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AMOR SEM

BARREIRAS
(Shadow's Kiss)

JOAN HOHL

Território do Velho Oeste, século XIX


EM ALGUM LUGAR DO PASSADO...

Ao viajar a Denver para visitar a mãe doente, a última coisa que Darcy esperava
era encontrar um amor. No entanto, de repente ela se vê frente a frente com um
homem moreno e atraente, estranhamente enigmático, que insiste para que ela
fique ao seu lado para sempre...
Jonathan Stuart tem assuntos pendentes a resolver, e Darcy não só é a pessoa
ideal para ajudá-lo, como também é a única mulher com quem ele quer ficar, a
única que ele deseja poder tocar...
A atração entre Jonathan e Darcy é inegável, porém um obscuro segredo do
passado de Jonathan torna o amor de ambos impossível... a menos que um deles
tenha coragem suficiente para tomar uma decisão das mais difíceis... mas
também é a única escolha que lhes resta, se quiserem ficar juntos para sempre!

DIGITALIZAÇÃO: JANETEC
REVISÃO: FABIANE
Querida leitora,
Joan Hohl é uma autora sempre presente nas listas de romances mais vendidos no
mundo todo. AMOR SEM BARREIRAS é uma de suas histórias mais encantadoras.
Você com certeza vai se emocionar com este romance escrito de forma criativa e
com personagens inesquecíveis!

Leonice Pomponio
Editora

Copyright © 1994 by Joan Hohl


Originalmente publicado em 1994 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. , NY - USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
TÍTULO ORIGINAL: Shadow's Kiss
EDITORA
Leonice Pomponio
ASSISTENTE EDITORIAL
Patricia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Elizabeth Arantes Bueno
Copidesque: Roberto Pelegrino
Revisão: Giacomo Leone Neto
ARTE
Mônica Maldonado
ILUSTRAÇÃO
Hankins + Tegenborg, Ltd.
COMERCIAL/MARKETING
Daniella Tucci
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sonia Sassi
PAGINAÇÃO
Dany Editora Ltda.

© 2005 Editora Nova Cultural Ltda.


Rua Paes Leme, 524 — 10º andar — CEP 05.424-010 — São Paulo — SP
Tel.: (55 11) 2148-3500
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: RR Donnelley Moore
CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
PRÓLOGO

Filadélfia, Pensilvânia,
Junho de 1871

Darcy Flynn sentou-se tão distraída em frente ao espelho da penteadeira


que mal reparou em sua imagem marcada por grande tristeza. Segurava entre os
dedos uma folha de papel. Era a carta que havia recebido menos de vinte e
quatro horas antes, quebrando a monótona rotina de sua vida. A carta tinha sido
enviada por um advogado de Denver, Colorado, que delicadamente informava
Darcy da grave doença de sua mãe e de seu possível falecimento. Ao encerrar, o
advogado implorava a Darcy que ela viajasse para Denver o mais breve possível.
As malas, já prontas, encontravam-se perto dela, ficando o resto de seus
pertences para lhe serem enviados mais tarde, se isso se tomasse necessário. A
carruagem contratada para levá-la até a estação de trem devia chegar em poucos
minutos.
Colleen Flynn estava morrendo.
Era quase impossível para Darcy visualizar aquela linda mulher cheia de
vivacidade perdendo lentamente a vida. Não chegara a conhecê-la muito bem,
pois Colleen não visitava a filha com freqüência, ali em Filadélfia.
Mesmo assim, recordava-se da mãe como uma pessoa vibrante, alegre e
animada. Darcy observou uma lágrima escorrer por seu rosto. Lembrava-se da
mãe vagamente. Todos ali na Escola para Moças Reinholt, haviam sido cativados
por aquela mulher de beleza tão delicada e que irradiava simpatia. Ainda agora,
Darcy parecia sentir a fragrância do perfume especial que sua mãe costumava
usar.
Uma segunda, depois uma terceira lágrima seguiram o mesmo caminho da
primeira. Pensativa e triste, Darcy ficou sem saber se chorava pela bela Colleen
ou pela criança que havia crescido e chegado à idade adulta recebendo
pontualmente uma mesada expressiva e contando com roupas elegantes, mas
sem a proximidade e o carinho da mãe.
Uma suave batida na porta interrompeu-lhe os pensamentos.
— A carruagem acaba de chegar, Darcy. — A srta. Reinholt, diretora e filha
da fundadora da escola, informou ao entrar no quarto. — Você está pronta para
partir?
— Estou. — Darcy procurou esconder as lágrimas dando um leve sorriso. A
srta. Reinholt, mulher de aspecto profundamente austero, sempre fora uma
espécie de mãe e amiga nos dezenove anos que Darcy passara ali na escola.
Agora, aos vinte e cinco, Darcy podia sorrir ao lembrar-se de seus tempos de
criança, quando tivera medo da srta. Reinholt, tudo por causa do olhar sério da
diretora. Chegara à escola aos seis anos de idade, uma criança magoada e
confusa que se sentia rejeitada pela mãe, que a havia colocado naquele colégio
interno de Filadélfia e partido de volta para Nova Orleans.
A escola era o único lar que Darcy conhecera nos últimos dezenove anos.
Agora se sentia novamente perdida, sem raízes firmes, pois estava de partida

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para um lugar chamado Denver, para onde sua mãe se mudara quando Darcy
estava com treze anos.
— Não há razão para toda essa sua preocupação, Darcy — a velha senhora
lhe disse com firmeza. — Você vai encontrar sua mãe bem melhor. Tenho certeza
disso. Depois, não está partindo para um lugar selvagem.
Pegando as malas, Darcy procurou se armar de um sorriso mesmo que falso.
— Eu sei, srta. Reinholt. O território do Colorado faz parte do nosso país,
não é? Não é o fim do mundo.
— Não tem absolutamente nada a temer, minha querida — a srta. Reinholt
observou, sem se deixar enganar pelo sorriso de sua antiga aluna e, agora, uma
das mais novas professoras do colégio. — Você foi educada e treinada para se
comportar corretamente em qualquer circunstância. Tenho total e absoluta
confiança em você.
— Obrigada. — Darcy emocionou-se. Sem dúvida, sentiria falta daquela
mulher. Ali na escola, tudo lhe era familiar. Em Denver, estaria no meio de
estranhos. Nem mesmo conhecia tão bem assim sua mãe para considerá-la uma
pessoa amiga. Procurou recuperar a calma. — Espero não vir a desapontá-la,
srta. Reinholt.
Um sorriso suavizou o ar austero da velha senhora.
— Pode ter certeza de que apenas eu percebo que você está cheia de
incertezas e dúvidas diante do que terá de enfrentar nos próximos dias. Ninguém
notará esses seus medos, minha querida.
— Vou me comportar como uma representante exemplar desta escola —
Darcy prometeu, olhando a diretora com gratidão. A srta. Reinholt lhe dera apoio
e compreensão em todos os anos em que ela estivera ali. Não a envergonharia
nunca.
— Sei disso muito bem, minha criança. — O olhar da diretora ficou
levemente úmido, mas ela disfarçou, voltando o rosto para a porta. — Agora
vamos. Não vai querer perder o trem, vai?
Mais uma vez, Darcy sentiu uma enorme vontade de chorar, mas seguiu a
velha senhora pelo corredor em direção à saída.
Sentia por intuição que não voltaria a ser professora naquela escola. E que
falta lhe faria seu trabalho, as amizades com as outras professoras e seus
pequenos alunos. No entanto sentiria mais falta ainda daquela mulher austera, a
maravilhosa srta. Reinholt.
Darcy já controlava suas emoções com mais facilidade quando embarcou no
trem que a levaria a Denver. Para quem a observasse, ela parecia uma pessoa
confiante e equilibrada. Interiormente, contudo, ainda se sentia perturbada por
tremores e uma leve dor de estômago. Era o nervosismo, com certeza.
Nunca, em todos aqueles anos, se afastara de Filadélfia, Pensilvânia.

Denver, Território do Colorado,


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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Junho de 1871
Jonathan Stuart estava sentado a uma mesa do elegante bar e salão de jogos
da casa de prazeres conhecida como La Rouge.
A noite era agradável. Uma brisa suave balançava suavemente as cortinas do
salão. Um aroma misto de uísque, fumaça e perfume adocicado impregnava o ar.
Vez por outra, ouvia-se um riso feminino ou uma gargalhada masculina
perturbando a atenção dos jogadores.
Naquele preciso momento, o clima do lugar era sóbrio porque no andar de
cima, em seus aposentos particulares, a proprietária da casa, a alegre mulher
conhecida por todos como La Rouge, encontrava-se em seu leito de morte. Mesmo
assim, o estabelecimento estava aberto para os clientes por ordem expressa da
moribunda.
Apesar de Jonathan sentir simpatia pela mulher, ele a conhecia apenas
superficialmente. Apenas a vira vez por outra, porém nunca tivera um contato
maior com a bela Colleen Flynn. O relacionamento entre eles dois não passara de
casual e impessoal.
La Rouge estava morrendo, mas, para Jonathan, a tristeza, naquele
momento, era substituída por uma excitação crescente, gerada por um renovado
senso de propósito. E isso significava algo novo, pois a tristeza fora sua
companheira constante nos últimos tempos.
Por seis longos anos, Jonathan tinha sido vítima de ataques de tédio.
Essa condição vinha crescendo desde antes da histórica rendição do general
Lee ao general Grant, em Appomattox, Estado da Virgínia. A Guerra da Secessão
terminara ali. O país, dividido entre Norte e Sul, tentaria agora a unificação.
Com a terrível guerra chegando ao fim, Jonathan havia ficado sem um rumo.
Não podia voltar para casa, já que nada sobrara dela. E mesmo que tivesse
sobrado, ele tinha consciência de que não seria bem recebido por lá.
Jonathan era um sulista nascido na Virgínia, no entanto, ao lado de seu pai,
Luke Stuart, um bondoso diretor de escola, tinha escolhido se alinhar com as
tropas do Norte. Naturalmente, os dois haviam sido considerados traidores.
A guerra não durara muito para Luke Stuart. Ele e mais 16 mil soldados que
lutavam pelo Norte morreram na batalha de Manassas. Um ano se passaria para
que Jonathan soubesse da morte do pai, e mais tempo ainda para lhe chegar a
notícia do falecimento de sua mãe, que sucumbira a uma forte pneumonia,
apenas um mês após ter conhecimento da morte do marido.
Apesar de continuar lutando, Jonathan havia perdido aquela convicção que
sentira ao se alistar para lutar contra seus compatriotas.
Quando a guerra terminou em Appomattox, após batalhas sangrentas,
muitas mortes, testemunhos de atos de incrível brutalidade que Jonathan jamais
acreditara que o ser humano seria capaz de praticar, ele perdera completamente
a esperança na salvação dos homens e sua crença em Deus.
Vazio, sem ideais, um estranho no Sul, um desconhecido no Norte, Jonathan
rumara para o Oeste. Deixara de lado seus estudos, aceitando qualquer trabalho
braçal que lhe garantisse sobreviver. Tinha, enfim, chegado a Denver pela
Estrada de Ferro Kansas-Pacific, em agosto do ano anterior.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Não sabia bem o que o mantinha ainda na cidade, a não ser a proximidade
do inverno. Mas, mesmo na primavera, ele havia continuado por ali. Um dos
lugares de que gostava mais de freqüentar era a casa de prazer La Rouge, nem
sempre em busca de alguma garota, mas gostando de observar o movimento.
E tinha sido exatamente naquela casa, naquela mesma noite, que Jonathan
sentira renascer a esperança de um futuro. Isso havia ocorrido ao conversar com
uma das garotas da casa, uma jovenzinha de dezesseis anos de idade que lhe
confidenciara alimentar um grande sonho.
— Sr. Stuart, o senhor acredita que eu seja capaz de aprender a ler e
escrever o meu nome?
A voz trêmula e meio esperançosa da garota ecoara nos ouvidos de
Jonathan, afastando o tédio que sempre o dominava e levando-o a se interessar
por aquele sonho tão singelo e inocente.
— Claro, Sarah. Por que não conseguiria aprender? Você é muito inteligente.
— Mas não sou mais uma criança, sr. Stuart.
— E o que isso importa? A idade não é um empecilho quando se tem vontade
de aprender alguma coisa.
Uma idéia surgira na mente de Jonathan.
Aquilo era algo que ele podia fazer. Ajudaria a garota a concretizar seu
sonho. Ensiná-la a ler e escrever certamente seria uma excelente motivação, e
sua vida teria um propósito, uma meta.
Sim, precisava de uma razão para continuar a viver. Chega de inutilidade,
depressão e desânimo.
Enquanto analisava sua idéia e se entusiasmava mais e mais, ele ouviu
gritos.
— Cuidado! Ele tem uma faca!
Jonathan levantou-se para ver o que estava acontecendo, quando a faca foi
lançada. O alvo não era ele, mas foi em sua garganta que a lâmina se enterrou.
Sem entender o que estava acontecendo, Jonathan olhou sua camisa branca
tingir-se de vermelho.
Um sentimento de revolta o invadiu. Aquilo não era justo, ele pensou.
Sobrevivera aos horrores de uma guerra hedionda e ao vazio da vida depois que o
conflito terminara. Era seu destino vir a morrer em uma casa de prazeres,
exatamente quando encontrara um objetivo para viver?
— Não, não! Não agora! Eu não quero morrer agora!
Essa negativa foi seu último pensamento, pois ele caiu no chão da La Rouge.

Território do Arizona,

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Junho de 1871
Wade Dunstan sentou-se junto ao fogo que acendera em seu pequeno
acampamento, puxou para baixo seu chapéu e ergueu a gola de seu casaco para
proteger-se do frio da noite. O crepitar do fogo misturava-se aos barulhos
noturnos. Wade mordeu o lábio, e seus olhos se estreitaram enquanto,
aparentemente, observava o fogo. Na verdade, seus pensamentos iam longe. E
eram sofridos.
O aroma das ervas e de café sendo preparado tiraram-no de seu devaneio.
Wade levantou-se, encheu uma caneca de café e voltou a sentar-se para saborear
a bebida. Amarrado em um galho de uma árvore ali perto, seu cavalo, cansado
pela longa jornada, relinchou fracamente. Logo sossegou e nada mais se ouviu
além dos grilos e das cigarras cantando nas árvores.
Wade olhou com simpatia para o cavalo. Eram companheiros e pareciam se
solidarizar um com o outro.
Olhos secos, já que não havia mais lágrimas para verter, Wade deixou a
imagem de sua esposa, Mary, voltar à sua mente. Mary e seus olhos carinhosos,
seu riso fácil, seus braços sempre abertos para lhe dar boas-vindas quando ele
chegava em casa.
— Mary... — Wade murmurou baixinho.
Nem percebeu que proferira o nome da esposa. A dor, uma agonia sem-fim
pela perda sofrida, pareceu remoer seu estômago, sua mente e sua alma como se
fosse uma doença, um desejo de morte.
Com a partida de Mary, a vida de Wade perdera o sentido. Apenas uma coisa
o mantinha vivo.
Um só propósito, uma só emoção, somente isso levava Wade a caminhar,
procurar e caçar os homens que haviam estuprado Mary e, depois, a matado.
Ódio. Um propósito frio que não lhe dava descanso.
Sentiu um gosto amargo na boca. Sua tosse agitou as chamas do fogo,
fazendo sumir a imagem de Mary, que parecia flutuar na escuridão da noite.
— Oh, Deus, não! — Wade gritou quando uma nova imagem se formou e
pareceu lhe dilacerar o coração.
Fechou os olhos, desejando que a imagem desaparecesse. A cena que ficara
gravada em sua memória e que tanto o torturava não desapareceu. Era o
momento em que ele voltara para casa, cansado, porém satisfeito por haver
executado bem seu trabalho e ansioso para reencontrar Mary.
— Meu Deus! — Wade gemeu.
Naquela noite, havia encontrado Mary caída no chão da sala da pequena
casa onde moravam. Estava nua, sobre uma poça de sangue. Seu próprio sangue.
Mesmo agora, ele voltou a sentir o horror daquela cena. Aqueles homens
tinham abusado do corpo de Mary de forma animalesca. Wade mordeu o lábio
com tanta força que sentiu gosto de sangue na boca.
Ódio, este era o único sentimento que Wade Dunstan havia respirado,
comido e vivido desde aquele terrível dia em que quatro bastardos tinham

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atacado sua esposa, enquanto ele se encontrava fora de casa, desempenhando
seu dever como delegado.
Não, os responsáveis não haviam sido apenas quatro homens, mas cinco.
Wade, porém, não podia se dar ao luxo de matar o quinto, já que este não estava
ligado diretamente ao crime tão hediondo.
O delegado Will Banks havia prometido proteger Mary durante a ausência de
Wade e faltara com sua promessa. Fora difícil para Wade não se vingar dessa
negligência e deixar que o delegado continuasse vivo.
Na verdade, Wade não precisava mais ir atrás de quatro homens, mas
apenas de três. Acabara com um deles na semana anterior. O covarde havia se
escondido em uma cabana no meio do deserto de Sonora. E, antes de morrer,
revelara a Wade que ele e mais três homens tinham atacado Mary. Assim,
restavam agora esses outros três, que haviam se separado após o crime e fugido
da região. Mas seriam encontrados. Todos os três, Wade jurou a si mesmo.
Se o assassino que ele eliminara primeiro dissera a verdade, um dos seus
companheiros se encontrava nas proximidades de Promontory, no território de
Utah. Um outro se refugiara em uma fazenda localizada perto de Laramie, no
Wyoming, e o terceiro, nas minas de ouro próximas a Denver, no território do
Colorado.
Wade estava na trilha do primeiro desses três homens. Se tivesse sorte,
seguiria para Laramie e, por fim, para Denver.
E Denver seria um bom lugar para morrer... tanto para o assassino como
para ele próprio. Quando sua vingança estivesse concluída, Wade não teria mais
razão para continuar vivendo. Não sem a sua Mary.
E sua esposa seria vingada, nem que ele tivesse de caçar os assassinos pelo
país inteiro por mais de cinqüenta anos. Encontraria cada um deles e faria
justiça sem nenhuma hesitação ou misericórdia, não depois do que aqueles
homens haviam feito a Mary.
Quando tudo terminasse, Wade poderia escapar do inferno que se tomara
sua vida.
Mas primeiro a vingança, Wade disse mais uma vez a si mesmo, enquanto
tomava um gole do café amargo.
Promontory.
Laramie.
Denver.
E finalmente, a abençoada morte.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO I

Uma casa de má reputação. O que ela faria agora? Que atitude deveria
tomar?
Darcy Flynn parou junto à janela do quarto de sua mãe, escutando as
questões que atormentavam sua mente. Mas não encontrou respostas porque
ainda era muito cedo. As chocantes descobertas tinham sido feitas havia pouco e
eram incríveis e difíceis de ser entendidas. Tudo acontecera rápido demais.

Darcy chegara a Denver naquela mesma manhã. Na estação, encontrara à


sua espera o advogado de sua mãe, um senhor idoso que dissera se chamar Paul
Mansford.
— Felizmente o trem se atrasou apenas uma hora, e não duas — comentou o
homem, enquanto segurava Darcy pelo braço e a levava a uma pequena
carruagem.
— Minhas malas! — exclamou Darcy, tentando impedir o dr. Mansford de
tirá-la da estação.
— Mandarei pegá-las depois — ele prometeu. — Se sairmos daqui agora,
ainda dará tempo.
— Tempo para quê?
— Oh, lamento, srta. Flynn. Mas, é claro. A senhorita não podia saber. — O
dr. Mansford tirou o chapéu em sinal de respeito. — Lamento ter de lhe dar a
triste informação de que sua mãe faleceu. O funeral está sendo feito exatamente
neste momento. Pelo menos o corpo deve estar a caminho do cemitério. Por isso
temos pressa.
O efeito dessa notícia acrescentara uma enorme tristeza ao cansaço que
Darcy sentia pela longa viagem que acabara de fazer. Lágrimas tiraram o brilho
de seus olhos.
Ela chegara tarde demais. Agora não teria mais chance de conhecer melhor
sua mãe.
— Quando... — Darcy começou a dizer, mas sua pergunta parou no meio.
Estava sem forças para falar e algo parecia fechar-lhe a garganta.
— Foi ontem — o dr. Mansford respondeu, balançando tristemente a cabeça.
— Sua mãe parecia se agarrar à vida como se estivesse esperando... Bem, então
morreu. — O advogado soltou um longo suspiro. — Meus pêsames, srta. Flynn.
— Eu... ah, obrigada, senhor. — Lágrimas encheram os olhos de Darcy, e ela
virou o rosto para a janelinha da carruagem, fingindo observar a paisagem. —
Vim o mais depressa que pude.
— Sim, claro. Os meios de transporte nesta parte do país são lentos demais.
— O dr. Mansford pigarreou. — Nós... Por favor, entenda. Não pudemos fazer
nada para manter sua mãe viva. Chegou mesmo a hora da pobre senhora.
Darcy mordeu os lábios, buscando seu autocontrole. Mas, sentia-se mal,
muito mal.

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— Mamãe... — ela murmurou baixinho.
Chame-me de Colleen, minha querida. Combina mais comigo e é muito mais
informal.
Darcy podia ouvir a voz suave de sua mãe ecoando em sua memória. Revia
mentalmente aquele rosto alegre, os movimentos cheios de charme de suas mãos
delicadas.
Nunca haviam sido amigas. Nunca havia tempo suficiente para passarem
juntas e se conhecerem melhor.
Darcy sempre mantivera a esperança de que isso aconteceria um dia...
Agora, esse dia jamais viria.
Estava arrasada. Tentou controlar o choro e secar as lágrimas com as luvas
que cobriam suas mãos.
Viajara dias e dias seguidos em um trem desconfortável e calorento, mas
resistira a tudo pensando no encontro que teria com a mãe. E chegara apenas
para o funeral.
Suspirou fundo e procurou ajeitar sua roupa. Arrumou o chapéu,
prendendo-o melhor para que não caísse enquanto estivesse no enterro.
Finalmente chegaram onde estava o cortejo. E este era pequeno. Apenas
duas carruagens e três cavalheiros acompanhando o carro fúnebre com o caixão.
Logo Darcy estranhou o itinerário. Para onde estavam indo? O cavalo negro
que puxava o carro fúnebre entrou por um caminho estreito e chegou a uma área
de terra.
Darcy olhou confusa para o dr. Mansford, esperando que lhe explicasse o
porquê do cortejo se encontrar naquele lugar deserto que em nada se parecia com
os cemitérios que ela conhecia. Mas o dr. Mansford não estava prestando atenção
a ela, e sim ordenando ao cocheiro de sua carruagem que parassem a alguns
metros de um buraco que havia sido cavado logo adiante.
Chocada e consternada, Darcy ficou apenas observando as outras
carruagens pararem.
O que era aquilo? Tinha esperado, antecipado até, um cortejo respeitoso, um
cemitério normal e uma capela onde o corpo seria encomendado a Deus. Afinal,
sua mãe havia sido uma católica praticante. Certamente Colleen não seria
enterrada ali naquele buraco feito em terra não consagrada, em uma área sem
nenhuma árvore, em um lugar assim tão desolado.
— Dr. Mansford, deve haver algum engano — Darcy disse, agora com voz
firme. Estremecia à mera idéia de que aquele fosse o lugar de descanso de sua
mãe. — Lamento, senhor, mas devo protestar pela escolha deste lugar.
O dr. Mansford virou-se para ela e meneou a cabeça.
— Não tive escolha, srta. Flynn — ele murmurou, enquanto lhe oferecia a
mão para acompanhá-la até onde estava o caixão. — Venha comigo, por favor.
Mais tarde lhe explicarei tudo.
— Mas... — A voz de Darcy falhou quando ela observou quem eram as
pessoas que acompanhavam o funeral.

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Eram mulheres! Havia apenas três cocheiros, e o resto das pessoas era
constituído de mulheres. Darcy contou sete delas, todas novinhas, provavelmente
adolescentes. As mais velhas deviam ter apenas uns vinte e poucos anos.
E todas tinham um ar diferente, aparência meio frívola de...
Prostitutas! Darcy arregalou os olhos. Mas isso era um atrevimento! Olhou
para os três homens e sentiu-se mal. Eles deviam trabalhar como seguranças em
uma casa de má reputação.
Com certeza as mulheres eram prostitutas, e os homens seguranças.
E por que eles estavam ali? Por que não havia mais gente acompanhando o
funeral? Por que nenhuma senhora de meia-idade ou nenhum casal
comparecera?
Aproximou-se do dr. Mansford para lhe exigir respostas imediatas, mas a
cerimônia já começara. Um homem usando traje preto e colarinho branco
aproximou-se do caixão.
— Senhor, estamos aqui reunidos para nos despedirmos de uma de suas
ovelhas desgarradas.
Ovelhas desgarradas? Darcy sentiu um calafrio percorrer todo o seu corpo.
Uma ovelha desgarrada? Sua mãe?
Devia haver um engano, Darcy se assegurou. Essa convicção a sustentou
durante o breve serviço religioso, e depois ao longo do caminho de volta até a
casa de sua mãe. A carruagem onde ela se encontrava ao lado do dr. Mansford
deixou o cemitério e pegou uma trilha cheia de curvas. Finalmente parou diante
de uma casa enorme nas proximidades da cidade de Denver.
Sim, um engano, Darcy repetia a si mesma enquanto observava a mansão
em estilo vitoriano. Seis sólidos pilares sustentavam a varanda na frente da casa.
A brisa balançava a cortina preta que havia na porta, em silencioso testemunho
de que ali se estava de luto.
Mas não havia engano algum. A terrível verdade invadiu a mente de Darcy. A
casa revelava sua identidade por si só.
Ninguém, nem mesmo a mais ingênua das mulheres, poderia dizer que
aquela mansão era um lar. A própria pintura e os enfeites não deixavam dúvidas
quanto à identidade de suas moradoras. E como prova de que, lamentavelmente,
Darcy não se enganara, os cocheiros desmontaram e as mulheres saíram da
carruagem. Era como se todos eles morassem ali.
E deviam morar mesmo, ela pensou.
Decidida, resolveu exigir uma explicação do advogado.
— Por que me trouxe até aqui, dr. Mansford? — Darcy não escondia sua
indignação. Seu rosto empalidecera, e ela sentia um pouco de falta de ar. Era o
nervosismo.
— Posso imaginar o que está pensando, srta. Flynn — o dr. Mansford
murmurou, depois de um longo suspiro. — Esta era a casa de sua mãe,
senhorita. — O advogado ajudou-a a descer da carruagem e a encaminhou até a
escadaria que levava ao interior da moradia.

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— Para onde está me levando? — Darcy perguntou, lutando para manter um
semblante de compostura.
— Ao escritório de sua mãe.
— Mas...
Ela deixou as suas dúvidas para serem esclarecidas mais tarde. Seguiu o
advogado e as sete mulheres, que subiram as escadas atrás deles dois.
— Há um assunto que eu quero discutir — o dr. Mansford declarou. — É
sobre o último desejo de sua mãe e o testamento que ela deixou. — Parou por um
instante, um pouco embaraçado. — É por isso que o sr. Dugan e essas mulheres
devem estar presentes quando da leitura dos documentos. Seus nomes constam
do testamento.
Darcy mordeu o lábio, procurando evitar um soluço.
— Estou apenas seguindo as instruções de sua mãe — o advogado justificou.
O choque de saber que sua mãe morrera, depois de uma exaustiva viagem,
já fizera que um grande cansaço invadisse o corpo de Darcy. Agora, depois das
desagradáveis surpresas, estava arrasada, não apenas por haver sofrido uma
perda, mas porque não conseguia mais argumentar ou protestar. Haviam
acontecido coisas demais desde que desembarcara em Denver. Assim, seguiu o
dr. Mansford em silêncio.
No alto da escada, o advogado virou para a direita e guiou Darcy até um
aposento que ficava no fim de um corredor estreito. Ele tirou uma chave do bolso,
abriu a porta e a convidou para entrar.
O pequeno aposento era confortável, decorado com uma certa austeridade,
mantendo assim o ar de um escritório.
— Obrigada — Darcy agradeceu; ela examinou rapidamente o cômodo e
sentou-se em uma das cadeiras que o dr. Mansford lhe indicou.
— Entrem, meninas — o advogado disse ao ver as mulheres paradas à porta.
— E o senhor também, sr. Dugan. — Dirigiu um olhar inexpressivo para Darcy e
tirou alguns documentos de uma pasta. Pegou um deles e começou a ler.
Apesar de manter os olhos presos no dr. Mansford, Darcy sentia a presença
das mulheres e dos homens que estavam de pé, atrás de sua cadeira. Ouviu que
sua mãe deixara pequenas quantias de dinheiro aos seus dois garçons e a um
criado. Para as garotas e para o sr. Dugan, Colleen destinara quantias maiores,
bastante razoáveis.
Darcy esforçou-se para não demonstrar seu estado de espírito e procurou
manter um ar de atenção ao que estava sendo lido.
— E para a minha querida filha, Darcy — o dr. Mansford finalmente leu —,
eu deixo minha casa, todos os meus pertences, contas e aplicações bancárias. — 0
advogado ergueu os olhos do testamento para observar a reação de Darcy. —
Senhorita, tenho aqui um inventário com a relação de todos os bens de sua mãe.
Poderá examiná-lo quando quiser. Também pode fazer qualquer pergunta, que
procurarei respondê-la da melhor maneira possível.
— Obrigada — Darcy balbuciou.

