Você está na página 1de 5

Treinamento

para Professores
Igreja Presbiteriana do Mutuá
07 de março de 2020

Aplicando o ensino
No treinamento de hoje vamos abordar o desafio de criar conexões entre o
conteúdo do ensino e a vida das pessoas a quem estamos ministrando. É essencial lembrar-
se que nosso desafio não é apenas informar as mentes, mas desafiar o coração e as mãos
daqueles a quem ensinamos.
Ou seja, para que nosso ensino possa de fato ser transformador precisamos ir além
do domínio do conteúdo: precisamos conhecer as vidas daqueles a quem ministramos e
criar conexões ricas e verdadeiras entre o conteúdo e as vidas de nossos alunos.
A questão é: como podemos fazer isso? Vamos utilizar 3 movimentos básicos:
aprender a ouvir, aprender a fazer as perguntas certas e aplicar o ensino na vida de nossos
alunos.

1. Ouvir para comunicar


Geralmente temos em mente que a primeira tarefa de um comunicador é
basicamente... comunicar! No entanto, o primeiro grande desafio do comunicador é ouvir
ativamente, procurando compreender de forma profunda o público com o qual vai se
comunicar. Stephen Covey sintetizou esse princípio na frase “Procure primeiro
compreender, depois ser compreendido”.1
Covey ressalta que todos nós utilizamos a comunicação em todas as esferas da vida,
mas geralmente partindo do princípio de que comunicar é falar e não ouvir, o que faz com
que muitas vezes a comunicação seja feita sem um período anterior de escuta diagnóstica.
O resultado é óbvio: acabamos dando respostas a perguntas que não estão sendo feitas
ou colocando nossa comunicação em termos que soarão distantes ou mesmo confusos
para nosso ouvinte.
Anthony Thiselton destaca a capacidade de comunicação de Jesus ao escrever as
parábolas como sendo histórias cuidadosamente elaboradas para capturar a atenção de
seus ouvintes, envolvendo-os intelectual e emocionalmente no seu ensino. As parábolas
de Jesus eram capazes de engajar seus ouvintes, torná-los participantes do ensino e
questionar sua visão de mundo, levando-o a questionar valores e pressupostos.2 Na
confecção de suas parábolas Jesus demonstra uma capacidade maravilhosa de ouvir as
pessoas do seu tempo e desenvolver histórias que tocavam diretamente nas questões que
preocupavam seus corações em um formato que era acessível, envolvente, simples,

1
COVEY, Stephen. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes – 53a Edição. Rio de Janeiro: BestSeller, 2015, p.292
2
THISELTON, Anthony C. The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and Philosophical Description with Special
Reference to Heidegger, Bultmann, Gadamer, and Wittgenstein – Grand Rapids: Eerdmans, 1980, 484p.

1
profundo e direto. O Mestre aplicou o princípio “ouvir e então comunicar” de forma
maravilhosa.
Paulo também aplicou o mesmo princípio em seu ministério, pois o apóstolo dos
gentios era capaz de adaptar a maneira como apresentava o Evangelho tendo em vista o
conhecimento que possuía de seu público.3 Em Antioquia da Pisídia Paulo apresentou a
Jesus Cristo dentro de uma sinagoga e por isso invocou vários elementos da fé judaica,
apresentando Jesus como o Messias esperado nas Escrituras do Antigo Testamento (At
13.13-49).
Já em sua passagem por Atenas Paulo apresentou a Mensagem diante de um
público pagão e politeísta, gregos que adoravam a diversas divindades e que, portanto,
não possuíam o mesmo pano de fundo cultural dos judeus. Nesta ocasião (At 17.16-34)
Paulo apresentou a Mensagem por meio de doutrinas mais universais como a criação, a
revelação geral de Deus no mundo criado e chega até a citar poetas gregos que eram
conhecidos do seu público (v.28).4
Howard Hendricks afirma que “a maneira como os alunos aprendem deve
determinar a maneira como ensinamos”.5 Hendricks chama esse princípio de lei do ensino,
o que nos leva a entender que devemos primeiro compreender nosso público, conhecê-lo
para sermos eficazes no ensino.
É importante lembrar que não se trata, de maneira alguma, de permitir que o
público controle o conteúdo da mensagem como nos alerta Martin Lloyd-Jones,6 mas de
permitir que as necessidades e peculiaridades do público sejam consideradas para que
aquele que ensina possa adaptar a forma e o método, sem alteração do conteúdo do
Evangelho ou da doutrina cristã. Ou seja, a contextualização tem a ver com a forma e não
com o conteúdo, como afirma Keller.7

2. Fazendo as perguntas certas


Nosso primeiro desafio é compreender o público para quem vamos ensinar, seja ele
quem for: um amigo que está sendo evangelizado, um irmão no processo de discipulado,
os filhos no devocional familiar. Para ser compreendido, preciso primeiro compreender.
Logo, o primeiro processo é chamado de diagnóstico: procuramos compreender o
público com o qual queremos nos comunicar, fazendo uma série de perguntas
diagnósticas:8
1- Qual a idade do público com o qual vou me comunicar? Quais as questões
próprias desta faixa etária? Quais temas são mais relevantes?

