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resu m o
A bstract - Outcome
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new beginnings. In the conclusion the m eaning o f lived experience is
com prehended. However, this com prehension does not happen in haste,
nor does it com e from m ere rational understanding alone.
PALAVRAS-CHAVE: E xistência H um ana, Psicoterapia, M aturidade,
C om preensão, Heidegger.
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m os o golpe. Aqui, desfechar tem o sentido de realizar. Não se trata de
contem plação. No m om ento em que algo se encerra, se esclarece, se des
fecha, algum a coisa solicita um agir imediato, concreto. Algo que está
preparado para acontecer acontece, torna-se real, desdobrando-se num a
ação concreta.
Falando em desfecho nessa perspectiva, isto nos rem ete aos antigos
ritos de passagem na história da hum anidade. Todo desfecho concretiza e
efetiva um a passagem .
Há m uito a ser pensado sobre a força que tinham os rituais nas cul
turas antigas e sobre o quanto nossa cultura é desprovida desses instru
mentos. V ivem os, segundo M ircea Eliade, “num a cultura a-religiosa, a-
m itológica” .
Havia os ritos de passagem e entre eles destacava-se o da passagem
da puberdade. M ircea Eliade em “O Sagrado e o Profano” diz: “O rito de
passagem por excelência, o m ais uniform e, presente em todas as culturas
é o rito de passagem da puberdade”. E acrescenta: “Todo rito de passa
gem é um rito que congrega três elem entos fundam entais: morte, nasci
m ento, e sexualidade” .
Este autor m ostra que em tais rituais há sim ilaridade com os rituais
de nascim ento. Em algum as tribos Bantus, quando os m eninos estão em
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torno dos doze anos e quando as m eninas têm a prim eira m enstruação,
são levados pelo pai para um lugar especial onde passam três dias envol
vidos no peritônio retirado de um carneiro. Eliade com enta a respeito:
“tam bém os m ortos, nessas tribos, são envolvidos em tripas, num a espé
cie de reprodução do processo de nascim ento em que a criança vem en
volvida do útero e ao nascer se liberta e deixa algum a coisa para trás” .
No ritual, o deixar para trás e com eçar de novo é extraordinariamente
potente... Isto aparece nos processos de cura. A cura que os feiticeiros rea
lizam nas tribos primitivas é sempre um recurso para a criação do mundo
de novo. Eles recriam o m undo e a pessoa, com o se o doente ficasse para
trás, isto é, morresse para que uma nova pessoa pudesse nascer. Eliade
aponta que isto perm anece nos rituais judaicos-cristãos. Assim, no batismo,
estão presentes m orte e ressurreição, fechamento e abertura.
N ossa cultura distanciou-se dos rituais que de algum a form a m os
travam com o as coisas são com plexas e precisam de um tempo para acon
tecer plenam ente.
Os rituais indicavam para o iniciante as ambigüidades, mostravam que
havia algo de morte e também algo de nascimento na passagem, por isso era
preciso passar devagar. Se houvesse pressa, provavelmente haveria confusão
e o necessário para a nova vida não estaria aprendido e disponível.
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Na profissão de psicólogo, provavelmente todos nós vivemos a expe-
riência da pressa em nossos prim eiros atendimentos. O cliente chega, co
meça a falar, a form ular um problem a e o terapeuta já está afobado procurando
o que vai dizer para ele. U m de seus ouvidos escuta o cliente e o
outro escuta o diálogo interno de sua procura: “M as onde vou encaixar isto
que eleestá dizendo? Será que este é m esm o o problem a?” . Vai levantando
hipóteses, fazendo mil operações apressadas, e de repente pode vir a desagrad
ável surpresa de no finalzinho do relato ouvir do cliente: “Mas o meu
problema não é esse”.Ele só tinha contado um a história para dizer: “Mas
não é por isso que eu procurei a terapia!”. E tudo recomeça.
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Nesse “tudo passa”, há ainda outro aspecto da passagem que às
vezes fica esquecido. Q uando dizem os que tudo passa, de certa form a
estam os dizendo que tudo se torna nada mais, tudo se nadifica. Assim,
tudo que hoje está sendo objeto de sofrim ento, daqui a algum tem po será
nada. M as isso não é necessariam ente verdade, felizmente.
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S u rge o caráter do engano. O " tudo passa" m ostra a precariedade e o
engan o so .
Podemos im aginar o m enino já adulto em um a terapia, voltando por
vezes a esse episódio e lam entando p or aquela pessoa com quem conversou
não conhecer m elhor sobre ritos de passagem.
Não é que a ilusão seja um território para perm anecerm os. M as ela
não pode sim plesmente passar. U m a ilusão precisa de um desfecho. Quan
do a ilusão se desfecha ela nos abre para a realidade e nos faz reencontrar
o significado daquilo que nela vivem os de tal modo que nos tornam os
um pouco m ais sábios. N essa condição de sabedoria, (que na etim ologia
latina tem o sentido de paladar) por tem os sentido o sabor da ilusão e da
desilusão podem os nos iludir de novo.
Ver a respeito, Auto Engano, de Eduardo Gianetti, particularm ente em “A M iséria e a G lória do Auto Engano” ,
pg. 52 à 65.
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Voltemos ao am igo do menino. Ele diz, bem intencionado: “Não
fica som ente olhando para trás, olha para frente porque a vida continua e
tudo passa” . Ele esquece de dizer que tudo passa, m as tudo não volta
para o m esm o lugar, e não voltar para o m esm o lugar é um a oportunida
de de com eçar de novo e não m eram ente outra vez.