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— Podemos agora conhecer a filha da nossa querida patroa? — uma das
moças perguntou ao advogado.
Darcy sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.
O dr. Mansford ficou apreensivo.
— Sim, queremos conhecer a srta. Darcy! — exclamaram várias vozes.
O advogado ergueu uma das sobrancelhas em uma silenciosa indagação
para Darcy.
O calafrio voltou. Por dezenove anos, ela vivera uma existência tranqüila,
sem grandes emoções. Era outro tipo de vida. Apesar de saber que existiam
mulheres que vendiam seus corpos em troca de dinheiro, nunca conhecera
alguma. A idéia de vir a ser apresentada agora a sete delas chegava a incomodá-
la. No entanto como poderia negar às moças algo tão simples? Aparentemente,
elas haviam sido empregadas de sua mãe.
Sem conseguir proferir nenhuma palavra, Darcy apenas acenou que sim com
a cabeça.
Imediatamente, o sr. Mansford levantou-se e foi dizendo os nomes em voz
alta. Darcy voltou-se para cada uma das jovens, s sem lhes estender a mão,
apenas cumprimentando-as com um leve mover de cabeça.
Conheceu Katie, Molly, Jane, June, Sally, Daisy e Sarah. A última, pela
aparência, devia ter uns dezesseis anos. Era bonita, tinha olhos muito azuis e um
sorriso brilhante.
Procurou guardar os nomes associando-os aos rostos das jovens.
— Por fim, quero lhe apresentar o sr. Dugan, o homem que mantém a paz
nesta casa — disse o advogado.
O sr. Dugan era um homem rude, alto, bastante forte, mas com um sorriso
gentil. Darcy estendeu-lhe a mão.
— Como vai, sr. Dugan?
— Não posso me queixar, srta. Flynn. Mas quanto à senhorita, acredito que
precisa descansar.
— De fato estou muito cansada — ela admitiu, forçando um sorriso.
— Claro, claro. Está cansada da longa viagem, e depois... ter de enfrentar o
que enfrentou... — intrometeu-se o dr. Mansford. — Senhoritas, vocês terão
bastante tempo para conhecer melhor a srta. Flynn. E, sr. Dugan, poderia
mostrar à srta. Flynn o quarto dela?
— Claro, senhor. — Dugan caminhou até a porta, abriu-a e esperou Darcy
reunir-se a ele.
Sentindo uma necessidade enorme de estar sozinha para tentar absorver o
choque dos últimos acontecimentos, Darcy se esforçou para sair da sala com
elegância e dignidade. Despediu-se do advogado, agradecendo sua colaboração, e
de todas as mulheres. Sentiu-se aliviada ao sair do pequeno escritório e se
dirigiu, decidida, para o quarto onde passaria a noite.
— Estes eram os aposentos particulares de sua mãe — o sr. Dugan
esclareceu com uma voz surpreendentemente suave e amiga. — Não se importa

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
em ficar nele, não é? Ninguém a aborrecerá aqui. Cuidarei para que isso não
aconteça.
— Obrigada, sr. Dugan, por toda essa assistência. Mas, diga-me, por que me
olha desse jeito? Há algo errado, sr. Dugan?
— Errado? — O homem piscou. — Por que haveria alguma coisa errada?
— É que o senhor estava me encarando com uma estranha expressão no
olhar.
— Oh, minha jovem, peço-lhe perdão. É que a senhorita é a imagem viva
de...
— De minha mãe?
— De quem mais poderia ser? Bem, agora vou me retirar e deixá-la
descansar. Se precisar de alguma coisa, basta chamar por mim.
Algumas horas haviam se passado desde que o sr. Dugan tinha saído do
quarto de sua antiga patroa e deixado Darcy descansar. Ela havia tirado apenas o
chapéu e o casaco, mas não conseguira relaxar nem por um minuto.
Quando entrara no quarto, havia sentido distintamente o perfume que sua
mãe sempre usava. Era um perfume francês. E este agora permanecia no ar,
misturado com a suave brisa que entrava pela janela aberta.
Um pensamento passou pela mente de Darcy.
Sua mãe teria dado o último suspiro ali naquele quarto?
Sentiu-se mais próxima dela do que quando era viva. Olhou em volta
observando atentamente os objetos de sua mãe.
O quarto era decorado com requintada elegância. Ficava no canto direito da
casa, recebendo o suave sol da tarde. Uma das janelas dava para o jardim,
enquanto as outras duas voltavam-se para a área que ficava em frente à casa. O
tapete era certamente de origem oriental. Havia um dossel cor-de-rosa pálido que
combinava com a colcha da enorme cama.
Em uma das paredes, encontrava-se um armário. Curiosa, Darcy abriu as
suas portas e encontrou uma enorme quantidade de trajes para todas as
ocasiões. Um espelho oval estava pendurado no lado oposto sobre uma mesa com
pedestal, onde havia uma bacia de porcelana e um jarro. Uma banheira estava
colocada a poucos metros dessa mesa, em um dos cantos do aposento.
Darcy continuou examinando o quarto. Havia uma porta que ligava o
cômodo a uma espaçosa sala de visitas, decorada em tons rosa, verde e dourado.
Sentindo-se cada vez mais cansada e confusa, voltou ao quarto, decidida a
descansar. Em vez disso, porém, ficou observando um grande retrato de sua mãe.
O quadro estava pendurado sobre a lareira e se refletia no espelho colocado no
lado oposto.
Darcy reconheceu que possuía alguma semelhança com sua mãe, mas o sr.
Dugan exagerara em afirmar que ela era a imagem viva de Colleen. Olhou o
reflexo do retrato de sua mãe no espelho enquanto se ajeitava nos travesseiros.
De fato, tanto ela quanto Colleen tinham a mesma pele clara e a delicadeza das
feições, mas a cor dos cabelos e dos olhos era bem diferente. Colleen tinha

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
cabelos vermelhos e olhos bem verdes, diferindo do tom castanho dos olhos e
cabelos de Darcy.
Sou mais alta que minha mãe, ela pensou. Esse era mais um ponto de
diferença entre as duas.
Precisava descansar. Uma pergunta, porém, atormentava sua paz e não a
deixava dormir.
— Meu Deus! — Darcy murmurou em voz alta olhando-se no espelho da
penteadeira. — O que farei com uma casa de prazeres?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO II

— Administre-a.
A voz era masculina, suave e agradável de ouvir.
Darcy arregalou os olhos ao se dar conta de uma companhia inesperada.
Acreditava-se sozinha no quarto. Não ouvira nenhuma batida na porta, ninguém
pedira para entrar naqueles aposentos. O homem que acabara de falar seria
algum empregado? Ou um ex-cliente de sua mãe?
Era muito atrevimento da parte dele. Chamaria o sr. Dugan imediatamente.
Estava aborrecida e indignada tanto pela ousadia desse homem em invadir o
quarto onde ela estava hospedada como por seu descaramento em dar sua
opinião sobre um assunto que a vinha atormentando nas últimas horas. Um
assunto que só interessava a ela.
Havia uma faixa de luto na entrada da casa. Isso devia ser o suficiente para
que ninguém pensasse que a casa funcionaria naquele dia.
Pelo espelho, Darcy viu que o estranho estava parado perto de sua cama e
parecia bastante à vontade.
— Quem é o senhor? — perguntou, virando-se de frente para ele. — A casa
está fechada. Permanentemente. Como conseguiu entrar aqui?
— Boa pergunta. — O homem parecia confuso. Começou a olhar em volta,
como se quisesse identificar o lugar em que se encontrava.
A resposta e o olhar confuso do estranho começaram a deixar Darcy mais
apreensiva ainda. Então o homem não sabia onde estava? E desconhecia a
identidade dela? Talvez julgasse que fosse uma das mulheres da casa?
Um certo medo começou a dominá-la. Deu um passo para trás, mas viu-se
encostada em uma parede.
Não tinha saída!
Virou-se para a porta, calculando se conseguiria chegar até lá, abri-la e sair
aos gritos pelo corredor, antes que o homem a alcançasse. Suspeitou que não,
porque para chegar à porta teria de passar pela cama, exatamente onde o
estranho estava parado.
Agora o medo crescera, e Darcy mal conseguia falar.
— Quem... quem é o senhor? — ela repetiu a pergunta, desta vez em pouco
mais que um murmúrio — Como entrou aqui?
Por mais assustadora que fosse a situação, Darcy não conseguiu deixar de
notar que se tratava de um homem muito bonito e de olhar gentil. Os cabelos e
olhos eram muito pretos, o rosto estava barbeado e as feições eram bem
masculinas.
— Meu nome é Jonathan Stuart. Não sei bem por que estou aqui — ele
confessou, assumindo um ar um tanto pesaroso.
— Não sabe? Isso é ridículo, senhor. Certamente não entrou voando pela
janela.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não, claro que não. Eu... — A voz de Jonathan Stuart falhou por um
momento. Seus olhos se arregalaram e sua expressão mostrou claramente que ele
descobrira como entrara naquele aposento. — Apenas me materializei aqui,
senhorita. Mas não sei bem por quê.
O pavor tomou conta de Darcy. Aquele homem não era uni idiota. Era louco!
Ela acreditou reconhecer um sinal de demência na expressão do rosto dele.
Tentou não demonstrar que estava apavorada.
— O que disse é pura bobagem, senhor. Peço-lhe que deixe o meu quarto
imediatamente. Insisto nisso. Se não me atender, serei obrigada a pedir ao sr.
Dugan que o expulse da minha propriedade.
— Clancy Dugan? — Jonathan Stuart arqueou uma das sobrancelhas e
sorriu. Parecia estar se divertindo, e não assustado com a idéia de ser forçado a
sair dali.
— O que está querendo dizer, senhor? — A voz de Darcy saiu firme e fria.
— Clancy Dugan, o tolo irlandês? Ah, pode chamá-lo, se assim o desejar,
senhorita. — Jonathan Stuart deu de ombros como se não se importasse
absolutamente se aquilo acontecesse. — Ele não pode fazer nada contra mim.
— É mesmo? — Darcy observou rapidamente o físico do estranho,
comparando-o com o do sr. Dugan, que era uma verdadeira montanha humana.
O rapaz que ali estava era alto, forte, mas não tanto quanto o empregado da casa.
— E por que ele não poderá fazer nada contra o senhor?
— Simplesmente porque estou morto. — A resposta de Jonathan Stuart veio
numa voz calma e cheia de aceitação.
Seguiu-se um instante de silêncio enquanto Darcy absorvia as palavras que
acabara de ouvir. No instante seguinte, pôs-se a gritar:
— Sr. Dugan! Sr. Dugan! Venha imediatamente!
O intruso que se dizia chamar Jonathan Stuart não mexeu um músculo
sequer. Ficou parado como antes, exibindo um sorriso condescendente e repleto
de simpatia. Era como se entendesse o medo que Darcy sentia.
Em poucos minutos, a porta se abriu, e Clancy Dugan entrou no quarto
como um furacão.
— O que foi, srta. Flynn? Aconteceu alguma coisa errada, senhorita?
— Há um intruso no meu quarto — Darcy informou-o com impaciência, já
que o criado não parecia ter avistado o estranho. — Tire-o daqui, por favor. — Ela
apontou para Jonathan Stuart.
— Com prazer, senhorita. — Clancy vasculhou o quarto em busca do
intruso. — Mas... onde ele está?
Sem acreditar no que acabara de ouvir, Darcy olhou, confusa, para
Jonathan Stuart, que continuava em pé ao lado da cama. Estaria ela sofrendo
uma alucinação? Santo Deus, como isso era possível? Talvez fosse o cansaço, o
nervosismo e a tristeza provocados pela morte da mãe.
Engoliu a seco. Estava com medo.
— Ele... ele estava aqui um minuto atrás, sr. Dugan — Darcy murmurou,
mantendo o olhar preso no desconhecido.
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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Clancy Dugan vasculhou o quarto e a sala ao lado. Não encontrou ninguém.
Olhou com simpatia para a filha de sua ex-patroa.
— Ah, senhorita, não há mais ninguém aqui neste momento, Deve ter
sonhado, pobrezinha. O que é muito natural, depois de tudo o que passou.
Imagine, perder a mãe e tudo o mais. Precisa descansar, senhorita — ele
aconselhou, enquanto se dirigia para a porta. — E não se preocupe, porque não
permitirei que ninguém entre nesta casa. Vou verificar pessoalmente se as portas
estão todas trancadas.
— Obrigada, sr. Dugan. Faça isso, por favor.
Darcy ficou estática enquanto o criado saía e fechava a porta. Finalmente,
reencontrou sua voz, que estava agora fina e trêmula, e enfrentou o homem que
se encontrava diante dela.
— Então... o senhor é um... um...
— Um fantasma? — Jonathan Stuart sorriu. — Sim, lamento lhe dizer que
sim.
Darcy sentiu o chão lhe fugir dos pés. Sua respiração pareceu parar e depois
disparou a uma velocidade assustadora. Não conseguia raciocinar. As paredes
começaram a girar diante de seus olhos, e ela caiu desmaiada sobre o tapete
persa.
— Srta. Flynn!
Em um instante, Jonathan se ajoelhou ao lado de Darcy. Ficou observando
suas feições pálidas e delicadas. Ela era muito bonita, ele pensou.
— Darcy — Jonathan chamou suavemente, enquanto tentava erguê-la do
chão para levá-la até a cama. No entanto seus braços não conseguiam segurá-la.
Maldição! Ele não tinha carne. Era um inútil, um ser incapaz de poder
ajudar a srta. Flynn. A frustração foi passando quando Jonathan percebeu que
podia não ter um corpo normal, mas tinha sentimentos.
Definitivamente. Ele sentia emoções.
Um fantasma podia sentir emoções? Isso era uma novidade para ele.
Neste momento, a porta se abriu, e Clancy entrou correndo no quarto,
seguido de todas as garotas de Colleen. Jonathan sorriu quando esse grupo
numeroso passou não a seu lado, mas por dentro dele.
Interessante, pensou. Não estava de todo aborrecido com suas limitações.
As garotas não paravam de falar.
— O que aconteceu, srta. Flynn?
— Ela está desmaiada. Deve ser de cansaço.
— Será que morreu? Quem sabe Colleen veio buscar a filha...
— Pare de falar besteiras, Molly!
— Mas parece que não está respirando. E o rosto dela está branco como o de
um fantasma.
A essa observação de uma das garotas, Jonathan deu uma olhada no
espelho para ver se ele também estava pálido.

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No mesmo instante, Darcy soltou um leve gemido e entreabriu os olhos.
— Silêncio, meninas — o sr. Dugan ordenou, e as moças se calaram
imediatamente. — Está bem, srta. Flynn? Ouvimos o barulho quando a senhorita
caiu.
Desajeitadamente, o criado procurou ajudar Darcy a se levantar e, conforme
fazia isso, passou por parte do corpo de Jonathan. — Pare com isso — Jonathan
reclamou.
É claro que ninguém naquele quarto ouviu sua ordem, mas apenas porque
ele não queria que ninguém o visse ou ouvisse. Mais uma vez, Jonathan percebeu
que havia certas vantagens neste seu estado de morto. Podia assistir ao que
estava acontecendo sem que sua presença fosse percebida.
Ficou satisfeito em ver a delicadeza com que o sr. Dugan deu assistência a
Darcy que, incapaz de caminhar devido à sua fraqueza, teve de ser carregada
para a cama.
— O que será que aconteceu com a moça? — perplexo, o sr. Dugan
perguntou para as mulheres. — Primeiro me chama e diz que o seu quarto tinha
sido invadido por um homem. Mas eu vasculhei tudo e não encontrei ninguém.
Mal saio, e ela fica desse jeito...
— Ela desmaiou, seu tolo — Jonathan comentou, mas claro que não foi
ouvido.
— Acho que ela desmaiou. — A observação veio de Katie, a mais velha das
garotas. Inclinando-se sobre a cama, ela começou a desabotoar a blusa de Darcy.
— Dora, prepare uma xícara de chá para a srta. Flynn — Katie instruiu a
cozinheira. — Sarah, traga-me uma toalha molhada.
Tanto a cozinheira como Sarah atenderam à ordem. — É melhor o senhor
sair, sr. Dugan — Katie falou. — Mas... — o criado protestou.
— Pode ir sossegado, sr. Dugan. A srta. Flynn vai ficar bem. Já está voltando
a si, como pode ver. E para deixá-la mais confortável, vou lhe tirar o vestido.
Assim, o senhor não pode ficar aqui.
— Oh, sim. — O rosto do sr. Dugan ficou vermelho de embaraço. Ele
caminhou imediatamente para a porta e saiu.
Por um momento, Jonathan considerou a idéia de seguir o homem e sair
também do quarto. Não era apropriado ver a jovem sem roupas. Mas algo o fez
mudar de idéia, e ele ficou observando as moças despirem Darcy.
As mulheres eram eficientes, e logo Darcy estava sem os sapatos, sem a
blusa e sem a saia. Trabalhando juntas e em silêncio, Katie e mais uma das
moças, seu nome era Jane ou June? Removeram as roupas.
Jonathan ficou observando a blusa de Darcy. Tinha um jeito meio
masculino, mas talvez fosse a última moda em Paris ou Londres, ele concluiu.
Isso porque, apesar de o traje ser um tanto masculino. Darcy era a imagem da
feminilidade.
Agora que a saia e a blusa haviam sido retiradas, Jonathan observou
quando o corpete, a combinação e os calções seguiram o mesmo destino.
— Hum... — Darcy murmurou, abrindo os olhos e tentando entender o que
estava acontecendo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Jonathan desviou o olhar do corpo para o rosto de Darcy e ficou satisfeito
em ver que as delicadas faces voltaram a ter cor. Revisou a impressão que
formara dela: Darcy não era apenas bonita, mas sua beleza se misturava a uma
certa fragilidade e delicadeza.
— Ela está voltando a si! — Katie exclamou.
— O quê? — Darcy procurou tirar a toalha molhada da sua testa. — O que
vocês estão fazendo? Como cheguei até a cama?
— Tome um pouco de chá, srta. Flynn. — A cozinheira aproximou-se
segurando uma bandeja.
— Chá? — Darcy piscou, confusa. — Mas eu pedi chá? E como cheguei até a
cama? — perguntou novamente.
Aliviado pela aparente melhora de Darcy e não querendo chocá-la mais com
sua presença, pelo menos até que ela desfrutasse um bom descanso, Jonathan
sorriu e... desapareceu.

— Clancy a carregou até a cama e fui eu quem pediu o chá — esclareceu


Katie com voz tranqüila.
— Mas por quê? O que aconteceu comigo?
— A senhorita desmaiou.
A resposta de Katie trouxe de volta à memória de Darcy os acontecimentos
mais recentes. Lembrou-se perfeitamente de que havia um intruso no quarto
onde ela estava. Uma aparição, segundo ele próprio. Arregalou os olhos e
observou em volta, assustada.
— Onde ele está? — perguntou em um sussurro.
— Clancy? — Katie sorriu. — Não fique alarmada, srta. Flynn. Clancy saiu
do quarto antes que a despíssemos para que ficasse mais confortável.
Darcy não se referia a Clancy, naturalmente. Abriu a boca Para falar do
estranho, mas se calou a tempo. Se dissesse que aludia a Jonathan Stuart, um
espírito, um homem sem carne no corpo, todas as moças a julgariam maluca.
— A senhorita está se sentindo hem? — Katie indagou, preocupada com o ar
assustado de Darcy.
— Estou, sim. Não se preocupem comigo. É apenas cansaço — disse dando
uma risada um pouco histérica.
— É claro que está cansada! — Dora, a cozinheira, exclamou empurrando as
moças que estavam em volta da cama. — Perdeu a mãe e teve de assistir ao seu
funeral. Acho melhor que agora fique sozinha e repouse. Vamos deixar a srta.
Flynn descansar, meninas.
Darcy não sabia se queria ficar sozinha naquele momento, com receio de que
Jonathan Stuart retornasse.
— Você tem razão, Dora — concordou Katie. — Vamos sair, meninas.
— Ah, vou deixar o chá aqui ao lado da sua cama, senhorita. — A cozinheira
ajeitou a bandeja no criado-mudo antes de se dirigir à porta.
— Senhorita... ah, Katie... — Darcy chamou. — Obrigada. A todas vocês.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Houve um coro de "Seja bem-vinda!".
— Bem, agora — Dora serviu chá na xícara e colocou um enorme
guardanapo sobre o colo de Darcy — beba, que vai lhe fazer bem.
— Obrigada... Darcy dormia.
— Meu nome é Dora. — A cozinheira sorriu com bondade. Ah, não se
preocupe com a bandeja. Eu virei buscá-la mais tarde.
— A senhora é muito gentil.
— Foi sua mãe quem foi sempre gentil comigo.
— Ah, sim. Minha mãe era sempre muito gentil com todos. — Darcy sorriu
tristemente.
— Agora beba o seu chá. Também lhe trouxe uma fatia de bolo. É de
morango. Precisa comer, senhorita. Depois, descanse. — Com essas palavras, a
mulher fez um gesto de despedida e saiu do quarto.
Sozinha e pensativa, Darcy ignorou o bolo e tomou um gole do chá gelado.
Sim, sua mãe sempre era generosa com todos. Terminou de tomar o chá e
colocou a xícara na bandeja. Enfiou-se debaixo das cobertas e suspirou. Com
todas as melhores qualidades, Colleen não tinha sido particularmente uma boa
mãe.
Procurou uma posição mais confortável para seu corpo cansado. Os olhos
estavam pesados e quase fechando. Mesmo assim, olhou em volta para se
certificar se estava realmente sozinha.
O Onde estaria o fantasma? Darcy perguntou-se, deixando enfim que o sono
levasse a melhor. Seria ele um produto de sua mente angustiada? Moveu a
cabeça de um lado para outro no travesseiro. Não, ela o vira. Nunca teria
imaginado ver algo tão estranho.
Então, onde está o fantasma neste momento?
Darcy dormia.
Foi este o último pensamento coerente que Darcy teve antes de adormecer.
Jonathan ficou de pé ao lado da cama, um sorriso de ternura marcando seus
lábios. Ela era tão adorável. Bonita como Colleen tinha sido, mas havia algo mais
em Darcy, algo diferente. Era mais elegante, mais refinada.
Ele suspeitava de que a vida no internato lhe tivesse ensinado a aparentar
controle de suas emoções. Assim, assumia tantas vezes um ar austero e rígido.
Mas, agora, adormecida, deixava transparecer toda a sua inocente
vulnerabilidade.
Um cacho de cabelos caía sobre seu rosto de pele sedosa. Sem pensar,
Jonathan se inclinou na cama e colocou o cacho no lugar. Isso o levou a tocar na
pele macia.
Maldição! Por um instante esquecera-se de que não devia tocá-la.
Mas, espere! O que estava acontecendo? Jonathan sentiu-se gelar quando
afastou a mão do rosto de Darcy. Se estava morto, como poderia ter as sensações
como as que estava experimentando?
Mortos têm sentimentos? Sentem atrações como os vivos? São vulneráveis?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Um instante antes sentira um calor invadindo seu corpo. Um corpo que não
mais existia em carne e osso. Quem sabe podia entrar em contato com a essência
de Darcy?
Ficou parado junto à cama, observando a jovem adormecida. Lembrou-se de
que Clancy esbarrara nele e, na ocasião, nada sentira. Por que, agora, sentia-se
estranho ao tocar em Darcy?
Ele tivera uma sensação física ao lhe acariciar o rosto.
Sentiu-se humano. Nunca, quando vivo, provara tal coisa diante de uma
mulher.
Jonathan se importava com ela.
Procurou analisar se apenas se importava com Darcy. Seria algo mais? E
como isso era possível? Não só por considerar seu estado etéreo, mas também
pelo fato de que mal a conhecia. Quando vivo, se importara com Sarah e com
todas as mulheres da casa. Mas nunca experimentara uma atração tão grande
como a que sentia agora por Darcy Flynn.
Esse sentimento era algo novo para Jonathan. Com certeza devia estar
imaginando essas sensações. Ele era um fantasma, e um fantasma não podia
sentir as emoções dos vivos. Ou podia?
Bem, certamente ele podia.
Ouviu vozes de alguém se aproximando do quarto.
— Vamos colocar as malas dentro do quarto, mas sem nenhum barulho —
Sarah sussurrou a alguém no corredor.
— Ela dormiu? — Clancy perguntou baixinho.
— Ah, sim. Finalmente, pobrezinha.
Era Sarah, a garota que desejava aprender a ler e escrever seu nome, que
sorria agora para Darcy. E Jonathan estivera determinado a ensiná-la, e essa
determinação lhe dera um propósito, uma retomada de entusiasmo pela vida.
Mas a faca atingira sua garganta e lhe tirara a chance de ver a paz e a
alegria inundarem-lhe novamente a existência.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO III

Wade Dunstan suspirou de prazer ao deslizar seu enorme corpo dentro de


uma banheira com água quente. Depois de três semanas no meio de trilhas e
estradas poeirentas, ele não tinha certeza se estava mais cansado do que sujo.
Sorriu ao considerar as duas possibilidades. Devia estar mais sujo do que
cansado, concluiu, afundando por completo na banheira. Chegara por engano a
este lugar de nome Paradise, Utah. Levara seu cavalo, igualmente sujo e cansado,
até o ferreiro, pedindo-lhe que lhe desse comida, água e um banho, se possível. 0
ferreiro olhara o pobre animal e concordara prontamente. Wade localizara um
hotel, mas antes de se apresentar lá, entrara em um estabelecimento que
anunciava cortes de cabelo, de barba e banho.
A poeira e o suor que pareciam grudados na pele de Wade tingiram a água
quente de marrom, antes mesmo que ele ensaboasse o corpo.
Sem vacilar, enfiou a cabeça na água e esfregou-a com espuma de sabão. O
cabelo emplastado de sujeira parecia resistir a essa faxina, mas, depois de algum
tempo, Wade deu-se por satisfeito e começou a esfregar uma bucha na pele.
Os olhos ardiam devido ao sabão que entrara neles. Wade praguejou. Pegou
um balde com água limpa e quente que se encontrava ao lado da banheira e
jogou sobre a cabeça.
Foi um alívio. Sentiu-se limpo novamente.
Descansou as costas na banheira e relaxou.
Foi quando ouviu vozes vindas do salão do barbeiro.
— Ouvi dizer que a moça que acabou de chegar ao Last Ditch fica mais do
que feliz em satisfazer os fregueses.
Meio sonolento, Wade começou a prestar atenção ao que os homens diziam
na sala ao lado.
— Não diga! —Ele ouviu um deles comentar.
— Eu ouvi a mesma coisa — falou um outro. — Um sujeito me contou que fez
com ela o que as outras mulheres não deixam fazer.
Wade começou a se irritar porque aquela conversa o estava excitando. Bem,
ele era homem, e isso acontecia. Mesmo assim, desde que Mary morrera, decidira
enterrar com ela seus desejos carnais.
A conversa entre os homens continuava.
— E quem é esse sujeito?
— Um estranho. Disse que fez o que quis. Deixou a moça arrebentada.
Maldição! Wade pensou. Podia ser um dos homens que atacara Mary. De
repente, sentiu-se frio como uma pedra.
Fechou os olhos e cerrou os dentes para não chorar diante da avalanche de
dor e fúria que o invadia.
Seria coincidência ou estaria perto dali um dos homens que ele perseguia?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Saiu da banheira e secou-se. Procurou roupas limpas dentro da sacola e
vestiu-se. Ensacou as roupas sujas, verificou se seu dinheiro estava bem
guardado em um dos bolsos da sacola e contou algumas moedas para pagar o
banho.
No salão de barbear, estava apenas o barbeiro. Os homens que conversavam
havia pouco já tinham saído.
— Sente-se melhor depois do banho? — o barbeiro perguntou, erguendo os
olhos do jornal.
— Muito melhor — Wade respondeu. — Agora preciso de um corte de cabelo.
— Passou a mão nos cabelos, que já estavam chegando a seus ombros.
— Claro. Pode se sentar naquela cadeira.
— Quanto vai ser?
— Cinco dólares.
— Diabo! Com esse dinheiro eu arranjo uma mulher.
— Arranja mesmo — o barbeiro concordou abrindo um sorriso. — Mas por
esses cinco dólares eu lhe faço a barba, incluo o banho e ainda mando minha
mulher lavar suas roupas sujas.
Wade reconhecia uma barganha quando alguém lhe oferecia uma.
— Concordo com o preço, então. — Jogou no chão as roupas sujas, a sacola
e o chapéu.
Enquanto era barbeado, Wade escutou tudo o que vinha acontecendo na
cidade. Harry, o barbeiro, só não falou do assunto que interessava mais a Wade:
quem era o homem que andava assustando as mulheres dali.
— Há mais alguma coisa que eu possa fazer para você? — Harry perguntou
ao dar o trabalho por encerrado.
— Ah, sim. Gostaria de saber onde posso encontrar uma refeição decente e
uma mulher bem fogosa. Como é mesmo o nome daquela a quem os homens se
referiam havia pouco?
— Maybell. E ela trabalha no Last Ditch. Lá, você come bem e se diverte.
— Eles servem refeições?
— Preparam o melhor bife da cidade — o barbeiro garantiu Não dá para
errar o caminho. Fica na esquina, do outro lado da rua.
Wade pagou pelo serviço, colocou o chapéu, pegou a sacola e entregou as
roupas sujas a Harry.
— Quando ficam prontas?
— Pode vir pegá-las amanhã depois do almoço.
— Combinado. — Wade saiu da barbearia e apertou os olhos para se
defender dos raios do sol. Observou o movimento da rua. Algumas pessoas
estavam a pé, outras a cavalo. Por vezes, passava uma carroça. A cidade parecia
daquelas de futuro incerto. No mínimo, acabaria sumindo do mapa.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Bem, isso não o perturbava, já que não pretendia se estabelecer ali. Tudo o
que pretendia eram informações, alguma comida e umas doze horas de sono
ininterrupto.
Mas em que ordem? Se fosse primeiro ao hotel e se atirasse na cama, não
acordaria tão cedo. Mesmo assim, queria se livrar da pesada sacola. Passou no
ferreiro e pegou seu cavalo, que agora estava com um aspecto bem melhor.
O hotel ficava na mesma rua, a uma pequena distância de onde Wade se
encontrava. Amarrou o seu cavalo bem em frente, aliviando-o da sela.
— Boa tarde, senhor. — O recepcionista do hotel usava óculos sobre o nariz
e um uniforme bem passado.
— Boa tarde. Preciso de um quarto particular e de um lugar no estábulo
para o meu cavalo.
— Certamente, senhor. — O recepcionista apontou para o livro de registros.
— Se o senhor assinar o seu nome, ou deixar a sua marca, vou providenciar
alguém que se encarregue do seu cavalo.
— Eu lhe agradeço por isso. — Wade assinou seu nome no livro de registro e
acrescentou ao lado o título de delegado dos Estados Unidos.
— O senhor está à procura de alguém aqui em Paradise, delegado? — o
recepcionista perguntou depois de ler o que Wade escrevera. O homem parecia
intranqüilo.
— Estou apenas de passagem.
— Ah, isso é bom — o recepcionista deixou escapar. — Quero dizer, espero
que o senhor aproveite a sua estada entre nós, delegado. — Pegou uma chave que
estava pendurada na parede atrás dele e sorriu para Wade. — Se o senhor me
acompanhar, delegado, vou levá-lo ao seu quarto.
Wade escondeu um sorriso, sabendo que não era costume o recepcionista
levar o hóspede até o quarto, e sim meramente lhe entregar a chave e indicar a
direção a seguir.
O quarto não era grande coisa, mas, pelo menos, ficava na ala dos fundos,
livre do barulho da rua. Além disso, encontrava-se igualmente distanciado do
estábulo. Havia uma pequena janela sem cortina, mesmo assim, lá dentro reinava
a penumbra.
A mobília era velha, gasta e esparsa. Além da cama, havia um armário com
algumas gavetas, uma pia em um dos cantos e uma cadeira. Mas o quarto estava
limpo e as roupas da cama pareciam terem sido lavadas. Wade não esperava
nada mais do que isso, Na verdade, os lençóis limpos chegavam a ser uma
agradável surpresa.
Depois de acomodar as sacolas debaixo da cama, ele saiu do quarto, fechou
a porta e tomou o caminho da rua. Começava a escurecer, o que escondia um
pouco a feiúra da cidade. Passou por algumas senhoras e fez um gesto de
cortesia com o chapéu.
Chegou finalmente ao seu destino: a casa de prazeres da cidade. Esta não
era maior que as outras construções e em nada elegante. Para Wade, a casa se
parecia exatamente com o que era: urna combinação de saloon com bordel. A

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
única coisa que diferenciava o lugar da maioria dos saloons era a sólida porta da
entrada, que substituía as costumeiras portas de vaivém.
O ambiente lá dentro não chegava a ser mais atraente. Atrás do bar havia
um quadro enorme ostentando uma mulher nua e, pendurados no teto, globos
com luzes vermelhas. Mas o bife e as batatas que serviram a Wade estavam como
o barbeiro prometera: uma delícia.
Depois de saborear a refeição, ele esvaziou uma caneca de cerveja e, após
empurrar a cadeira um pouco mais para trás, começou a observar o movimento
do saloon mal iluminado. Quando Wade entrara ali, havia apenas alguns clientes,
mas agora o lugar começava a se encher com a chegada da noite.
Enquanto comia, ele observara algumas mulheres escoltarem homens pela
escada estreita até o andar de cima. Agora, ao tornar sua cerveja observou que
dois dos casais retomavam ao andar de baixo. Conseguiu chamar a atenção de
uma das mulheres e inclinou a cabeça em convite silencioso para que ela viesse
até a mesa dele. Não demorou e a mulher largou as pessoas com quem
conversava e sei aproximou de Wade.
— Procura companhia, caubói?
— Claro. Posso lhe pagar uma bebida?
— Ah sim. Vou buscá-la, caubói. O que vai preferir, uísque ou outra cerveja?
— Cerveja. Mas também vou querer outras coisas...
A mulher apenas sorriu pensando entender o que Wade queria. Virou se e
caminhou até o bar, gingando em seu vestido verde brilhante.
De longe, Wade observou a moça enquanto ela voltava à mesa carregando
uma caneca com cerveja e um copo com uísque. Pela aparência, ele lhe daria não
mais que dezenove anos, no máximo vinte. Devido à sua profissão, não demoraria
muito tempo para a garota aparentar muito mais idade do que na verdade tinha.
Essa conclusão o entristeceu. Nos anos em que vivera perseguindo os fora-
da-lei, Wade aprendera a conhecer as pessoas. Sabia que tipo de vida a maioria
das mulheres de saloons levavam. Longe das famílias e sem um homem que
cuidasse delas, enfrentavam problemas muito maiores do que as pessoas podiam
imaginar.
— Qual é o seu nome? — a moça perguntou, colocando os copos sobre a
mesa e sentando-se.
— Wade Dunstan. E você?
— Maybell. — O sorriso dela era brilhante, porém falso e cínico. — Maybell
Smith.
— Brindemos a dias melhores. — Wade ergueu o copo em um brinde.
— E por noites a vir?
— Depende do que as noites venham a custar a um homem.
— Cinco dólares. — A voz de Maybell era firme e deixava claro que não
admitiria pechincha. Aquele era o preço, e ela aceitaria menos.
Wade não conseguiu esconder um sorriso. Tudo naquela cidade custava
cinco dólares.

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— Bem, podemos subir quando você estiver pronta.
— Eu só aceito moedas — ela observou. — Não quero dinheiro de papel.
— Não a culpo por isso. Não deve mesmo se arriscar a receber dinheiro falso.
Pois eu lhe pago em moedas.
— Bem, então termine a sua bebida, Wade Dunstan. — Maybell tomou
rapidamente seu uísque. — Tempo é dinheiro, e a noite nem bem começou.
Sem se importar com a cerveja, Wade largou o copo ainda cheio.
— Então podemos ir — disse, levantou-se e seguiu Maybell. Enquanto subia
as escadas, lembrou-se de que havia muito tempo não procurava uma prostituta.
O quarto de Maybell não era maior do que aquele em que Wade ocupava no
hotel da cidade. Só que não tão limpo. Havia alguns toques femininos no
ambiente, como a penteadeira, onde estavam perfumes, escovas de cabelo e
produtos de maquiagem.
Maybell tinha falado sério quando se referira a tempo e dinheiro. Nem bem
entrou no quarto, começou a desabotoar o vestido.
— Não se dê a esse trabalho — Wade observou. — Não precisa se despir.
— O que tem em mente, caubói? — Maybell suspirou e lhe dirigiu um olhar
um pouco apreensivo.
— Eu não pretendo nada. Tudo o que quero são informações.
— E me fez perder tempo vindo aqui em cima só para conversar?! — a jovem
exclamou, agora com raiva. Antes que Wade respondesse, ela continuou falando:
— Olhe, cara, eu não sou sua mãe. Se você está precisando de alguém para
conversar, procure o pastor. — Dirigiu-lhe um olhar de desgosto e caminhou até
a porta.
Wade barrou-lhe a saída com seu enorme corpo. Enfiou a mão um dos
bolsos e tirou dele seu distintivo de delegado.
— Muito bem, então é um delegado. E daí?
— Estou procurando um homem que me disseram ter estado com você.
Maybell olhou-o, subitamente interessada.
— E o tal homem que você está caçando tem um nome?
— Provavelmente. Só que eu não sei qual é. — Wade conseguira alguns
nomes quando encontrara um dos estupradores de Mary. Antes de morrer, o
sujeito falara tudo o que sabia, mas os nomes que dera deviam ser falsos.
— Isso vai ser de muita ajuda — ironizou Maybell. — Pode pelo menos
descrever o sujeito?
— Altura mediana, corpulento, cabelos e olhos castanhos e...
— Acaba de descrever metade dos homens que passaram por aqui! —
Maybell exclamou, exasperada.
— Também me disseram que ele tem uma cicatriz bem grande nas costas da
mão direita — Wade prosseguiu com calma, como se não tivesse sido
interrompido. — E ele costuma andar com uma faca.
A jovem ficara alerta desde que Wade mencionara a cicatriz.

