIAS: OLHAR SOBRE A TRAVESSIA, PAUSA.......................................12
ABERTURA.......................................................................................................................................16
UM CONTEXTO PARA O VOCACIONAL..........................................................................................20
INÍCIO..............................................................................................................................................26
DESLOCAMENTOS............................................................................................................................32
MUDANÇA DE GESTÃO....................................................................................................................40
ESPAÇOS PARA O PROGRAMA.....................................................................................................46
NOVAS LINGUAGENS.........................................................................................................................52
ARTÍSTICO E PEDAGÓGICO.............................................................................................................62
INSTITUIÇÃO E BUROCRACIA.........................................................................................................68
EPÍLOGO...........................................................................................................................................72
PERGUNTAS.....................................................................................................................................78
VOZES EM MOVIMENTO...................................................................................................................84
PARA UM EDITORIAL OU PRÓLOGO
Vocacional Memória: percorrendo vozes e ecos de um projeto
público é uma publicação que compreende o trabalho de muitas
e muitos que passaram pelo Programa Vocacional. Em 2014,
alguns artistas orientadores formaram um Grupo de Trabalho
(GT) para se debruçar sobre a memória do Programa. Na época, o
Vocacional estava há três anos sem coordenador geral, a renovação
no seu quadro de artistas contratados era cada ano maior e notava-
se que suas transformações, especialmente sua recente expansão
territorial e de linguagens, nem sempre se desdobravam de um
debate horizontal sobre o Programa na cidade.
6
na gestão municipal em 2005. Ainda em 2015, Expedito Araújo,
coordenador geral do Núcleo Vocacional entre 2005 e 2010, foi
entrevistado por escrito. Sob sua coordenação, novas linguagens
passaram a fazer parte do Programa.
1 https://vocacionalmemoria.wordpress.com/
2 https://www.facebook.com/vocacionalmemoria/
7
Ao final de 2015, em uma reunião de coordenação, surgiu
a ideia de organizar todos os materiais do Vocacional Memória para
uma edição inteira da Vocare. Nosso grupo, já reduzido, passou a se
reunir, depois do período de contratação, para revisitar esses textos
já em outro contexto. O ano tinha sido de um estreitamento de
diálogo entre artistas e gabinete, foi negociada a volta da função
de Coordenador Geral. A divisão das equipes passou a ser por
territórios e não mais por linguagens, uma proposta que partiu,
inclusive, de outro Grupo de Trabalho do Programa. Gerando
novas possibilidades de ação entre as linguagens e os equipamentos
públicos, pondo em diálogo artistas e em crise suas diferentes
formas de atuação.
8
leitura do texto com entradas para falas dos artistas presentes.
Nos interessou ouvir a leitura das vozes antigas, interferida pelas,
então, vozes atuais. Transcrevemos essas intervenções ao final desta
publicação.
Os textos aqui reunidos narram ambientes de anos
diferentes. Reforçamos seu caráter de dramaturgia, apostamos
nessa montagem também como uma brincadeira de criar um
grande diálogo, ecoando junto vozes de contextos distantes. Nós
mesmos nos debruçamos sobre este material em momentos muito
diversos. Mantendo o diálogo em aberto, nossa intenção não é
avaliar processos ao longo dos anos, nem se aliar a determinadas
vozes, queremos abrir mais materiais de ação entre o Programa, sua
equipe de artistas e os espaços onde ele atua.
9
(decompor) essas histórias juntos.
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DO CAMPO DE EXPERIÊNCIAS:
OLHAR SOBRE A TRAVESSIA, PAUSA.
12
movimentos, novos vocacionados, ex-vocacionados, novos modos
de articulação entre artistas, especialmente nas periferias, apontam
um caminho a percorrer ou aprofundar: a relação do Vocacional
com as novas dinâmicas da cidade.
CONTAR MEMÓRIAS:
UMA PAUSA PARA OLHAR/SENTIR/SEGUIR
1 VOCACIONAL MEMÓRIA: Originalmente essa publicação foi organizada para ser uma
VOCARE, revista oficial do Programa Vocacional. 13
desejo da transformação social – que nos leve a um viver mais justo
– e procuramos por formas e meios para alcançá-la.
14
15
ABERTURA
CELSO FRATESCHI: É um prazer
enorme estar especificamente no Tendal
da Lapa. Esse espaço, na verdade, só
existe por conta de um grupo vocacional.
Antigamente, em 1988, o Tendal era um
lugar completamente abandonado. Nesse
último galpão, havia carros de um clube
que colecionava automóveis antigos. Era
simplesmente uma garagem. O resto
era abandonado e ermo. Para vocês de teatro. O material apreendido ficava
terem uma ideia, na semana em que a de um lado, a gente do outro. E foi
gente invadiu, foram encontrados dois juntando gente para participar. Lembro
cadáveres aqui neste terreno. Também que na primeira chamada do grupo, nós
era um lugar onde a prefeitura guardava éramos em 15, 20. Quatro meses depois,
materiais apreendidos de camelôs. E foi a gente já estava trabalhando com 200
nessa parte que conseguimos autorização pessoas, num happening maravilhoso
para começar a desenvolver um trabalho que fazíamos todo sábado e domingo
aqui. Foi essa força que garantiu a
energia pra gente invadir o espaço todo.
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VOCACIONAL MEMÓRIA:
Celso Frateschi utiliza o termo
“vocacional” se referindo ao adjetivo
relativo à “vocação” e não ao Programa
Vocacional, que, na época em que se
passa o seu relato, ainda nem existia.
Segundo o dicionário Houaiss:
Vocação
Datação: sXIII
Etimologia: lat. vocatìo,ónis
‘‘ação de chamar’’.
|s.f.|substantivo feminino
1. ato ou efeito de chamar(-se);
denominação.
2. apelo ou inclinação para o
sacerdócio, para a vida religiosa.
Ex.: vocação sacerdotal.
3. disposição natural e
espontânea que orienta uma pessoa
no sentido de uma atividade, uma
função ou profissão; pendor, propensão,
tendência. Ex.: ela tinha vocação para os
trabalhos manuais, ele tem vocação para
médico.
4. qualquer aptidão ou gosto
natural; disposição, pendor, talento.
Derivação: por extensão de sentido.
Ex.: com sua vocação para dança, vivia
nos bailes.
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Foi uma festa muito grande, essa invasão,
que gerou um primeiro espetáculo
vocacional. Era um espetáculo de rua
com mais de 200 atores e 1.500 pessoas
assistindo por dia. Isso foi muito
Eu me lembro muito bem do dia em que prazeroso. E voltar aqui é muito legal.
a gente invadiu e quebrou com marreta Só depois que o Tendal foi incorporado
o muro e as paredes que separavam a rua a uma Casa de Cultura da cidade. É bom
Constança do Tendal. E acho que foi lembrar que isso tudo só foi possível
uma invasão que deu certo. Na época, a porque, na época, fazíamos parte do
gente chamava de ocupação, porque era Núcleo de Cultura aqui da Lapa e a
mais bonito chamar assim. Mas foi uma nossa prefeita era a Luiza Erundina
invasão mesmo (risos na sala). Era um (atualmente no PSOL, na época, PT),
espaço que estava privatizado de uma que tinha muita sensibilidade em relação
forma que a gente considera irregular. à ação cultural. E a Secretária de Cultura
E foi um exercício de invasão nosso, de era a professora Marilena Chauí. As
200 artistas vocacionados que invadiram discussões eram todas muito fortes.