3
KELLER, Timothy. Center Church: Doing balanced, Gospel-centered ministry in your city. Grand Rapids: Zondervan,
2012, 395p.
4
LONGENECKER, RICHARD N.: The Acts of the Apostles. In: GAEBELEIN, F. E. (org.): The Expositor’s Bible Commentary: John
and Acts. vol. 9. Grand Rapids, MI : Zondervan Publishing House, 1981, p. 476
5
HENDRICKS, Howard. Ensinando para transformar vidas. Venda Nova-MG: Editora Betânia, 1991, p.39
6
LLOYD-JONES, Martin. Pregação e Pregadores. São José dos Campos-SP: Editora Fiel, 1976, p.115
7
KELLER, Timothy. Center Church: Doing balanced, Gospel-centered ministry in your city. Grand Rapids: Zondervan,
2012, p.89
8
KELLER, Timothy J.; THOMPSON, J. Allen. Manual para Plantação de Igrejas. Nova Iorque: Centro de Plantação de
Igrejas, 2002, p.90

2
2- Qual é o nível econômico do público com o qual vou me comunicar? Quais temas
são mais relevantes para essa faixa social? Existem questões que podem ser sensíveis para
essas pessoas?
3- Qual é o nível educacional do público com o qual vou me comunicar? Quais temas
são mais relevantes para essa faixa educacional? Qual a linguagem apropriada para este
público? Existem questões que podem ser sensíveis para essas pessoas?
4- Qual é a situação do meu público em relação à religião? São pessoas religiosas
ou aversas à religião? São pessoas que partilham de um pano de fundou cristão ou de
outra religião? Existem questões que podem ser sensíveis para essas pessoas?
5- Quais são as esperanças, anseios e aspirações do meu público? O que eles estão
buscando na vida? Quais realidades tendem a substituir o verdadeiro Deus em seus
corações?
6- Quais são os medos, temores e preocupações do meu público? O que eles estão
evitando?
7- Existem padrões de pecado visíveis na vida do meu público? Quais as causas
deste padrão de pecado? É o momento adequado para abordar esse pecado? Como vou
abordar esse pecado e conduzi-los ao Evangelho?
8- Qual é o momento existencial do meu público? Existe alguma tensão,
preocupação ou tema que esteja em proeminência neste momento? Como posso
aproveitar esse momento para comunicar o Evangelho?
9- Em relação ao Evangelho, quais aspectos do Evangelho e das Escrituras o meu
público aceita? Que aspectos ele rejeita?
Por meio dessas perguntas podemos compor um quadro do nosso público e
compreender que temas, doutrinas, textos, histórias e métodos mais se adequam aos
ouvidos daqueles aos quais desejamos comunicar.
Por fim, Tim Keller nos lembra que existem três caminhos para a razão:9
1- Conceitual: neste caminho as pessoas raciocinam mais em termos de lógica e
análise intelectual. O comunicador pode ser altamente eficaz utilizando proposições
racionais que apelem para o intelecto do seu público, levando-o a tomar decisões com
base no discurso lógico e racional.
2- Relacional Concreto: as pessoas tomam decisões mais em termos de
relacionamentos e prática, o que faz com que o comunicador utilize mais em seu discurso
aspectos da tradição (as pessoas tendem a aceitar aquilo que a sua comunidade aceita) e
aspectos práticos. Esse público será cativado se for convencido de que o que está sendo
ensinado é prático e se o comunicador mostrar “por que fazer” e “como fazer”.
3- Intuitivo: este público chega a conclusões por meio de “insights” e experiência,
o que faz com que histórias narrativas que utilizam emoção, simbolismo e inspiração sejam
mais poderosas do que argumentos lógicos ou intelectuais.
É importante perceber as implicações destes diferentes caminhos para a
comunicação, pois utilizar uma abordagem totalmente racional para um público mais
relacional e concreto não será totalmente eficaz. Essa é mais uma maneira de tentarmos

9
KELLER, Timothy. Center Church: Doing balanced, Gospel-centered ministry in your city. Grand Rapids: Zondervan,
2012, p.122

3
perceber o quanto é importante conhecer bem o público para quem vamos ensinar a fim
de que possamos continuar com o próximo processo: o planejamento do ensino.