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— Por que não falou logo da cicatriz? Pois, na semana passada, eu estive
com um homem com uma cicatriz horrível na mão direita. — Maybell torceu os
lábios. — O miserável fez o que quis de mim e me deixou tão machucada que tive
hemorragia e não pude trabalhar por uns dois dias.
Wade sentiu um calafrio.
— Parece ser o meu homem — ele murmurou com voz fria como gelo. — Ele
disse como se chamava ou para onde ia?
— Falou que se chamava Jack Pritchart e que estava a caminho de
Promontory.
— Esse é o meu homem. — A voz de Wade soou ainda mais fria e cheia de
determinação. Um dos quatro sujeitos que haviam abusado de Mary e depois a
assassinado dissera a Wade que o nome de um dos companheiros dele era John
Price e que estava indo para Promontory.
Wade sabia que os bandidos muitas vezes trocam de noite, porém mantêm
as mesmas iniciais. Assim, um John Price poderia agora se chamar Jack
Pritchart. E o assassino se recordaria mais facilmente do novo nome bastando se
lembrar que suas iniciais eram JP.
O sorriso de Maybell deixava claro que ela queria vingança, — Por que está
atrás desse homem, delegado? O que ele fez?
— Ele é um dos quatro homens que estupraram e mataram uma mulher —
Wade respondeu com amargura.
— Não me surpreendo que ele tenha feito isso. Aquele bastardo é capaz das
maiores crueldades. — Os olhos de Maybell brilharam de ódio. — O que vai fazer
quando o encontrar, delegado?
O sorriso de Wade não era nada agradável.
— Vou matá-lo — respondeu simplesmente.
— Bom, isso é bom. Só lamento não estar perto para assistir à morte
daquele miserável.
Wade procurou moedas em seu bolso e as estendeu a Maybell,
— Não precisa me pagar, delegado. Desta vez o prazer foi meu. Na verdade,
eu é que deveria lhe pagar por me vingar daquele sujeito.
Wade sorriu. John Price ou Jack Pritchart ou sabe-se lá qual seu verdadeiro
nome fizera uma bobagem em abusar de uma mulher vingativa como Maybell.
— Fique com o dinheiro — ele insistiu. — Afinal, como você bem disse,
tempo é dinheiro, e eu gastei algum tempo seu.
Maybell aceitou as moedas com certa indecisão. Começou a observar Wade e
o achou bastante atraente. Afinal, era um homem alto, de corpo musculoso e
rosto atraente.
— Tem certeza de que não quer algo extra pelo dinheiro que gastou? — ela
perguntou com interesse. — Terei satisfação em atendê-lo, delegado.
Wade meneou a cabeça, perguntando a si mesmo por que não aceitava a
oferta da moça. Mas ninguém podia substituir Mary, nem por um instante. Não
estava interessado em mulheres. O que precisava era descansar, dormir um

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pouco e vingar-se. Além do mais Maybell era a mulher errada para ele. Só queria
Mary e nunca mais a teria.
— Agradeço o seu oferecimento — ele disse — Mas não vou aceitá-lo. Preciso
ir andando. Obrigado pelas informações, senhorita.
Menos de uma hora depois, Wade estava deitado na cama do quarto do
hotel, seus músculos cansados demais para relaxarem. Assim, ele continuava
tenso e não conseguia desfrutar o descanso de que tanto necessitava. E logo uma
imagem surgiu em sua mente.
— Mary — Wade murmurou, sentindo seus olhos ficarem molhados de
lágrimas.
Desesperado, procurou pensar em algo menos doloroso.
Dinheiro. Iria pensar em dinheiro. A quantia que trouxera daria para toda
esta jornada de perseguição? Fez cálculos. Tinha de comprar mantimentos para a
etapa seguinte da viagem. Talvez precisasse fazer alguma economia. E gastara
cinco dólares com Maybell!
Mas não lamentou esse dinheiro. Conseguira boas informações com a moça.
E para o que precisava fazer, seu dinheiro daria. Virou-se na cama e adormeceu.

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CAPÍTULO IV

Darcy acordou com os primeiros raios de sol entrando pela janela de seu
quarto. Sentiu-se outra depois das longas horas de sono. Agora gostaria de poder
comer alguma coisa. Estava com fome.
Levantou-se e sentou-se na cama, espreguiçando-se. Foi quando viu o
espectro na mesma posição em que estivera horas antes. Ele lhe sorria confiante,
como se ali fosse um lugar de sua propriedade.
— Dormiu bem? — O fantasma moveu o corpo para outro local do quarto em
questão de segundos. Naturalmente, seu corpo era bem leve e flutuava.
Darcy engoliu a seco várias vezes antes de conseguir falar.
— Dormi — respondeu por fim. — Obrigado por se preocupar comigo.
— A senhorita continua achando difícil ter de conviver comigo, não é?
— O senhor parece estar vivo. — A voz de Darcy saiu trêmula. — Porém não
está, já sei disso. Tinha esperança de que tudo não passasse de fruto da minha
imaginação cansada.
— Verdade? Mas eu me sinto como se estivesse vivo. Bem sou real no
sentido metafísico. — Jonathan sorriu. — Sabe que estou achando interessante
aprender quais são os meus limites?
— Limites? — ela perguntou com voz fina. — Fantasmas têm limites?
— Hum... Bem, eu me refiro a descobrir até aonde posso ir, o que posso fazer
e sentir. Por exemplo, já sei que não posso comer, mas isso não importa, porque
não sinto fome. Posso falar diretamente com uma pessoa e até ler os
pensamentos dela. Isto é, mentalmente.
— Oh!
— Não precisa ficar preocupada. Eu disse que posso ler os seus
pensamentos, mas isso não significa que vou me atrever a tanto. Só se a
senhorita me autorizar. — Os olhos de Jonathan tinham um brilho diferente,
vindo talvez de outra dimensão. — Todas as informações do plano físico são como
um livro aberto para mim. Basta simplesmente olhar nas páginas da vida. Bem,
não tenho todas as respostas nem conheço todas as regras. Mas uma coisa que
eu sei é que estou aqui. Estou mesmo. É isso que a senhorita queria saber com
sua pergunta de agora há pouco?
— Ah, sim. — Darcy molhou os lábios com a ponta da língua. — Então não
estou imaginando coisas? O senhor é mesmo um fantasma?
— Sou. Mas não se preocupe comigo. Não vou machucá-la, a senhorita sabe
disso, não é? E caso ainda não tenha percebido, eu não tenho corpo. Não posso
machucar ninguém.
Darcy lembrou-se do dia anterior, quando desmaiara diante do fantasma.
— Lamento discordar. Temo que seja capaz de fazer grandes danos. O
senhor pode levar uma pessoa à morte. De susto, naturalmente.
Jonathan riu, e sua risada possuía um som maravilhoso.

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— Se eu a tivesse levado à morte, agora a senhorita estaria aqui comigo, ao
meu lado. Em vez disso, aí está em um corpo sólido e encantador.
Ela enrubesceu com o comentário dele. Porém não estava ofendida. O rubor
era de prazer. De repente, Darcy se deu conta de como estava vestida. Ou melhor,
de que se encontrava quase inteiramente despida.
— Oh, meu Deus! Nunca antes um homem me viu sem estar
convenientemente trajada. Por favor, agora saia para que eu possa vestir algumas
roupas.
— Farei isso. — Jonathan suspirou e começou a desaparecer — Com pesar.
Mas — ele ainda disse antes de sumir por completo — voltarei tão logo se vista.
Com essas palavras, ele sumiu.
Darcy arregalou os olhos, desconfiada. Examinou o aposento procurando por
algum sinal que denotasse a presença de Jonathan Mas, naturalmente, não havia
nada. Ela sabia que não encontraria nada. Mesmo assim...
Ouviu uma leve batida na porta e sobressaltou-se.
— Quem é? — perguntou em uma voz nervosa.
— Sou eu, Dora — a cozinheira respondeu. — Vim ver se havia acordado e
informar que o café da manhã está pronto.
Darcy vestiu parte da roupa que usara no dia anterior e foi abrir a porta.
— Bom dia, Dora — cumprimentou-a com delicadeza. — Já acordei e, na
verdade, estou com muita fome.
— Imaginei que estivesse. E bom dia para a senhorita. Dormiu bem?
— Muito bem. Vou tomar um banho rápido e descerei em seguida.
— Não precisa esperar tanto para comer, senhorita.
— Mas eu não posso aparecer lá embaixo sem estar convenientemente
vestida, não acha?
— Basta vestir um roupão, srta. Flynn. As outras moças fazem isso.
— Pois quero que se lembre, Dora, de que não sou uma das moças da casa
— Darcy disse em tom seco.
— Não me esqueci disso, senhorita. Basta olhá-la para saber que não é como
elas. É uma moça educada e fina. E inteligente, como bem dizia mãe.
Obrigada, Dora sua. — Darcy nunca sabia bem como agir quando era
elogiada. Assim, apenas sorriu para a cozinheira.
— Pois nem precisa descer para tomar o seu café da manhã. Estava
pensando em lhe trazer uma bandeja cheia de coisinhas gostosas.
— Ora, obrigada, Dora. — Darcy se sentiu positivamente paparicada. Nunca
lhe haviam servido café no quarto. — É muita delicadeza de sua parte.
— Pois não é nada a mais do que eu fazia à sua querida mãe, que Deus faça
descansar sua boa alma. — Dora piscou rapidamente os olhos, que pareciam a
ponto de se encher de lágrimas. — Disfarçando, virou-se e falou em voz bem alta:
— Clancy pode entrar pela porta que dá para o cômodo ao lado e ir enchendo a

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banheira, enquanto a senhorita toma o seu café. Você já transportou a banheira
para o quarto de vestir, não é'?
— Sim, Dora — o sr. Dugan respondeu a uma certa distância.
— Existe outra porta? — Darcy estremeceu. Não havia notado que havia
outra porta que dava acesso ao quarto de vestir. — Há outra porta para este
quarto que não seja por onde eu entrei? — perguntou, procurando se lembrar do
que vira no dia anterior.
— Há, sim, mas está meio escondida e nem todos a vêem — Dora
confidenciou. — Sua mãe gostava de manter a privacidade, a senhorita me
entende, não é?
— Pois você deve me mostrar onde ela está.
— Terei prazer em fazer isso, mas vamos deixar para mais tarde — Dora
prometeu, virando-se para sair do quarto. — Primeiro vou descer e pegar o seu
café da manhã e verificar se Clancy está seguindo as minhas ordens.
Logo depois, Darcy deparou-se com uma visão maravilhosa para todo aquele
que estivesse faminto. A refeição que Dora trouxera era abundante e deliciosa.
Pãezinhos e café aromático servido em um bule de prata. Claro que qualquer um
acharia toda refeição deliciosa se estivesse sem comer por vinte e quatro horas.
Mesmo assim, o que a cozinheira preparara era de fato gostoso, e Darcy a elogiou
logo que Dora voltou para pegar a bandeja de volta.
Satisfeita com o elogio da nova patroa, Dora começou a desfazer as malas
enquanto Darcy aproveitava as delícias de um banho quente perfumado com
aroma de flores que ela escolhera um armarinho perto da banheira.
— A maioria das roupas precisa ser passada — Dora foi logo dizendo quando
Darcy voltou ao quarto trazendo na pele o fume de rosas.
— Hum... — Darcy respondeu, sem prestar muita atenção ao que a
cozinheira lhe dizia.
— Separei o que a senhorita pode usar agora. — Dora apontou para as
roupas íntimas e para um vestido que estendera sobre a cama.
— Obrigada, Dora. — Darcy sorriu, agradecida. — Há alguma lavanderia por
perto onde eu possa mandar as minhas roupas?
— Lavanderia?! — A cozinheira pareceu chocada. — Não confiaria a ninguém
os seus bonitos trajes. Eu mesma vou cuidar deles, do mesmo jeito que fazia com
a roupa de sua mãe.
— Você está me mimando, Dora — Darcy alertou a boa mulher. — Assim
como suspeito de que tenha feito com minha mãe. — Mas não estou achando isso
ruim. Muito pelo contrário. Receio lhe confessar que vou adorar ser mimada por
você.
Sorrindo, Dora fez uma pilha com as roupas amassadas e a foi carregando
para fora do quarto.
— A senhorita merece ser mimada, depois do que teve de passar
ultimamente. Agora, srta. Flynn, não se preocupe com nada. Quando estiver
pronta, uma de nós lhe mostrará a casa.

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A casa. A palavra, com suas conotações todas, ecoou na mente de Darcy e
ela ficou olhando para a porta mesmo depois que Dora a fechara e se afastara
dali.
— A senhorita está maravilhosa nesse traje, mesmo com todo o amassado
que Dora não conseguiu alisar. A cor verde lhe fica muito hem, mas... —
Jonathan arqueou uma sobrancelha, curioso. — O que foi? Está se sentindo mal?
— Deus do Céu! — Darcy exclamou, olhando, aborrecida, para o espectro,
agora sentado exatamente na cadeira onde ela estivera ao tomar o café da
manhã. — Estou começando a me convencer de que o senhor está tentando me
assustar a ponto de me levar à morte. Ontem, disse-me o seu sobrenome, não
foi? É Stuart?
— Correto. — Jonathan sorriu para ela. — Bem, mesmo estando morto, eu
ainda posso usar o meu antigo sobrenome, não acha?
— Creio que sim. Então, sr. Stuart, está tentando me assustar com essas
aparições e desaparecimentos?
— De modo algum. — O tom da voz de Jonathan era solene. — Não se
lembra de que eu a avisei de que voltaria tão logo estivesse apropriadamente
vestida? — O olhar dele era sério. — Permita-me dizer que não só está
apropriadamente vestida, como muito bem vestida.
Mais uma pessoa a elogiava. Havia pouco tinha sido Dora, agora até o
espectro procurava fazê-la se sentir bem.
— Obrigada, sr. Stuart.
— A senhorita ficou vermelha. Penso que não recebe muitos elogios, é isso?
— Bem, na verdade não costumo... — Darcy interrompeu o que ia dizendo,
sentindo-se repentinamente confusa. — Estou enganada ou o senhor consegue
ler as minhas reações? — E posso lhe perguntar onde estava quando eu tomava
banho e me vestia? Estava invisível por aqui?
— Não, claro que não. — Jonathan parecia ofendido com a suspeita de
Darcy. — Poderia ter estado, mas não estive.
Ela soltou um suspiro de alívio. Não sabia, porém, se devia ou não acreditar
nele. Mas acreditou. — Obrigada por essa sua consideração, sr. Stuart.
— Chame-me de Jonathan, por favor — ele lhe pediu. — E posso chamá-la
de Darcy?
— Mas eu mal o conheço!
Quando percebeu o que dissera, ela começou a rir. Queria ser tratada
formalmente por um fantasma? Afinal, pensava estar na escola da srta. Reinholt?
Jonathan devia ter pensado a mesma coisa, pois caiu em uma gargalhada.
E ele tinha todo o direito de rir, Darcy pensou.
De repente, percebeu como sua vida mudara. Passara do austero colégio de
Filadélfia para uma casa de prazeres em Denver. Se não bastasse isso, agora
falava com naturalidade com um espectro, um fantasma que possuía o poder de
ir e vir no momento que tivesse vontade.

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— Não fique assim tão constrangida. — Jonathan sorriu-lhe com ternura. —
Com o tempo você vai acabar se acostumando comigo e com essa nossa situação
estranha.
— Situação? A que situação se refere?
— Ora, você e eu, naturalmente. Juntos... aqui. — Ele fez um gesto com a
mão para indicar o quarto ou a casa inteira.
— O senhor... você tem a intenção de ficar... aqui?
— É claro — a pronta resposta de Jonathan significava que isso era óbvio. —
É porque me recusei a ir para onde me mandaram.
Em vez de esclarecer melhor o que Jonathan queria dizer, sua resposta
acabou confundindo mais o pensamento de Darcy.
— Recusou-se a ir? Mandaram você para algum lugar? Não estou
entendendo nada.
— Não, é claro que não está. Venha, sente-se aqui. — Ele apontou uma
cadeira confortável perto da janela. — Vou tentar explicar o melhor que puder.
Darcy hesitou apenas por um momento. Depois, aproximou-se O da cadeira
que Jonathan indicara e se sentou como uma dama deveria se sentar, com as
costas retas, joelhos juntos e mãos pousadas no colo.
— Tão formal e tão séria. — Jonathan controlava-se para não rir novamente.
— Por que não relaxa um pouco?
— A srta. Reinholt não aprovaria.
— Srta. Reinholt?
— Refiro-me à diretora do colégio interno de Filadélfia, onde vivi por
dezenove anos, primeiro como estudante e nos últimos tempos como professora.
— Ah... Você é uma professora. — A voz de Jonathan demonstrava toda a
sua admiração.
— Sim. Pelo menos eu era professora até receber a carta do advogado de
minha mãe chamando-me com urgência até aqui em Denver.
— Aposto como você nunca imaginou que chegaria a uma casa como esta.
— Certamente que não! Tudo o que esperava encontrar era mamãe doente,
ainda viva. Nem imaginei o que ela fazia. — Darcy pareceu perder-se em
lembranças.
— Por que não me fala sobre o que a está atormentando? — Jonathan
sugeriu. — Às vezes, falar ajuda.
Até aquele momento, Darcy não tivera consciência de que precisava de um
confidente, alguém que a escutasse e fosse solidário com ela. Ainda assim, ficou
indecisa.
— Não vê que sou a pessoa mais indicada para escutar as suas
confidências? Sou um fantasma, esqueceu-se disso? Uma mera sombra do
homem que um dia fui. Não vai encontrar ninguém melhor, reconheça isso.
Ele estava certo. Quem melhor para ouvir suas mágoas do que seu
inesperado visitante? Se a srta. Reinholt estivesse por perto, Darcy não hesitaria
em procurá-la. Mas a srta. Reinholt se encontrava a uma enorme distância dali.

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Darcy estava sozinha e se sentia perdida. E nem sequer pensaria em confidenciar
a uma das garotas de sua mãe.
— Darcy?
A voz de Jonathan tirou-a do clima de depressão em que ela começara a se
envolver. Assim, em tom austero, Darcy contou-lhe de como era sua vida no
colégio até a chegada da carta do dr. Mansford. Somente quando chegou à parte
referente aos acontecimentos que se seguiram à sua chegada a Denver é que a
emoção tomou conta de sua voz, revelando o choque que Darcy tivera ao
encontrar a mãe morta e de descobrir o que ela fazia. E mais, o choque de saber
que herdara uma casa de má fama.
— Como era a sua vida antes de sua mãe colocá-la no colégio interno, lá em
Filadélfia? — Jonathan perguntou.
— Eu era feliz. — A expressão no rosto de Darcy se suavizou e seus olhos
pareceram sonhadores. — Eu era muito nova e lembro-me muito pouco daqueles
tempos.
— Você morou em Nova Orleans?
— Morei. Lembro-me de uma pequena casa e de um jardim: cheio de flores.
Tenho lembranças bem vívidas de minha mãe naquela época, tão jovem, bonita e
alegre. Ela atraía as pessoas com o seu jeito de ser.
— Sua mãe tinha muitos amigos?
— Ah, sim. A casa estava sempre cheia de senhoras bonitas, conversando e
rindo enquanto seguravam suas xícaras... — Darcy parou por um momento e
suspirou profundamente. — Acredito que tomavam chá.
— Hum... Chá. Sim, com certeza. E quanto a seu pai?
— Meu pai? Mal o conheci. — Essas lembranças pareciam entristecê-la. —
Era um homem muito bonito e charmoso. — Agora os olhos de Darcy começavam
a ficar molhados de lágrimas, mas ela não se importou. Nem mesmo olhava para
Jonathan, apenas ia falando. E era como se naquele momento estivesse ao lado
do pai, a quem ela adorara. — Quando ele estava lá, a casa parecia ficar mais
bonita, mais alegre e viva. Meu pai adorava rir... e nos fazia rir também. — Darcy
mordeu o lábio, antes de continuar: — Aí mamãe me entregou à srta. Reinholt, e
nunca mais vi meu pai.
— Ele morreu? — Jonathan indagou.
— Deve ter morrido. Mamãe nunca mencionou o nome dele depois de eu ser
mandada para a escola. Não sei bem por que ela agiu assim.
A expressão no rosto de Jonathan era enigmática.
— Estranha morte, não acha?
—Não necessariamente — Darcy respondeu. — Eu tinha apenas seis anos
quando mamãe me colocou na escola. Sabendo que eu amava meu pai, minha
mãe possivelmente pensou que era melhor não falar sobre ele do que me contar
da sua morte. — Darcy percebeu que desejava acreditar nessa versão.
Inquieta agora com as dúvidas que as lembranças lhe haviam trazido, ela
levantou-se e caminhou pela sala.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
O que havia acontecido de fato com seu pai? Essa pergunta sempre a
atormentara e continuava atormentando-a agora. Assim, resolveu afastá-la de
sua mente, pelo menos naquele momento.
— E quanto a você? Como era a sua vida? E como foi acontecer... — Darcy
hesitou, porém conseguiu terminar sua frase — ...Como você morreu? — Sentiu-
se toda atrapalhada. — Quero dizer, como acabou aparecendo por aqui nesta
casa de...
Interrompeu o que ia dizendo por que ouviu vozes altas na entrada da casa.
Parecia que um homem e uma mulher estavam discutindo.
Darcy correu até a janela e viu um homem querendo forçar sua entrada na
casa.
— Pois eu digo que vou entrar! — o estranho disse.
— O que está acontecendo? Onde foi que Clancy se meteu que não aparece
para falar com este homem?! — Darcy exclamou, decidida a descer e descobrir
pessoalmente o que ocorria. Estava se dirigindo à porta, quando Jonathan se
moveu tão rapidamente que no mesmo instante se encontrava ao lado dela.
— Preferiria que não fizesse isso — Darcy reclamou. — Fazer o quê?
— Você sabe perfeitamente a que me refiro. Começa a me irritar esse seu
vaivém. Ora você está em um lugar e imediatamente se move para outro. Isso me
confunde.
— Desculpe-me, mas é que me divirto aparecendo em lugares diferentes. —
Jonathan riu, o que a enervou ainda mais.
Bem, não iria ficar ali perdendo tempo quando alguma coisa de grave parecia
ocorrer na entrada de sua casa. Saiu do quarto feito um furacão e deu com Katie
subindo as escadas.
— Estava indo procurá-la — Katie foi dizendo.
— O que está acontecendo?
— Há um homem, um mineiro das minas de ouro, insistindo em entrar — a
moça explicou.
Darcy olhou para a porta lá embaixo e viu que Dora barrava a entrada a um
sujeito mal-encarado e furioso.
— Onde Clancy está que ainda não resolveu isso? — Darcy dominou-se para
não voltar correndo ao quarto e esconder-se. De repente, estava com medo.
— Essa é exatamente a pergunta que eu queria fazer — Jonathan disse em
voz alta.
Darcy olhou para Katie para ver se ela estava assustada com a aparição de
Jonathan, mas percebeu que a moça não via nem ouvia o espectro.
— Clancy saiu há uns quinze minutos — Katie informou. — Foi comprar
mantimentos na cidade.
Antes que Katie terminasse o que ia dizer, o homem conseguiu empurrar
Dora e entrou no hall.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Onde está La Rouge? — o indivíduo gritou. — Um homem cansado tem
direito a se divertir. La Rouge me prometeu que eu poderia ter Sarah — ele gritou,
olhando diretamente para a garota a quem se referia.
— Esse mineiro é um porco — Jonathan murmurou em um tom bravo e
desgostoso.
Darcy concordou plenamente com o comentário dele.
— Já lhe falei que a casa está fechada — Dora disse, tomada também pela
fúria.
— Pois não está fechada para mim! — o homem bradou, jogando no chão um
saco que trazia. — La Rouge me disse que eu teria Sarah no dia em que pudesse
mostrar a ela um saco cheio de ouro, e é o que eu estou trazendo aqui. Tenho
mais de mil dólares em ouro.
— Colleen nunca acreditou que este animal pudesse arranjar todo esse ouro.
Foi por isso que lhe prometeu Sarah — Katie sussurrou a Darcy.
— Pois vai ter de voltar mais tarde — Dora disse, esperando que Clancy
estivesse presente quando o homem voltasse.
— Não vou dar um passo antes de falar com La Rouge.
— La Rouge está morta.
Houve alguns instantes de silêncio quando se ouviu a voz fria de Darcy
anunciando a morte da mãe. O homem ergueu os olhos e a viu no meio das
escadas.
— Morta — ele repetiu. — Não acredito nisso.
— Pois pode acreditar no que quiser, senhor — Darcy retrucou. — Mas esta
casa está fechada, de luto pela... La Rouge.
— É isso? — O sujeito deu um passo em direção às escadas, forçando Darcy
a buscar em seu interior forças para não sair correndo. — E quem é você?
— Sou a filha de La Rouge. A casa agora é minha. E qual é o seu nome,
senhor?
— Meu nome? É... é Mason — ele anunciou evasivamente. — Robert Mason.
— Bem, sr. Mason... — Darcy escondeu uma expressão de nojo pelo homem.
— Agora que soube do acontecido, gostaria que saísse da minha casa.
— Posso assustá-lo aparecendo diante dele — Jonathan se ofereceu. —
Venho praticando essas minhas novas habilidades e posso fazer isso sem que os
outros me vejam. Vai fazê-lo sair correndo daqui.
— Fique quieto — Darcy sussurrou-lhe.
Jonathan riu, e Darcy quase se exasperou.
— Não vou sair — Mason estava dizendo naquele momento. — Esperei o
inverno e a primavera procurando ouro só para Sarah.
Darcy sentiu-se subitamente mal e em pânico. Continuar aparentando a
calma que não tinha estava ficando cada vez difícil.
— Sr. Mason, insisto que deixe esta casa imediatamente — ordenou em uma
voz que nem acreditava que fosse sua.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não antes de fazer o que vim fazer aqui — ele insistiu. Pegou seu saco
cheio de ouro e olhou com atenção para o corpo de Darcy. — Mas já não quero
Sarah. Eu quero é você.
Darcy sentiu que suas pernas fraquejavam e ficou com medo de desmaiar.
— Só se passar por cima do meu cadáver — Jonathan gritou.
— Não ouse falar desse jeito com a srta. Flynn! — Dora esbravejou. — E
trate de sumir daqui neste exato momento ou...
— O que pensa fazer? É você quem vai me fazer sair daqui? — Mason soltou
uma gargalhada repulsiva. — Vai ser você? — debochou, apontando para Dora.
— Não — Katie falou, levando a mão ao bolso e de lá tirando um revólver. —
Vai ser isto aqui que fará você se retirar da nossa casa — ela falou, apontando a
arma para o peito de Mason.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO V

— Sabia que devia haver mais de uma razão para eu gostar de Katie.
Levou mais de alguns instantes para Darcy registrar mentalmente o que
Jonathan dissera sobre Katie. Estava exausta demais devido às fortes emoções
que acabara de passar. Quando achou que entendera o significado das palavras
do espectro, apenas ficou olhando para ele, sem lhe dizer nada.
Depois da terrível cena que não apenas presenciara, mas da qual também
participara, Darcy havia entrado em seu quarto e se jogado em um elegante sofá,
sentindo-se fraca e nervosa. A paz voltara a reinar dentro da casa. O bruto que
ousara entrar ali já fora posto para fora graças a Katie e à arma que ela tirara do
bolso.
Estando agora já mais habituada com a presença de Jonathan, Darcy não
tinha se assustado quando ele fizera aquele comentário.
— Mais de uma razão para gostar de Katie? — O olhar de Darcy era de
reprovação. — Já tinha estado com ela... isto é, você a conhecia intimamente?
— Darcy... pense! — Jonathan exclamou, com um olhar critico. — Esta é, ou
pelo menos foi, uma casa mantida com um único propósito, o de oferecer prazer.
Seria perfeitamente normal se eu, de vez em quando, procurasse por prazer aqui.
— Então esteve com Katie. — A voz de Darcy soou como um sussurro.
— Sim. Porém entenda, por favor. Não digo isso para aborrecê-la ou chocá-
la, mas porque não consigo deixar de falar a verdade. Você perguntou, Darcy. Eu
tive de responder, e como não minto...
Por alguma razão não muito clara, ela sentiu-se ofendida e a ponto de chorar
ao ouvir Jonathan admitir que estivera com uma prostituta. Darcy sabia que
homens, mesmo os decentes e de boa reputação, por serem homens,
freqüentavam ocasionalmente essas casas de má fama, e ela aceitava esse fato.
Mas agora estava deixando que as emoções se sobrepusessem à razão. E
nem ela própria entendia esses seus sentimentos.
Por que deveria se importar se Jonathan tinha tido apetites sexuais?
Perguntou a si mesma. Reconheceu que se sentia chocada por ele não seguir
certos conceitos morais. Mas qual a lógica em se irritar com essa questão de
moralidade agora, quando Jonathan não mais existia no plano físico?
— Darcy, o que foi? Eu feri a sua sensibilidade?
— Não, claro que não — ela negou depressa demais, mentindo tanto para si
mesma como para Jonathan.
— Não? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Então, por que está me olhando
com essa expressão de censura?
E por que eu reajo assim? Darcy se questionou, perdida entre pensamentos
conflitantes que se embaralhavam em sua mente. Se era uma mulher inteligente,
como acreditava ser, por que experimentava aquela sensação de vazio?
A resposta estava perto da superfície de sua consciência, esperando para ser
reconhecida, se ela tivesse coragem para tanto.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Darcy, está se sentindo mal? — O tom da voz de Jonathan e sua
expressão demonstravam preocupação.
Ela sabia que lhe devia uma resposta, uma que fosse inventada ou mesmo
que revelasse seus verdadeiros sentimentos. Isso se pudesse encontrar a coragem
para examinar o que lhe passava pelo coração assim como por sua mente.
A srta. Reinholt sempre a incentivara a ser corajosa. Procurava exortar suas
alunas a terem força de caráter e a enfrentarem as situações, por mais difíceis
que fossem.
Assim, levada por tudo o que havia aprendido com a srta. Reinholt, Darcy
procurou a verdade dento de si mesma. O problema havia sido Katie. E o que a
aborrecia era o fato de Jonathan ter estado intimamente com Katie.
Mas o pior é que começava a considerar Jonathan algo que pertencia só a
ela, como se fosse seu espírito especial e particular.
Reconhecendo a causa de seu dilema interior, pelo menos parcialmente,
Darcy abriu a boca para contar a verdade a Jonathan, depois a fechou quando
chegou a uma outra conclusão que a deixou chocada.
Jonathan tinha admitido que, ocasionalmente, procurara prazer com Katie,
mas... teria ele feito o mesmo com La Rouge? Jonathan teria dormido com sua
mãe? Perguntou-se Darcy, agora completamente abalada.
Sem perceber, olhou para a cama, enquanto colocava as mãos sobre o
estômago, que agora doía.
— Minha... mãe... — ela balbuciou. — Você esteve nesta cama com minha
mãe?
— Não.
A resposta firme de Jonathan a aliviou imediatamente. A dor de estômago
desapareceu como por milagre. Voltou-lhe o sorriso nos lábios. Mais uma vez,
sem questionar, Darcy aceitara a palavra dele.
— Mas que diferença faria se eu tivesse tido o privilégio de receber a atenção
de sua mãe?
Como ela poderia responder a essa pergunta se mal conseguia explicar suas
reações?
Jonathan esperou pacientemente por alguns minutos enquanto Darcy
procurava, ela própria, uma resposta.
— Colleen e eu não estamos mais em um mundo confinado e controlado por
preconceitos e restrições — ele lhe lembrou. — As regras físicas não se aplicam
mais a nós. Ambos somos espíritos livres.
— Espíritos! — Darcy arregalou os olhos e olhou em volta. — Minha mãe
está aqui, em espírito? — Sem esperar pela resposta de Jonathan, ela se pôs a
vasculhar o quarto de vestir, a saleta de visitas, voltando ao quarto onde dormia e
chamando em voz chorosa o nome da mãe.
— Pare com isso, Darcy. Ela não está aqui.
— Não está aqui? Tem certeza?
— Sua mãe não está aqui — ele repetiu, usando uma voz meiga e cheia de
carinho. — Pelo menos, eu não a vejo.
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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Mas... — Darcy procurava parar o choro compulsivo. — Então, onde ela
está?
— Eu não sei — Jonathan admitiu, consternado. — Mas suponho que
Colleen esteja no reino da luz.
— Que luz? Que reino?
Ele apenas olhou para Darcy, sem lhe responder. A sensação que Jonathan
tivera antes ao lhe roçar o rosto voltou.
Estranho, ele pensou. A sensação era quase física. Mas como isso podia ser
possível se não estava mais na dimensão física?
Incapaz de encontrar as respostas que procurava, Jonathan dirigiu sua
atenção às perguntas de Darcy.
— Venha — ele disse, levando-a para a saleta de visitas. — Sente-se. —
Sorriu-lhe. — Vou tentar responder ao que você me perguntou. Explicar a minha
presença aqui. Pelo menos, vou tentar.
— Por que você está aqui? — Darcy indagou. — Quero dizer por que está
nesta casa?
— Oh, essa é uma pergunta fácil. Eu morri nesta casa.
— Você morreu aqui?! — ela exclamou. — Quando? Como?
— Recentemente. Na verdade, na mesma noite em que sua mãe faleceu.
Enquanto Colleen morria na sua cama, aqui neste quarto, eu fui assassinado lá
embaixo, no saloon.
— Assassinado?!
— Acidentalmente — Jonathan esclareceu. — A faca que penetrou na minha
garganta não era destinada a mim, e sim a outro homem.
— Você foi morto à faca?! Meu Deus, eu não posso ficar nesta casa.
— Mas ela é toda sua, agora. É sua responsabilidade — Jonathan lembrou-
a, fazendo um movimento com a mão, como se referindo a tudo na propriedade e
a todos que estavam lá dentro.
— Pois não me importo — Darcy retrucou. — Desde que cheguei a este...
lugar, só passei por desgostos, um após outro. Só fiquei sabendo da morte de
minha mãe quando desembarquei do trem. O dr. Mansford estava à minha espera
e me deu a notícia. Disse que me explicaria tudo depois. Ele me enfiou em uma
carruagem e me levou ao cemitério. Mas aquele não é o lugar onde as pessoas
decentes são enterradas, e sim um lugar desolado.
— Darcy — Jonathan tentou interrompê-la e acalmá-la. Ela, porém, estava
completamente descontrolada.
— Um solo que não é consagrado, um lugar horrível — Darcy gemeu. Então
fui trazida a esta casa, onde descobri no que minha mãe trabalhava. Fui
apresentada às empregadas dela. Prostitutas! E, se isso não bastasse, encontro o
quarto, onde vou ficar, habitado por um estranho que, no fim, venho a descobrir
que é um fantasma. É demais para mim.
— Pensei que você já tivesse aceitado esses fatos.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Aceitado! Aceitado! Posso aceitar a morte de minha mãe, até o lugar onde
ela foi enterrada. Sou capaz, com o tempo, de aceitar as circunstâncias desta
casa. E até você. Mas como vou aceitar o que aconteceu há pouco com aquele
homem horrível querendo entrar aqui à força, ou o fato de que você morreu na
mesma casa onde vou morar?
— Eu lhe expliquei que foi um acidente — Jonathan disse com voz suave,
esperando acalmá-la. — Poderia ter acontecido em qualquer lugar.
— Não, não. — Darcy meneou a cabeça, negando essa possibilidade. — Não
teria acontecido na escola da srta. Reinholt. Caminhou, decidida, para o quarto
de vestir.
No mesmo instante, Jonathan encontrava-se ao lado dela.
— O que pretende fazer? — ele perguntou, vendo-a tirar duas malas do
armário.
Darcy não se deu ao trabalho de olhar para Jonathan e começou a encher as
malas com suas roupas.
— Vou voltar a Filadélfia no primeiro trem disponível.
— Darcy, espere. Não faça isso. — Ao fazer esse pedido, Jonathan tocou no
ombro de Darcy e sentiu uma sensação de prazer. Tudo foi muito breve, mas
aconteceu.
Ficou parado por um momento. Já era a terceira vez que lhe aconteciam
essas coisas estranhas. Agora, precisava evitar que Darcy partisse. Teria de
convencê-la a aceitar a casa e ajudar as garotas.
— E o que vai fazer com a casa? — ele perguntou, ficando na frente dela
como se fosse um obstáculo.
— Esse é um assunto meu, Jonathan. Deixe que eu o resolva, por favor. E
pare de ficar no meu caminho, apesar de que acredito que nada vai adiantar. Não
foi você quem disse que não possui mais corpo? Posso muito bem passar por você
com as minhas malas e tudo o mais.
— Desculpe-me, é que eu queria chamar a sua atenção. Mas, diga-me: o que
vai fazer com a casa?
— Não posso ficar aqui. — Darcy voltou ao quarto e recolheu as roupas que
se encontravam sobre a cama. — Vou instruir o dr. Mansford a vender a
propriedade.
— Junto com as mulheres?
— Não se podem vender mulheres.
— Acha que não? — Jonathan sorriu levemente. — Talvez não, mas você
pode condená-las a uma vida de degradação.
— Eu? — ela protestou. — Não sou responsável pela situação em que elas
estão ou por terem escolhido essa profissão.
— Oh, Darcy, você acredita de fato que as pobres moças tiveram escolha?
— O que você quer dizer com isso? — Ela dirigiu-lhe um olhar de alerta,
como o avisando de que não a confundisse com seus argumentos.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Bem, veja Sarah, por exemplo. Ela mal fez dezesseis anos. Perdeu a mãe
no ano passado. A pobre mulher morreu de tanto trabalhar. — Jonathan
percebeu que Darcy o escutava com atenção. — O pai de Sarah era um bruto e
um bêbado — ele continuou. — Quando bebia demais, voltava para casa e
surrava a mulher e a filha.
— Oh, não!
Pela expressão de pesar que Jonathan viu no rosto de Darcy, sabia que ela
estava visualizando o drama da jovem Sarah. Satisfeito, prosseguiu:
— Mas isso não foi o pior. Mesmo apanhando, Sarah ainda tinha uma casa
onde ficar. Então, a mãe morreu. Poucos dias depois da morte da mulher, o pai
de Sarah levou outra mulher para a sua casa e jogou Sarah na rua, sem se
importar com o que aconteceria com a pobre menina.
— Meu Deus! — Darcy murmurou, sem perceber que estavam lhe
escorrendo lágrimas pelo rosto.
— Terrível, não é? — Jonathan concordou, enquanto continuava a revelar o
drama da garota. — Já que ela não tinha sido treinada para nenhuma profissão,
como ganharia a vida? — Ele não deu a Darcy nenhuma chance de responder. —
A pequena Sarah não tem nenhum estudo, você sabia? Ela não sabe ler nem
escrever.
— O quê? — Darcy reagiu exatamente como Jonathan esperava. — Não
existem escolas em Denver?
— Claro que existem. Mas isso não garante que todas as crianças estudem.
Um pai tem de querer mandar os filhos para a escola, e, no caso de Sarah, como
no de muitas outras crianças, o pai não mandou.
— E, agora, o que vai acontecer com Sarah?
Jonathan deu de ombros. Ele estava intencionalmente manipulando Darcy.
Sabia disso e não gostava do que fazia. Mas só assim poderia conseguir com que
ela mudasse de idéia e desistisse de partir.
— Minha mãe deixou uma quantia em dinheiro para cada uma das mulheres
que trabalhavam nesta casa. Assim, elas vão poder...
— Fazer o quê? Comprar uma casa como esta em uma cidade cheia de casas
de má fama?
— Mas não há mais nada que elas possam fazer? Nenhuma outra forma de
ocupação?
Darcy estava começando a se sentir cansada. Jonathan tinha de parar com
aquelas histórias e deixá-la descansar. Mas ele não podia, não depois que
desistira de seu destino.
— O que você sugere, Darcy?
— Elas não poderiam juntar o seu dinheiro e montar um negócio? Talvez
uma loja ou algo assim.
— Talvez Katie e uma ou duas das outras moças possam se arriscar nessa
aventura — Jonathan concedeu. — Mas, e as outras três ou quatro? Duvido que
consigam. Você vê, a história de Sarah não é diferente dos dramas das outras
moças. A maioria das prostitutas não escolhe a profissão. — O sorriso de