à marretada. E fomos tomando conta Voltar aqui me lembra uma experiência
do espaço. Nem tínhamos ideia de de vida vibrante. Muito obrigado por
como fazer isso e do que era esse espaço. terem marcado esse encontro aqui.1
1 VOCACIONAL MEMÓRIA: Em agosto de 2014, Celso Frateschi revisitou o Tendal da Lapa. Enquanto o
nosso papo não começava, Celso caminhava pelos distintos espaços do Tendal, curioso com suas transformações.
Compareceram, ao encontro público daquela tarde, artistas orientadores, artistas vocacionados, administradores de
espaços públicos e outros interessados na relação entre arte e políticas culturais. Ator, diretor e dramaturgo, Celso
Frateschi foi diretor do Departamento de Teatro e Secretário de Cultura na gestão municipal de Marta Suplicy
(PMDB atualmente, na época, PT). Foi presidente da FUNARTE no governo federal de Lula (PT), é professor na
EAD/USP e Coordenador do Ágora Teatro. Os trechos citados na revista são deste encontro público no Tendal, a
transcrição completa está disponível em: https://vocacionalmemoria.wordpress.com/2014/10/29/encontro-publico-
com-celso-frateschi/ 19
um contexto
para o
Vocacional
MARIA TENDLAU2: O Programa surgiu de uma experiência
do Celso dentro de um contexto no qual a educação tinha outra
força. Havia um contexto de teatro estudantil forte quando
o Celso era jovem, que era estudantil também, não apenas
universitário. Existia, a princípio, um cenário de teatro amador
fértil naquela época. Quando o Vocacional foi criado, este
cenário tinha se precarizado muito. Então, a ideia da experiência
do Vocacional era um reflexo da experiência do próprio Celso
quando começou a fazer teatro no colégio, do colégio foi para
a Biblioteca da Lapa, da biblioteca para o Teatro de Arena.
Imagine o Teatro de Arena na época do Boal!
2 VOCACIONAL MEMÓRIA: Em julho de 2014, fizemos uma ponte virtual,
entre São Paulo e Piracicaba, para conversar com Maria Tendlau. Atriz, encenadora e
educadora, Maria fez parte da implantação do Programa Vocacional (à época, projeto
Teatro Vocacional) na cidade de São Paulo e atuou como sua coordenadora entre
2001 e 2004. Atualmente, morando na cidade de Piracicaba, atua como orientadora
de arte dramática pelo Teatro da Universidade de São Paulo (TUSP). Os trechos
aqui citados foram transcritos desta conversa, que está disponível na íntegra em:
https://vocacionalmemoria.wordpress.com/2014/10/29/entrevista-com-maria-tendlau/
CELSO FRATESCHI:
Quando eu comecei a fazer
Teatro Jornal, o Boal começava o
espetáculo dizendo que o futebol é
importante porque, de uma forma
ou de outra, todo mundo conhece
suas regras, porque joga futebol. E
ele acreditava que o teatro deveria
ser popular na medida em que as
pessoas jogassem teatro. Mesmo que
despretensiosamente.
21
CELSO FRATESCHI:
Em 2002, eu me tornei Secretário
de Cultura e isso foi importante
para a ampliação e solidificação
do Projeto Vocacional. Na época,
eu fazia parte de um projeto de
governo, e um projeto para a área
de cultura da cidade de São Paulo.
Isso significa que não havia ações
isoladas e nada do que foi feito
era fruto de um interesse meu,
particular, pelo teatro. Não era um
interesse isolado, era um projeto
de governo, que pressupunha
uma concepção de cidade, de um
jeito de encarar a cidade em que
vivíamos e construíamos. A gente
acreditava que a cidade, apesar de
ser o caos que é hoje, era a maior
invenção da humanidade. Se fosse
tão ruim, já haveria aparecido
outra forma de organização. Mas
segue sendo a cidade que a gente
busca para viver, pois é uma forma
sofisticada de relações políticas,
sociais, humanas. Acho que os
projetos políticos deveriam estar
interessados em aperfeiçoar a vida
22
nessas formas. Portanto, o que a
nossa visão de mundo defendia
era tomar o cidadão em primeiro
plano. Isso não tinha nada a ver com
querer desenvolvê-lo para ser útil
para a engrenagem. Não, ele estava
em primeiro plano para fazer com
que a engrenagem funcionasse para
deixá-lo feliz. Para que ele exercesse
plenamente sua humanidade,
cidadania e civilidade. Portanto, o
projeto Teatro Vocacional nasceu
muito próximo dessa ideia. Na
área da Cultura, havia um tripé
para isso: formar um cidadão,
apresentando conteúdos culturais
criados pela humanidade ao o cidadão praticasse a arte não
longo da história, portanto, uma somente como consumidor, mas
função de socialização das formas como produtor; e terceiro, dar a
artísticas; um segundo ponto possibilidade da produção artística
tratava de favorecer os meios de oculta da cidade, aquela que não
produção artística, permitir que tinha interesse de mercado, poder
se manifestar. Esse tripé gerou
uma série de ações.
VOCACIONAL MEMÓRIA: Marta Suplicy (atualmente no
PMDB, na época, no PT) foi Prefeita da cidade de São Paulo
entre 2001 e 2004. Em seu primeiro ano, criou o Departamento
de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, dirigido por Celso
Frateschi, na época, teve como Secretário Municipal de Cultura,
Marco Aurélio Garcia. Em 2002, Celso Frateschi assume a
Secretaria e Kil Abreu, o Departamento de Teatro. Em 2001, foram
estruturados os CEUs* (Centro Educacional Unificado). Também
foram lançados programas do Departamento de Teatro: o Núcleo
de Teatro Vocacional; o Programa de Formação de Público**; a
Ocupação dos Teatros Distritais***; e, em 08 de Janeiro de 2002, é
promulgada a Lei nº13.279, que institui o Programa Municipal de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo****.
24
*CELSO FRATESCHI: Os CEUs entendiam a educação da forma com que ela deveria sempre ter sido entendida.
Hoje a gente escuta o tempo todo (e o pior é que o cidadão às vezes aceita) que a educação serve para possibilitar
que se consiga um emprego em determinada área. Ou seja, a educação serve para formar mão de obra e quanto mais
mão de obra houver, mais barata ela se torna e sempre estará a serviço de um outro que não o próprio cidadão. Nós
entendemos a educação de uma maneira totalmente diferente. Ela teria de servir, de alguma forma, à emancipação
desse ser humano e não ao aproveitamento de sua força de trabalho para uma forma mais restrita. Não é à toa
que os CEUs foram pensados para terem tanta coisa: bibliotecas, EMIAs, telecentros, teatros, piscinas, pistas de
skate… O objetivo era criar uma zona da qual as comunidades pudessem desfrutar e desenvolver suas capacidades
humanas. E acho que foi um projeto totalmente exitoso enquanto se desenvolveu sobre essa égide, pois juntava as
Secretarias de Educação, Cultura e Esporte e a população do entorno, com a participação de seus representantes
no Conselho Gestor do CEU. Isso acabou. Nem sei como está agora. Acho que essa gestão colegiada ainda não foi
retomada. Para nós, o processo de construção do conhecimento não se limitava à sala de aula. A sala de aula deveria
organizar, talvez, esse processo. Mas sabíamos que grande parte dele acontece sempre na rua. Os saberes existem e
são construídos pelo cidadão no seu dia a dia, em casa, no trabalho. E eles são tão importantes quanto a leitura e a
escrita. E isso precisava ser estimulado.