E é assim que aquilo que o amigo propõe com o consolo provoca
raiva no menino: raiva da paixão, raiva do am igo, raiva da m enina, raiva
do envolvim ento com um engano. A dor daquele m om ento é m uito gran
de ao pensar que o m ais im portante naquela vida toda de doze anos é
nada, é um engano, um a grande mentira.
O conselho do am igo parece dizer: “E squece”. Ora, se esquecem os
o que vivem os com tanta paixão, se esquecem os coisas tão significativas
num dado m om ento, não podem os fazer de novo. Se há esquecim ento, só
podem os fazer outra vez, porque no esquecim ento não sabem os diferen
ciar o “de novo” do “outra vez”.
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"des-olhar” ou “ o lhar para fren te” . É o ”olhar p ara trá s” não esv a zian do
tudo que aconteceu. Para aquele m enino, tudo, foi o m áxim o dele
m esm o, do que ele pôde p erceb e r de si e da m enina. Tudo isso faz
parte de sua história.
A perspectiva de que “tudo passa” presente no apressado consolo
que sim plesm ente recom enda o esquecim ento para afastar o que inco
moda se am plia tam bém para as coisas que são realizadas. Se esquecer
mos aquilo que nos afligiu, esquecem os tam bém o que vivem os e quan
do nos esquecem os de nossas experiências não chegam os a ser hum anos,
já que é peculiaridade hum ana ser e fazer história.
Quando resgatam os a experiência do que foi vivido sem esvaziar o
que passou, nós nos tornam os m ais capazes de ouvir quando o outro nos
fala de suas paixões, m ais capazes de sentir o ressoar da vida e não da
morte, m esm o quando se trata da m orte de um a paixão. A m orte, na
perspectiva do desfecho em seu tríplice sentido de final que traz clareza,
de realização e de abertura, é ainda parte da vida. Faz parte de nosso
modo de ser.
Mas, se deixam os sim plesm ente tudo para trás, caím os num tre
mendo vazio e desolação. Isto é diferente de desilusão. A desilusão só
tem o caráter de desolação quando há um a grande frustração e sofrim ento
, quando a ilusão se rompe. Porém, m esm o este m om ento de ruptura
pode ser tam bém a oportunidade fértil de m ergulharm os e alcançarm os
uma coisa de outra natureza.
A c o m p re e n sã o que se ab re a p a rtir da ru p tu ra de um a ilu são ,
d ife re n te m e n te d aq u e la que p ro v ém da c la re z a d a razão , n asc e na
o b scu rid a d e. S u a p e c u lia rid a d e está em a p ro x im a r o trá g ic o , o d i
fícil da v id a, d a p o ss ib ilid a d e m ais v ig o ro sa de ren ovação da p ró
pria vida.
C om o experiência hum ana, o desfecho é sem pre fecho e des-fe-
cho, sem pre en cerra e propõe, tira algum a coisa e coloca outra no lu
gar. E esta nova coisa é um je ito de ser diferente do anterior. A ssim ,
podem os entender que a desilusão não é a capacidade de não ter ilusão
algum a, m esm o porque em geral o desiludido tam bém está m uito iludi
do com a vida. Vive como se tivesse chegado ao final do rom ance quando
ainda está nos prim eiros capítulos e não sabe o que está por vir nas
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páginas seguintes. O vazio que ainda está presente na página seguinte
é, na verdade, a oportunidade de com eçar de novo.
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eliminaríamos ju n to a própria vida. Assim ele diz que “os grandes pro-
Mrni.is podem ser apenas ultrapassados” .
2- Compreender.
Quando ultrapassar é com preender nos dam os conta de que, de al
guma forma, m esm o no centro da desilusão, som os de algum a m aneira
maiores do que a desilusão que com preendem os. Ao com preenderm os a
ilusão e a desilusão, não estam os fazendo apologia da desilusão nem
crític a da ilusão. M as nós as contem os e isto quer dizer que as deixam os
perto de nós. Assim , em vez de deixar para trás, a ultrapassagem que
compreende e abarca retom a a dim ensão do nascim ento, do início.
Há um a expressão com um entre os psicólogos, que é “trabalhar a
perda”. Esta expressão significa “com preender a perda” . M as quando
compreendemos a perda, somos projetados na tarefa de com preender tam
bém o ganho, e isto é m uitas vezes esquecido ou não com preendido.
Compreender a perda não se refere a ganhar um entendim ento, mas aquela
com preensão que se dá na obscuridade e que busca conter.
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M a r tin H e id e g g e r, f iló s o fo in s p ir a d o r do tr a b a lh o da
“D aseinsanalyse”, em seu texto”0 cam inho do cam po” descreve este
m ovim ento do qual falamos quando diz que para um a grande árvore acon
tecer, para que um carvalho possa se apresentar no cam inho do cam po, é
necessário que ele m ergulhe profundam ente suas raízes na terra escura,
porque é isto que lhe dá oportunidade e a condição de expandir a sua
copa em direção ao sol brilhante.
N a nossa vida tam bém há ocasiões em que nos é pedido para m er
gulhar no solo, com o as raízes na obscuridade, na presença do silêncio,
na proxim idade daquilo que pode se oferecer com o o passado, o detrito,
o que já m orreu.
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Perceber este movimento, que faz com que todas as coisas passem
mas não se nadifiquem ou desapareçam , nos perm ite juntá-las na form a
de uma história presente em cada m om ento para cada um de nós.
Como as grandes árvores, tam bém crescem os enterrando as raízes
profundam ente na terra escura para encontrar a oportunidade do equilí-
brio daquilo que pretende se expandir intensam ente na direção do céu
brilhante.
bibliografia
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