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Jonathan era gentil, porém triste. — Para ganhar a vida honestamente, a pessoa
precisa ter recebido uma certa educação.
— E o que eu posso fazer? — Darcy perguntou, desolada. — Não posso
dirigir um... um...
— Bordel? Não precisa fazer isso. Eu só não quero que você se precipite e
parta deixando as moças sem nenhuma chance de futuro.
— Mas não vejo saída e...
— Srta. Flynn? — A voz suave de Sarah foi seguida de um leve bater na
porta.
— Sim, Sarah, o que é? — Darcy atendeu, dirigindo a Jonathan um olhar de
preocupação.
— Posso entrar? — a garota pediu, tímida.
— Claro, entre, entre. A porta está destrancada.
Jonathan sorriu e inclinou a cabeça em um gesto de aprovação. Movendo-se
para o lado, posicionou-se diretamente no caminho da jovem que estava entrando
no quarto. Era uma experiência que ele fazia.
Como tinha acontecido no dia anterior com Clancy, Jonathan viu Sarah
entrar, não vê-lo e passar por ele. O resultado da experiência era conclusivo. Ele
era de fato apenas essência, não mais uma presença física. No entanto
continuava a ter emoções. Sorriu enquanto observava a cena.
Era óbvio que Darcy não estava nem surpresa nem chocada em testemunhar
uma pessoa viva passando no meio de um corpo etéreo.
Ela sorriu para Jonathan.
— Aconteceu alguma coisa, Sarah? Rezo para que não tenha vindo me dizer
que há outro freguês que insiste em entrar na nossa casa.
— Oh, não, senhorita — Sarah disse, sacudindo a cabeça vigorosamente. —
Está tudo quieto agora. Além do mais, Clancy voltou e ele vai garantir que não
aconteça nada parecido. — Sarah começou a alisar seu vestido com dedos
nervosos. — É que estávamos... quer dizer, as outras garotas e eu estávamos
imaginando se a senhorita gostaria de almoçar conosco.
— Almoçar? — Darcy olhou, surpresa, na direção da janela para ver se
descobria que horas eram.
— Já é quase meio-dia — Jonathan lhe sussurrou.
Apesar de saber que ele se encontrava ali, Darcy não conseguiu deixar de
sentir um certo embaraço de estar ouvindo um fantasma lhe passar informações.
— Ah... — ela começou a falar.
— Dora preparou alguns bifes e fez uma torta de maçã esta manhã. Nós
gostaríamos muito que a senhorita comesse conosco.
— Obrigada, Sarah — Darcy disse sem nenhuma hesitação. — Estou com
um pouco de fome e ficarei muito feliz em me unir a vocês nessa refeição. Desço
logo que me refrescar.

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— Oh, que bom, senhorita! — Sarah exclamou, abrindo um enorme sorriso.
— Vou correndo contar às meninas — ela disse, virando-se e saindo apressada do
quarto.
— Excelente! — Jonathan aplaudiu a decisão de Darcy. — Tenho certeza de
que não vai se arrepender de haver tomado essa decisão. Mesmo que desaprove a
profissão das moças. Acredito que se você lhes der uma chance de conhecê-las,
vai ver que são ótimas pessoas. — Ele sorriu. — E, caso não saiba, cada uma
dessas garotas adorava sua mãe.
Darcy fez um gesto com a cabeça que revelava sua vulnerabilidade.
— Eu não sabia disso. Mas como poderia saber? Nem bem acabei de chegar
aqui.
— É claro. Mas agora você tem diante de si a oportunidade de vir a conhecer
todas elas e saber até mais da vida de sua mãe.
— Eu... eu farei o melhor que puder — ela finalmente murmurou, erguendo
os olhos para encontrar os dele.
— É tudo o que lhe peço. E suspeito de que se sairá muito bem.
— Você estará presente nesse almoço? — O tremor na voz de Darcy revelava
sua ansiedade.
— Estarei lá. Mas só vou ajudá-la se precisar de mim.

Somente quando se encontrava diante de sua penteadeira dando uma


arrumada nos cabelos é que Darcy percebeu que Jonathan não tinha contado
nada de sua história, a não ser mencionar de leve a circunstância de sua morte.
Ficou pensativa enquanto se observava no espelho. Seus olhos castanhos
levemente esverdeados revelavam o conflito que havia em seu interior.
Não sabia se devia voltar a Filadélfia e se afastar das condições por vezes
brutais daquela região da fronteira do Oeste. Por outro lado, gostaria de ficar e
experimentar uma nova vida.
E uma nova experiência esperava por Darcy no salão de baixo. Foi até a pia
e lavou o rosto, refrescando-se. Estava um pouco trêmula diante da perspectiva
de encontrar-se com todas as mulheres da casa. Isso exigiria dela uma grande
força interior.
Olhou-se mais uma vez no espelho.
Talvez devesse passar uns tempos em Denver, pensou.
Alisou o vestido, endireitou as costas e saiu do quarto.
— Está pronta? — Jonathan perguntou, acompanhando-a.
Não confiando muito em conseguir voz para responder a um espírito, Darcy
apenas afirmou com um gesto de cabeça.
— Não precisa ficar nervosa. Estarei ao seu lado.
— Falando comigo sem que ninguém o ouça?
— Ah, sim.
— Como consegue fazer isso?

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— Depois lhe explicarei — ele prometeu, indicando que aquele não era o
momento. Todas as mulheres estavam esperando por Darcy ao pé da escada.
E não será só isso que ele vai me explicar, ela prometeu a si mesma, sorrindo
enquanto descia os últimos degraus.
Apesar de que a decisão que tomaria no futuro próximo seria a respeito de
permanecer ali ou partir, agora Darcy estava inclinada escutar o resto da história
de Jonathan e as razões que o haviam levado a ficar ali no plano físico, quando
lhe tinha sido oferecido um lugar cheio de luz.

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CAPÍTULO VI

Diante de Jonathan havia pratos deliciosos, mas ele, naturalmente, não


podia comer nada daquilo. Afinal, era um espírito, e espíritos não comem. Mesmo
assim, sentou-se à mesa, mudou de lugar várias vezes, desapareceu da sala e
voltou a ela, sempre usando das vantagens de ser um fantasma. Nenhuma das
mulheres sequer suspeitava da sua presença.
Bem, não todas as mulheres, já que Darcy sabia que ele estava ali, por vezes
invisível, por vezes ela o sentia ao seu lado. Isso não chegava a ser uma
vantagem, já que acabava agindo de forma um pouco estranha.
Darcy pensava exatamente isso. Como as moças reagiriam vendo que ela,
por vezes, falava sozinha e olhava para lugares onde aparentemente não havia
ninguém? Talvez concluíssem que a filha de Colleen era maluca. Assim, resolveu
não dar muita atenção a Jonathan e envolver-se no bate-papo que acontecia no
almoço.
Era difícil, porém, não se distrair com a presença de Jonathan. Ele fazia
comentários, alguns exigindo resposta. E não escolhera se comunicar
mentalmente, apesar de que já o fizera outras vezes com Darcy, quando se
encontravam no quarto. Agora, ali no almoço, ele falava alto, apesar de que
ninguém, a não ser ela, o ouvia.
Darcy começou a ficar nervosa porque não se lembrava mais do nome de
cada uma das moças. Sabia exatamente quem era Katie e Sarah, pois tivera
maior contato com as duas.
— Estamos contentes que a senhorita decidiu descer para almoçar conosco.
— Esta é Katie — Jonathan a informou. — Ela escolheu a profissão de
prostituta depois que o marido, que era um mineiro, foi morto em uma disputa
por um lugar onde pudesse minerar. É inteligente, mas sem nenhum estudo.
Katie logo descobriu que esse era o único jeito de ela ganhar dinheiro e poder se
sustentar.
Apesar de Darcy ficar grata pelas informações que Jonathan lhe passava, era
forçada a não deixar transparecer que havia alguém atrás dela.
— Estou contente por me convidarem — Darcy disse em voz um pouco
nervosa.
— Nós a convidamos? Ora, a senhorita é a dona deste lugar. É a filha de
Colleen. Não precisa de convite para almoçar aqui no salão.
— Esta é Daisy — Jonathan a informou, com um sorriso gentil enquanto
olhava para a moça. — Ela é órfã. Nunca conheceu os pais. Fugiu, com razão, de
um orfanato quando tinha treze anos. — O olhar dele revelava compaixão pela
garota. — Ela estava em péssimas condições quando sua mãe a aceitou aqui e a
colocou sob a sua proteção.
— Mesmo assim, eu gostei que me convidassem. — Darcy se esforçou para
conseguir dialogar com as moças e, ao mesmo tempo, ficar ouvindo Jonathan
falar a respeito delas. — Foi um gesto muito gentil da parte de vocês.

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Jonathan começou a passear pela sala de refeições, mas continuou
fornecendo informações para Darcy, só que, agora, usando a comunicação
mental.
— A senhorita merece. — Quem falava era uma moça alta, magra e muito
bonita. — Sua mãe, Colleen, foi sempre muito amiga de nós todas.
— Esta é Jane. — Jonathan projetou a sua voz em Darcy, lá do fundo da
sala. Costumam chamá-la de lady Jane porque tem um ar de ser bem-nascida.
Mas é só fachada, que ela copiou de Colleen e assumiu com o propósito de se
proteger. Na verdade, Jane nasceu em uma cabana no meio do mato. O pai dela
tinha uma criação de porcos. O lugar era isolado, longe da cidade. Jane tinha três
irmãos, todos mais velhos que ela. Como vinham poucas vezes à cidade, eles
usavam Jane para satisfazer seus apetites sexuais.
Darcy sentiu-se mal ao ouvir essa história e teve de se esforçar para não se
levantar e correr para o seu quarto. Não queria ouvir mais nada, contudo
Jonathan não tinha terminado de revelar os dramas da vida de Jane.
— Ela fugiu de casa quando tinha dezessete anos. Seguiu um estranho que
viajava pelo distrito. Ao chegarem a esta casa, o estranho forçou Jane a se
oferecer a alguns homens em troca de comida. Mas ele cometeu um erro quando
se aproximou de sua mãe. — A voz de Jonathan revelou que ele gostava dessa
passagem da história. — Colleen recolheu Jane e mandou que Clancy colocasse o
estranho para fora daqui.
— Sabia que sua mãe sempre se sentava nesse mesmo lugar onde está
sentada, srta. Flynn? Agora é o seu lugar — disse uma jovem baixinha e dona de
um sorriso doce.
— Esta é Sally. Sua história é simples... — Jonathan sorriu. — Escolheu
essa profissão porque gosta de dormir com homens.
Darcy quase engasgou com o gole de água que tomava ao ouvir o que
Jonathan acabara de dizer.
— Sally considera bônus o que recebe fazendo aquilo de que gosta.
— Oh, pare com isso, por favor! — Darcy exclamou, virando-se na cadeira e
fitando Jonathan, que estava em pé, bem atrás dela.
Um silêncio absoluto tomou conta do salão por um instante. As mulheres
olharam, surpresas, para Darcy. Dora, que entrava com mais uma travessa,
parou no meio do caminho.
Darcy percebeu sua gafe e ficou muda, mal respirando, enquanto olhava
Jonathan rir com muito gosto.
— Parar? — Katie repetiu, quebrando o silêncio. — Parar o quê, srta. Flynn?
Darcy procurou desesperadamente uma saída. Olhou para Jonathan em
busca de ajuda, mas ele estava se divertindo tanto com a situação que não lhe
deu sugestão alguma.
— Bem, eu gostaria que parassem de me chamar de srta. Flynn — ela
respondeu a Katie. — Por que não me chamam apenas de Darcy? E parem com
esta história de senhorita e me chamem de você.
— Bem pensado! — exclamou Jonathan.

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Darcy resolveu ignorá-lo e olhou apenas para as mulheres, esperando a
reação delas.
— Muito bem, Darcy — Katie disse, com bastante calor na voz. — Parece que
você não apenas se parece com Colleen, mas é exatamente como ela.
— Oh, estou tão feliz! — Também Sally parecia aliviada. — Pensei que
pudéssemos tê-la ofendido de alguma maneira.
— Aqui, Darcy, pegue um bife. Está uma delícia. — Daisy estendeu a
travessa por sobre os pratos. — Vai gostar, porque Dora faz o melhor bife deste
território.
— Experimente! — Dora exclamou, toda feliz. — E pegue alguns destes
enroladinhos de cebola para acompanhar a carne. Ainda estão bem quentinhos.
— Obrigada — Darcy murmurou, sorrindo para Daisy e servindo-se dos
enroladinhos que Dora lhe oferecia. Sentiu-se faminta e, diante da audiência,
cortou um pedaço da carne, levou-o à boca e mastigou-o devagar.
— Delicioso! — Sua exclamação entusiástica foi recebida com sorrisos de
satisfação. Aliviadas, as moças se puseram a comer, enquanto Dora voltava para
a cozinha.
— Espere até experimentar a torta de frutas que Dora faz como ninguém.
Nem mesmo minha própria mãe fazia uma tão gostosa, e saibam que a dela era
uma delícia. — O elogio veio de uma jovem morena de pouco mais de vinte anos.
Darcy achou que o nome dela seria June ou Molly.
— É June — Jonathan disse, disposto a continuar com as histórias das
moças. — De repente, June se viu sozinha no mundo aos catorze anos, quando
seus pais morreram durante um ataque de índios cheyennes à sua fazenda. Ela
escapou do destino de seus pais porque sua mãe a havia mandado procurar
morangos nos arbustos. June viu os índios chegando e se escondeu até que eles
foram embora. Como não tinha parente algum e ninguém para cuidar dela,
encontrou trabalho em diversos bordéis antes de chegar aqui. June idolatrava
sua mãe, Darcy, porque Colleen a tratava não apenas como um ser humano, mas
como alguém igual a ela.
— Agora que devorei a carne e os enroladinhos de cebola, estou ansiosa para
experimentar a torta, June. — Darcy sorriu calorosamente para a jovem, que
parecia surpresa pelo fato de a filha de sua ex-patroa já saber seu nome. — E o
cheiro de café que vem da cozinha está deixando a minha boca cheia de água.
As palavras de Darcy foram recebidas com uma risada dada por uma das
mulheres, exatamente uma de quem ela ainda não sabia a história.
— Ah, o cheiro do café que Dora faz leva até os anjos ao delírio. — A tal moça
tinha cabelos avermelhados, olhos azuis e muitas sardas no rosto.
— É Molly — Jonathan foi dizendo. — Molly foi uma criança que ninguém
queria, inclusive os pais. Eles foram em busca de fortuna e largaram a menina
aqui em Denver. Ninguém se deu ao trabalho de procurar por esses pais
desnaturados. Clancy achou a menina andando pelas ruas e vendendo seu
próprio corpo. Ele a trouxe para Colleen. E Molly é apaixonada por Clancy. —
Jonathan riu. — Mas o irlandês bobão ainda não percebeu.

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Darcy se esforçou para não rir da ingenuidade daquele homenzarrão. Não
queria chamar a atenção das moças. Agora que sabia do drama de cada uma
delas, sentia admiração por sua coragem e capacidade de luta
Se tivesse de enfrentar o que essas mulheres haviam enfrentado, como ela
própria teria agido? Perguntou-se. Enfrentaria todas as dificuldades e ainda teria
a capacidade de rir e de ficar feliz por receber pequenas atenções? No fundo,
duvidava de que teria essa força toda. Olhou para cada uma das mulheres com
respeito e admiração.
A refeição transcorreu agradável. A conversa se tornou animada e muitas
das jovens perderam o acanhamento e começaram a fazer perguntas a Darcy.
Ela estava fascinada com as perguntas. Pediram sua opinião a respeito de
como se vestiam as mulheres em Filadélfia, o que Darcy achava das histórias que
contavam sobre a devastação e reconstrução do Sul, especularam acerca do ouro
da Califórnia e de Oregon e até dos avanços da medicina para mulheres e
crianças.
Darcy não se lembrava de se sentir tão estimulada em uma conversa.
Dora tirou os últimos pratos e serviu café a todos. A atmosfera de
cordialidade continuava a prevalecer.
— Deve ser maravilhoso ser uma professora e viver na própria escola —
Sarah comentou.
— Sim, é maravilhoso — Darcy concordou, sentindo saudade de seus
pequenos alunos.
— A escola onde eu estive por três anos era muito fria no inverno e quente
demais no verão — Katie disse, rindo. — Eu odiava a escola e a professora. Ela
era velha e má.
— Elas estão com inveja de você. — A voz de Jonathan foi sussurrada à
mente de Darcy.
Eu admiro todas elas, Darcy pensou, em uma resposta silenciosa.
— Nunca freqüentei uma escola — June confessou. — Mas minha mãe me
ensinou a ler e escrever antes de morrer.
— Eu queria muito ser capaz de ler e escrever o meu nome — Sarah
declarou com voz lastimosa. — Aquele moço que morreu aqui no salão me
garantiu que eu ainda seria capaz de aprender. — Ela olhou, esperançosa, para
as colegas e para Darcy. — Vocês acham que eu posso?
— É claro que sim. — A resposta veio de Darcy. — Quem era esse homem,
Sarah? — ela perguntou, dando uma olhadinha de esguelha a Jonathan.
Adoraria saber mais alguma coisa sobre ele.
— Eu não o conhecia muito bem, mas sei que se chamava Jonathan Stuart.
Era um verdadeiro cavalheiro. Veio aqui muitas vezes no ano passado, não foi? —
Sarah deu uma olhadinha para Katie, como se em busca de confirmação.
— De fato — Katie disse. — E ele sempre me escolhia quando vinha aqui.
Mas não estava em busca de prazer.
— Mas vinha muitas vezes? — Darcy perguntou, notando que Katie havia
confirmado o que Jonathan dissera.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Ele vinha todas as noites, sentava-se sempre à mesma mesa e tomava
uma bebida.
— Era um homem pensativo — Jane opinou. — Nunca aborrecia ninguém.
Era educado e falava com todos. Como Sarah bem disse, tratava-se de um
cavalheiro.
— Ele sempre me tratava como se eu fosse uma dama. Era gentil e simpático
— Katie murmurou. — Nunca foi bruto como muitos dos nossos clientes.
— Eu não o conhecia muito bem, mas chorei quando soube que havia
morrido — confessou Sarah.
— Todas nós choramos. — Molly balançou a cabeça como para afastar a
triste lembrança. — Que noite terrível foi aquela, meu Deus! Todas nós
estávamos chorando por causa da nossa Colleen e pelo bondoso sr. Stuart.
— É verdade — Sally murmurou. — Nem acredito que isso aconteceu apenas
duas noites atrás.
Darcy também ficou penalizada. A vida era muito difícil para essas mulheres
e, no entanto, lá estavam elas, simpáticas e solidárias.
— Triste, não é? — Jonathan lhe sussurrou, percebendo o que Darcy sentia.
— Isso tudo é muito triste — ela falou em voz alta, sem perceber. Desta vez,
nenhuma delas ficou surpresa.
— Vamos mudar de assunto — Katie pediu. — Precisamos tomar um café
bem quente, isso sim.
— Também acho! — Molly exclamou, levantando-se e indo buscar mais café
na cozinha.
Neste momento, ouviu-se uma batida na porta da frente. Katie ficou atenta e
colocou a mão no bolso para garantir que ainda carregava o revólver.
— Deve ser aquele homem de novo. — Ela se levantou e caminhou para a
porta. — Vou fazê-lo...
— Não, Katie. Deixe isso comigo. — Clancy saiu da cozinha decidido a
resolver essa história de uma vez por todas.
— Isso pode ser interessante — Jonathan observou, animado. — Vamos dar
uma olhada?
Como se todas as mulheres o tivessem escutado, elas seguiram Clancy até o
hall de entrada. Darcy as acompanhou. Um pouco assustadas, todas esperaram
Clancy abrir a porta. Suspiraram, aliviadas, quando viram quem estava na
varanda.
— Ah, é o senhor! Entre, por favor, sr. Singleton — Clancy convidou,
sorrindo muito e abrindo a porta. — Em que posso servi-lo?
— Eu vim cumprimentar e dar os pêsames à srta. Flynn. — O sr. Singleton
tirou o chapéu e entrou no hall.
Darcy deu um passo à frente, separando-se do grupo das mulheres. O
homem era de altura mediana, talvez apenas uns centímetros a mais que a de
Darcy. Tinha cabelos claros e olhos azuis. Era um belo homem.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Sou Darcy Flynn. — Usando tudo aquilo que aprendera na escola da srta.
Reinholt, ela caminhou até o sr. Singleton e lhe estendeu a mão.
— Sou James Singleton, srta. Flynn. — A voz dele era agradável. — Como
tem passado, senhorita? Sou o banqueiro de sua mãe. — O sorriso dele era
encantador. — Ela me falava sempre da senhorita, e é um grande prazer
finalmente conhecê-la.
— Temo estar em desvantagem, sr. Singleton — Darcy confessou, retirando a
mão que ele ainda segurava. — Minha mãe nunca mencionou que tinha um
banqueiro.
— É claro que não deve ter havido razão para tanto. Mas, embora a
senhorita não saiba, temos mantido contato um com o outro.
— Verdade? Não me recordo...
— Refiro-me às suas mesadas. Eu pessoalmente preenchia os cheques para
sua mãe assiná-los e depois os remeto a você.
— Oh, entendo. — O sorriso dela aumentou. — Então, devo lhe agradecer
por toda essa sua dedicação e trabalho em meu benefício.
— Pois lhe garanto que foi um prazer — James Singleton retrucou
graciosamente. Houve um murmúrio de aprovação por parte das mulheres. —
Logo gostaria de me encontrar com a senhorita em particular. Temos de discutir
sobre a sua conta no banco. Por ora, porém, como já mencionei, apenas passei
para lhe oferecer as minhas condolências. — Ele deu um passo para trás, em
direção à porta aberta. — Ficarei muito feliz em encontrá-la, seja aqui ou no meu
escritório no banco. Faremos como achar melhor, srta. Flynn.
— Obrigada por estar sendo tão compreensivo e gentil em me oferecer as
condolências, sr. Singleton. Entrarei em contato com o senhor muito em breve.
— Isso será ótimo. — Ele pegou a mão de Darcy e a segurou por um
momento maior do que o adequado. Então, após colocar o chapéu, o sr. Singleton
despediu-se de todos com um gesto de cabeça e saiu para a varanda.
Em silêncio, Clancy fechou a porta.
— Que homem adorável! — Molly exclamou com um suspiro bem longo.
— Sempre o achei meio pomposo — Jane retrucou.
Darcy olhou para ela, surpresa.
Jonathan engasgou.
— Diz isso porque ele nunca notou como você não desgruda os olhos dele —
Katie comentou, rindo de Jane.
Essa observação acabou levando todos a rirem, inclusive Clancy, que voltava
à cozinha.
— Eu jamais olhei para ele! — Jane protestou, ruborizando. Depois caiu na
gargalhada. — Está bem, eu admito. Acho James Singleton um homem atraente.
— E está despeitada porque nunca conseguiu levá-lo para a sua cama —
Daisy disse em tom malicioso.
Sentindo-se um pouco deslocada em meio àquela conversa, Darcy resolveu
se retirar da sala.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Estou um pouco cansada. Se vocês não se importarem, vou para o meu
quarto. — Ela se dirigiu às escadas, parou depois de subir alguns degraus e
voltou-se para as moças. — Quero agradecer a todas por terem me convidado
para o almoço. — Sorriu levemente. — Posso me reunir a vocês no jantar?
— Claro! — A resposta à pergunta de Darcy foi dada por um coro de vozes
femininas.
— Você se saiu muito bem — Jonathan cumprimentou Darcy no momento
em que estavam novamente sozinhos.
— Obrigada. — Suspirando fundo, ela atravessou o quarto e ficou olhando a
rua da janela. — Mas está se referindo a como me portei na refeição ou durante a
conversa com o sr. Singleton?
Jonathan riu e se colocou ao lado de Darcy.
Desta vez, ela nem se abalou com a rapidez com que ele mudara de lugar.
— Eu quero lhe agradecer por haver me passado os nomes e as histórias
das jovens, mesmo que tenha ficado meio confusa no começo.
— Fico feliz em tê-la ajudado. — Jonathan distraiu-se ao pro curar dominar
o desejo de tocar nos cabelos de Darcy que estavam avermelhados pela luz do sol.
— Como descobriu o passado de cada uma delas? Freqüentou tanto tempo
assim esta casa?
— Nem eu mesmo sei como adquiri toda aquela informação. Quando era
vivo, não sabia de nada disso. Eu simplesmente pergunto a ele e recebo as
respostas.
— Pergunta a quem? Não estou entendendo.
Jonathan hesitou por um instante, sabendo que Darcy podia se assustar
com a sua resposta. Mas não queria mentir-lhe. Tinha de ser honesto com ela.
— Pergunto ao meu guia — confessou.
— O seu... o quê?
— Meu guia espiritual. Ele veio até mim depois que me recusei a ir ao reino
da luz.
— Ele veio até você? Como?
— Apareceu diante de mim. Foi isso.
— Ele? Então é um homem como você? — O olhar de Darcy demonstrava
que estava tomada por dúvidas.
— Sim... mas... — Jonathan hesitou outra vez, sem saber como descreveria
a entidade. — Ele é diferente. Velho, mas eternamente jovem, mais sábio do que
eu, com muita compaixão e compreensão para oferecer. Eu ainda sou muito
inexperiente, já que me transformei em espírito só há pouco tempo. Há muitas
coisas que desconheço.
— E ele veio para guiá-lo?
— Sim. Posso vê-lo claramente como vejo você. Na aparência, ele é como os
outros homens. Ao mesmo tempo, não é como os outros humanos. Sua voz é
suave, encorajadora. Nunca exige nada, nunca define os caminhos. E seus
olhos... — A voz de Jonathan revelava a impressão forte que ele tinha de seu