**CELSO FRATESCHI: O projeto Formação de Público fazia parte dessa política que pensava o teatro para o
município. Eu estava lendo aqui a primeira revista produzida pelo projeto Vocacional e estava lá o Peter Brook, o
Yoshi Oida e o Sotigui Kouyaté na periferia de São Paulo, discutindo com vocacionados e orientadores. Trabalhando
junto. Era um projeto que se pensava de uma forma sólida e não simplesmente propagandista. O projeto Formação
de Público era um projeto mais caro, mas muito menos caro do que a Virada Cultural, por exemplo. Isso era bom
para os artistas profissionais também, pois os grupos que se apresentavam tinham atividade o ano inteiro. Hoje você
tem um cachê maior na Virada, por exemplo, mas muito pontual. É um jeito muito mais precário de se pensar ação
cultural no município. Além disso, o projeto Formação de Público convidava o cidadão a participar do Vocacional.
***CELSO FRATESCHI: Não só a ocupação dos espaços teatrais, também muitas bibliotecas foram ocupadas
por grupos de teatro. Espaços históricos e tombados também foram ocupados: o Teatro da Vertigem ficou mais
de um ano na Casa Número 1, o Grupo XIX ficou dois anos no sítio Morrinhos. Isso fazia com que esses grupos
conseguissem desenvolver suas propostas estéticas como nunca tinham podido desenvolver antes. Os próprios
teatros distritais eram ocupados por grupos. No Cacilda Becker se formalizou a Cia do Latão, por exemplo. Não
havia somente a ocupação desses teatros, mas a proposição de uma direção artística para eles por parte dos grupos.
Antes da nossa gestão, a Secretaria Municipal de Cultura funcionava como uma espécie de imobiliária: alugava o
teatro por dois meses sem nenhum tipo de critério. Com a proposta de ocupação, a gente cedia o espaço por dois
meses ao ano, com possibilidade de renovação, mais uma verba para que o grupo pudesse se manter e gerir o espaço.
**** MARIA TENDLAU: Podemos pensar na história de todas as reuniões do Movimento Arte Contra a Barbárie,
que eram reuniões de um grupo de pessoas do teatro de grupo. Não eram aquelas reuniões gigantescas, eram
reuniões de umas sete pessoas. E este grupo gerou um manifesto, que gerou a possibilidade da escrita da Lei de
Fomento. O fato é que a elaboração do princípio de que há uma arte pública, que não está vinculada ao mercado e
que portanto deve ter apoio financeiro público hoje é voz corrente, mas na época não era assim tão claro. Foi feita
muita discussão para se compreender isto para além da questão da sobrevivência imediata, e sim como uma questão
de ser, fazer e atuar politicamente.
CELSO FRATESCHI: A experiência do Fomento não é perfeita, mas avançou muito no entendimento de quem é
que determina para onde vai o dinheiro. É preciso colocar o crítico, o cara que entende, o antropólogo, o sociólogo,
o professor, aquele que tem interesse em cultura para dizer para onde vai o dinheiro público. E não aquele que vai
vender uma marca. [...] Eu entendo que a função do artista só se exerce se ela for crítica. Se ela for completamente
livre. O artista só pode ter algum interesse para a sociedade se ele for livre. E numa sociedade democrática, o Estado
deve financiar um artista livre e não o cooptado. Deve financiar o artista sabendo que ele vai criticá-lo, pois essa
é a função dele. E isso pode ser bom para a democracia. Mas isso é muito difícil de acontecer, pois nossa herança
autoritária também é muito grande. Nós, artistas, não sabemos muito bem lidar com isso também.
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início CELSO FRATESCHI:
O Vocacional surge dentro dessa
política. Uma equipe foi formada
a partir da parceria com a Maria
Tendlau, que foi quem me ajudou
a organizar todo o setor do Teatro
Vocacional na Prefeitura.
VOCACIONAL MEMÓRIA: Em 2001, o Projeto Teatro
Vocacional acontecia em 23 pontos da cidade, sendo 12
Casas de Cultura, 09 Bibliotecas públicas e 02 EMEFs.
Em 2003, eram 30 pontos, nos quais atuavam 35 artistas
orientadores em grupos regionais, separando a cidade
em 7 regiões: Centro, Norte, Oeste, Sul, Sudeste, Leste
e Extremo Leste. Em 2004, com o desafio de implantar o
3 Fonte: TENDLAU, Maria.
Projeto nos CEUs, o quadro de artistas orientadores passa Teatro Vocacional e a apropriação
da atitude épica/dialética. São
a 79 e os pontos atendidos sobem para 49. 3 Paulo, Editora Hucitec, 2010.
29
CELSO FRATESCHI: O artista orientador deveria chegar nos
espaços com uma grande perspectiva de aprendizado, mais do que
de ensinamento. É que o fato do artista orientador ser aprendiz é
tão importante quanto orientar. E era de extrema importância que o
projeto que ele fosse desenvolver fosse fruto de uma pesquisa pessoal
sua. Porque a gente acha que, para o artista, a coisa tem que ser
pessoal de algum jeito. Ele não é um construtor frio da matéria que
desenvolve, ele tem que se colocar pessoalmente naquilo que ele faz.
Por isso se chama artista orientador e não simplesmente orientador
ou professor de teatro. Sempre vem o artista primeiro, que vai
desenvolver um projeto de teatro que lhe interessa também. Mas,
dentro do Vocacional, para que ele pudesse levar a cabo o projeto
de teatro que lhe interessava, ele teria de construir junto com o
coletivo com o qual fosse trabalhar. Então, os temas e as formas com
as quais esse projeto se desenvolveria seriam decididos com o grupo
que esse artista orientador encontrasse. Não existia nenhum tipo de
orientação ou definição de tema. Ao contrário, a possibilidade do
tema ser dado anualmente pelo governo nos deixava em pânico. E a
gente sabe que esse governo não necessariamente precisa ser central,
pode ser o local: subprefeitura, diretor da escola, gestor do CEU etc.
Não nos interessava qualquer possibilidade de dirigismo.
30
MARIA TENDLAU: Como foi conformado
o projeto, num processo muito coletivo de
investigação, era difícil estabelecer a priori um rol de
práticas comuns. Cada orientador tentava transpor
sua experiência de criação, conforme ocorria nos
seus respectivos grupos teatrais profissionais.
Compartilhava suas descobertas, conquistas e
malogros, com uma equipe de orientadores bastante
interessada na descoberta de procedimentos que
garantissem um aprendizado a partir da experiência
da criação. O que regia esta investigação era
a avaliação sistemática de seus resultados e a
disposição para a correção dos desvios, mirando um
princípio único: o teatro pode ser compreendido,
como conformação, tradução estética, de um olhar
crítico para a realidade, através da prática da criação.
31
deslocamentos
BRUNO CÉSAR (Cia Humbalada): Quando a gente
era artista vocacionado, a nossa discussão era artística. A
discussão era a arte, o teatro. Às vezes eu sinto que, aos
poucos, as coisas foram se pedagogizando. O Programa
foi assumindo um lugar quase de mãe…
34
BRUNO DA SILVA (Grupo Descarados do Tendal)6: O vocacionado
entra vendo a imagem do artista orientador como professor. Ele virá
aqui e vai me falar: “Faz isso, isso e aquilo.” Até eles sentirem e verem
que não é isso, que a pessoa está lá não para te puxar, mas para andar
ao seu lado, ajudar nessa caminhada, demora um tempo.