3. Aplicando o conteúdo
A aplicação é basicamente trazer o conteúdo bíblico para o mundo contemporâneo,
dizendo às pessoas o que o sentido do texto tem para nos dizer hoje e agora. Sidney
Greidanus afirma que o ensino da Bíblia só está completo quando “significado essencial e
real [do texto bíblico] seja manifesto e aplicado às necessidades atuais dos ouvintes, como
ele existe na mente do escritor bíblico em particular e como ele existe à luz de todo o
contexto da Escritura”.10 Ou seja, interpretar o sentido do texto bíblico é o meio do
caminho, é a metade do trabalho, pois agora que ajudamos nosso ouvinte a compreender
o sentido do texto bíblico em seu contexto original somos desafiados a dizer o que o texto
quer falar conosco hoje e agora!
A aplicação é a resposta à pergunta: “E daí? O que eu faço com isso?”. Neste
sentido é essencial – repito, essencial! – não deixar vago ou implícito o que o texto quer
dizer ao seu ouvinte. A aplicação é a ponte que faz com que o texto bíblico, que parece
falar em uma voz distante quando explicamos o seu sentido original, grite com uma voz
contemporânea, atual, relevante e profética.
Se falharmos na aplicação, vamos estar transformando as Escrituras em uma obra
de museu, falando sobre coisas do passado, velharias que não tem nada a ver com os
desafios e angústias do nosso tempo.11 Isso tornará seu ensino distante e entediante.
Robinson coloca de maneira perfeita quando diz: “Devemos esquecer-nos de falar
às eras, e falar agora, para nossos próprios dias”.12 Ou seja, não ensine a Bíblia e deixe as
coisas em termos universais e abstratos, mas traga seu ensino para o mundo real e atual e
acrescento algo à citação de Robinson: não tente falar com todas as pessoas, mas fale com
as pessoas que estão diante de você! Lembre-se de utilizar o conhecimento que você tem
do seu público para aplicar o texto, batendo na veia das questões que são importantes
para quem está te ouvindo.
Como podemos aplicar? Em primeiro lugar, retorne às perguntas da seção para
descobrir como aplicar o texto. Em segundo lugar, faça a conexão entre o texto e os
dilemas, angústias, perguntas, questões e pecados do seu ouvinte. Agora é o momento
de responder à questão “E daí?” e dizer claramente o que o texto quer dizer hoje e agora.
Em terceiro lugar, mostre como as pessoas podem aplicar o que você está
ensinando na prática. Agora é a hora de sugerir mudanças de atitude, mudanças de
comportamento, formas práticas de aplicar o conteúdo, deixando claro ao seu ouvinte
como viver o que você está ensinando. Não deixe seu ouvinte ir para casa sem um desafio
prático, sem ter algo que ele possa colocar em ação, pois o que as pessoas não colocam
em prática não lança raízes em seus corações.

10
GREIDANUS, Sidney. The Modern Preacher and the Ancient Text: Interpreting and Preaching Biblical Literature. Grand
Rapids: Eerdmans, 1988, p. 26.
11
ROBINSON, H. W. Pregação Bíblica: o desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos. São Paulo: Shedd
Publicações, 2002, p.29
12
ROBINSON, H. W. Pregação Bíblica: o desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos. São Paulo: Shedd
Publicações, 2002, p.29

4
Quero fazer uma última observação sobre o ponto anterior: é claro que existem
temas e doutrinas que são difíceis de imaginar como podemos colocar em prática, como
“Soberania de Deus”, mas o fato é que toda verdade revelada nas Escrituras nos desafia
a viver de uma forma diferente. Note como Paulo fala sobre verdades universais e amplas
em Ef 1 e convoca os efésios pessoas a viverem de acordo com essas verdades em Ef 4. É
um bom exemplo de que toda doutrina bíblica deve moldar não apenas nossa mente, mas
deve transformar nossa prática.

__________________________________________________

Doutor em Engenharia com ênfase em Gestão pela UFF


Mestre em Engenharia com ênfase em Gestão pela UFF
Especialista em Gestão de Pessoas com ênfase em Liderança pela UNIFEI
Profissional de Gerente de Projetos certificado pelo PMI
Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2435062615270526
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5338-8438
E-mail: jeferson.c.alvarenga@gmail.com
Celular: +55 21 98002-1840
www.jefersonalvarenga.com

Você também pode gostar