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
guia. — Os olhos dele são cheios de compaixão e perdão e, mais do que tudo, de
amor eterno. Mesmo assim, é muito divertido.
— Compreendo. — Darcy deu um passo para trás, dando de encontro na
janela. Parecia querer se distanciar de Jonathan. De repente, um pensamento
passou por sua mente e a deixou inquieta. — E ele está aqui, neste quarto,
agora?
— Não, Darcy. Por favor, não me olhe desse jeito — Jonathan respondeu,
dando-lhe um sorriso. — Ah, como vou lhe explicar? — ele murmurou,
suspirando e balançando a cabeça de um lado para outro, como à procura de
uma resposta. — Se eu preciso do meu guia, basta concentrar o meu pensamento
na sua pessoa, e ele aparece ao meu lado. Posso vê-lo, mas ele está aqui, dentro
de mim.
Darcy não respondeu. Ficou parada, apenas olhando para Jonathan.
— Não há nenhuma razão para você ter medo, Darcy. Ele é bom. —
Jonathan riu. — Até me sugeriu um modo que me permitiria ficar aqui. Não como
estou agora, mas na forma física, vivo.
— Você pode ressuscitar? — Ela arregalou os olhos.
— Não, nada disso — ele lhe assegurou. Então tentou encontrar um modo de
explicar tudo a Darcy. — Bem, nem eu mesmo sei como isso poderia acontecer,
mas parece que posso incorporar em outro corpo. Ser outra pessoa, ter outra
aparência.
— Possessão! — Os olhos de Darcy se encheram de horror.
— Não. Definitivamente não é isso. Pelo menos não no sentido maldoso que
você está imaginando.
— Então como? Não entendo.
Jonathan lamentou ter mencionado seu guia para Darcy. Agora tinha de
encontrar um modo de acalmá-la, enquanto tentaria lhe explicar como seria essa
chance de viver de novo.
— Nem eu mesmo sei, mas o processo nada tem a ver com o Diabo, Darcy.
Eu tomo Deus como testemunha quando lhe digo isso.
Jonathan resistiu o desejo de ir até ela e abraçá-la, confortando-a e
confortando a si mesmo. Sorriu-lhe apenas.
— Tudo o que sei — ele continuou — é que nesse processo tem de haver um
acordo mútuo entre mim e a pessoa. Só assim haverá a troca. O vivo se tornará
um espírito e eu, o vivo.
— Oh, meu Deus! — Darcy murmurou, empalidecendo. — Acho que preciso
me sentar.
— Deixe-me ajudá-la... — Jonathan tentou, porém nada conseguiu e se viu
tomado pela frustração. Mesmo assim, aquela sensação estranha, aquela
vibração que lhe acontecera nas outras vezes, repetiu-se. — Por favor, não vá
desmaiar de novo.
— Pois devo lhe dizer, Jonathan, que nunca havia desmaiado antes. Ontem,
foi a primeira vez. E não tenho a intenção de repetir o meu desempenho.
— Estou aliviado em ouvir isso. Mas ficarei mais aliviado se você se sentar.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Darcy sentiu vontade de não atender ao pedido dele, porém acabou se
sentando.
— Pronto, estou sentada. Agora quero que fale sobre você, como chegou a
esta cidade, por que recusou ir para o lugar da luz que mencionou, seja lá o que
for, onde você nasceu e onde estava um ano atrás.
Tendo falado isso, Darcy relaxou e encostou-se na poltrona, deixando,
porém, transparecer sua impaciência ao tamborilar os dedos sobre o móvel.
Jonathan achou prudente não caçoar dela. Darcy estava tão séria, parecia
mesmo uma professora. Ele agradeceu aos céus por existir uma pessoa bonita
como ela.
Não riu, nem mesmo sorriu, porque ao vê-la assim tão viva, percebeu a
enorme diferença que havia entre eles dois.
Não achava mais graça em ser etéreo, em ter habilidades incríveis. Sumiu-
lhe a vontade de rir. Sentiu-se tomado por uma angústia.
Estava se apaixonando por Darcy!
— Bem? O que espera, Jonathan?
— Desculpe-me... O que quer que eu faça?
— Comece primeiro a contar sobre a sua vida. Se não estiver disposto a fazê-
lo, diga logo.
— Oh, claro — ele murmurou. — Não, não estou me recusando a lhe contar
fatos que me aconteceram. É que nem sei por onde começar.
— Pelo começo?
— Muito bem. Nasci na Virgínia. Meu pai era diretor de escola, minha mãe
era uma esposa e mãe devotada Meu pai foi meu professor até que eu estava na
idade de entrar para o seminário e...
— Você é... era um padre? — Darcy perguntou, interrompendo a narrativa.
— Um pastor protestante — Jonathan a corrigiu. — Quando completei os
meus estudos, aceitei ser o pastor de uma pequena igreja em uma cidade não
longe daquela em que eu nasci. — Um sorriso triste apareceu em seus lábios. —
Atendi à minha congregação por um ano, aí começou a guerra entre os Estados.
Ao lado de meu pai, eu me alistei como voluntário nas tropas nortistas.
— Você, um homem religioso, decidiu lutar? Matar em uma guerra?
— Os soldados precisam de um ministro religioso, Darcy. Precisam mais do
que os civis. E eu acreditava firmemente que o país devia continuar a ser um só.
Ela o olhou com incredulidade.
— Jonathan, você, um sulista, lutou pelo Norte... contra o seu povo?
— Lutei obedecendo à minha consciência. Claro que você não tem idéia de
que, mesmo que o Norte tenha vencido, eu perdi não só meu pai e minha mãe,
como minha fé.
O olhar de Darcy revelou toda a compaixão que sentia por Jonathan naquele
momento. Assim, desejou confortá-lo.
— Oh, Jonathan — ela murmurou. — Lamento muito.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Ele emocionou-se com a reação de Darcy. Sabia que ela, se o olhasse com
muita atenção naquele momento, testemunharia o amor que o dominava.
— Não há necessidade de você sentir pena pelas minhas perdas — Jonathan
lhe assegurou. — Meus pais estão bem. Eu também. E continuando com a minha
história... Quando a guerra terminou, eu já não tinha mais nem fé nem
esperança e muito menos uma razão para viver.
— Meu Deus! — Darcy murmurou.
— Tornei-me um andarilho... Andei pelo país até que cheguei a Denver, um
ano atrás. Não pretendia ficar aqui por muito tempo, mas fui ficando. Sei lá por
quê.
— Que estranho.
— Estranho? Não, Darcy, não é nada estranho. Pois você vê, agora eu sei o
que esperava encontrar aqui.
— O quê? — ela perguntou, ansiosa.
— Esperava encontrar um novo objetivo. — Jonathan finalmente riu. —
Encontrei-o justo na noite em que estava perto dos dois homens brigando no bar,
lá embaixo. Foi no preciso momento em que a faca assassina penetrou na minha
garganta.
— Oh! Que horror!
— Foi exatamente no mesmo instante. Na verdade, fiquei furioso ao me ver
morto e, é claro, esta é a razão de ter recusado a seguir em direção à luz.
— A luz! — Darcy pronunciou a palavra vagarosamente. — Jonathan, o que
é essa luz de que você tanto fala?
— Você não sabe? Procure na sua alma — ele murmurou. — Não pode
imaginar o que seja?
Os olhos dela se arregalaram.
— Deus?
— Sim. — Jonathan sorriu. — Ou talvez a última consciência.
— Oh, meu Deus! — Darcy murmurou. — E você recusou a luz?
— Agora eu sinto, de alguma forma sei, positivamente, que a força não é
nunca usada, Darcy. Tudo é escolha, escolha pessoal. E perdão e amor.
— E como pôde recusar tudo isso? Como pôde recusar o amor?
— Boa pergunta. No começo, foi porque queria realizar o meu propósito.
— E qual era esse propósito?
— Ensinar Sarah a ler e escrever. Então, Darcy, você ainda está decidida a
desertar Sarah e as outras moças voltando a Filadélfia para se esconder atrás das
saias da magnífica srta. Reinholt?

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CAPÍTULO VII

O estampido de tiros silenciou por um momento os fregueses do saloon. No


minuto seguinte, tudo voltava ao normal. Tiroteios eram comuns na cidade e
ninguém se abalava por alguém matar ou ser morto.
Jack Pritchart, se este fosse mesmo seu nome, jazia esparramado na rua, em
frente ao Saloon Last Chance.
Wade Dunstan ficou observando o corpo caído a poucos metros dele. A mão
direita ainda estava tensa e pronta para usar novamente o revólver. Com a mão
esquerda, Wade exibia seu distintivo de delegado para um grupo que assistira ao
duelo.
— Delegado. — o garçom do saloon chamou.
— Dunstan. Sou o delegado Wade Dunstan. — Ele desviou os olhos do morto
e encarou o garçom.
— Já ouvi falar do senhor — disse o garçom, dando uma rápida olhada no
homem caído no chão. — Ele chegou à cidade com uma menina. — Apontou para
Jack Pritchart.
— E daí?
— Não sabemos o que fazer com a menina. É muito novinha. Está lá, no
quarto que o homem alugou. A menina só faz chorar e gritar o tempo todo.
Wade praguejou e procurou manter a voz em tom de desinteresse.
— E o que espera que eu faça?
— Bem, o senhor é a lei, não é? — O garçom parecia impaciente. — Diabo,
homem, pegue a menina e a leve para casa ou de volta de onde o sujeito a achou.
Com um suspiro, Wade substituiu o ar de irritação por um de resignação.
Lentamente, guardou no bolso o distintivo.
Maldição! Ele sentia-se frustrado. Tinha um trabalho a fazer e a última coisa
que pretendia era ter de cuidar de uma criança, quanto mais uma menina.
Mesmo assim, decidiu acompanhar o garçom para dentro do saloon.
— Onde ela está? — perguntou.
— É só se deixar levar pelos seus ouvidos — o homem esbravejou. — Nunca
ouvi ninguém gritar desse jeito.
O garçom tinha razão, Wade reconheceu enquanto passava pela porta
vaivém. Mordeu o lábio quando ouviu gemidos altos. Suspirando, atravessou o
salão imundo e subiu as escadas, procurando localizar de onde vinham os sons.
Havia alguém soluçando.
Deus, ele odiava ver uma mulher chorar. Isso sempre o fazia se lembrar do
choro de Mary quando ela perdera um bebê em um aborto. Wade havia sofrido
em perder a criança. Mas o som do lamento de Mary o deixara mais triste ainda.
A recordação daquele episódio suavizou sua impaciência. Quando chegou ao
quarto de onde vinham os sons, ele bateu na porta, em vez de abri-la e ir
entrando sem avisar.

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— Não! Não, por favor! — uma voz infantil e histérica gritou. — Não me
machuque mais! Por favor, por favor, senhor! Não me machuque mais!
Droga! O que aquele desgraçado tinha feito com a menina? Wade ia bater
mais uma vez na porta, quando uma visão lhe passou pelos olhos. É como se ele
fosse ver novamente Mary caída ensangüentada no chão.
Sem mais um pensamento, chutou a porta e entrou no quarto.
— Não! — a menina gritou, levando os braços à cabeça, enquanto se
encurralava em um dos cantos da cama.
— Está tudo bem, menina — Wade começou a falar com voz macia,
esperando acalmá-la.
A menina parecia completamente fora de si. Agachada, procurava proteger o
corpo.
— Não! Não! — esgoelava-se sem parar.
Wade sentiu uma revolta incrível tomar conta de todo o seu ser. A menina,
nua como um bebê, usava os bracinhos finos em uma tentativa de se proteger.
Seu corpo magro estava todo marcado por vergões. O miserável a havia
chicoteado.
E ela estava toda ensangüentada e ferida em suas partes íntimas.
Podia-se ver claramente que havia sido sodomizada. Controlando sua
revolta, Wade atravessou o quarto e se dirigiu à garotinha.
— Está tudo bem, menina — ele murmurou. — O homem que machucou
você está morto.
— Mo...morto? Como foi morto?
— Eu atirei nele.
— E agora vai atirar em mim? — ela gemeu.
— Não, é claro que não — Wade lhe assegurou. — Onde estão as suas
roupas? Eu as pego para você.
— O senhor... o senhor está falando a verdade? Não vai atirar em mim nem
me machucar?
— Eu sou um delegado dos Estados Unidos. Não mato crianças. Agora, quer
me dizer onde estão as suas roupas?
A menina pareceu se acalmar um pouco e ergueu o rosto para Wade. Suas
faces estavam vermelhas das bofetadas que levara. Havia sangue seco grudado
em um dos lábios. Mesmo suja e ferida, podia-se ver que era bonita.
Controlar a fúria rugindo dentro de Wade começava a ficar mais difícil
depois de cada nova revelação.
— Ele... aquele homem — a menina disse com voz trêmula. — Ele jogou
minhas roupas no chão. — Ela apontou para um dos cantos do quarto. — Ali.
— Está bem. Vou pegar suas roupas e depois lhe dou alguma água para você
se lavar. — Wade ficou aliviado ao ver que havia uma pia no quarto e uma vasilha
sobre uma mesinha. — Então, vou levá-la para a sua casa. — Inclinando-se, ele
pegou uma pilha de roupas, que eram de menino, e um par de botas furadas.

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Praguejando contra todos, inclusive contra os pais da menina, ele voltou à cama
e entregou-lhe as roupas. Depois foi até a pia e encheu a vasilha de água.
A garotinha tentou se levantar com esforço. Wade sentiu uma dor no peito
ao ver todas as suas costas cheias de sangue.
— Bastardo! — ele sibilou. Desejou que o homem ainda estivesse vivo, assim
poderia matá-lo de forma mais lenta, não com um revólver. O assassino merecia
ter sido torturado, isso sim.
— Você está bem? — Wade perguntou com uma voz que misturava raiva com
emoção. — Quero dizer, pode se lavar e se vestir sozinha? Eu posso chamar
alguém para ajudá-la. Uma mulher, naturalmente.
— Po... posso, sim, senhor.
A garota virou o rostinho para ele, e Wade deu um passo para trás. Ela devia
ter uns doze ou treze anos e era terrivelmente magra. Seus ombros e costelas
saltavam para fora. Seu peito era ainda achatado e mal se viam sinais de que
estava se transformando em mulher.
Ordinário! Wade pensou, engolindo a seco. Afastou os olhos daquele
corpinho sofrido e do olhar triste da menina.
Parecia não haver sequer um ponto de seu corpo que não estivesse marcado
com feridas. E ela estava muito suja e cheirava a sangue.
Mais uma vez Wade foi atormentado pela visão de Mary chorando a perda do
bebê. Havia quanto tempo que aquilo acontecera? Ele sacudiu a cabeça. Sabia
exatamente a data. Wade tinha trinta e seis anos agora; estava com vinte e
quatro quando Mary abortara. Era delegado federal havia menos de um ano
naquela época.
Seu filho ou filha, se tivesse sobrevivido, estaria com a mesma idade dessa
menina que sofrera abuso sexual.
— Maldito Pritchart! — repetiu mais uma vez. Irritado, decidiu sair do
quarto.
— Vou ficar esperando aí fora — Wade gritou ao abrir a porta e sair.
— Delegado! — O pânico tomou conta da garota. — Por favor, não vá embora
sem mim.
— Eu disse que vou ficar aí fora — ele retrucou, perdendo a paciência. Parou
e respirou bem fundo. — Esperarei no corredor, não precisa ter medo. Não vou
arredar o pé daqui.
A garotinha vestiu-se rapidamente. Estava apavorada demais temendo que
Wade fosse embora e a deixasse ali, naquele quarto imundo e onde ela fora
abusada tantas e tantas vezes. Wade mal teve tempo de dar uma volta pelo
corredor e lá estava a menina, saindo do quarto, seus olhos castanhos
arregalados procurando por ele.
— Estou pronta... para ir com o senhor, delegado.
— Ótimo — Wade disse, agradecendo a Deus que a menina parara de
chorar. Fez sinal para que ela o acompanhasse pelo corredor e depois pelas
escadas. — Quero estar longe desta cidade poeirenta o mais rápido possível.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
O garçom encontrava-se na rua olhando Pritchart caído no chão. Várias
pessoas rodeavam o morto.
— Oh! — a garotinha exclamou ao ver o corpo. — Ele está mesmo morto? —
Ainda havia medo em sua voz.
— Oh, sim. E espero que esteja fritando no inferno. — Wade pegou a garota
pelo braço e a levou até onde seu cavalo se encontrava amarrado.
— Olá, delegado! — o garçom gritou, surpreso. — O que vamos fazer com
ele?
— Do que está falando?
— O que devemos fazer com o corpo?
— Espero que os cachorros façam um bom serviço e arranquem a carcaça
dele.
Sem mais conversa, Wade colocou a menina sobre seu cavalo, montou
também e não se deu mais ao trabalho de olhar o que a multidão decidia fazer de
Pritchart. Lamentava que a garota, ferida como estava, tivesse de viajar montada
em um cavalo.
— Segure no meu cinto — Wade a avisou, puxando as rédeas. — Vamos,
Rascal — ele falou carinhosamente com o animal. — Quero sair desta cidade
horrorosa.
Viajaram em silêncio, cada um com seus próprios pensamentos. Wade
estava acostumado a viajar sozinho. Só falou quando viu que a menina gemia
baixinho.
— O que a está incomodando, garota? Ah, e qual é o seu nome?
— Betsy. Mas me chamam de Betts.
— Sei. Bem, meu nome é Wade Dunstan. A dor aumentou, Betsy? É por isso
que você está gemendo?
— Não muito, senhor.
— Vamos acampar, está bem? Assim você descansa. — Ele olhou para as
montanhas no horizonte. O sol parecia dançar em meio aos últimos raios do dia.
— Já é tarde. E hora de você comer alguma coisa.
Estava quase escuro e um pouco frio quando Wade acabou de fazer uma
pequena fogueira e abriu a sacola dos mantimentos. Fritou algumas fatias de
bacon, abriu uma lata de feijão e preparou café. Tudo isso em silêncio. A menina
ficou sentada perto do fogo, vendo-o cozinhar. Quando ele lhe estendeu um prato,
ela comeu com desespero, deixando claro que não comia havia bastante tempo.
Wade serviu-lhe mais comida e a viu limpar o prato.
— Oh, estava tão gostosa... — Betsy disse, evitando olhar direto para ele,
envergonhada por haver comido com os dedos. — Obrigada, delegado — falou
vagarosamente, e Wade percebeu que ela estava caindo de sono.
— Que bom que você gostou — ele resmungou, levantando-se e indo buscar
um cobertor para ela se cobrir.

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— Embrulhe-se nisto, Betsy — ele ordenou com voz dura, como se quisesse
suprimir os sentimentos de simpatia que começava a sentir pela menina. —
Durma um pouco. Quero partir tão logo amanheça.
— Sim, senhor. — Um pouco assustada, ela lhe obedeceu prontamente.
— Droga! — Wade murmurou. Não queria assustar ainda mais a garota. Deu
um suspiro de pesar, arrumou o lugar onde iria dormir e puxou o chapéu,
cobrindo os olhos.
O sono não vinha. Sua mente estava muito ativa, ocupada em revisar seus
planos.
Dois já haviam tombado. Faltavam outros dois. O pensamento animou
Wade. Ignorando o frio que fazia, ele afastou o chapéu e ficou olhando o céu
estrelado. Estava quase no fim de sua missão, pensou.
Achar Jack Pritchart não tinha sido tão difícil como pensara a princípio.
Devia isso ao apetite sexual do canalha, que o fizera parar muitas vezes para
satisfazer seus instintos animais. Também não estava muito longe do próximo
alvo, se o assassino estivesse se escondendo perto de Laramie.
Por acaso, no dia anterior, Wade dera com um índio cheyenne naquelas
mesmas colinas. Era um velho e lhe revelara que, sendo o último de sua família,
tinha vindo às montanhas a fim de fechar os olhos para sempre.
Wade acampara e convidara o velho índio para comer com ele. Haviam
conversado até tarde da noite.
— Você vai até aquela cidade? — o velho perguntara, apontando para um
vilarejo instalado na base das colinas.
— De manhã — Wade respondera.
— Você... tome cuidado — o velho lhe aconselhara. — Há um assassino
naquele lugar.
Wade fora tomado pela surpresa. Os sentidos em alerta, ele tinha feito
perguntas ao índio. A explicação do velho era simples. Havia observado um certo
homem, sem ser visto por ele. O tal homem tinha um olhar furtivo... como se
fosse um animal.
Wade sorrira. Seria o seu homem? Talvez. Teria encontrado o índio por acaso
ou tudo fora obra do destino?
Wade havia entrado na cidade, amarrado seu cavalo e se dirigido ao saloon.
Antes de chegar lá, vira Jack Pritchart sair pela porta vaivém. Wade gritara para
que ele parasse; Pritchart parara e, em segundos, tirara uma faca do bolso e a
atirara em Wade. Já esperando esse movimento, Wade pulara de lado, puxando
sua arma. Jack Pritchart caíra no meio da poeira da rua com duas balas no
coração.
Dois eliminados. Dois a serem eliminados.
É claro que Wade tinha ainda de levar Betsy para a casa dela e para a sua
família, mesmo que fosse muito longe dali. Bem de manhãzinha, ele falaria com a
menina.
Voltou-se para onde ela se deitara. Betsy se enrolara como se fosse uma
bola. Estava acordada e com frio.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Traga o seu cobertor com você e venha aqui, menina — Wade chamou,
arranjando um lugar ao lado dele para Betsy se instalar.
Ela ficou parada, ergueu a cabeça e o olhou, assustada.
— O senhor vai fazer coisas ruins comigo, delegado? — perguntou com uma
voz fininha.
— O quê? — Wade levantou-se imediatamente.
— Eu perguntei se o senhor...
— Eu escutei você — ele a interrompeu. — Como pode achar que eu vá fazer
isso?
— Bem, senhor... é que... o outro homem...
— Betsy, eu já lhe disse antes que não vou machucar você. Eu falo a
verdade. Nunca minto. Só pedi que viesse deitar-se aqui ao meu lado porque você
está com muito frio. Está bem?
Betsy arregalou os olhos e ficou olhando por algum tempo para Wade. Mas
alguma coisa que ela viu na expressão dele, que ouviu em sua voz, assegurou-lhe
que ali estava um homem bom, que não lhe faria mal algum.
— Está bem — Betsy murmurou.
Wade decidiu aproveitar o momento para lhe fazer algumas perguntas.
— Onde você morava? E com quem?
— Morava em uma fazenda com meu tio.
— E seus pais?
— Morreram. Faz três anos. Meu tio é meio-irmão de meu pai.
— E você tem uma tia?
— Não. Meu tio tem uma mulher, mas ela não é minha tia. Não é nem a mãe
do meu primo Billy. Bem, nem sei quem é a mãe dele.
— E Billy é mais velho que você? — Wade perguntou, tentando montar a
história de Betsy.
— Não, ele é um ano mais novo. Mas é maior do que eu, e gosto disso porque
posso usar as roupas que não servem mais para ele. — Betsy abriu o cobertor e
apontou para sua roupa. — Eu roubei isso quando fugi.
— Você fugiu de casa?
— Sim, senhor.
— Por quê?
— Porque estava cansada de nunca ter o que comer e de apanhar de meu
tio. Meu tio judiava muito de mim. Fiquei cansada e fugi.
— Parece razoável — Wade murmurou, sentindo raiva da família da menina.
— E por que roubou as roupas de Billy? Pensou em fingir que era um menino?
— Não, delegado. — Betsy fez um gesto de desdém com os ombros. — Roubei
a roupa de Billy porque tive medo de pedir a meu tio pelas minhas.
Wade arregalou os olhos, surpreso.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Seu tio mantinha você nua?
— Todas as noites, depois que eu acabava de lavar a louça. Ele disse que
sem roupa eu não ia fugir. Mas eu fugi. Não queria que Billy ficasse tocando mais
no meu corpo.
Meu Deus! Wade pensou. Olhou para a menina. Não podia levá-la de volta
para aquela gente. Mas isso levantava uma questão. O que faria com ela?
— Eu não quero voltar para lá, delegado. O senhor não pode me obrigar a
voltar, nem que me bata muito.
Wade sorriu ante a declaração da menina.
— Não vou bater em você, Betsy, nem vou obrigá-la a voltar para a fazenda.
Agora, venha cá. Pode ficar sossegada que eu não vou permitir que ninguém
coloque as mãos em você.
— E o que vai fazer comigo, delegado?
— Sei lá, menina. Agora durma. Vai amanhecer logo e já lhe disse que
pretendo partir bem cedinho.
— Aonde nós vamos, delegado? — ela perguntou, agora sorrindo bem de
leve.
— A Laramie. Tenho uns negócios a resolver por lá. Mas, primeiro, talvez eu
encontre um lugar para você ficar.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO VIII

— Encantador.
Darcy sorriu e olhou-se no espelho. Sem modéstia, tinha de concordar com o
elogio de Jonathan. Ela estava realmente bonita naquele traje, e isso vinha ao
encontro de seus desejos. Queria estar bem apresentável no encontro que teria
com o banqueiro James Singleton e com o advogado de Colleen, o dr. Mansford.
O vestido de seda era o melhor que trouxera. A costureira de Darcy havia
recebido os tecidos da última temporada da primavera e verão em Paris. Era
inverno nos Estados Unidos, e Darcy se antecipara, mandando fazer um vestido
novo com um dos tecidos. O vestido lhe tinha sido entregue uma semana antes
que ela recebesse a carta do advogado, o dr. Mansford.
Nem chegara a experimentá-lo e agora era a primeira vez que se via nele.
Ficava-lhe muito hem.
E era encantador, Darcy concluiu, dando uma volta para ver o traje por
inteiro. As mangas eram abertas em um corte moderno, a jaqueta delineava com
delicadeza o busto e se ajustava à cintura. As saias eram duplas e caíam quase
até o chão, cobrindo as botas de cetim preto que ela usava.
— Obrigada, Jonathan.
— Não precisa agradecer. Esse tom bronze do seu vestido combina com os
seus olhos que, por vezes, são castanhos, mas pare- cem verdes em algumas
ocasiões. E o enfeite de veludo da saia é bastante original.
Os olhos de Darcy brilharam de satisfação.
— Você acha que devo beliscar o meu rosto para ele ficar com mais cor?
— Não deve judiar de si mesma. Peça ruge para uma das moças.
— Ruge? Se a srta. Reinholt souber que passei ruge, ficará escandalizada.
— Tenho de lembrá-la que a srta. Reinholt não está por aqui?
Darcy sorriu. Na verdade, esse não era o primeiro palpite que Jonathan lhe
dava. Desde o dia em que a desafiara a abandonar as pobres moças e partir para
Filadélfia, a toda hora estava lhe dando conselhos. Além disso, invadia sua
privacidade fosse de manhã, de tarde e mesmo no meio da noite.
O fato era que ela não só aceitara o desafio dele, contra toda lógica e bom
senso, como nem piscava diante de suas materializações, mesmo quando estava
se vestindo. Isso demonstrava como Darcy havia se acostumado com Jonathan
aparecendo e desaparecendo diante de seus olhos.
Não mais se enervava com a presença de Jonathan em seu quarto. Muito
pelo contrário. Havia se acostumado em tê-lo por perto. Talvez estivesse
habituada demais com a sua companhia.
Isso era incrível, inacreditável e fora do normal, mas ela começava a achar
que estava se apaixonando pelo espectro de Jonathan Stuart. Talvez já estivesse
completamente apaixonada mesmo que isso fosse ridículo. O que esperar de um
amor como esse?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Esteja a srta. Reinholt aqui ou lá em Filadélfia, eu absolutamente me
recuso a usar maquiagem — Darcy finalmente respondeu à sugestão que ele
fizera. — O mundo deve me aceitar como sou, ou pode me rejeitar. — Ela fez uma
expressão petulante. — Eu não me importo.
Parecendo muito à vontade encostado na lareira, Jonathan jogou a cabeça
para trás e soltou uma gargalhada.
Darcy empinou o corpo, indignada.
— Eu o divirto, senhor? — ela perguntou, fitando-o com olhos furiosos.
— Ah, sim — Jonathan confessou, sem se abalar. — Apesar de tudo o que
você viu e aprendeu desde que chegou aqui, ainda é uma dama muito comedida.
Está querendo se parecer com a srta. Reinholt?
— Pois eu lhe digo, mesmo que não queira ouvir, que a srta. Reinholt é um
exemplo.
— De quê? De repressão? Submissão? Auto-imolação? Inibição?
— Eu não sou reprimida! — Darcy retrucou com voz bem alta, talvez alta
demais. Corria assim perigo de que alguém aparecesse ali para saber o que
estava acontecendo.
— Quem disse que não é? — Jonathan perguntou, sem se intimidar. Com
um sorriso indolente, aproximou-se dela como em outras vezes e fez um gesto de
que iria tocá-la.
Darcy lutou contra o desejo de recuar à sua aproximação. Ficou, porém,
parada, como à espera de que ele a tocasse. Nunca antes Jonathan tinha feito um
gesto assim. No entanto agora...
Ele hesitou por um momento, tomado de incerteza. Nesse movimento de
recuo, seus dedos chegaram a roçar levemente os lábios de Darcy.
Ela sentiu... o que seria? Um toque, talvez? Uma estranha sensação a
invadiu, um arrepio que foi do rosto às solas dos pés em um efeito cascata.
Choque e prazer percorreram seu corpo, algo delicioso. Assustada e confusa,
Darcy olhou-se no espelho. Arregalou os olhos de surpresa em ver seu rosto
ruborizado pelo toque de Jonathan.
Como isso era possível? Como uma pessoa viva podia sentir sensações
provocadas pelo toque de um fantasma? Mas os fantasmas não têm carne. E
como ela sentira os dedos dele em seu rosto? Estaria ficando louca?
Empalideceu imediatamente diante desse pensamento, e seu reflexo no
espelho revelou a transformação de suas feições.
Darcy começou a respirar com dificuldade. Seu corpo se pôs a tremer.
— Você também sentiu, não foi? — Jonathan murmurou.
— Não entendo como isso pode acontecer — ela sussurrou quase em
prantos. — O que está acontecendo?
— Ah, Darcy. Você é maravilhosamente inocente. — Um sorriso amargo
marcava os lábios dele — São as sensações que um homem e uma mulher
sentem quando estão fisicamente e até emocionalmente atraídos um pelo outro.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Apesar de que ela acreditava que isso seria humanamente impossível, seus
olhos se arregalaram. Estava assustada consigo mesma.
— Mas você é...
— Sou à sombra de um homem! — Jonathan exclamou. — Então, o que
sentimos é ainda mais interessante, não acha?
— Interessante? Como pode dizer uma coisa dessas? É... é... — Mais uma
vez Darcy procurava a palavra certa e não a encontrava. Levou as mãos à cabeça,
desnorteada.
— A palavra que você procura não seria amor?
Ao ouvir a palavra em voz alta, ela sentiu falta de ar. E não era só isso.
Também não conseguia pensar nem falar. Mesmo que seu coração parecesse ter
parado de bater, subitamente sentiu sua pulsação voltar e depois disparar.
O fato de que Darcy, secretamente, em seus mais íntimos pensamentos,
estivesse com medo de haver se apaixonado por Jonathan, agora isso não
importava. Ele era, ou tinha sido, tudo aquilo que ela esperava encontrar em um
homem. Mesmo sendo apenas um espectro agora, ainda representava, para ela, o
ideal de um herói com sua mente aguçada e sagaz. Nunca tinha se sentido tão
estimulada e segura na companhia de qualquer outro homem.
Amor. A palavra tinha sido proferida. Ouvi-la assim abertamente, expressa
pelos lábios de Jonathan, evidenciara a magnitude da emoção que a dominava.
Não podia lidar com essa emoção nem aceitava ter de lidar com ela.
— Não! — Darcy gemeu. — Eu não quero escutá-lo. — Tremendo, afastou-se
de Jonathan. — Preciso ir. — Caminhou até a cama para pegar as luvas, a bolsa,
o delicado chapéu e o guarda-sol. — Vou me atrasar ao encontro com o sr.
Singleton e com o dr. Mansford.
— Muito bem. — A voz de Jonathan vinha carregada de compreensão. —
Fuja, se acha que precisa fazer isso. — No mesmo instante, ele estava ao lado
dela, e sua presença era mais real do que tudo que havia no quarto. — Estarei
esperando por você. — Com essa promessa, Jonathan sumiu pela porta.
Darcy mordeu o lábio em protesto, não sabendo se protestava contra a
promessa dele em esperá-la ou pelo fato de que Jonathan podia desaparecer no
instante em que bem entendesse.
Estava confusa demais para definir seus pensamentos.
Saiu do quarto e foi ao encontro de Clancy, que a esperava pacientemente.
— Oh, aí está à senhorita. Bom dia — o criado a cumprimentou.
— Estava pensando que deveria chamá-la para não se atrasar ao encontro
com o sr. Singleton e com o dr. Mansford. — Já passa das dez e meia, a senhorita
sabia?
— Eu me distraí... Foi isso. Mas a reunião foi marcada para as onze. Acha
que conseguiremos chegar na hora? Odeio chegar atrasada aos meus encontros.
— Se sairmos imediatamente, talvez ainda dê tempo. — Clancy lhe abriu a
porta da saída e a levou até um cabriolé que a esperava. — O sol está muito forte.
A senhorita fez bem em se proteger com esse seu chapéu e com o guarda-sol —

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
ele observou, ajudando-a a subir no veículo cuja capota fora abaixada. Quando
Darcy estava bem acomodada, o criado pegou as rédeas do cavalo e saíram.
Conforme o cabriolé se afastava da casa, ela permitiu-se relaxar um pouco.
Oh, Jonathan.
Darcy suspirou e, esquecendo-se de todas as lições da srta. Reinholt sobre
como se sentar, ela se esparramou no banco do cabriolé.
O sol de julho estava ardente e judiando da vegetação e de todos os seres
vivos que eram obrigados a não se resguardar. Darcy, porém, mal sentia o calor.
Também não observou as nuvens escuras que se formavam no céu. Nem notou a
paisagem, as ruas cheias de gente, nem mesmo os olhares curiosos dos
pedestres, que observavam aquela mulher elegante passando em um refinado
cabriolé.
Apesar de parecer atenta a tudo, Darcy nada via da atividade da cidade,
seus barulhos e odores. Sua atenção estava dirigida para dentro dela mesma,
para seus pensamentos e preocupações, para os acontecimentos das últimas
duas semanas.
Depois de dezenove anos de vida disciplinada imposta pela srta. Reinholt às
professoras e às alunas do colégio para meninas, após uma vida bem organizada,
quase sem incidentes que quebrassem a rotina, Darcy se sentia agora em meio a
uma enxurrada de ocorrências perturbadoras e informações que a atingiam como
uma onda gigante.
Ela pensou que talvez devesse ignorar o desafio de Jonathan, encarregar o
dr. Mansford de vender a casa e pegar o primeiro trem para Filadélfia. Mas depois
daquele almoço com as mulheres da casa, após escutar suas histórias, não podia,
em sã consciência, abandoná-las, largá-las a um futuro provavelmente negro.
Não. Ela devia ficar. Não abandonaria ninguém. Mas o que podia fazer para
ajudar aquelas moças? Reabrir a casa, como Jonathan inicialmente sugerira,
estava, sem dúvida alguma, fora de questão.
Perdida nas lembranças das conversas que tivera com Jonathan, Darcy nem
percebeu que Clancy praguejava por causa de uma carroça que bloqueava o
caminho.

O dia em que almoçara com as garotas lhe voltou à memória.


— Então você continua determinada a não reabrir a casa? — Jonathan lhe
perguntara logo após desafiá-la a ficar em Denver.
Darcy não hesitara um momento sequer em responder a tal pergunta.
— Não vou reabri-la de jeito nenhum. O que eu não entendo, Jonathan, é
que você foi um religioso, um pastor protestante. Como pode aprovar a profissão
dessas mulheres infelizes?
— Eu não aprovo o que elas fazem. Apenas não me dou o direito de julgá-las
e condená-las.
— Mas...