6 VOCACIONAL MEMÓRIA: Em setembro de 2014, dentro do evento Processos Artísticos: Tempos e Espaços, realizamos
o II Encontro entre Grupos, Artistas Vocacionados e Artistas Orientadores no Centro Cultural Jabaquara. Citamos aqui alguns
trechos deste encontro, a transcrição completa está disponível em: https://vocacionalmemoria.wordpress.com/2014/10/29/
ii-encontro-entre-grupos-artistas-vocacionados-e-artistas-orientadores-centro-cultural-jabaquara/
7 VOCACIONAL MEMÓRIA: Optamos por manter a denominação artista orientador para se referir a todos os
artistas que trabalharam no Programa.
35
EXPEDITO ARAÚJO8: O Vocacional não acontece em uma
única direção. O artista orientador não está lá para ensinar e sim
para trocar a partir de uma escuta sobre estas pessoas, estes grupos,
estas comunidades. É um projeto que se constrói pela interação
e pelos processos colaborativos entre artistas orientadores e
artistas vocacionados, entre estes artistas e as comunidades.
Relembrando a sua essência primordial, o princípio do projeto
se faz pelo seu nome, Vocacional é vocação, é dar voz. É um
espaço para que cada artista vocacionado possa fazer ouvir a sua
voz, suas ideias, sua criatividade, sua expressividade. Este projeto
compreende que os artistas vocacionados têm um valor cultural
inestimável. E o projeto também tem um valor incalculável
para a cidade. As suas ações reverberam em rede, no âmbito
individual, coletivo, social. Um projeto de cultura, educação e
cidadania, ao qual todos deveriam ter direito e acesso.
VOCACIONAL MEMÓRIA:
Maria Tendlau faz referência a uma peça do autor alemão Bertolt Brecht,
optamos por reproduzir aqui um fragmento:
O CORO – Quer dizer então que eles não devem ser ajudados.
Rasgaremos o travesseiro e
Jogaremos fora a água.
(O Narrador rasga o travesseiro e joga fora a água.)
A MULTIDÃO (lê para si mesma) – Certamente vocês já observaram
A ajuda em mais de um lugar,
Sob diferentes formas. Gerada por um estado de coisas
Que ainda não conseguimos dispensar:
A violência.
Contudo, nós os aconselhamos a enfrentar
A cruel realidade
Com uma crueldade ainda maior. E,
Abandonando o estado de coisas que gera a necessidade,
Abandonem a necessidade. Portanto
Não contem com a ajuda:
Recusar a ajuda supõe a violência.
Obter ajuda também supõe a violência.
Enquanto a violência impera, a ajuda poderá ser recusada.
Quando não mais imperar a violência, a ajuda não mais será Necessária.
Por isso, em vez de reclamar ajuda, é preciso abolir a violência.
Ajuda e violência constituem um todo
E é esse todo que é preciso transformar.
(Fragmento “A recusa da ajuda”, d’A peça didática de Baden-Baden
37
sobre o acordo, de Bertolt Brecht)
o homem ensinando o homem, e assim não se coloca
em questão um pensamento para a cidade, um
entendimento da cidade, a reflexão para a assunção
de uma cidadania cultural. Mas, quando falamos de
institucionalização, tem muita coisa em jogo, tem
que pensar em como a conformação de um programa
público pode atuar nos dois sentidos, no da ação local e
no da ação de estabelecimento de políticas e estruturas
operacionais. A tensão tem que se estabelecer nos dois
sentidos e de modo coengajado.
39
mudança
MARIO SANTANA9: Foi uma ação que me agradou muito nos
primeiros tempos, até entrar nessa situação turbulenta que é a
eleição. Depois disso, eu acabei me dedicando mais à Universidade,
por pressão da UNICAMP, e me mudei de São Paulo. Porém, nesse
meio tempo, entre ser um dos coordenadores e me mudar de São
Paulo, após a mudança de gestão da Marta Suplicy (atualmente
no PMDB, na época, no PT) para o José Serra (PSDB)*, eu fui
convidado, digamos assim, a reimplantar o projeto nos CEUs,
porque logo na passagem do primeiro semestre da primeira gestão, a
Secretaria de Cultura estava numa situação financeira bastante ruim,
então, naquele momento, não tinha condições de dar continuidade
ao Vocacional nos equipamentos da Secretaria de Cultura.
de gestão
*VOCACIONAL MEMÓRIA:
Em 2005, José Serra (PSDB) assume a gestão
da Prefeitura de São Paulo, nomeia, como
Secretário Municipal de Cultura, Emanuel
Araújo, que renuncia ao cargo, após três meses,
em carta criticando a gestão anterior. Carlos
Augusto Calil assume a Secretaria Municipal
de Cultura, cargo no qual permanece até 2012.
9 VOCACIONAL MEMÓRIA: Em setembro de 2015, realizamos um encontro público no Tendal da Lapa com Mario
Santana, coordenador geral do, então, Projeto Teatro Vocacional nos anos de 2005 e 2006. Uma conversa que contou
com a presença de artistas orientadores e vocacionados. Mario entrou no Vocacional em 2003, prestando consultoria
para a ampliação e implantação do Projeto nos CEUs, foi coordenador de núcleo no ano seguinte e coordenador geral,
com a mudança de gestão na prefeitura. Atualmente é professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade
Estadual de Campinas. O encontro foi gravado em vídeo e transcrevemos aqui alguns trechos. O material completo
está disponível em: https://vocacionalmemoria.wordpress.com/2016/02/19/encontro-publico-com-MARIO-santana/
41
MARIA TENDLAU: Houve um
problema evidente, no ano de virada
da gestão, com o questionamento da MARIO SANTANA:
legalidade da Lei de Fomento e com Fui até a casa da Maria Tendlau,
que disse que ela e a equipe tinham
o fim do Programa de Formação de
uma série de senões para com a conduta
Público, que culminou, inclusive, política dessa nova gestão em relação
na saída de grande parte da equipe ao Fomento, em relação ao Vocacional,
que havia criado o Vocacional. Mas ao Formação de Público e acharam
antes já havia dificuldades. por bem não se submeterem a
um esvaziamento, a um
empobrecimento.
VOCACIONAL MEMÓRIA:
Trechos da carta produzida pela equipe do Vocacional, em março de 200510:
Nossa equipe nunca foi composta por um grupo partidário, e sua constituição
sempre foi pautada por critérios transparentes de qualidade artística e do
entendimento de princípios pedagógicos explícitos. […]
Em 2004, a equipe composta totalizava nada menos que 80 profissionais
trabalhando por toda a cidade. Desse modo, não podemos admitir uma redução
da equipe a um quarto de seus integrantes. Nossos critérios de qualidade sempre
estiveram adequados a um perfil de política pública integrada à convicção de que
todos os cidadãos têm direito (e devem exigi-lo) a ações culturais consistentes,
que permitam a construção de um pensamento crítico e estético.
10
Fonte: FABIANO, Cláudia Alves. Uso do território, descentralização e criação de redes no Teatro
Vocacional. São Paulo: USP, 2010. Dissertação (Mestrado em Pedagogia do Teatro) - Programa de
Pós-graduação em Artes Cênicas, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2010.
42
MARIO SANTANA: Mas, por outro lado, eu olhava para as pessoas,
para os grupos que deixariam de ser atendidos pelo projeto. Então, eu
fui até a secretaria conversar e me disseram que o projeto estava parado,
não tinha recomeçado e só poderia recomeçar na Secretaria de Educação,
nos CEUs. Se reconhecia a importância do projeto, que a equipe anterior
tinha sido convidada a dar continuidade, mas que a equipe, por motivos
que a Secretaria respeitava, decidiu não continuar. Então foi dito que
o projeto poderia não continuar, porque se a Secretaria de Cultura não
recomeçasse o Vocacional nos CEUs, a Secretaria de Educação poderia
criar seu próprio projeto, posto que tinha verba já definida para a ação.
Portanto, se questionava, dentro da Secretaria de Cultura, o que garantiria
a permanência do Vocacional se ele não continuasse nos CEUs. E se não
continuasse nos CEUs, como se retomaria o projeto, quando a Secretaria
de Cultura começasse a se recompor financeiramente?
44
EXPEDITO ARAÚJO: Minha inserção
no projeto se deu como artista orientador
no ano de 2003 e coordenador de equipe
a partir do ano de 2005. Apesar de ter
estudado Ciências Sociais e Artes Cênicas na
academia, sei o quanto foi de fundamental
importância passar por esses dois lugares,
até assumir a coordenação geral, pois
um dos aspectos primordiais do projeto
sempre foi esta construção permanente a
partir da prática. Fui convidado pelo então
coordenador Mario Santana a assumir o
projeto. Ele teve o poder decisivo para que
este projeto tivesse continuidade de ação na
cidade de São Paulo. O mais importante era
a ação com suas bases asseguradas para que
o Vocacional fosse preservado e executado
com coerência, reforçando os seus princípios
artísticos e pedagógicos em toda a cidade
de São Paulo, tanto em equipamentos da
Secretaria Municipal de Cultura como nos
CEUs, sob administração da Secretaria
Municipal de Educação.
espaços
para o
Programa
GABRIELA FLORES (Artista Orientadora) para MARIO
SANTANA: Eu entrei no Vocacional em 2006 e, na minha
memória, lembro de você subindo para muitas conversas
no gabinete, lembro de você na SMC e em seguida íamos
todos com você para a Cooperativa Paulista de Teatro, de lá
voltávamos para a SMC e subíamos para o gabinete para falar
com o secretário, me lembro dessa movimentação intensa.
47
equipe do CEU e buscar o gestor, conversar com ele
para tirar o artista orientador “daquele cantinho” onde
ele foi colocado com aquelas pessoas que se interessaram
por fazer teatro, fosse para discutir e maleabilizar o
artista, para ele não bater de frente com a equipe do
CEU. Por exemplo, para alguns gestores de CEUs, a
função do Projeto Vocacional era exclusivamente dar
aula de iniciação, e nós falávamos: “Veja essa é uma das
possibilidades, no entanto, veja bem, nós temos artistas
orientadores que são ARTISTAS ORIENTADORES”.
49
LETÍCIA FERREIRA
(Cia Palco pra Toda Obra): Fomos
apresentar no CEU Pêra Marmelo,
chegamos lá atrás do coordenador.
“Ah, não está aqui. Fala com fulano,
com o segurança, com sicrano…”.
500 pessoas pra você chegar em um,
que diz que a porta já estava aberta. A
gente chegou, entrou e montou. Daí
veio alguém dizer que o espetáculo
estava marcado para as 17h. Não. A
gente tinha marcado às 20h. E, no nosso artista orientador. A gente estava
dia seguinte, teria também e ele dizia se mantendo, a gente marcava uso do
que não estava agendado. Esse foi o espaço, procurava espaço pra apresentar,
ápice. A gente percebeu que não queria fazia a divulgação. Não adiantava fazer
mais aquilo. Não queríamos mais ficar parte do Vocacional. E se a gente
no Vocacional, nem nesse esquema. chegasse pro CEU Casa Blanca dizendo
A gente não quis mais Vocacional. que éramos do Vocacional, eles torciam
Esse ano, quem inscreveu a gente foi o o nariz pra gente, “Ah, é?”.
50
MARIO SANTANA: Daí a necessidade um telefonema do próprio secretário
de rever a figura do coordenador de de cultura. Havia então uma tentativa
núcleo (de equipe), de não ser um de que o artista orientador fosse o mais
coordenador passivo. Ele teria que amparado possível para que ele de fato
ser ativo, não apenas com os artistas desse vazão à sua competência, por
orientadores, mas ele teria que ser isso a correria em relação à ampliação
ativo na relação com os equipamentos nos CEUs. Era importante que o
onde esses artistas orientadores atuam. coordenador de núcleo tivesse os artistas
Isso tudo para que o artista orientador orientadores congregados nos mesmos
não ficasse abandonado, mas equipamentos, para que evoluísse a
acompanhado, sempre que necessário, relação deles com aquela biblioteca,
do seu coordenador e, quando aquele ginásio, com aquele CEU, com
necessário, da coordenação geral, e, aquelas pessoas que proporcionavam
quando necessário, do responsável a permanência do projeto e das ações
pelo Departamento de Expansão dos artistas orientadores dentro de cada
Cultural, responsável pela área de equipamento.
teatro, e, quando necessário, ainda,
EVERTON MORAIS
(Artista Vocacionado): Eu acho que o ponto da continuidade
é importante, porque a arte tem um tempo para se estabelecer,
ela não acontece em um ano, em seis meses. Um orientador
pode sair, claro, ele pode arrumar outro emprego, mas
quando isso é uma proposta do programa dele ficar um ano
é ruim, não vai dar tempo. E, na grande maioria, em 99%
dos casos, ele não fica. 51
novas
linguagens
VOCACIONAL MEMÓRIA: O Vocacional teve a sua ação
expandida no ano de 2007, com a implantação do Projeto Dança
Vocacional. No ano seguinte, 2008, foi implantado o projeto
Música Vocacional. Com a expansão, o Núcleo Vocacional torna-
se um Programa de Artes Cênicas dentro do Departamento de
Expansão Cultural (anteriormente denominado Departamento
de Teatro), abarcando três linguagens: Dança, Música e Teatro.
Entre 2005 e 2008, passaram pelo projeto um total de
263 profissionais das áreas de Dança, Teatro e Música,
entre artistas orientadores. Em 2008, a ação abarcava
78 pontos da cidade de São Paulo, de todas as regiões
do município, entre equipamentos de cultura
governamentais e não-governamentais.11
54
VOCACIONAL MEMÓRIA:
Em 2008, inicia dentro do Vocacional o Núcleo Aldeias, com atuação
nas aldeias Guarani Tenondé Porã e Krukutu. Em 2014, se desvincula do
Vocacional e passa a fazer parte do Núcleo Fomentos/Cidadania Cultural,
com o nome de Programa Aldeias. Como resultado do diálogo instaurado
com as lideranças indígenas do povo Guarani Mbya, a Secretaria Municipal
de Cultura (SMC) implantou, em 2014, o Programa Aldeias, com o objetivo
de fortalecer e promover as expressões culturais tradicionais do povo Guarani
Mbya nas aldeias (tekoa), presentes no Município, atualmente sete aldeias,
sendo quatro na zona sul, Distrito de Parelheiros e Marsilac, e três na zona
noroeste, Distrito do Jaraguá. (Fonte: http://spcultura.prefeitura.sp.gov.br/
projeto/688/).