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Darcy — ele a interrompera antes que ela apresentasse algum de seus
argumentos. — Você ouviu hoje no almoço. Essas mulheres não tiveram escolha.
Acharia justo que eu as condenasse por serem infelizes e não terem estudo?
— Claro que não.
— Então, o que há de se fazer por elas? — Jonathan perguntara, dando de
ombros.
Darcy não tivera nenhuma resposta àquela pergunta. Mas isso fora naquela
noite. O problema tinha ficado em sua mente desde aquele momento. E se
surpreendera a cada dia que passava.
A primeira das descobertas viera poucos dias depois daquele primeiro
almoço em companhia das mulheres. De alguma forma e para sua surpresa,
Darcy passara, não só a simpatizar com elas, mas também a gostar das jovens
como pessoas.
Em resposta a um bilhete que Darcy enviara ao dr. Mansford, o advogado a
atendera prontamente e a procurara para lhe explicar detalhes de sua herança. O
processo levara várias horas e, quando o advogado tinha terminado com suas
explicações, Darcy estava boquiaberta.
— A senhorita não tinha idéia do talento de sua mãe em lidar com negócios?
— o dr. Mansford perguntara diante da surpresa de Darcy ao descobrir o quanto
herdara.
— Não tinha idéia — ela admitira.
— Então, isso explica a sua surpresa, srta. Flynn. Em virtude dos esforços
de sua mãe, agora a senhorita é uma mulher rica. — Ele lançara a Darcy um
olhar de satisfação. — Até eu mesmo devo a ela estar financeiramente
independente, já que aceitei vários dos seus conselhos referentes a aplicações.
Darcy sempre esperara uma oportunidade de vir a conhecer melhor sua
mãe, mas nem sequer por um instante a vira como uma mulher capaz de fazer
fortuna por si mesma.
Estava admirada com o patrimônio de sua mãe. Além da casa, conhecida
como La Rouge, Colleen era dona de outra propriedade na cidade de Denver e
terras em seus arredores. Possuía ações em mineração e até na companhia
ferroviária. Mas não investira apenas naquela área. Também fizera aplicações em
Nova York, Filadélfia e Boston, e tinha participação em empresas marítimas das
três cidades. Sua coleção de jóias valia uma verdadeira fortuna.
E Darcy era sua única herdeira.
O fato de agora ser uma mulher riquíssima exigia mais tempo dela.
Jonathan estava lá, materializando-se e sumindo a toda hora, os olhos
brilhantes, enfim, divertindo-se com a surpresa de Darcy diante das notícias que
recebia do advogado.
— É uma responsabilidade imensa administrar todo esse patrimônio — ela
comentou mais tarde com Jonathan. A realidade finalmente havia se assentado
em sua mente. Era uma mulher rica. Riquíssima. Podia fazer o que desejasse com
o dinheiro.
— A riqueza torna você independente, não é? — ele observou, imaginando as
possibilidades sem limites de que Darcy dispunha.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Agora eu posso ir embora imediatamente — ela murmurou, sem perceber
que falava alto.
— De fato — Jonathan concordou. — Aonde gostaria de ir?
— Aonde? — Darcy ficou confusa. Para onde gostaria de ir?, perguntou-se.
Sua mente não lhe deu resposta. — Bem, não sei.
— Gostaria de morar em Nova York? Ou talvez visitar Paris e conhecer a
deliciosa culinária de lá?
Ela sacudiu a cabeça em um gesto negativo.
— Não — disse, finalmente. Oh, confesso que me passava pela cabeça visitar
os lugares históricos citados nos livros e nas aulas que eu dava aos meus alunos.
Mas nunca tive uma forte vontade de sair do país e girar o mundo.
— Você vivia feliz? — Jonathan estava curioso de fato.
— Vivia. Eu era feliz no que fazia, com as pessoas com quem trabalhava e
estudava.
— E tirava alegria da sua profissão de professora? Ensinar a deixava feliz?
— Oh, sim — ela respondeu sem hesitação. — Adoro lecionar, abrir as
mentes jovens aos benefícios do conhecimento.
— E pensou em continuar sendo professora?
— Sim, claro. — Darcy estava curiosa para saber aonde Jonathan queria
chegar com essas perguntas. — Por que me pergunta isso?
Ele não respondeu. Em vez disso, fez-lhe outra indagação:
— Pensou em se casar? Em ter filhos para guiar e instruir?
Ela sentiu o rosto queimando. Sabia que havia ruborizado.
Casamento. Marido. Filhos. Sim, Darcy sonhara em ter uma família só dela.
Mas os anos foram se passando e não tivera uma oportunidade real de conhecer
alguém interessante. Agora, aos vinte e cinco anos, considerava-se uma
solteirona. Tinha deixado de lado esses sonhos e se concentrara apenas na
realidade de sua situação.
— Houve um tempo em que eu pensava nessas coisas.
— E não pensa mais? — Jonathan insistiu.
Ela começava a se sentir impaciente e demonstrou isso balançando a
cabeça.
— Não. Sei que não sou mais nova. Os homens querem mulheres novinhas.
— Isso pode ser verdade em outra parte, mas, por aqui, os homens são em
maior número que as mulheres. Uma mulher de qualquer idade arranja marido
— Jonathan disse rindo.
— Isso se a mulher aceitar ser um pouco mais que uma empregada desse
marido — Darcy retrucou. — Mas eu, não. Prefiro passar a vida lecionando.
— E seguindo os passos da sua inestimável srta. Reinholt, não é? —
perguntou.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Pode ser. E por que não? Não vejo problemas nisso. Até duas semanas
atrás, o meu mundo girava em tomo dos limites da escola da srta. Reinholt. Não
fui eu quem escolheu viver num internato. Foi minha mãe quem me colocou lá,
onde fui bem tratada e querida. Não tive minha mãe por perto. E só lamento não
haver tido oportunidade de conhecê-la melhor. Não por culpa minha.
— Colleen era muito bonita — Jonathan disse simplesmente. — E uma
pessoa maravilhosa.
— Como pode dizer isso? Ela dirigia uma casa de má reputação. Não
podemos considerá-la imoral aos olhos de Deus pelas suas ações?
— Que atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado — ele lembrou
Darcy, citando a passagem da Bíblia. — Você está criticando sua mãe?
— Sim. — Ela mordeu o lábio. — Bem, ela foi enterrada em solo não
consagrado, não é? Eu temo por sua alma.
— Oh, Darcy... — Jonathan suspirou fundo. — Não há razão para você ter
esse medo. Veja, a alma de sua mãe, como a das outras pessoas, não é mortal, e
sim imortal. Não acredita na redenção?
Redenção. Os pensamentos de Darcy passaram a focalizar as mulheres
daquela casa. Certamente sendo criaturas de Deus, todas elas mereciam a
redenção. Como Jonathan tinha contado, nenhuma delas, com exceção de Sally,
escolhera aquela profissão por prazer.
No contato que vinha tendo com as garotas, Darcy descobrira que sua mãe
havia sido uma pessoa bondosa. Colleen tinha dado emprego a cada uma delas,
procurava protegê-las, mantinha suas meninas seguras e salvas de abusos
físicos, da degradação e da brutalidade tantas vezes presentes em muitas outras
casas de má fama.
Mas, sendo honesta por natureza, Darcy tinha de reconhecer que a grande
fortuna que herdara de sua mãe viera do trabalho dessas mulheres. Agora, ela
ficava com tudo, apesar de nada ter feito para merecer essa herança. Educada
mediante rígidos princípios morais, Darcy se sentia incomodada com a origem da
fortuna.
Jonathan interrompeu-lhe os pensamentos. Seu olhar estava cheio de
bondade e compreensão.
— Você é linda, educada e rica. Pode ir... ou ficar. Quem decide isso é você.
— Seus lábios se curvaram em um leve sorriso. — Bem, no fundo a escolha é
sempre nossa.
— Não o estou entendendo — Darcy reclamou.
— Vontade livre, Darcy. Escolha. A sua. A minha. Eu escolhi ficar.
— Ao recusar a luz?
— Isso. Você teria feito uma escolha diferente da minha se tivesse essa
oportunidade?
Ela procurou entender aonde Jonathan estava querendo chegar com esse
comentário. Bem, de certo era outro desafio que ele lhe propunha.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Mas uma coisa era certa. Se partisse sem se preocupar com o destino das
moças, perderia a oportunidade de ajudar a quem havia contribuído para a
formação da fortuna que ela receberia sem ter feito esforço algum.
O que poderia, porém, fazer? Já perdera muitas horas de sono pensando
nisso. Deveria oferecer a cada uma das moças uma certa quantia em dinheiro
capaz de lhes garantir uma vida livre e independente? Mas essas mulheres
saberiam assegurar a elas mesmas um futuro seguro e sobreviver por si mesmas?
A resposta era óbvia demais. Não tinha Jonathan lhe contado a história de
cada uma dessas mulheres naquele memorável jantar? Ele tinha. Darcy aceitava
isso. Se lhes desse dinheiro, este duraria muito pouco nas mãos daquelas moças.
Acabariam gastando tudo e voltariam à profissão de prostitutas.
A semente de uma outra idéia, radical mesmo, começara a germinar na fértil
imaginação de Darcy. Vagarosamente, ia tomando forma pouco a pouco. E ela
ainda fizera outra descoberta, havia poucos dias, que a chocara.
Encontrara o diário pessoal de sua mãe e nele descobrira a verdade sobre
seu pai.
Darcy dera com o diário acidentalmente na semana anterior, enquanto
examinava os pertences pessoais de Colleen. Tinha achado um pequeno e velho
livro com capa de couro, um objeto inocente em sua aparência. Quando o abrira,
ela soubera imediatamente que se tratava de um diário. Hesitara em ler, mas a
curiosidade havia levado a melhor. E as palavras escritas pela mãe tocaram seu
coração.
O adorado, belo e risonho homem que Darcy havia chamado de papai, e
Colleen de Stephen, o homem cujo nome Darcy sempre acreditara ser Stephen
Flynn, nunca tinha se casado com sua mãe e tinha uma esposa quando
conhecera Colleen Flynn.
Darcy tivera de enfrentar o fato de que sua bela mãe havia sido apenas a
amante de seu pai e que ela era o resultado ilegítimo de uma união clandestina.
O gosto de sal na boca fez Darcy deixar de lado as lembranças e voltar ao
momento presente. Levou alguns instantes para se conscientizar de que se
encontrava em uma carruagem aberta, exposta ao sol, a caminho de um encontro
com o sr. Singleton. Levou a mão enluvada ao rosto para afastar algumas
lágrimas. Simplesmente não podia deixar que as pessoas na rua testemunhassem
a tristeza que sentia.
De novo no controle sobre si mesma, ela endireitou o corpo e ajeitou o
guarda-sol. Percebeu que Clancy manobrava o cavalo para que ele parasse diante
de um edifício de dois andares que ostentava uma placa com o nome "Citizens
Bank and Trust".
Lembrando-se de sua missão, Darcy deixou de lado a dor pela descoberta
sobre seu nascimento e sorriu para o homem que estava esperando por ela na
calçada em frente ao prédio.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO IX

Jonathan saiu da sombra da varanda e observou o dia ensolarado. Poucos


eram os que andavam pela rua castigada pelo sol. A poeira cobria os canteiros
gramados da frente da casa, deixando as poucas flores que havia em um
melancólico tom cinza.
Talvez ele devesse ter ido com Darcy. Sendo um espectro, não sofria os
efeitos físicos do sol.
No entanto...
Havia sentido, experimentado, uma sensação quando roçara o rosto macio
de Darcy com a ponta de seus dedos. Como sua mão, que não possuía mais
carne alguma e era agora etérea, pudera sentir uma sensação física? Isso o
intrigava, e Jonathan mentalizou seu guia espiritual, em busca de uma
explicação.
Em um murmúrio que apenas a mente interior podia ouvir, o guia indicou
que Jonathan podia experimentar o que quer que fosse que ele desejasse,
simplesmente por ter esse desejo.
Jonathan compreendeu que, em várias ocasiões, ele usara o conselho de seu
guia sem ter consciência de que este o estava orientando em um nível espiritual.
Como quando se materializava e depois desaparecia, enfim, todas aquelas
brincadeiras que ele fazia pensando estar apenas descobrindo, por si só, suas
possibilidades.
E eram interessantes demais essas possibilidades. Agora, por exemplo,
Jonathan testou movimentar-se atendendo meramente a um desejo. Quis estar
na rua, e ele lá se materializou. Desejou experimentar o plano físico, os cheiros, o
calor forte, a suavidade da brisa. E, imediatamente, sentiu as ramificações de seu
desejo. As folhas dos galhos da árvore lhe deram proteção contra os ardentes
raios do sol. O ar seco entrou por sua garganta, e Jonathan sentiu o peso de sua
jaqueta e o suor que molhava seu corpo.
O cheiro do ar pesado e impregnado de poeira chegou até seu olfato. Sorriu,
satisfeito.
Desejou que sua jaqueta desaparecesse; isso aconteceu, e lá estava ele em
mangas de camisa
Comida. Podia Jonathan sentir fome? Seu estômago deu sinal de que podia.
Poderia experimentar desejo físico? Desejo por uma mulher? Por Darcy?
Não agora, ele pensou e riu quando o desejo desapareceu.
Por que tivera medo da morte? Sentia-se bem mais vivo agora do que quando
carregava o peso de seu corpo físico.
Com exceção...
O sorriso de Jonathan sumiu. Queria estar vivo quando estivesse ao lado de
Darcy. Ela existia no plano físico, mas ele não. Estavam separados por uma
barreira intransponível.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Seria intransponível? Com o tempo poderia descobrir se haveria
possibilidade de alguma coisa acontecer entre ele e Darcy.
Com ela em mente, lembrou-se do encontro que devia estar ocorrendo agora.
Por que ela marcara um encontro com o banqueiro e com o advogado? O que
pretendia?
O que teria decidido fazer com a casa? Jonathan voltou a pensar. Apesar de
que pressentia que Darcy já tivesse tomado alguma decisão dias antes, ela não
lhe fizera nenhuma confidência. Prometera que lhe contaria tudo quando voltasse
do encontro que teria com o sr. Singleton e o dr. Mansford.
Naturalmente, ele poderia ter entrado na mente de Darcy e descoberto o que
ela decidira. Mas se recusou a fazer isso. Não invadiria a mente de ninguém,
prometeu a si mesmo.
Talvez pudesse tê-la acompanhado, assim saberia de tudo mais cedo.
Poderia aconselhá-la, guiá-la.
Você está envolvido demais com ela. Seus conselhos não seriam imparciais, e
sim visariam seus interesses.
Sim, Jonathan sabia que o comentário de seu guia traduzia a verdade. Seria
tentado a impor seus interesses a Darcy. Queria que ela ficasse em Denver, que
ajudasse Sarah e todas as mulheres da La Rouge. Sabendo disso, decidira não
acompanhá-la naquele encontro.
Não que não pudesse seguir Darcy aonde quer que ela fosse, a qualquer
lugar do mundo. Para estar ao lado de Darcy, Jonathan não precisava ficar em
Denver. Ela podia vender a casa e voltar a Filadélfia, ou viajar pelo mundo, agora
que era financeiramente independente. Ele sabia, intuitivamente, que poderia
segui-la, enquanto se recusasse a aceitar o êxtase oferecido pela luz.
Mas algo o prendia a Denver. Uma espécie de angústia por haver deixado de
realizar alguma coisa.
Agora devia permitir que Darcy tomasse suas próprias decisões. Jonathan
podia apenas lhe oferecer sugestões, apontar para opções possíveis para que ela
as levasse em consideração na hora de sua escolha.
Naquela manhã, ele tinha escolhido ficar e esperar pela volta de Darcy.
Então, a decisão já teria sido tomada.
Provavelmente, ela estaria agora no banco, e a reunião demoraria. Jonathan
suspirou. Precisava ter paciência, muita paciência.
Deu uma olhada na direção que o cabriolé tomara e sentiu-se como um
humano, tomado por uma sensação de incerteza e ansiedade quanto a Darcy e
sua escolha.
— Bom dia, srta. Flynn — o dr. Mansford disse, tirando o chapéu e se
aproximando do cabriolé para ajudá-la a descer.
— Bom dia e obrigada — Darcy respondeu, aceitando a mão que o advogado
lhe estendia. — Lamento havê-lo feito esperar.
— Não por isso. A senhorita chegou exatamente na hora. Eu é que cheguei
cedo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Será que o advogado estava ansioso pela reunião? Ela se perguntou. Virou-
se para o irlandês, que ainda segurava as rédeas do cavalo, esperando por suas
ordens.
— Há algum lugar onde o senhor possa ficar enquanto espera, sr. Dugan? —
Darcy perguntou, olhando a rua empoeirada e cheia de carroças e homens a
cavalo. — Algum lugar onde haja sombra?
— Há um estábulo aqui perto, srta. Flynn. Não precisa se preocupar comigo.
O sr. Singleton pode me avisar quando a senhorita estiver pronta para partir.
— Muito bem, então. — Darcy começou a entrar no banco, mas se deteve,
voltando-se mais uma vez para o criado. — Veja se bebe alguma coisa que limpe
a sua garganta da poeira da estrada.
— Vou fazer exatamente isso, senhorita. Há um bar aqui perto — ele disse,
apontando para uma direção.
— Muito bem, sinta-se livre para matar a sua sede. — Darcy seguiu o
advogado, porém antes alertou o criado: — Beba, mas não exagere, sr. Dugan.
Mantenha os sentidos em alerta.
— Eu sempre faço isso! — Clancy Dugan exclamou, escondendo um sorriso.
— E devo tomar a liberdade de lhe sugerir a mesma coisa, srta. Flynn. Quanto à
reunião, naturalmente.
— Pois é exatamente o que espero fazer, sr. Dugan.
Clancy Dugan continuou parado, satisfeito. Já gostava bastante da filha de
Colleen Flynn. Quando a viu sumir dentro do prédio, foi imediatamente cumprir
as ordens que recebera.
James Singleton estava esperando Darcy e o dr. Mansford em seu escritório
particular. Acolheu os dois com um sorriso simpático.
— Seja bem-vinda, srta. Flynn. Estou feliz em vê-la novamente. Tenho
esperado ansioso por esta nossa reunião desde que recebi o seu bilhete pedindo
que a marcasse.
— Que delicadeza de sua parte, sr. Singleton. Obrigada. — A voz suave e a
expressão serena de Darcy não revelavam toda a incerteza que ela sentia.
Não que tivesse alguma dúvida quanto à decisão que tomara. Não tinha
nenhuma. Estava firme como uma rocha a respeito disso. A incerteza vinha por
desconhecer a reação dos dois cavalheiros à sua frente.
— Posso lhe oferecer um refresco? — James apontou para urna pequena
mesa perto de sua escrivaninha. — Pode ser chá ou um copo de limonada.
Foi só então que Darcy notou que sua garganta estava seca pela poeira da
estrada.
— Um chá seria ótimo — ela disse, sorrindo. — Obrigada.
Enquanto James providenciava as bebidas, os pensamentos de Darcy
retornaram à varanda da casa de sua mãe. Lembrou-se da sombra que ela vira lá
quando o cabriolé partira.
Jonathan.
Teria ele entrado no cabriolé, invisível, com o intuito de segui-la? Olhou em
volta para ver se o enxergava em algum canto, materializado apenas para ela.
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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Não o viu. Tentou então captar algo de sua essência. Isso lhe seria revelado
caso Jonathan estivesse ali.
Nada sentiu, nem uma mínima indicação de sua proximidade. Ficou
satisfeita que ele não tivesse saído dos limites da casa.
Reprimindo um senso de alívio misturado com o de arrependimento, Darcy
afastou esses pensamentos, preparando-se para apresentar seus argumentos, se
isso fosse necessário, enquanto o sr. Singleton estendia uma xícara de chá para
ela e um copo de limonada para o dr. Mansford. Então, quando os três estavam já
bem acomodados, Darcy começou a explicar por que convocara a reunião.
Entre goles do delicioso chá inglês, em poucas palavras ela expôs os planos
para seu futuro e o das mulheres da casa.
— Como os senhores podem ver — Darcy comentou, finalizando eu
convoquei esta reunião com o objetivo de lhes pedir ajuda para colocar meus
planos em prática.
Não era de se surpreender que os dois homens estivessem tão perplexos que
nem conseguiam falar. Tanto o banqueiro quanto o advogado a olhavam como se
não estivessem acreditando no que haviam ouvido. O banqueiro raspou a
garganta e finalmente pareceu decidido a dar sua opinião. O dr. Mansford
continuava boquiaberto.
— Mas... mas, srta. Flynn — James Singleton protestou em um pouco mais
que um sussurro. — Isso... isso é... — Ele não conseguiu falar e apenas abanou a
cabeça.
— Estranho? Incomum? — Darcy colocou sua xícara, agora vazia, de volta à
bandeja. — Sim, estou ciente de que, embora incomum, é o que pretendo fazer.
Talvez devido aos tantos anos que trabalhara para Colleen Flynn, o dr.
Mansford foi o primeiro a se recuperar.
— A senhorita é de fato filha de sua mãe! — ele exclamou com admiração.
Então lhe sorriu. — Tem consciência de que haverá reação por parte do povo,
certo?
Apesar de ser era mais uma afirmação do que uma pergunta, Darcy quis
dar-lhe uma resposta.
— Sim, eu sei o que me espera.
— Não entendo, srta. Flynn. — A voz de James Singleton combinava com
sua expressão de desnorteio. — A senhorita é obviamente uma mulher culta. Por
que decidiu assumir uma tarefa como essa, sem mencionar que terá de enfrentar
a ira das boas senhoras da cidade?
Darcy escondeu um sorriso diante da expressão que ele usara ao se referir
às senhoras distintas do lugar.
— Sou uma professora, sr. Singleton — ela respondeu. — E neste instante,
sinto-me com a obrigação moral de ajudar essas mulheres que trabalharam para
minha mãe e a ajudaram a enriquecer. Poderia o senhor me sugerir uma forma
melhor que me levasse a ajudá-las?
— Mas não há razão alguma para que a senhorita se sinta obrigada a fazer
qualquer coisa por elas. Nenhuma mesmo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não concordo com o senhor.
James Singleton não estava acostumado que seus conselhos não fossem
ouvidos. Passou a mão pelos cabelos e depois se virou, esperançoso, para o velho
advogado.
— Paul, diga a ela que está enganada.
O dr. Mansford meneou a cabeça vagarosamente. Seu sorriso indicava que
havia aceitado a idéia de Darcy.
— Não adiantaria nada, James. Em todos os anos em que trabalhei para
Colleen Flynn, aprendi a não contrariá-la nem ir contra os seus projetos. Ela
estava sempre certa, como eu descobriria depois. — Ele sacudiu os ombros. — E
a srta. Flynn é igualzinha à mãe. Se estiver decidida a fazer alguma coisa, nada a
fará mudar de idéia.
James Singleton parecia estar sem argumento algum.
Darcy sentiu-se animada, apesar de conter seus sentimentos de vitória,
pressentindo que seria deselegante com os dois cavalheiros. A srta. Reinholt
aprovaria o que ela estava fazendo e como estava se comportando.
— Obrigada, senhor. — Darcy dirigiu ao advogado um olhar de
reconhecimento. Então, virou-se para o banqueiro e tentou apaziguá-lo. —
Precisarei de seus conselhos conforme eu for colocando os meus planos em
prática, sr. Singleton.
James exalou um suspiro de rendição.
— Eu a ajudarei com todo o prazer, srta. Flynn. Sugiro que comecemos com
uma revisão completa da sua situação financeira aqui no banco. — Ele procurou
uma pasta em sua escrivaninha. — Como disse à senhorita no dia em que fui à
sua casa para lhe oferecer as minhas condolências — ele prosseguiu, abrindo a
pasta e pegando uma folha em particular —, eu administrei pessoalmente a conta
que sua mãe abriu para a senhorita tão logo chegou aqui a Denver.
— Sim, eu entendo e...
— Mas aquela não é a única conta em seu nome que está sob o meu controle
exclusivo — ele continuou, interrompendo-a.
— Não é apenas uma conta? — Darcy surpreendeu-se. — Minha mãe abriu
mais do que uma conta para mim?
— Não, não foi sua mãe. A segunda conta quem abriu foi seu pai.
Darcy sentiu um frio envolver seu corpo e empalideceu. A ansiedade
pareceu-lhe fechar a garganta, e ela temeu que a voz não saísse.
— Meu... meu pai?
— Sim. — A expressão nos olhos de James Singleton revelava que ele sabia
que Darcy era uma filha ilegítima. Sabia disso e se condoia pelo embaraço dela.
— Seu pai, o sr. Stephen, abriu a conta no mesmo dia que sua mãe. Não lhe
deixou uma pensão, mas bens sob custódia.
— Ah, entendo. — Darcy sentiu o rosto quente. Estava mortificada e
humilhada. De alguma forma, sabendo que o banqueiro conhecia toda a sua
ilegitimidade, fazia com que seu embaraço aumentasse.

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James Singleton evitou os olhos dela. Até ele havia ruborizado. Parecia
desconfortável em sua cadeira.
Depois de alguns momentos de silêncio embaraçoso, o dr. Mansford resolveu
intervir.
— Bem, James, você poderia fornecer dados mais específicos sobre esses
bens?
— Sim, claro. — O banqueiro aproveitou a oportunidade para escapar
daquele momento de embaraço. — Como eu disse, o sr. Stephen Darcy veio me
procurar tão logo a srta. Flynn abriu a conta para a filha. Ele estabeleceu uma
custódia sobre uma certa quantia, dando-me instruções precisas de como eu
deveria administrá-la. — O tom de voz do banqueiro adquirira um tom bem
profissional. — Segui as suas instruções fielmente, investindo com prudência no
que eu acreditava serem as melhores ações do mercado. — O sorriso de James
Singleton revelava sua satisfação. — Em resultado dessa minha administração
dos bens, o valor aplicado é agora dez vezes maior. — Ele citou o valor, depois se
encostou a sua cadeira apreciando as expressões de surpresa no rosto do
advogado e no de Darcy.
Espantada, ela ficou olhando o banqueiro sem acreditar no valor que ele
declarara. Era imenso, grande demais e, aparentemente, era seu.
— Srta. Flynn? — A voz do banqueiro demonstrava sua preocupação.
Endireitou-se em sua cadeira, assustado com a palidez do rosto de Darcy. — Está
se sentindo bem? — perguntou, ansioso. — Posso lhe arranjar um pouco mais de
chá? Ou um copo de água?
— Não, obrigada — ela respondeu, e sua voz saiu como um sussurro. —
Eu... eu estou bem.
Mas era óbvio que não estava nada bem, e os dois homens sabiam disso.
Temiam que Darcy pudesse desmaiar de uma hora para outra.
O dr. Mansford estava igualmente nervoso.
— Srta. Flynn — ele disse com seu jeito que irradiava simpatia. — Prefere
que encerremos esta reunião agora? Podemos voltar a esse assunto em outra
ocasião. Até lá terá assimilado as informações que o sr. Singleton lhe passou.
Darcy sacudiu a cabeça, procurando readquirir seu controle. Ela viera para
expor seus planos e, com sorte, conseguir que os dois homens a ajudassem no
futuro. Procurara agir como a srta. Reinholt teria agido, comportando-se com
austeridade.
Embora estivesse atordoada, não agiria como uma tola que precisava de sais
para voltar de desmaios.
— Não — Darcy respondeu, agora com voz firme. — Agradeço seu
oferecimento, mas prefiro continuar agora com esse assunto.
Atendendo aos desejos dela, o banqueiro e o advogado prosseguiram a
reunião, sempre alertas, escutando os ambiciosos planos de Darcy.
Sentindo-se exausta, Darcy sentou-se no cabriolé, escutando a repetitiva
cadência das pisadas do cavalo e o chiar das rodas.
A reunião entre ela, o banqueiro e o advogado havia finalmente terminado.
Ela conseguira a promessa de que a ajudariam em tudo que viesse a precisar.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Mesmo assim, não estava satisfeita com seu sucesso. Sua vitória tinha sido
obscurecida ao citarem o nome de seu pai durante a reunião.
O pai dela.
Stephen Darcy.
Darcy estremeceu sob os raios impiedosos do sol do meio-dia. Tinha-se
esquecido completamente de abrir o guarda-sol para proteger-se. Mas isso não
importava. A revelação chocante que escutara há pouco a havia deixado em tal
estado que nada importava muito, nem o calor nem os barulhos da cidade.
Lembrou-se do que lera no diário de sua mãe. Nas primeiras páginas,
Colleen escrevera sobre um homem que havia acabado de conhecer.
Hoje conheci o homem da minha vida. Ele entrou na loja de papai
enquanto eu estava sozinha atrás do balcão. Seu nome é Stephen Darcy.
Ele é o homem mais bonito e encantador que conheci até hoje.
A anotação seguinte era datada de semanas mais tarde. O texto perturbara
Darcy profundamente.
Não me importo que Stephen já seja casado. Eu o amo acima das
convenções. Estou orgulhosa de estar esperando um filho dele.
Abalada por tais palavras, Darcy fechara o diário, depois o abrira
novamente, temendo a verdade que ela precisava saber. Achou-a algumas
páginas adiante:
Stephen comprou uma linda casa para mim e para nossa preciosa
filha, Darcy. Ele nos visita sempre que consegue escapar da sua família.
Nesse ínterim, abriguei quatro jovens distintas, mas que não têm dinheiro
nem bens e são obrigadas a se sustentar da única maneira possível para
elas. Stephen não está feliz com a minha decisão de abrigar essas
mulheres; no entanto, como ele pode objetar quando sua querida amante,
eu mesma, se encontra meramente um passo acima delas?
Estou contente.
Colleen tinha escrito, encerando essa sua declaração.
Lendo o texto vinte anos depois que havia sido escrito, Darcy sentia que as
palavras da mãe eram mais uma espécie de bravata, como para se convencer de
que tudo estava bem.
Apesar de desiludida, magoada, ferida em seu orgulho, continuara a ler o
diário, que se encerrava dois dias antes da morte de Colleen.
Pelas palavras da mãe, Darcy soubera que havia sido seu pai, Stephen
Darcy, que ensinara Colleen a lidar com as complexidades dos investimentos
financeiros. Também tinha sido Stephen, certo do iminente conflito entre o Norte
e o Sul, que, preocupado com a segurança de Colleen, insistira para que ela
vendesse a casa em Nova Orleans e se mudasse para o Oeste.
De acordo com o relato de Colleen, Stephen tinha ido vê-la em Denver na
média quatro vezes ao ano. Descobrir que o pai visitara sua mãe tantas vezes,
sem nunca ter ido ver a filha no colégio interno havia entristecido Darcy.
Contudo, no final do diário, Colleen escrevera como Stephen sempre amara a
filha, fruto do imenso amor que os dois sentiam um pelo outro.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Srta. Flynn? — A voz do sr. Dugan despertou Darcy de seus pensamentos.
— Estamos em casa.
Aquela casa seria a partir de agora seu lar? Darcy piscou os olhos marejados
de lágrimas. Não, ela disse a si mesma. Aquela casa não era seu lar. O único lar
que tivera havia sido o internato em Filadélfia. Mas faria com que agora a casa se
tornasse seu lar. Essa seria sua missão.
— É verdade, sr. Dugan. Estamos em casa.
— Jonathan? — Darcy chamou baixinho ao entrar em seu quarto. — Você
está aqui? — Tirou as luvas, o chapéu e jogou o guarda-sol e a bolsa sobre a
mesa. Foi até o espelho e inspecionou seu rosto para ver se não havia mais sinal
de lágrimas.
— Estou aqui. — Ele se encontrava ali, ao lado da lareira, como em tantas
outras vezes. Estava sem sua jaqueta habitual, usando uma camisa branca que
brilhava sob a luz forte do sol da tarde.
Darcy arregalou os olhos, surpresa... e sentiu um arrepio ao ver os ombros
musculosos de Jonathan, seu corpo perfeito e másculo.
— Você está só de camisa? E a sua jaqueta?
— Oh, desculpe-me. Não estou vestido apropriadamente. — Ele sorriu ao
olhar-se no espelho. — É que esqueci e... Vou remediar...
— Não, pode ficar assim mesmo. Estou apenas surpresa, não ofendida.
— Obrigado. —Jonathan a observou cuidadosamente. — Você foi magoada,
não é? Quem é o culpado pela dor que vejo nos seus olhos?
— Não é nada, Jonathan. — Darcy procurou chamar a atenção dele para
outro assunto. — Pedi ao sr. Dugan que reunisse todas as mulheres desta casa,
pois pretendo falar com elas. Marquei a reunião para daqui a uma hora. Quero
discutir os planos que fiz para o futuro.
— Verdade? E eu estou convidado para essa reunião?
— Sim, claro. Afinal, depois de todos os esforços que você fez para me
impressionar e convencer de que sou responsável pelas moças, creio que deve
estar presente. Nem sonho em excluí-lo. — Ela sorriu. — Não que eu pudesse,
certo?
Jonathan retribuiu o sorriso.
— Aceito o seu gracioso convite — ele murmurou, inclinando-se e fazendo
um gesto de cortesia. — Agora, diga-me quem e o que causou essa dor a que me
referi há pouco.
— Jonathan, por favor, eu realmente prefiro não discutir esse assunto.
— É por causa de seu pai?
Uma pergunta simples. Apenas poucas palavras. No entanto essas palavras,
pronunciadas com carinho, tinham o poder de tirar de sua garganta um grito de
dor.
— Você sabia que meus pais nunca foram casados? — Darcy perguntou,
assustando-se quando ele se materializou muito perto dela.