55
FÁBIO VILLARDI12: Na Dança, vinte minutos, fazíamos isso, e,
vinham pessoas da dança Afro e da a partir dessa prática, começávamos
dança de rua, que geralmente não a conversar. Essa ação reverberava
tinham nenhum estudo acadêmico. em cada equipe. Então essa
Pessoas de faculdades de dança que foi uma pedagogia, um caminho,
não tinham a dança no corpo, mas uma estratégia. Tínhamos que
tinham no pensamento. E também suar primeiro. Depois sentávamos,
havia pessoas de companhias de pensávamos e encaminhávamos as
dança, que eram poucas. Uma questões a serem debatidas, junto
diversidade: artistas orientadores com os princípios que a gente tinha
que nunca tinham passado no praticado no dia. Um lugar da ação/
palco, que eram só professores, pensamento, do pensamento/ação.
alguns de academia de dança, como Nunca ficava uma coisa isolada
o ballet clássico, por exemplo. da outra.
Como podia se trabalhar com tudo
isso? A estratégia foi juntar essas
diferenças e cada coordenador
propor sua prática corporal. Antes
de qualquer reunião, por meia hora,
12
VOCACIONAL MEMÓRIA: Em setembro de 2014, Fábio Villardi conversou com o Vocacional
Memória. Bailarino, atuou por mais de dez anos no Ballet Stagium. Fábio atuou, entre 2008 e 2012, como
Artista Orientador, Coordenador de Equipe, Coordenador de Projeto e Coordenador Pedagógico. Citamos
aqui alguns trechos dessa entrevista, que está disponível na íntegra em: https://vocacionalmemoria.
56 wordpress.com/2014/10/28/entrevista-com-fabio-villardi/
BÁRBARA BANDEIRA
(Grupo Improvis´Art): Nós estamos
no CEU Uirapuru, no João XXIII.
ALINE BATISTA
(Grupo Improvis´Art): Começamos,
em 2011, no Vocacional Dança.
Alguns de nós faziam Vocacional
Teatro também, mas o grupo se o grupo participava de atividades
formou no final de novembro culturais, proporcionadas pela
de 2011 na dança. Fizemos um equipe Vocacional Dança fora
trabalho que falava sobre política do CEU Uirapuru. Um exemplo
e resolvemos montar o grupo foi, em 2013, quando o grupo
Improvis´Art. O que foi aprendido foi convidado para participar da
nos encontros do Vocacional Dança Mostra de Processos no CEU
foi primordial para que o grupo Campo Limpo. O espetáculo Qual
tivesse uma base para escrever a Cara do João? exige o uso de um
projetos e ser aprovado no edital surdo relativamente pesado. Saímos
do VAI, por exemplo. Em geral, do bairro Jardim João XXIII e
sempre tivemos uma boa relação fomos até o CEU Campo Limpo
pessoal com os artistas orientadores. utilizando transporte público
Sentimos algumas dificuldades de lotado. Foi uma imensa dificuldade,
transporte e alimentação quando mas o grupo sempre acreditou que
uma das características mais ricas e
potentes do Programa era a troca
artística entre os equipamentos.
57
JHOW (Família Justa Causa): Eu direito. Passou o ano de 2009, a
sempre cantei rap. Mas era dentro gente viu que estava num patamar
de outra linguagem, que tinha mais legal e decidiu fazer shows. Aí
a ver com protesto. Na época, eu entramos no Vocacional Apresenta.
pensava que gostaria de fazer uma Era muito legal esse projeto, porque
música diferenciada e que todo íamos para vários equipamentos
mundo pudesse curtir. Em 2008, aqui em São Paulo. Eu sei que
foi quando ficamos sabendo do o Vocacional e o Vocacional
Vocacional e tivemos nosso primeiro Apresenta são projetos diferentes,
artista orientador, no CEU Lajeado, mas foi no Apresenta que vimos a
em Guaianazes. Ficamos com ele dificuldade do Programa. Nós não
um ano, aprendemos algumas tínhamos nenhuma ajuda de custo e
coisas e, em 2009, tivemos outra colocávamos tudo do próprio bolso.
artista orientadora e começamos E também tinha o problema da
a desenvolver mais nosso canto, divulgação. Não havia. Não tinha
nosso comportamento e nossa fala. público. Às vezes tinha público no
Começamos a pesquisar MPB, CEU porque a gente fechava com
samba e não ficamos só no rap. o pessoal do EJA (Ensino para
Porque o rap a gente já tinha nascido Jovens e Adultos), mas quando não
escutando. A artista orientadora tinha, a gente apresentava para duas
propôs novas coisas e acabou pessoas… Lógico que o legal não é,
enriquecendo nosso trabalho. A necessariamente, a quantidade de
Família Justa Causa é formada por gente vendo, mas sim a evolução do
mim, pelo meu cunhado, meu nosso trabalho.
sobrinho… somos uma família
mesmo, em seis pessoas. Meu
sobrinho tem 10 anos hoje, mas
quando entrou com a gente no
Vocacional ele tinha 5, nem falava
58
VOCACIONAL MEMÓRIA:
“Em 2007, o Vocacional Apresenta surge como um
subprojeto ligado ao Projeto Teatro Vocacional,
atuando na perspectiva de abrir espaço na cidade
de São Paulo para que grupos de teatro, formados
ou não pelo Projeto, pudessem se apresentar,
difundir seus trabalhos e estabelecer diálogos com
plateias diversas. Através das apreciações mediadas
por artistas orientadores em cada apresentação,
prática fundamental do Vocacional Apresenta, o
objetivo sempre foi estimular o desenvolvimento
dos processos desses coletivos, como também a
formação de um olhar crítico das plateias sobre
a linguagem teatral. Seguindo esses mesmos
propósitos, de 2007 a 2008, o Vocacional
Apresenta foi sendo ampliado para mais pontos
de atuação, o que também proporcionou um
aumento do número de espectadores registrados
em suas ações. Em 2009, atuando em 6 pontos
da cidade, (...) o Vocacional Apresenta pôde
inserir em sua programação, com o mapeamento
de grupos nas linguagens de dança e música, as
três linguagens do Programa, antecipando, assim,
a característica multilinguagem.” (Texto de Teca
Spera, coordenadora do Vocacional Apresenta que
teve sua última edição em 2011. Fonte: Revista
Vocare 2011 – edição comemorativa 10 anos).
59
YVES REMONT (Artista Vocacionado): Sou músico,
toco violão e guitarra. Minha entrada no Vocacional
foi 100% caótica. No meio de 2010, eu estava com
um amigo meu e ele me disse que havia um espaço
no Centro Cultural da Juventude onde a galera se
reunia pra tocar. Lá eu conheci a artista orientadora
de música. Nossa intenção, no Vocacional, era montar
uma banda de heavy metal e destruir por aí, pelo
bairro (risos na sala). Éramos três, na época, dentro
do Vocacional: dois guitarristas e um trompetista e
chegamos à conclusão que não daria para montar uma
banda de heavy metal nessa configuração e com esse
número de pessoas.