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— Sinto muito, Darcy. Não queria assustá-la com essas minhas
materializações. Mas, respondendo à sua pergunta, sim, eu sabia que seu pai,
Stephen Darcy, não era casado com sua mãe. — Jonathan não deixou que ela o
interrompesse e prosseguiu: — Eles se amavam verdadeiramente, Darcy. Mas seu
pai não podia negar os direitos legais que sua esposa tinha. Pagou o preço de seu
amor sofrendo porque acreditava que este o fazia perder a honra e a integridade.
— Mas eu sou filha ilegítima — ela protestou.
— Somente aos olhos dos mortais. Eu a considero legítima.
Isso não consolou Darcy. Muito pelo contrário. Sua mágoa aflorou ainda
mais.
— Ele não me amava!
— Você está enganada. Seu pai a amava mais do que você possa imaginar.
— Mas ele me abandonou — ela retrucou com veemência. — Nunca me
visitou depois que fui colocada na escola da srta. Reinholt.
— Isso porque a amava muito — Jonathan insistiu. — Você era a filha que
seu pai gerara do amor. Não a visitou para não chamar a atenção para a sua
ilegitimidade. Se ele tivesse ido até a sua escola, teria de revelar a sua identidade
à srta. Reinholt. Seu pai foi um homem honrado. Era escrupulosamente honesto.
— Mas viveu uma mentira! — Darcy exclamou.
— Não, não viveu. Ele contou à sua esposa sobre o amor que sentia por
Colleen antes de começar o romance com ela. Implorou à esposa que concordasse
com a separação. Ela recusou, dizendo que pretendia manter a sua posição na
sociedade, que ele podia fazer o que quisesse, mas que nunca o libertaria dos
laços do casamento.
— Oh, papai... — Darcy murmurou. — Pobre mamãe. Que coisa terrível
serem forçados a viver um amor às escondidas.
— Eles não foram infelizes, Darcy. Ficaram tristes ao tomar a decisão de
mandá-la para um colégio interno. Estavam determinados a protegerem você de
comentários maldosos.
— Mas... — Darcy lembrou-se de um fato que ainda a perturbava demais. —
Mas ela montou esta casa. Uma casa de má fama.
— De fato. Porém nunca esteve disponível aos fregueses da casa. Somente
seu pai era o seu amante, o seu amor.
Darcy sentiu um alívio enorme. Sua mãe não trabalhara como as outras
mulheres dali. Fechou os olhos e logo sentiu um toque suave em seu rosto.
Jonathan! Abriu imediatamente os olhos. Ele tinha a mão erguida e próxima ao
rosto dela, como se a estivesse acariciando.
— Darcy, eu sei como Stephen e Colleen se sentiam. Estou conhecendo o
poder, a beleza e a agonia de um amor que consome. Eu nunca me apaixonei
antes, mas agora sinto o que é o amor.
— Oh, Jonathan, não! — Darcy afastou-se procurando evitar que ele a
tocasse. Mesmo sem ser físico, o mero roçar de seus dedos etéreos pareciam
despertar nela sensações desconhecidas e perturbadoras.
— Você também sente, Darcy.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Sim, eu sinto. Mas, Jonathan, isso é errado.
— O amor nunca é um erro.
— Neste caso é! Você sabe que é! — Sacudindo a cabeça, ela se afastou na
direção da janela. Encostou-se no vidro frio, enquanto procurava controlar suas
emoções.
— Nosso amor não é um erro, Darcy — ele repetiu.
Ela não lhe respondeu. Estava entretida em enumerar todas as razões pelas
quais o amor deles não devia acontecer.
Em primeiro lugar, qualquer sentimento entre ambos não tinha futuro.
Jonathan não possuía um corpo físico. Parecia real, mas não era uma pessoa
viva. Nunca poderiam viver juntos nem constituir uma família ou estabelecer um
lar. Jonathan estava no passado, seu próprio passado.
Os pensamentos, os medos, as objeções perturbavam a mente de Darcy,
levando-a a olhar com desespero para aquele homem que era apenas uma
sombra. Um espectro que no início ela temera, depois passara a apreciar e agora
amava.
— Darcy? — Jonathan chamou, tirando-a de sua perturbadora introspecção.
Ela começou a chorar silenciosamente.
— Não chore, minha querida — ele implorou. — Não falo mais do amor que
sinto por você, se isso a deixa tão perturbada. Mas eu tinha de revelar os meus
sentimentos. Queria que soubesse que me apaixonei por você.
Darcy queria protestar, discordar, argumentar, porém na verdade não podia.
Como poderia negar uma realidade absoluta? Ela estava apaixonada, ele também,
ambos sem esperanças, mas absolutamente apaixonados.
— Você sente o mesmo, não é? — Jonathan sorriu.
— Sim — Darcy murmurou baixinho entre as lágrimas. — Eu o amo,
Jonathan.
— E eu a amo, Darcy. Esta é a verdade.
— Estamos perdidos, não é?
— Não, Darcy. Para as almas, nada está perdido.
— Mas você está falando de almas — ela argumentou. — Eu estou falando
de amor, do nosso amor, do nosso amor sem esperanças.
— Sempre há esperanças quando se ama.
— Eu procuro respostas, e você me oferece filosofia — Darcy protestou.
— Engana-se. — Jonathan balançou a cabeça. — Eu ofereço a verdade,
querida. A verdade que diz que o amor é universal. Não conhece limites nem na
vida e nem na morte. Pode ser diferente na forma, mas é igual no valor. O amor
romântico que compartilhamos é tão forte, tão verdadeiro como qualquer
expressão de amor.
— Mas não pode haver futuro para nós. — Ela soluçou. — Não podemos
compartilhar uma vida.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não esta, porque a minha acabou. Mas o meu guia... o meu guia disse
que há um maneira, uma saída.
Darcy não estava mais escutando o que Jonathan dizia. Desolada com a
futilidade do amor que os dois sentiam, andava pelo quarto em desespero.
— Jonathan, não diga mais nada. Nosso amor é impossível. Não pode haver
nada entre nós dois. Não há um amanhã. Nem casamento. Nem filhos.
— Eu sei. Tudo o que temos é o aqui e o agora. O presente. Na verdade, o
presente, cada momento, é realmente tudo o que sempre teremos.
Darcy continuou a andar pelo quarto até que chegou a hora de se reunir
com as mulheres. Seria acompanhada por aquele ser etéreo e aceitaria dele, sem
discussão, toda a sua sabedoria e compreensão.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO X

As mulheres pareciam inquietas, preocupadas, algumas até nervosas.


Darcy estava igualmente nervosa. As turbulentas emoções surgidas com a
conversa que acabara de ter com Jonathan continuavam a atormentá-la,
distraindo seus pensamentos.
E pelas expressões do rosto de cada uma das moças, ela soube, no instante
em que entrou na sala de refeições, que precisava ficar alerta e de cabeça fria.
Caso contrário, tudo daria errado na reunião. E Darcy queria garantir que seus
planos fossem entusiasticamente aprovados. Suspirou fundo e procurou afastar o
medo que a invadia.
— Estou torcendo para que a senhorita tenha convocado esta reunião para
nos dizer que vai reabrir a casa. — Era Sally quem tomara a iniciativa de falar
primeiro. — Os clientes estão ficando cada vez mais impacientes com esse
período de luto tão prolongado.
Afastando para um canto de sua mente seus problemas amorosos e suas
preocupações, Darcy olhou firme para a jovem que havia lhe roubado a
oportunidade de ir apresentando seus planos gradativamente, o que lhe daria
mais chance de vê-los aprovados. Agora, desafiada, ela respirou fundo, expirou,
depois sacudiu a cabeça para o lado.
— Não, Sally. Enquanto eu for a dona desta moradia, ela nunca será
reaberta como casa de má fama. Nem sei como pôde sequer pensar nessa
possibilidade.
Sua declaração foi recebida por olhares incrédulos e por um profundo
silêncio por alguns segundos, depois a sala foi sacudida com os protestos de
todas as mulheres.
— O quê?!
— Mas por que não disse isso antes?
— Como acha que vamos ganhar a vida?
— A senhorita não devia ter enganado a gente!
— Eu sabia que isso ia acontecer!
— Diabos! — Era justamente Sally que se expressava dessa forma.
— Por que nos fez perder todo esse tempo?
— O que vamos fazer agora?
Sentindo-se cercada em um campo de batalha, Darcy deu um passo para
trás quando ouviu a voz que viera a conhecer tão bem.
Não recue agora. Diga a elas as suas intenções.
Darcy endireitou o corpo, ergueu os ombros e o queixo. Não seriam aquelas
mulheres a derrubarem seus planos.
— Se vocês forem gentis e me derem a sua atenção, eu lhes explicarei o que
tenho em mente. — Ela sentiu que estava imitando a srta. Reinholt.

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O efeito da voz firme de Darcy e do olhar que dirigia às mulheres foi
suficiente para fazer com que parassem a gritaria e silenciassem.
— Obrigada. — Usando de um sorriso cortês, Darcy entrou na sala e sentou-
se à cabeceira da mesa, o lugar que sua mãe sempre ocupava. — Por favor,
sentem-se. — Ela inclinou a cabeça, indicando cadeiras para duas mulheres que
ainda estavam de pé. Quando Sally e Katie se sentaram, Darcy ergueu a voz
chamando Dora e Clancy, que se encontravam na cozinha.
— Dora... Sr. Dugan, por favor, reúnam-se conosco.
Darcy ignorou os cochichos em volta da mesa e a silenciosa sombra a seu
lado. Sentou-se ereta, segurando a pasta onde estavam escritos seus planos e
esperou pela cozinheira e pelo criado, procurando aparentar calma e paciência
ilimitadas.
O calor da sala a invadiu, mas ela procurou ignorar o desconforto. Não
entrava sequer uma brisa pela janela semi-aberta. O barulho de abelhas e a
fragrância de mel chamaram sua atenção. Passou-lhe pela cabeça que Dora devia
estar preparando algum doce.
— Bem, bem, senhorita — Clancy entrou esbaforido na sala e reuniu-se às
mulheres. — A senhorita me chamou? Do que se trata?
— Do nosso futuro — Darcy respondeu. — Do meu, do senhor e de todas as
mulheres que estão aqui. — Ela olhou diretamente para cada um daqueles rostos
com expressão calma e fria. Por dentro, cada nervo de seu corpo tremia.
— Que futuro é esse se não vamos reabrir a casa? — Sally perguntou,
nitidamente aborrecida.
— Espero que seja um futuro melhor do que se eu reabrisse a casa para
funcionar como antes — Darcy retrucou, sem hesitar.
— Bem, não vejo como... — Sally começou a argumentar.
— Fique quieta! — Katie exclamou, impaciente. — Talvez assim vamos poder
escutar o que a srta. Darcy tem em mente.
— Sim, Sally, pare de falar. — Jane assumiu o ar que preferia, o de uma
grande dama. — O resto de nós gostaria de ouvir o que a srta. Flynn tem a dizer.
Sally não parecia querer deixar de argumentar, mas quando viu que muitas
de suas colegas estavam interessadas em saber qual futuro Darcy lhes reservava,
decidiu dar um tempo.
— Depois de alguma reforma, pretendo abrir a casa — Darcy disse. Ergueu a
mão, pedindo que as mulheres deixassem suas perguntas para depois. — Não
como uma casa de prazer — ela continuou em voz alta e firme. — Mas como uma
escola particular.
— Uma escola! — Sally repetiu, torcendo os lábios em sinal de desgosto. —
Que tipo de futuro há para qualquer uma de nós em uma escola?
— Um futuro livre de ligações com a prostituição — Darcy respondeu
imediatamente. — Um futuro independente dos apetites cruéis dos homens.
— Mas... como? — Katie quis saber, confusa. — Quero dizer, como a sua
escola vai nos ajudar? — Ela indicou suas colegas. — Nós temos de ganhar a
vida.

84
CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Houve um murmúrio de concordância por parte do grupo.
— Mas vocês vão ganhar a vida, eventualmente.
— Eventualmente? — A jovem Sarah sacudiu a cabeça. — Não entendo o
que quer dizer com isso, srta. Flynn.
— Se concordarem — Darcy disse em um tom suave de voz —, estou me
propondo a educar cada uma de vocês, preparando-as assim para um trabalho
respeitável no futuro.
Jonathan exalou um suspiro de satisfação e aprovação.
Darcy sentiu um arrepio e tomou novamente consciência de que ele estava
ali ao seu lado. Essa proximidade a confundia e ela perdeu, por uns instantes, o
rumo da discussão que se iniciara.
Querida, as mulheres estão cheias de perguntas. Você precisa explicar melhor
os seus planos a elas.
Jonathan dissera isso em comunicação interior. Darcy viu que realmente as
moças estavam confusas e queriam respostas às suas perguntas.
— A senhorita vai nos ensinar a ler e escrever? — Havia nos olhos de Sarah
um ar de esperança.
— Sim, e a falar corretamente. Isso entre outras coisas. — A voz de Darcy
ganhara força.
— Que outras coisas? — Sally perguntou, agora em clara atitude beligerante.
Darcy sentiu que perdera definitivamente Sally. Tinha de lutar para não
perder mais nenhuma das outras moças.
— Quero lhes ensinar todas as matérias que as outras escolas ensinam às
moças — ela respondeu. — E talvez um pouco mais.
— Mas essas matérias às quais a senhorita está se referindo são dadas em
escolas particulares para moças.
— Precisamente.
— E essas escolas não cobram caro? — Essa preocupação parecia tirar o
brilho dos olhos de Sarah. — Eu... eu não tenho dinheiro para pagar uma escola
como essa.
O desapontamento de Sarah estava refletido no olhar das outras moças.
— Nem eu — Jane disse. — Nós nos sentíamos seguras, aqui com sua mãe.
Todas as mulheres pareciam concordar com as palavras de Jane.
— Vocês não vão precisar de dinheiro.
— Mas então... — Katie começou, depois parou e sacudiu a cabeça, como se
quisesse clarear as idéias. — Como isso será possível?
Preparada para essa pergunta, Darcy endireitou-se na cadeira para
responder.
Não ofereça caridade a elas.
Ela ouviu perfeitamente a mensagem de Jonathan, embora ele não falasse
em voz alta.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Você acha que sou uma tola? Darcy aproveitou para lhe responder usando a
comunicação interior que já estavam se habituando. Dispensou Jonathan e se
preparou para apresentar seu plano por inteiro.
— Vocês serão alunas e professoras ao mesmo tempo.
— Professoras? — as mulheres indagaram em uníssono.
— Já ouvi o suficiente — Sally declarou, levantando-se da cadeira. Olhou
para as colegas e debochou: — Beleza de bando de professoras vocês vão ser. —
Riu alto, antes de continuar: — Nós seríamos presas se fôssemos ensinar o que
sabemos...
— Você se engana, Sally — Darcy insistiu. — Por favor, sente-se novamente
e deixe-me terminar o que tenho a dizer.
— Não, madame. Sua mãe foi bondosa comigo, e a senhorita também tem
sido. Agradeço-lhe por isso. Mas posso ir trabalhar em qualquer outra casa do
mesmo tipo que a nossa era. E é o que vou fazer. Sairei daqui hoje mesmo. —
Com essas palavras, ela se virou e deixou a sala.
Darcy se levantou e tentou chamá-la de volta. Parou quando ouviu a
comunicação de Jonathan.
A escolha é dela.
— Sally tomou a sua decisão! — Clancy Dugan exclamou, reforçando o que
Jonathan dissera. — Não se aborreça com isso, srta. Flynn. Deixe a moça tomar o
rumo que quiser.
Com um sinal de que aceitava a decisão de Sally, Darcy sentou-se. Percebeu
que tanto Dora como o sr. Dugan haviam se levantado.
— Dora, sr. Dugan, não querem se sentar? O que eu tenho a dizer pode levar
um certo tempo.
Em vez de obedecer, Dora observou a palidez de Darcy.
— A senhorita comeu alguma coisa hoje? — ela perguntou com evidente
impaciência.
Darcy não conseguiu deixar de sorrir.
— Não — confessou. — Mas eu não...
— Nada disso. Se vamos ficar aqui um bom tempo, como a senhorita acabou
de dizer, vou lhe preparar um café e alguns sanduíches. — E Dora rumou para a
cozinha resmungando: — Ah, essas mocinhas educadas parecem não saber que o
corpo precisa de comida para ficar de pé.
— Vou ajudá-la, Dora — Sarah se ofereceu. — Eu também estou com fome.
— Pensando nisso, acho que não comi nada hoje — reclamou Daisy. —
Também quero ajudar.
June e Molly seguiram as colegas. Katie e Jane continuaram sentadas.
Aproveitaram para relaxar enquanto sorriam para Darcy.
— Bem, senhorita — Clancy virou-se para ela. — Como nenhuma das outras
garotas parece disposta a acompanhar Sally, diria que tem pelo menos seis
estudantes-professoras na sua nova escola.
Eu diria que ele está certo. Este foi o comentário silencioso de Jonathan.

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— Professoras. — Jane sorriu. — Isso pode vir a ser interessante. — Mas,
desculpe-me, srta. Flynn, simplesmente não posso imaginar como isso será
possível.
— Vou lhes explicar tudo. Já esperava que algumas de vocês gostassem da
idéia.
— Eu gostei! — Katie exclamou. — Mas estou mais do que surpresa.
— Ora, Katie — Clancy chamou a atenção da jovem. — Depois de tanto
tempo trabalhando nesta casa com Colleen, eu é que estou surpreso de que ainda
existe alguma coisa que surpreenda você.
— Você está mais do que certo — Katie concordou, rindo. — A nossa Colleen
nunca foi uma mulher previsível.
Neste instante, todas as outras mulheres invadiram a sala trazendo da
cozinha enormes travessas. Clancy levantou-se para livrar Molly da travessa
pesada que vinha com dois enormes bules de café fresquinho, cujo aroma invadiu
o cômodo. Darcy suspirou. Um café bem que vinha a calhar.
De repente faminta, ela procurou ver o que as moças traziam para a mesa.
Daisy trouxe somente pratos, talheres e guardanapos de linho. June vinha com
copos, um açucareiro e um pote de creme. Os olhos de Darcy procuraram,
ansiosos, pela bandeja com comida. Finalmente, alguém colocou na mesa uma
travessa com uma pilha de sanduíches de bacon frito e rosbife. Sarah entrou com
as sobremesas. Havia um bolo, uma torta de maçã e uma cesta cheia de cookies
que acabavam de sair do forno. Eram recheados com mel.
Dora reuniu-se às moças, carregando um pote com picles. No rosto, um
largo sorriso.
— Sirvam-se, meninas — ela anunciou. — Não precisam fazer cerimônia.
Ninguém fez cerimônia mesmo. Até Darcy atacou a comida. Rindo e
conversando, elas rapidamente passaram os pratos, xícaras e talheres e, em
seguida, os sanduíches e os picles. Clancy se encarregou de servir o café, já que o
bule era bem pesado.
A conversação passou a ser feita por murmúrios, pois todos estavam
ocupados demais comendo. Aqui e ali, alguém fazia um comentário. Darcy estava
contente por poder saciar sua fome.
A impressão é de que elas estão comendo como sempre fizeram, mas, se
observar melhor, verá que estão usando talheres, e não mais comendo com as
mãos, murmurou-lhe Jonathan.
Ele parecia feliz, muito satisfeito. Estava animado com o rumo dos
acontecimentos e, assim, continuou passando seus comentários para Darcy.
Reparou nos olhos brilhantes de Clancy? Estou indeciso se é por causa da
sua idéia de montar uma escola ou porque está ao lado de uma jovem ruborizada
que se esforça ao máximo para chamar a atenção desse irlandês boboca.
Ocupada demais em comer um delicioso rosbife, Darcy apenas fez um gesto
de cabeça, concordando com Jonathan.
Não demorou muito e tudo o que sobrara do lanche eram uns poucos picles,
um punhado de cookies, uma fatia de torta, um minúsculo pedaço de bolo e
algum café no bule. Foi quando Katie reintroduziu o assunto da reunião:

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Bem, srta. Darcy. Todas nós estamos bem alimentadas, já nos acalmamos
e estamos prontas para ouvir o que tem a dizer. Vai nos explicar essa sua idéia de
professora-estudante?
— Sim, claro. É muito simples, por sinal. — Darcy sorriu diante dos olhares
de dúvida de cada uma das moças à sua frente. — Primeiro, deixem-me explicar
que a minha escola será diferente das escolas particulares em geral, pelo menos
quanto ao seu currículo.
— Desculpe-me, srta. Flynn. — Sarah parecia embaraçada. Eu não sei o que
é currículo.
— É o que será aprendido na escola, Sarah. — Darcy sorriu para a jovem. —
Na maioria das escolas particulares para meninas e moças, o currículo sempre
inclui instruções de boas maneiras e tudo aquilo que a sociedade considera que
toda mulher deve saber.
— Como aquela em que a senhorita estava, não é? — Clancy comentou.
Darcy inclinou a cabeça em sinal de que concordava com ele.
— A diferença que pretendo implantar na minha escola é incluir outros
cursos que, em minha opinião, são indispensáveis a toda mulher aqui do Oeste.
Enfim, os elementos práticos com os quais todas vocês estão familiarizadas.
Percebeu que todas estavam atentos ao que ela dizia. Assim, continuou sua
explicação.
— Nas duas semanas que estou aqui, vi que cada uma de vocês possui um
talento para alguma coisa. E a minha idéia é exatamente essa, enquanto eu
ensino cada uma de vocês o básico de uma educação formal, vocês ganharão o
seu lugar aqui ensinando umas às outras, compartilhando seus talentos
individuais e habilidades.
— O quê? — Molly arregalou os olhos.
— Que talentos? — June perguntou.
— Não sei se entendi bem — reclamou Daisy.
Enquanto Clancy permanecia em silêncio, Dora parecia confusa. Katie
expressou suas dúvidas arqueando as sobrancelhas. Coube a Jane fazer a
pergunta que estava na cabeça de todas elas.
— Posso sugerir que a senhorita explique mais claramente essa história de
talentos e habilidades? A que talentos e habilidades se refere?
— Você, Jane, por exemplo, sabe se comportar e falar corretamente. —
Darcy sorriu. — Ouvi dizer que adquiriu essa habilidade observando minha mãe.
É verdade?
— Sim, mas...
— Você não poderia ensinar as outras meninas a falarem e se comportarem
como uma dama?
Jane pareceu ficar muito satisfeita com a sugestão de Darcy.
— Ora, ora, posso, sim. E seria muito agradável.
Até agora, Jonathan tinha se contentado em ficar posicionado um pouco
atrás de Darcy, não a distraindo com a sua presença. No entanto, de repente, ele

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
se materializou para ela, parecendo vivo como os demais na sala. Era um homem
muito atraente. Mas Darcy não podia perder tempo olhando para ele. Assim,
concentrou-se na resposta de Jane.
— Tenho certeza de que você se sentirá bem fazendo isso, Jane.
Neste momento, June estremeceu e fez uma observação que chamou a
atenção de todas elas.
— Meninas, estou me sentindo um pouco estranha. — Ela olhou para a
janela para ver se estava aberta, pois sentiu um frio repentino.
— Tem razão, June! — Daisy exclamou. — É como se alguém estivesse nos
observando. Mas não há ninguém além de nós.
— Sinto um frio estranho — Molly sussurrou, arregalando os olhos para
buscar o apoio de Clancy.
— Agora que vocês falaram nisso — Dora disse, olhando em volta um pouco
assustada —, devo confessar que ando sentindo umas coisas estranhas nos
últimos tempos.
— Parece que a casa está mal assombrada, não é? — Clancy comentou,
tentando aliviar a tensão da sala.
— Mal assombrada! — Sarah arregalou os olhos, quase em pânico.
— Não seja tola — repreendeu-a Katie. — Meninas, vamos voltar ao que nos
interessa?
— Certamente — Darcy disse, esperando que Jonathan adotasse um aspecto
que não despertasse a atenção de ninguém. Como se pudesse ler a mente de
Darcy, ele sorriu e tornou-se invisível. Como por milagre, o frio da sala foi
substituído pelo calor da tarde.
— Vocês estão sentindo, meninas? — Dora mordeu o lábio. — Já não está
mais frio. O calor voltou. É coisa de casa mal-assombrada, como o sr. Dugan
sugeriu.
— Também, morreram duas pessoas aqui. Será que há almas penadas
perambulando pela casa? — June arregalou os olhos e olhou ao redor.
— Nem sei se vou conseguir dormir sozinha! — Molly exclamou, olhando
sugestivamente para Clancy Dugan.
— Bem, vamos deixar para discutir esse assunto depois, o que acham,
meninas? — Darcy perguntou.
— Ah, sim — várias delas concordaram.
— Então, eu falava de talentos. Bem, vejamos você, Katie. Reparei que sabe
usar um revólver. E desde que parece que uma jovem aqui nesta região precisa
saber atirar, você poderá ensinar como se maneja uma arma.
— A senhorita também vai querer aprender?
— Naturalmente — Darcy respondeu. — Depois do desagradável incidente
que aconteceu logo depois da minha chegada aqui, sinto-me em desvantagem em
não saber me defender sozinha em caso de necessidade.
— Está bem, eu posso fazer isso — Katie concordou. — Mas este me parece
um preço muito baixo que eu pagaria para ser educada.

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E, assim, Darcy foi apontando em cada uma das mulheres o talento e a
habilidade que possuíam. Cumprimentou Daisy por saber escolher sua roupa,
combinando bem as cores e usando apenas o que lhe caía bem.
Comentou sobre o talento de June em cozinhar e saber cuidar de uma casa.
Darcy soubera que ela sempre ajudava Dora na cozinha.
Elogiou Molly por seu talento em usar agulha e linha, em saber remendar e
reformar roupas.
Cada uma das moças sentiu-se feliz e todas concordaram em ensinar o que
sabiam para as colegas como pagamento pela oportunidade de receber as aulas
que Darcy lhes daria.
Todas, menos Sarah. A jovem mordeu o lábio e piscou, tentando esconder as
lágrimas.
— Eu não sei fazer nada, srta. Flynn. Não tenho talento algum.
— Verdade? — Darcy procurou esconder um olhar de compaixão e sorriu. —
Pois quem é que passou a me arrumar o cabelo e deixá-lo maravilhoso com os
novos penteados que você sabe fazer tão bem?
— Sim, mas...
— Sarah, deixe-me elogiar os seus talentos como cabeleireira. Esse é um
talento raro, e eu a invejo. — Darcy olhou em volta em busca de confirmação. —
Não estou certa, meninas?
O coro afirmou que sim.
— Mas... é tão fácil! — Sarah exclamou, sacudindo a cabeça como se não
acreditasse no que estava ouvindo. — Eu posso ensinar todas vocês, se quiserem.
— Isso mesmo! — Darcy sentiu-se maravilhosamente bem. A garota parecia
convencida de que não era uma inútil. Reparou que Sarah queria ainda lhe dizer
alguma coisa.
— O que é, meu bem?
— Quer dizer que, somente por ensinar as outras como penteio o meu
cabelo, posso ficar aqui, srta. Flynn, e aprender a ler e escrever?
— Sim, é claro — Darcy lhe assegurou. — Estaremos todas nós ocupadas em
ensinar o que sabemos umas às outras.
— E eu? — A voz de Dora denotava preocupação.
— Ora, você continuará cuidando da casa e preparando a sua deliciosa
comida. Isto é, se quiser permanecer conosco.
— Ah, tente se livrar de mim, srta. Flynn!
— E quanto a mim, srta. Flynn? Não vai precisar de um homem como eu
aqui, na sua escola para moças.
— O senhor está certo, sr. Dugan. Mas esta continuará sendo uma casa só
com mulheres, e precisaremos de proteção. Posso contar com a sua ajuda?
— Oh, senhorita! — Clancy levantou-se e fez uma reverência a Darcy. —
Estou honrado que me queira aqui.

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Estava tudo combinado. Agora, Darcy permitiu-se suspirar de alívio e
recostar-se em sua cadeira.
— Estou contando com a sua ajuda, sr. Dugan. Quero trans formar esta
casa em escola. — Ela parou por um instante, depois acrescentou com
entusiasmo: — Vamos fazer desta casa um lar.

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CAPÍTULO XI

Aliviada, Darcy retomou ao seu quarto. Podia descansar agora. Fechou os


olhos e encostou a cabeça no travesseiro. Fez uma prece agradecendo pelo fato da
reunião ter dado certo. O dia lhe reservara momentos tensos, mas não podia
deixar de reconhecer que muita coisa importante acontecera em um espaço tão
curto de tempo.
Primeiro, descobrira-se riquíssima, depois Jonathan lhe contara de como o
pai dela não a abandonara, mas sim procurara protegê-la de pessoas
preconceituosas, e, finalmente, tinha contado seus planos às garotas, e elas
haviam adorado a idéia de mudar de vida.
E houvera aquele momento junto de Jonathan em que seus corpos tinham
sentido atração um pelo outro. E as lágrimas que ela vertera por saber que o
amor deles era impossível.
Darcy abriu os olhos e consultou o delicado relógio de cabeceira. Eram
18h42. De fato, o dia fora longo.
Ela perdera Sally. Analisou se isso a aborrecia demais, mas concluiu que
houvera apenas uma baixa. As outras garotas estavam entusiasmadas. Darcy
poderia transformar aquela casa de má fama em uma escola particular. Ela e as
moças haviam discutido idéias e sugestões de como redecorariam a mansão.
Finalmente, deram a reunião por encerrada. Como estava chegando a hora do
jantar, algumas foram para a cozinha ajudar Dora, outras subiram para seus
quartos.
Agora, quase de noite de um dos dias mais longos da vida de Darcy, a
satisfação por ter triunfado nessa primeira batalha diminuíra pela ação do
cansaço. Sentia-se exausta, não apenas no físico. Estava abalada também
emocionalmente.
Nada mais queria do que poder ficar ali com a cabeça no travesseiro e
esquecer-se da vida, dormir pelo menos por alguns minutos. A tentação era forte
demais, e Darcy quase começou a cochilar. O que a impediu foi ouvir o barulho
de alguém jogando água em sua banheira. Abriu os olhos lembrando-se de que o
sr. Dugan lhe prometera arranjar água quente para que ela pudesse se livrar da
poeira da rua.
O pensamento de submergir o corpo inteiro em água quente e perfumada por
sais de banho afastou um pouco o cansaço de Darcy.
— Já está tudo pronto para o seu banho — gritou o sr. Dugan lá do outro
quarto. — Pode vir, senhorita.
Ela esperou ouvir o criado fechar a porta ao sair do quarto de vestir.
Suspirando fundo, Darcy começou a desabotoar o vestido. Já tirara o casaco
ao entrar no quarto e agora se despia vagarosamente. Naquele instante, um
pensamento cruzou-lhe a mente.
— Jonathan? — Ela parou de desabotoar o vestido. — Você está aqui?
Não o visualizou nem escutou nenhuma de suas mensagens mentalizadas.

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Aliviada, Darcy continuou a despir-se. Quando faltava apenas tirar o
espartilho, procurou no armário um roupão bem leve e atravessou calmamente o
quarto. Livrou-se das últimas peças de roupa e entrou na banheira, em cuja água
quente jogou mais sais de banho. Suspirou de prazer ao sentir seu corpo
banhado por aquele delicioso líquido.
De onde se encontrava, Darcy viu o reflexo de um raio riscando o céu e
sendo imediatamente seguido pelo estrondo de um trovão. O susto a deixou
alerta. Ao que tudo indicava, ela adormecera por alguns minutos na banheira. A
água havia esfriado consideravelmente. O ar do quarto estava também bem mais
frio.
Outro trovão a fez decidir sair da banheira. Levantou-se, esparramando água
por todos os lados.
O cômodo estava quase escuro. O ar, apesar de mais fresco, ainda era
opressivo por causa da aproximação da tempestade vinda das montanhas a
oeste. Mais outro raio e outro trovão a fizeram sair imediatamente da banheira.
Apesar de saber que era irracional, sem sentido, ridículo mesmo, Darcy
tinha pavor de tempestades.
Seus olhos se arregalaram, o coração bateu mais forte, e ela se enrolou em
uma toalha que havia perto da banheira e secou-se rapidamente.
Soltou um grito quando uma luz brilhou em seu quarto de dormir. O vento
que entrava pela janela aberta a fez tremer. Vestiu rapidamente seu roupão. O
suave tecido de algodão grudou-se nas partes que ela não havia secado bem e
revelaram as curvas de seu corpo.
Sem ajeitar direito a roupa, Darcy correu até o quarto de dormir e foi
diretamente para as janelas. Queria fechá-las como se, assim, pudesse afastar a
tempestade. Choramingando, viu mais um raio e ouviu outro trovão.
— Não precisa ter medo.
Darcy virou-se, assustada, e deu com Jonathan sentado em uma das
poltronas do quarto.
— Jonathan! Você adora me apavorar, não é? Quero dizer, com essas suas
súbitas aparições.
— Apavorar? Eu nunca apavorei ninguém. Tenho os meus poderes. Como o
de flutuar, sabia? Mas os bons espíritos não perturbam as pessoas.
— Ah, sim, claro. — Ela fechou a janela com dificuldade, porque o vento a
forçava para fora. — Bem, eu apreciaria se não o fizesse de novo. Isso me irrita.
— Seu desejo é uma ordem para mim. Como prefere que eu me anuncie no
futuro? Que assobie? Ah, sim. Posso cantar, talvez?
Darcy sabia que Jonathan estava ironizando. Agora, com a janela fechada,
sentia-se menos ameaçada pela tempestade.
— Você sabe cantar? Ou a sua voz faz lembrar o barulho de unhas riscando
a parede?
— Já recebi elogios pela minha voz de barítono.
— Verdade? Recebeu elogios de quem?