64
BRUNO DA SILVA (Grupo Descarados do Tendal): No começo,
o nosso labirinto dos conceitos parecia mais uma “favela dos
conceitos”. E no decorrer desse processo, a turma e o grupo se
misturavam muito. Acabamos influenciando a turma tanto que
esse ano (2014) elas quiseram ser um grupo. E essa é a característica
do Vocacional no Tendal, cada ano vai aparecer mais um grupo.
O Vocacional sempre foi muito importante pra gente, tanto pra
se manter no espaço do Tendal, quanto na rede de influências e
provocações que nos impulsionam a pensar mais. No final do ano
passado, nossa artista orientadora nos apresentou o VAI. Nenhum
de nós sabia disso. Mandamos o projeto e ganhamos o prêmio.
65
CELSO FRATESCHI: Existem vários grupos que surgiram no Vocacional
e que hoje estão trabalhando por aí, montando peças e buscando uma
profissionalização. Ou, justamente, rejeitando uma profissionalização. Eu
conheço alguns de bairros que continuam, criaram seu grupo e permaneceram
vocacionais, mas não fazendo parte deste organismo todo que a prefeitura
coloca. Durante o período da tentativa de destruição do Vocacional, a gente
criou lá no Teatro Ágora as Ilhas de Desordem, um pouco parafraseando
o Heiner Müller. Era uma tentativa para criar espaços onde os grupos
pudessem trocar ideias, pensar e estruturar um pouco o seu futuro. Era uma
saída de continuidade. No meu entender, o que seria o segundo passo é os
orientadores conduzirem de alguma forma o “se virem”. Comecem a
procurar soluções independentes do Estado. Juntem-se com outros
grupos. Ou criem outros programas ou outro tipo de formação
que seja diferente daquilo que o Programa Vocacional não tem
mais condições de dar. Acho que existe pouco estímulo à
auto-organização. Poderia existir mais. Eu estou falando
disso a partir da minha época. Não estou falando de
agora, porque eu não conheço.
66
TATI ALEXANDRE (Movimento Cultural CRUK): O CRUK começou em
2009. A ideia do movimento é criar uma rede de grupos, para que eles possam se
ajudar. Desde emprestar equipamentos, até para os deslocamentos, para o trânsito
desses grupos pela cidade. O CRUK, então, faz contatos, vai ver o que os grupos
estão fazendo, pergunta quais as necessidades de cada um, para ver se é possível
contribuir de alguma forma. Também existe a vontade de ir ver o que os artistas de
outras regiões da cidade estão fazendo. Alguns grupos aparecem e somem, outros
ficam, não existe problema nisso. Existem equipamentos, por exemplo, nos
quais atuam cinco grupos, mas que não se conversam. Como estou no mesmo
equipamento e não conheço o outro? Grupos que ensaiam no mesmo local e lá
se apresentam, não se assistem. A ideia do CRUK é promover encontros em que
todos possam se assistir e se comentar.
CELSO FRATESCHI: Eu não sei como vocês são contratados hoje. São
contratados por programa? Prestadores de serviços? A legislação pública
é muito restritiva do ponto de vista das contratações. Grande parte das
atividades pedagógicas tem essa complicação. Pela estrutura do nosso
Estado, teriam que ser criadas carreiras, o que oneraria enormemente o
governo. E as carreiras de Estado são complicadas. A gente vai buscando
soluções paliativas… Vocês são artistas, mas estão na função de
educadores. Então, a licitação não é por artista. Por artistas, eu poderia
contratar vocês por qualidades específicas. O educador, não, ele tem
que prestar um concurso. Vocês até fazem um chamamento. Mas existe
uma precariedade nessa forma de contratação. É uma discussão não
muito clara, há uma série de divergências. O governo do Estado de São
Paulo resolveu a partir das OSs (Organizações Sociais). Você contrata
uma empresa que contrata pessoas. E você contrata a empresa para fazer
aquele trabalho que o Estado quer fazer ou decidiu fazer. Vive-se uma
esquizofrenia bastante estranha. O ótimo seria uma contratação clara e
cristalina do que é e fazemos. Simplesmente o nosso Estado não permite
este tipo de contratação. Se for via fundação, depende do vínculo que
terá essa fundação com o Estado, com o município e com a Federação.
70
É muito complicado, porque essa fundação, se for de direito
público, vai seguir as mesmas regras do Estado. Não tem diferença
nenhuma. E eu não acho também que tinha que ser carreira,
porque são projetos ainda experimentais, e o fato de ser carreira
mataria esse espírito artístico e criativo que o projeto tem. Acho
que poderia se estruturar uma outra forma, mas eu não tenho uma
varinha mágica não. Na verdade, a legislação não foi pensada para
a cultura. Foi pensada para outra coisa. Então qualquer coisa que
se faça de cultura tem que se adequar ou à construção civil ou à
educação superior. Nós temos especificidades e não temos uma
legislação que contemple isso. Vocês são artistas orientadores de
grupos vocacionados na periferia de todo o município da cidade de
São Paulo. Que tem de tão errado nisso? Nada. Mas não tem uma
forma legal de contratar. Você começa a criar uma forma artificial
para contratar. Aí você vai dando nó. Primeiro porque encarece
o seu trabalho, segundo porque você vai pagar para um terceiro,
porque tem uma administração nisso. Você tem a administração
da prefeitura e mais a administração desse terceiro. A gente optou
pelo chamamento, contratação por tempo de serviço. Mas a gente
sabe que é precário. É preciso ainda que a administração pública
pense de uma forma mais carinhosa para a área de cultura, senão a
gente não consegue ir pra frente mesmo. E mais, com isso a nossa
autoestima continua abaixando. Nenhum tratamento digno do
que a gente faz. Sempre obrigados a nos vestir de outra coisa para
sermos contratados pra fazer aquela coisa que a gente faz.
71
Epílogo
MARIA TENDLAU: Agora, a questão que
vocês levantam das pessoas não conhecerem o
Programa, não saberem o significado do nome, e
tudo mais… Gente, as pessoas não sabem tanta
coisa. A situação é tão precária. E essa ansiedade
do reconhecimento, por parte da cidade, do
Programa é tão menor do que… Por exemplo:
O que as pessoas conseguem absorver e elaborar?
Como você consegue sair de um discurso simples,
básico? Como você consegue se comunicar com
alguém? Mesmo que vocês do Vocacional façam
conferências, fiquem falando 5 horas do Programa,
não existe um desejo geral de compreensão. Como
é possível criar mecanismos de trabalho que
aconteçam apesar disso? Essa seria a pergunta.
73
CELSO FRATESCHI: O importante é que o
teatro viva plenamente naquele momento em
que estão juntos. É quase uma peça aberta que
vai durar aquele tempo. E que os exercícios que
forem feitos podem se constituir numa forma
de criação, de liberdade, de fazer teatro que tem
muito a ver com o que o Brecht propunha. A
postura do teatro didático no qual o fazer é o
processo. Aquelas pessoas que vão fazer o Teatro
Vocacional, nem que seja por um dia, podem sair
enriquecidas. E é isso aí que tem que potencializar.
Se eles vão formar um grupo, melhor ainda. Mas
não é a meta. A meta pode ser simplesmente o
encontro, e que este encontro seja fundamental
para vida de todos.
74
ELVIS TORRES (Artista Vocacionado): Esse é o objetivo de eu não
querer formar um grupo, pois, no dia em que eu quiser ir embora,
eu tenho total liberdade, ninguém vai sentir, necessariamente,
a minha falta. Quando é uma turma é um pouco independente
também, assim como é na escola. Em um grupo, não, todo mundo
depende de todo mundo. Agora, em nossa turma, já não somos
tão independentes assim porque fechamos um caminhar, mas, no
começo do ano, se eu fosse embora, eles conseguiriam fazer um
trabalho, mesmo sem a minha presença.
76
77
PERGUNTAS
VOCACIONAL MEMÓRIA: Nós optamos por retirar do
texto as perguntas que por muitas vezes geraram todas essas
falas. Abaixo destacamos a maioria delas:
79
Sou artista educador do PIÁ e fui vocacionado. Pensando
no fato de que você entende a máquina pública por dentro
mais do que nós, vira e mexe aparece para o Vocacional e
para o PIÁ a ideia desses programas serem geridos por uma
instituição. Por uma Fundação, uma OSCIP ou uma OS.
Queria saber quais os riscos de programas como Vocacional
e Piá serem geridos por uma organização?
80
além do teatro? Por quais mudanças artístico-pedagógicas e
estruturais o Vocacional precisou passar para a implantação
das demais linguagens?
81
e alguma acomodação de nossa parte, produtores de cultura.
Precisaríamos de uma nova ruptura, que balançasse nossas
formas de estruturação, de luta política. Você consegue
pensar alguma forma ou de onde partiria essa ação?
82
Mas como é essa relação para vocês? Porque você disse que se
muda o artista orientador, a pesquisa acaba mudando. Então
me parece que o artista orientador tem grande importância.
Mas como é isso quando chegam outras pessoas? Como que
isso se arranja?
83
vozes em
VOCACIONAL MEMÓRIA: Planejávamos publicar
essa Revista no início de 2016, de modo a iniciar o ano
propondo esses materiais para uma discussão. Como isso
não foi possível, optamos, na época, por criar uma ação
para pôr em prática alguns fragmentos do texto, ouvir
seus ecos e abrir espaços para os artistas orientadores
interferirem nesse material. Propusemos uma leitura com
muitas cópias do texto espalhadas na plateia.
85
Abertura
1. MÔNICA RODRIGUES (Artista Orientadora):
86
Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais
parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir
que se molhem os peixes do mar?
E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e
deixam que lhes falte bondade entre si.
É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o
existente, não só com as dores alheias, mas também com as
suas próprias.
Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas
recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros. Mas a
compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável.
Ela é a esperança do mundo.
Musgo nos lábios Seria tudo o que eu vejo natural?*
87
Início
Magali, hoje tenho 55 anos, estou casada e tenho três filhas lindas.
Moro em São Paulo. Ah! Sou avó de uma menina linda, a Júlia, de
4 anos. Sou feliz, me lembro sempre de você e gostaria de te rever.
Beijos,
Cleuza.*
88
Deslocamentos
90
experimentar o experimental.
a fala da favela.
o nódulo decisivo nunca deixou de ser o ânimo de
plasmar uma linguagem convite para uma viagem.
e agora? quer dizer, e o que que eu sou?
meu nome é walli salomão, um nome árabe,
walli dias salomão.
nasci numa pequena cidade na caatinga baiana,
do sertão baiano.
a memória é uma ilha de edição.
filho de pai árabe e uma sertaneja baiana.
a memória é uma ilha de edição.
nasci sob um teto sossegado.
meu sonho era um pequenino sonho meu.
na ciência dos cuidados fui treinado.
agora entre o meu ser e o ser alheio a linha de
fronteiras se rompeu.
câmara de ecos.
eu tenho o pé no chão porque sou de virgem,
mas a cabeça
gosto que “avoe”.
92
Profundos cortes na parte interna da coxa, feitos,
provavelmente, com lâminas de barbear. Um exame de
sangue mostrou uma quantidade excessiva de ódio em suas
artérias e muito amor represado. Pode-se notar, também, um
coração pequeno e rígido, que não é usado para mais nada
além de bombear o sangue. O corpo tem matéria muito
frágil, sob músculos atrofiados, que parecem nunca terem
recebido o toque de outra pessoa. Assim, concluímos que a
causa mortis foi insuficiência de afetos.
Palavra oprimida
Sacode, fecha, trava
Vou gritar, meu corpo endureceu
Só consigo usar a minha voz
Ecos só restou
Décadas de voz faladas
Faladas em corpo travado
Ó chão, me segure onde,
Meu corpo amarrado, travado
Sons suave, não me move
Sons fortes, não amolecem
Sons, sons
Me solte desta trava
Meu corpo quer destravar
Só voz, palavra
Voz, palavras que soa
Ó, chão, pode me ajudar?
Ajude-me
Ajude-me a destravar
Palavra oprimida
MBoy
94
Um contexto para o Vocacional
95
Espaços para o Programa
100
Pausa. Silêncio. Respira.
101
Novas linguagens
102
DIANE BODA (Artista Orientadora): Eu já vi casos de abuso dentro
do Vocacional, e eu fiquei sozinha. Eu já fui convidada a ser retirada
do Programa por estar grávida, e eu fiquei sozinha. Eu já estive em
grupo de mulheres que não podiam participar do Programa porque
já tinha sofrido violência doméstica, porque tinham liquidado os
irmãos e os filhos, e eu fiquei sozinha. Eu já sofri assédio dentro do
Programa por outro artista orientador, e eu fiquei sozinha. Eu já
fiquei calada nas assembleias, e eu fiquei sozinha. Já escutei xiii! Já
ouvi que minha pauta não tem importância. Mas hoje de manhã
eu cheguei aqui, depois de um domingo difícil, e outras mulheres
e outras pautas. E a gente tá aí, e a gente vai levantar e o Programa
vai ter que ver.*
* VOCACIONAL MEMÓRIA: Na segunda, a qual ela se refere, foi realizado o primeiro
encontro do Grupo de Trabalho Vocacional Mulheres, grupo organizado em 2016.
103
LIGIA HELENA (Artista Orientadora): Ano passado…, eu sou
artista orientadora do Rosa da China, de Teatro. Ano passado,
por conta das visões bastante misóginas e machistas de um dos
vocacionados, as meninas decidiram fazer um trabalho chamado
Geni. Repercussões todas do trabalho, esse ano, eu reencontrei as
meninas, todas elas arranjaram briga na escola, por conta de defesa
de questão de gênero. Lindinhas. Uma delas relatou o seguinte. Ela
recebeu da escola uma atividade em que ela tinha um quadrinho.
E o quadrinho narrava uma história de uma mulher que tinha hoje
decidido que não ia fazer nada. Não ia lavar roupa, não ia cuidar
das crianças. Hoje ela decidiu que não ia fazer nada. Ela tinha que
finalizar o quadrinho. Ela tinha que finalizar a história. E ela usou
um texto da nossa peça – Grita alto, mulher. Que o mundo geme
ou treme. Não tenha medo, mulher, de ser profana. Não se iluda
com joia, carro ou casa ou grana – ela escreveu isso e foi chamada
na diretoria. Na diretoria, disseram: Por que ela tinha usado esses
termos? Que absurdo, uma moça escrevendo assim! E respondeu:
Eu sou feminista! E aí, um dos homens que estava na sala, olhou
pra ela e disse assim: Mas não, feminista não é profana. E ela olhou
pra ele e disse: E você sabe o que é feminismo?
TALITA CASELATO
(Artista Orientadora):
Eu tô assustada com o
Celso Frateschi.
105
Instituição e burocracia
106
Epílogo
107