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— Dos membros da minha congregação — ele respondeu em tom solene. —
Eu sempre unia minha voz à deles no canto de hinos.
— Enviando preces ao céu, digamos?
— Digamos — Jonathan concordou, mostrando os dentes em um amplo
sorriso. — E falando em elogios, tenho de elogiá-la bastante.
— Pelo quê? — Darcy olhou-o, temerosa da resposta de Jonathan.
— Ora, pela sua decisão de ficar aqui em Denver, nesta casa. Outro elogio é
pelo fato de que vai transformar a casa em uma escola. Essa sua idéia foi
brilhante. — Os olhos dele mostravam todo seu entusiasmo. — Quer saber por
que devo lhe fazer mais outro elogio? Você está salvando do pecado e da
degradação essas mulheres. Isso é um ato louvável.
— Você está brincando comigo? Acha-me uma tola por estar querendo
ajudar essas moças? — ela perguntou, um pouco irritada.
— De forma alguma. Por que eu ficaria contra você por querer ajudar
mulheres que vivem em pecado? Está se esquecendo que não segui a luz para
poder ficar aqui na Terra e ensinar Sarah a ler e escrever?
Darcy procurou afastar as dúvidas, mas ainda não estava totalmente
convencida. Quem sabe Jonathan achava, lá em seu íntimo, que ela devia ficar,
porém deixar as moças fazerem o que quisessem?
— Bem, vou fazer de conta que acredito em você. Mas por que a sua voz
pareceu ironizar quando disse que eu estava salvando as moças do pecado?
— Começo a suspeitar que você não ouviu palavra alguma do que eu acabei
de dizer.
— Isso não é verdade! — Darcy protestou. — Mas, diga-me, por que
enfatizou a expressão salvando do pecado?
— Eu nunca lhe disse que nenhuma alma está perdida para sempre?
— Você está dizendo que os meus esforços ao tentar recuperar essas moças
são desnecessários e supérfluos?
— Se a sua meta é salvar as almas delas, então sim. Mas se está pensando
em melhorar a existência mortal de cada uma das garotas, então o que você vai
fazer é altamente recomendável e não passará despercebido.
Darcy quase teve medo de perguntar, mas precisava saber.
— Despercebido por quem?
— Pela luz — ele respondeu simplesmente.
— Deus? — A voz dela era apenas um sussurro.
— Se você quiser chamar a luz de Deus...
Darcy estremeceu, mas não foi do ar frio que se instalara no quarto devido à
chuva que caía forte lá fora. Estremeceu mais uma vez e apertou sua roupa
contra o corpo.
— Está com frio?
— Sim — ela confirmou, porém sem querer admitir que não era devido à
temperatura do quarto, mas a algo interior, uma razão mais espiritual. Assim,

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preferiu mentir: — Depois do calor da tarde, o contraste é impressionante. Você
não sente nem calor nem frio?
— Somente se eu quiser sentir calor ou frio — Jonathan revelou, sorrindo
levemente. — É uma das vantagens em estar morto.
— Como pode brincar com um assunto desses?
— Talvez porque esteja caçoando de mim mesmo. — Ele riu alto. — E não
tenho me aborrecido nesta minha nova fase. Ao contrário, vivo me divertindo.
Darcy não encontrou palavras para lhe dar uma resposta. Apenas ficou
olhando para Jonathan, perturbada com sua atitude leviana.
— Viu como apavorei as meninas na reunião? Deixei o salão gelado como um
túmulo — ele brincou.
— Percebi. Como pôde fazer isso? Quase arruinou a minha reunião. Faltou
pouco para as garotas saírem correndo da casa.
— Exagerei, é verdade — Jonathan reconheceu. — Mas que foi divertido, foi.
— Às vezes você parece maluco.
— E você é sempre tão bonita — ele rebateu. — Sabe que a sua beleza me
deixa louco?
— O que disse?
— Eu disse que a sua beleza me endoidece. Tem consciência de que, neste
momento, a sua roupa delineia seu corpo e expõe todas as suas curvas?
— Oh, Jonathan! — Darcy procurou cobrir-se com as mãos. O roupão era
meio transparente. Sentiu um grande embaraço, mas também um arrepio e a
noção clara de que ali estavam eles, juntos, sozinhos, um homem e uma mulher.
— Darcy, Darcy. — Murmurando o nome dela, Jonathan levou uma mão ao
rosto ruborizado dela.
Darcy estremeceu. Como já acontecera antes, os dedos dele tocaram sua
pele, e ela não precisava olhar no espelho para saber que ficara vermelha. Podia
sentir a mesma sensação de calor e excitação que produzia um efeito maior do
que a fúria dos raios na torrencial tempestade que escurecia o fim de tarde.
— Estou assustando você? — A voz de Jonathan soou triste. — Sinto muito,
querida. — Com um suspiro, ele começou a afastar a mão.
— Não, Jonathan. Não estou com medo. — Ela precisava confessar-lhe a
verdade. Procurou assegurá-lo disso pegando-lhe a mão, esquecendo-se, por um
instante, de que ele não tinha substância alguma.
Jonathan entrou em desespero. Darcy nunca o vira desse jeito antes.
— Oh, Darcy... — ele gemeu. — Por quê? Por que tive de morrer antes de
conhecê-la? — Uma onda de agonia e remorso tomou conta de Jonathan. —
Como você disse esta manhã, não há futuro para nós. Quero lhe oferecer
casamento, mas não posso. Quero lhe propor uma vida compartilhada, mas não
posso. Quero ter filhos com você, e nunca os teremos. — Os olhos dele
demonstravam claramente a dor que sentia. — Eu a amo, e não devo amá-la.
Darcy queria compartilhar a mesma dor que Jonathan sentia. Isso, pelo
menos, podiam compartilhar, pensou tristemente.

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— Eu também o amo, Jonathan — ela confessou em um sussurro. — E não
me importo se devia ou não devia.
Ele fechou os olhos ao ouvir a confissão da mulher amada. Quando os abriu,
já não havia mais sinais de dor neles. Ficara apenas a tristeza.
— Se você quiser, eu a amarei. Faremos amor e celebraremos a nossa união.
— Mas isso é possível? — Darcy arregalou os olhos, surpresa. Seu coração
pareceu bater mais forte. Mas surgira uma esperança em sua mente.
— Não da forma normal — Jonathan respondeu, meneando a cabeça. — Mas
há um modo. Venha, confie em mim, minha querida. Fique comigo e me ame,
Darcy — ele murmurou. — Deixe-me demonstrar o meu amor por você.
Porque confiava nele e porque o amava, ela não hesitou nem por um
instante.
Caminhou até a cama, orgulhosa, mantendo os olhos presos nos de
Jonathan.
— Eu o amo, querido. Diga-me o que devo fazer.
Um brilho apareceu nos olhos dele, revelando a profundidade da paixão que
o dominava e que Darcy julgara impossível um ser etéreo sentir. Esse olhar
provocou uma sensação de prazer nela, roubando-lhe a respiração e fazendo-a se
sentir mulher por inteiro.
— Você tiraria o roupão para que eu possa ver o seu corpo? — Jonathan
pediu em voz rouca.
De novo Darcy reagiu sem hesitação. Tirou o roupão e o jogou de lado. Mas
cobriu suas partes mais íntimas com as mãos.
Ele ficou embevecido ao olhar para o corpo despido de Darcy, a beleza e a
delicadeza das formas.
— Solte o cabelo, por favor. Quero vê-lo solto e despenteado.
Mais uma vez, Darcy obedeceu, apesar de que ao soltar o cabelo, teria de
ficar completamente nua diante de Jonathan. Mesmo assim, foi tirando os
grampos e, por fim, os cabelos estavam todos soltos.
Era uma visão arrebatadora, pensou Jonathan.
— Tão linda... — ele murmurou. — Posso tocá-la?
— Você pode... pode sentir alguma coisa?
— Oh, sim. E você?
Para surpresa de Darcy, ela sentiu algo tocar seus cabelos, como se
Jonathan estivesse vivo.
— Oh, Jonathan... — ela gemeu no momento em que sua feminilidade estava
sendo posta à prova.
— Queria poder envolvê-la nos meus braços, mas não posso. Você se
deitaria, Darcy? Eu gostaria de vê-la na posição em que faríamos amor, se eu não
estivesse como estou agora.

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Ela estava em um ponto que não conseguia sequer refletir. Deitou-se, e
Jonathan aproximou-se mais. E, de repente, ele apareceu despido. Vê-lo sem
roupas não a chocou. Darcy estava completamente fascinada.
— Não tenha medo. Eu não vou machucá-la.
Darcy não tinha nenhuma experiência sexual, mas sabia o que acontecia
entre um homem e uma mulher durante o ato sexual. Mas como Jonathan podia
fazer amor com ela?
Deixou que ele lhe oferecesse o que sua realidade permitia.
E tudo a seguir foram sensações após sensações. Darcy fechou os olhos e se
deixou levar pelo calor da paixão, pelo desejo de poder abraçar Jonathan e se
tornar com ele um só corpo.
Foram momentos de prazer e de quase êxtase. Aconteceu a união em um
misto de realidade física e espiritual. Darcy e Jonathan eram duas entidades
unidas pela pureza do amor.

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Capítulo XII

A rala vegetação estava seca e queimada sob os implacáveis raios do sol de


início de setembro. Na pastagem próxima, um pequeno rebanho de gado
mastigava o capim seco. Tudo parado, quieto, até que se ouviu o inconfundível
estampido de tiros.
Wade Dunstan ficou estático, olhos atentos, observando o corpo de um
homem esparramado no chão, o sangue de dois buracos feitos a bala escorrendo
abundantemente em seu peito. Wade dera apenas dois tiros, e ambos haviam
entrado no coração do homem que agora jazia ali, imóvel, bem morto.
O sujeito dizia chamar-se Daniel Clemmens. Wade não se importava se o
nome era verdadeiro ou inventado.
Ele curvou o canto da boca em um sorriso de satisfação.
Agora eram três que haviam caído sob o fogo de sua arma. Faltava apenas
um.
— Sr. Dunstan? Sr. Dunstan?
A vozinha trêmula de Betsy fez com que Wade desviasse os olhos do cadáver
a seus pés.
— O que foi? — ele gritou, voltando-se para a menina. — Você está bem?
— Estou. E agora?
— Agora o quê?
— Bem, o que vai fazer? — Betsy ergueu para Wade o rostinho pálido, ainda
marcado por cicatrizes. Ela assistira à cena toda. Wade dera ao criminoso a
chance de atirar primeiro e só então disparara a arma.
— Sobre o quê, menina?
— O senhor não pode ir embora deixando o homem caído aí... pode?
— Por que não? — Ele deu de ombros. — Os abutres vão ter o que comer.
A menina olhou para o céu, onde alguns abutres já voavam em círculos. Ela
fez uma expressão de desgosto e estremeceu de novo.
— Eles... — Betsy apontou para as aves. — Eles vão arrancar carne do corpo
dele.
— Pois ele não vai sentir dor alguma. — Wade falou friamente.
— Mas... isso não é cristão. O senhor não pode deixar o morto aí. Não é
justo.
— Justo? — Ele teve vontade de contar à menina que não tinha sido justo o
que aquele homem havia feito com sua esposa. Depois, vendo a angústia no rosto
dela, considerou a possibilidade de lhe fazer uma concessão. — Está bem, Betsy,
vamos parar naquela fazenda ali adiante e contar aos amigos desse miserável
onde podem encontrá-lo. Mas isso é o máximo que eu vou fazer.
Um tímido sorriso apareceu nos lábios de Betsy, que suspirou, aliviada.
— Assim está bem. Obrigada, sr. Dunstan.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Vamos embora — Wade resmungou, observando os dois cavalos e uma
pacata mula pastando a poucos metros dali. Foi até um dos animais e colocou
Betsy em cima dele. — Quero fazer boa parte do caminho antes do pôr-do-sol.
— Para onde estamos indo? Laramie?
— Agora não é preciso ir até lá. — Wade ajeitou-a melhor na sela. — Já vi
que não vou encontrar um lugar onde deixar você lá em Laramie. — Montou em
seu próprio cavalo, antes de informar à menina do destino deles. — Suponho que
podemos ir direto para Denver.
— Eu lamento muito.
Wade sabia que Betsy não estava se referindo ao homem caído no chão.
Sacudindo a cabeça, ele fez um barulho com a língua para que seu cavalo,
Rascal, se movesse. Betsy imitou o som, levando a égua na qual estava montada
para perto de Rascal. A mula, muito dócil, começou a trotar, seguindo os dois
cavalos e levantando a poeira da estrada.
Esse era o jeito em que viajavam nas últimas três semanas, desde que Wade
comprara a égua e a mula em uma fazenda ao pé da montanha. Ele seguia na
frente, Betsy vinha logo atrás e, fechando a fila, seguia a mula.
Wade deu uma olhada rápida na menina e imediatamente desejou não ter
olhado.
Ela era muito bonita, tanto em caráter como em aparência. A sua Mary teria
adorado ficar com Betsy.
Ele suspirou. Tinha de encontrar um lugar para a garota, um lugar seguro
onde ela pudesse receber uma boa educação e crescer em meio a pessoas
decentes.
Wade sabia que era seu dever encontrar um lugar assim, mas o fato é que
estava hesitando, arranjando desculpas para continuar tendo a companhia de
Betsy.
Talvez pudesse ter seguido para Laramie e tentar encontrar um orfanato ou
uma família que se predispusesse a ficar com ela. Ele descartara Laramie com
muita facilidade.
E Laramie estava bem perto, a uma distância de um dia, dois, três no
máximo.
Mas Wade perdera essa oportunidade e seguira direto para o Colorado. Wade
tinha arranjado uma grande variedade de motivos, todos muito razoáveis, do
porquê deveria acreditar em um fazendeiro que lhe dissera que Laramie não era
um bom lugar para crianças.
Melhor seria deixar esses pensamentos de lado e prosseguir viagem. O tempo
estava razoável, mas, quando anoitecesse, esfriaria muito. Wade sabia muito bem
como o tempo podia ser caprichoso nas planícies e no território montanhoso. Um
dia havia uma brisa suave e no outro uma terrível tempestade.
Essa e era um motivo mais que razoável para não ficar perdendo tempo com
devaneios e cobrir um bom trecho quando ainda fosse dia.
Virou-se para trás, e Betsy lhe sorriu. Wade sentiu-se tocado, mesmo com
toda a escuridão que havia em sua alma.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Suspirou. Lá estava ela, uma menina que sofrera barbaridades nas mãos de
uma família das piores e depois abusos de um assassino, um verdadeiro animal.
E, mesmo assim, a garota agora sorria e o sorriso iluminava seu rostinho. Apesar
de haver ficado sabendo que a garota tinha catorze anos, e não os doze que ele
calculara ao conhecê-la, Betsy ainda era uma criança.
E Wade ficava feliz só de vê-la.
Como isso tinha acontecido? Perguntou-se, mantendo Rascal em um trote
que a égua pudesse acompanhar com facilidade. Como uma menina podia ter-lhe
despertado emoções que havia muito ele não sentia?
— Está muito pensativo, sr. Dunstan. — A voz de Betsy era suave.
— De fato.
Ela ficou em silêncio, porém manteve um leve sorriso nos lábios.
Como isso acontecera? Wade voltou a se perguntar. Acabou dando uma
gargalhada. Ele sabia exatamente o que havia ocorrido.
Deixou que seus pensamentos voltassem no tempo, quatro semanas, para
ser exato. Era como se estivesse revivendo a manhã seguinte ao dia em que
despachara para sempre o segundo dos quatro assassinos de sua esposa.

Wade acordou, como sempre, antes do amanhecer. Sorriu ao observar Betsy


deitada ao seu lado, profundamente adormecida. Deus, como ela parecia
machucada. No dia anterior, quando a encontrara gritando no hotel, tinha
percebido que o corpo inteiro da menina estava marcado, mas observar mais
atentamente as feridas era de cortar o coração. Condoeu-se pelo que a pobre
Betsy havia passado. Nem ousava pensar de como estaria o resto de seu corpinho
magro. As feridas teriam se cicatrizado ou continuavam abertas?
Aquele canalha!
Silenciosamente, desejou que o homem, que abusara de sua esposa e a
assassinara, além de ter feito o que fizera com a pequena Betsy, estivesse naquele
momento queimando no inferno. Os abusos que cometera contra a menina
poderiam ter conseqüências duradouras em sua vida. Talvez ficasse um trauma
mental além do físico. Wade procurou ajeitá-la no cobertor para que nenhuma
ponta lhe ferisse ainda mais o corpo. Betsy abriu os olhos.
— Não me deixe sozinha, delegado — ela implorou com uma voz tomada pelo
medo. — Não vá embora, por favor. O que será de mim se o senhor partir?
Wade não tivera filhos e, assim, não sabia bem como lidar com crianças.
Mas os anos em que trabalhara como delegado o haviam treinado de tal forma
que ele aprendera a conhecer as pessoas em geral e entender o medo que elas
sentiam. Seu instinto lhe dizia que a garota estava aterrorizada. Mesmo agora.
— Calma, Betsy — disse Wade, em um tom baixo e calmo. — Não estou indo
para lugar algum. Apenas acordei, levantei-me e vou preparar o nosso café da
manhã.
— Eu vou ajudar, delegado — ela falou, procurando esticar o corpo doído. —
Logo, logo.
— Está bem. Enquanto isso, vou começar a esquentar a água do café.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Sim, senhor.
Wade caminhou em direção a um pequeno riacho que descobrira no dia
anterior. Mas se voltou para olhar Betsy se esforçando para se levantar.
A menina sentia dores, fortes dores.
Praguejando, rumou para o riacho, agora reduzido a dimensões muito
pequenas devido à seca do verão.
Diabos. Ele pretendia viajar rápido, logo depois de tomar café, mas não podia
fazer isso com Betsy. A garota precisava descansar para que suas feridas
cicatrizassem. Só Deus sabia a gravidade de seus ferimentos. Talvez nunca viesse
a se curar inteiramente.
Wade procurou refrear sua impaciência. Encheu a panela com água do
riacho. Queria já estar a caminho de Laramie. Precisava encontrar o terceiro
homem dos quatro que haviam destruído sua vida junto com a de Mary.
Gemeu ao lembrar-se de Mary. Fechou os olhos, e a imagem do rosto gentil
da esposa se impôs em sua mente. A agonia o fez morder o lábio, o desespero
enfeava suas feições másculas e bonitas.
Tinha de matar um homem... mas a sua Mary ficaria chocada e triste se ele
não se preocupasse com os ferimentos da menina.
Ao abrir os olhos, Wade procurou relaxar e aceitar a idéia de que a vingança
tinha de ser retardada por alguns dias. Betsy exigia cuidados imediatos.
Ele próprio poderia ter sido um pai de uma menina como aquela.
Wade deixou três dias se passarem antes de desmanchar seu acampamento.
— O senhor está dormindo acordado, delegado? — A voz de Betsy era um
pouco mais que um sussurro, mas foi o suficiente para tirar Wade de suas
lembranças.
— Não. Estou apenas descansando os olhos — ele inventou.
Betsy sorriu, e Wade ficou admirado. Sorrindo assim, a menina nem parecia
mais àquela criança apavorada que ele encontrara no quarto sujo do hotel.
Mesmo machucada, com o corpo doído, Betsy se transformara. Sua beleza
aparecia nitidamente. E haviam sido necessários apenas três dias de descanso e
o ar puro daquelas montanhas.
Como ele bem sabia, as crianças são resistentes.
Betsy tinha dormido a maior parte do tempo que haviam passado naquele
acampamento. Enquanto ela dormia, Wade se encarregara de caçar pequenos
animais para reforçar a alimentação de ambos.
Depois de tomarem o café, no segundo dia que estavam ali antes que Betsy
voltasse a dormir, Wade resolveu lhe dar algumas instruções.
— Tire essas roupas sujas, Betsy. Pode usar uma camisa minha enquanto
eu lavo as roupas.
Ela obedeceu e voltou a dormir quase imediatamente. Ele se manteve
ocupado, lavando a roupa suja no riacho. Além da poeira, havia sangue seco nas
peças e, mais uma vez, Wade reconheceu que o homem que ele matara merecera
mesmo aquele destino.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Quando Betsy acordou mais tarde, ele a levou até o riacho, estendeu-lhe um
pedaço de sabão e apontou para a água.
— Você está quase tão suja quanto suas roupas estavam, menina. Entre na
água, tome um bom banho, inclusive lave a cabeça. Quando terminar, aqueles
farrapos que você estava usando deverão estar secos e o jantar pronto. — Wade
virou-se para deixá-la sozinha. — Pode usar a minha camisa para se secar,
depois a lave. Assim, você, suas roupas e a minha camisa ficarão bem limpas.
Betsy não protestou e seguiu direitinho as ordens dele.
Wade sentiu-se tomado por uma sensação animadora.
Apesar dos ferimentos, ela parecia outra pessoa quando voltou ao
acampamento depois do banho. Seus olhos castanhos, tão parecidos com os de
uma tímida pomba, estavam brilhantes, alertas, como se, junto com a sujeira do
corpo, Betsy tivesse lavado também toda a sua dor.
Mas o cabelo parecia um ninho de rato. Suspirando fundo, Wade virou-se,
foi até um de seus sacos de viagem e descobriu dentro dele um pente, não muito
limpo e com alguns dentes faltando.
— Venha cá, menina — ele ordenou, sentando-se em uma pedra para se
acomodar melhor.
Betsy obedeceu prontamente. Seu olhar revelava satisfação? seria gratidão o
sentimento que predominava?
— Sente-se no chão aqui, entre os meus joelhos — Wade a orientou,
segurando o pente. — Alguma coisa tem de ser feita com esse ninho de rato.
— Vai doer? — ela ousou perguntar, como se o pente que ele segurava fosse
um instrumento de tortura.
De alguma forma, Wade conseguiu não dar uma gargalhada diante do horror
que viu no rosto da menina. Depois das torturas que ela havia sofrido, como
poderia sentir medo de um simples pente? Era hilário.
— Provavelmente vai doer, Betsy — ele admitiu, sorrindo. — Mas seja uma
menina corajosa. Apenas aperte os dentes e agüente.
— Não vou chorar — ela murmurou, abaixando a cabeça e olhando fixo para
o chão.
— Isso é bom, porque odeio ouvir choro de criança. — Wade escondeu um
sorriso.
E Betsy não chorou, apenas soltou alguns gemidos. O que reforçou a opinião
de que ela era capaz de suportar muita coisa ruim.
Levou um bom tempo para desembaraçar o cabelo de Betsy e penteá-lo.
Quando Wade se deu por satisfeito, os cabelos da garota caíam em cachos nos
ombros e brilhavam sob os raios do sol da tarde. Para deixá-los mais bonitos,
Wade teve a paciência de trançá-los.
A partir desse dia, Betsy refazia a trança todas as manhãs, antes de enfiar
um chapéu na cabeça.
Embora ela usasse uma camisa de flanela masculina, calça sem caída, botas
e agora o novo chapéu que Wade lhe comprara, sua beleza era evidente.

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Ele voltou a olhá-la, desta vez atentamente. As feições de Betsy eram
delicadas, e a pele clara e macia. Ela já mostrava os primeiros sinais de beleza.
Em poucos anos seria uma mulher lindíssima.
Bonita e corajosa, Wade concluiu, pois diversas vezes Betsy havia lhe
provado ter muita coragem.
Não vivia reclamando das dores provocadas por seus ferimentos, nem
quando tivera de montar em uma sela, apesar de seu corpo estar machucado
demais.
Então, no dia anterior, ela demonstrara mais uma vez sua coragem. Para
ajudar Wade, Betsy deixara o acampamento antes do amanhecer e entrara às
escondidas em uma fazenda, com o objetivo de tentar descobrir alguma coisa
sobre o homem que ele estava caçando.
E tinha trazido notícias valiosas, colhidas de crianças que ela encontrara
pelo caminho.
Interessante a tática que Betsy usara. Nunca antes Wade havia pensado em
fazer perguntas a crianças, sempre abordara adultos. Se fosse ele a sair em
busca de informações, teria ido à cidadezinha mais próxima, entrado em um
saloon e, provavelmente, não descobriria nada.
Wade sorriu, colocando de lado as lembranças daqueles dias passados.
Voltou os olhos novamente para trás e ficou impressionado ao ver Betsy parecer
tão jovem e inocente, mesmo depois de passar pelas atrocidades que sofrera nas
mãos de Jack Pritchart.
Não deixava de ser interessante, ele pensou, como o destino e as mulheres
pareciam estar ajudando-o em sua vingança. Primeiro, recebera o auxilio de
Maybell, a prostituta que Wade conhecera no Saloon Last Ditch. E agora Betsy
tivera uma participação importantíssima.
Olhou-a mais uma vez e lhe sorriu. Betsy retribuiu o sorriso.
Bonita e corajosa. Isso era admirável em uma garota tão jovem. Ele
precisaria estar atento para que ninguém mais a magoasse. Essa consideração
fez com que Wade se sobressaltasse.
O que ele estava pensando? Não estaria ao lado dela para protegê-la.
Precisava matar mais um homem para encerrar sua vingança. Depois...
Mary.
Wade não queria mais viver, não sem a sua Mary.
Mas primeiro tinha de encontrar um lugar para Betsy, onde ela pudesse
viver rodeada de meninas da sua idade. Um lugar decente em que Betsy pudesse
estudar e aprender as coisas que uma mulher devia saber.
Se fosse a uma cidade grande, seriam maiores as chances de encontrar o
lugar certo para Betsy.
Sem perceber, ele fizera Rascal sair do trote lento e começar a cavalgar em
velocidade.
— Por que toda essa pressa, sr. Dunstan? — Betsy perguntou, procurando
alcançá-lo. — Para onde estamos indo?

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Wade não olhou para ela. Havia decidido seu rumo, e nenhuma garota, não
importando o quanto ele gostasse dela, o obrigaria a mudá-lo.
— Denver. É para lá que estamos indo.

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CAPÍTULO XIII

Ela é tão linda!


Jonathan observava Darcy adormecida.
Um sorriso amargo surgiu nos lábios dele. Uma dor aguda judiou de seu
coração.
De manhã bem cedo, a luz começava a entrar pelas janelas abertas e uma
brisa suave tornava o ar agradável. Era o outono em seu início.
Jonathan, que estivera deitado ao lado de Darcy, agora levitava alguns
centímetros acima da cama, como se estivesse em uma macia nuvem branca.
Naquele momento, não queria que nada o distraísse de sua contemplação da
mulher deitada ao seu lado.
Darcy.
Pensar no nome dela provocou outra sensação forte dentro de seu peito.
Adormecida, Darcy era incrivelmente bonita e vulnerável. Alguns cachos de
seus cabelos com nuances avermelhadas caíam sobre o travesseiro, contrastando
com o branco do tecido e com a palidez de seu delicado rosto.
Deus, ele a amava.
— Darcy — Jonathan chamou tão baixinho para que ela, na verdade, não
viesse a acordar. Não queria perturbar-lhe o sono.
Mas o sussurro da voz de Jonathan devia ter se insinuado dentro dos
sonhos de Darcy, porque ela murmurou o nome dele, mesmo sem estar acordada.
Darcy estava sonhando, Jonathan percebeu. E o sonho devia ser bom, já que
havia um leve sorriso em seus lábios carnudos. Ele teve de se esforçar muito para
resistir ao impulso de beijar a doce curva daquela boca tentadora.
Suspirou profundamente. Gostaria de poder beijar Darcy, realmente beijá-la
e experimentar a pressão física de lábios contra lábios, corpo contra corpo.
Deixou escapar um grito de protesto pelo destino haver levado aquela faca
diretamente para a sua garganta, terminando assim com seus dias na Terra. E
isso antes de conhecer a mulher de seus sonhos.
Darcy.
O nome dela ressoou através de todo o seu ser em um silencioso gemido de
agonia.
Você pode escolher o caminho da luz.
Jonathan ouviu a gentil voz de seu guia espiritual.
Agora é muito tarde, ele respondeu silenciosamente.
Nunca é tarde demais. Tudo é infinito. Não há limites. Tudo é escolha.
Eu escolho ficar com Darcy, Jonathan disse, sem que nenhuma palavra
saísse de seus lábios. O diálogo com seu guia era todo feito no interior de seu ser.

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E não tem experimentado a satisfação? A voz de seu guia persistiu. Não tem
sentido sensações que apenas um ser vivo sente?
Sim, sim, Jonathan admitiu, lembrando-se do prazer ao tocar Darcy. Mas...
Mas?
Eu quero envolver Darcy nos meus braços, ele suplicou. Quero senti-la me
abraçando. Quero acariciar toda a sua pele macia, os seus cabelos, beijar os seus
lábios, conhecer o seu corpo, sentir as carícias dela. Quero estar com Darcy na
forma física, não espiritual.
Você está querendo viver no plano terreno.
Eu sei. Jonathan suspirou. E a minha vida acabou. Sei disso muito bem.
Sim... mas... há uma maneira.
Isso você já disse antes, Jonathan pensou. Mas não estou certo de que
entendo como possa ser feito.
Então vou lhe explicar bem. O guia fez uma pausa, depois continuou falando.
Você precisa entender que há certas condições que...
— Jonathan — Darcy murmurou, acordando.
A voz do guia sumiu. O diálogo interior terminara. Mas Jonathan não se
preocupou com isso. Bastaria chamá-lo depois, e o guia retornaria para
continuar com sua explicação.
— Sim, meu amor — ele respondeu, sorrindo para Darcy.
— Já é hora de levantar?
— Não, ainda é muito cedo. São ainda cinco horas. Volte a dormir por mais
uma hora.
— Está bem — ela concordou, fechou os olhos e ajeitou as cobertas. Em
minutos estava de novo profundamente adormecida.
O ritmo de vida de Darcy se tornara intenso desde aquela reunião que tivera
com as moças da casa. Seu cansaço começava a aparecer nas olheiras e em
algumas linhas que haviam surgido em seu rosto.
Era um desafio transformar uma casa de má fama em escola, e prostitutas
em dignas professoras. Mas Darcy estava provando ser uma organizadora
fantástica. Jonathan sentia orgulho dela.
Com o único propósito de alcançar seu objetivo, Darcy agora trabalhava em
um texto onde estariam os preceitos básicos de sua escola particular, suas
atividades e regulamentos. Não havia ninguém ali na casa que não estivesse
empenhado em tornar esse projeto realidade. As moças começavam a acreditar
que teriam um futuro risonho pela frente e, o mais importante, esse futuro seria
decente. Não mais precisariam vender o corpo nem colocar a vida em risco,
sujeitas a doenças e brutalidades por parte dos clientes. Dois homens
participavam da euforia reinante: Clancy Dugan, o braço direito de Darcy, e o
próprio Jonathan, seu auxiliar mais direto.
Além de ter começado a dar aulas às jovens, Darcy ainda monitorava o
progresso da reforma da casa. Era ela, por vontade pessoal, quem verificava como
esse trabalho era realizado. As moças brincavam a toda hora com Darcy dizendo

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que parecia que Colleen retomara àquela casa com seu jeito de dar ordens, exigir
eficiência, porém, acima de tudo, sempre com tempo para fazer um elogio.
James Singleton quisera ajudar Darcy e tinha sido ele a contratar uma
equipe que restauraria o interior da casa, e uma segunda equipe que aumentaria
o número de suas dependências. Darcy queria aumentar a quantidade de
cômodos, assim como montar toda a estrutura de uma escola, com salas de aulas
e uma diretoria. O terreno era amplo e havia espaço para tudo isso. As equipes,
sob a vigilância de Darcy e do banqueiro, trabalhavam com rapidez.
Neste exato momento, com nada mais a fazer do que observar sua amada
adormecida, Jonathan começou a se lembrar dos acontecimentos do mês
anterior.
A imagem de Darcy como uma mulher que sabia dirigir os outros lhe passou
pela cabeça. Recordou-se de quando ela começara a executar as mudanças mais
urgentes.
— Dugan! — Darcy apontara para o bar. — Trate de sumir com todas as
bebidas. Não vai mais haver bar algum aqui dentro. Destrua todas as garrafas.
Estamos em uma escola, e não em um bordel.
— Naturalmente, srta. Flynn. Mas posso pedir que reconsidere um pouco?
Sua santa mãe estocou algumas garrafas de excelentes uísques e conhaques.
Seria um crime jogá-las fora.
A expressão sisuda que havia no rosto de Darcy não se alterara diante da
argumentação de Dugan.
— Quero as bebidas longe desta casa. Faça o que quiser com o uísque e o
conhaque, Dugan, mas que estejam bem longe daqui.
— Também quer que eu desapareça? — Jonathan havia brincado,
materializando-se para Darcy. — Ou irão apenas as garrafas?
Ela não acompanhara a brincadeira. Estava impaciente demais com tudo o
que precisava alterar no ambiente.
— E os vinhos, srta. Flynn? — Clancy perguntara. — A adega está cheia. Há
muitas marcas famosas.
— Os vinhos não! — implorara Jonathan. — Você pode guardá-los para
servir em ocasiões especiais.
Darcy sucumbira a esses argumentos. Precisava ser mais flexível em
algumas circunstâncias.
— Está bem. Clancy, pode deixar os vinhos, mas quero o restante das
bebidas fora desta casa.
Jonathan ainda se lembrava bem da agonia pela qual Clancy passara,
quebrando garrafa por garrafa, entre lamentações. Os irlandeses adoram beber, e
destruir garrafas de uísque e conhaque levava o criado a se sentir como um
criminoso. Jonathan havia se divertido muito naquela ocasião.
Outra lembrança que ficara, de um fato ocorrido na semana anterior, voltou
à mente de Jonathan. Tinha sido uma discussão entre Darcy e duas das mais
preconceituosas senhoras da cidade.
As mulheres haviam batido na porta e foram atendidas por Dugan.

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— Sou a sra. Albert P. Parkingham — a senhora se anunciara com uma
arrogância tal que mais parecia ser a rainha da Inglaterra, e não apenas a esposa
de um funcionário municipal.
— Sim, madame? — Clancy bloqueara-lhe a entrada, não parecendo em
nada impressionado com o fato de ela ser esposa de fulano de tal.
— E esta é a sra. Samuel Denton. — A desagradável mulher apontara para a
sua acompanhante.
— Sei — Clancy resmungara. — O que posso fazer pelas senhoras?
— Nós... nós queremos — a sra. Denton começara visivelmente nervosa.
— Exigimos falar com a srta. Darcy Flynn — a sra. Albert P. Parkingham
interrompera a companheira.
— Exigem, é isso? — O irlandês arqueara uma sobrancelha.
— Sim, é isso mesmo.
— Ah, entendo. Bem, neste caso, madame, sinto ser meu dever lhes informar
que a srta. Flynn não aceita ser obrigada a receber ninguém que não seja seu
convidado.
— O senhor, por acaso, sabe com quem está falando? — A Mulher ficara
indignada.
— Sei, sim, senhora. Conheço seu marido... muito bem. Deve saber que ele
era um assíduo freqüentador desta casa, tempos atrás, claro.
Felizmente, antes que a sra. Parkingham tivesse um ataque de nervos diante
do atrevimento do criado, Darcy aparecera.
— Sr. Dugan — ela chamara o criado usando um tom sério que lembrava o
de uma professora.
— Sim, srta. Flynn?
— Falarei com essas senhoras. — Darcy procurara esconder um sorriso
irônico. — Faça-as entrar e acomode-as na sala de visitas.
Jonathan, naturalmente, assistira à cena toda, divertindo-se à larga.
Também se orgulhara em ver que Darcy não se intimidava diante da arrogância e
prepotência daquelas senhoras que se consideravam um exemplo da moral.
Graciosa e nobre como uma verdadeira rainha, Darcy caminhara adiante de
Clancy e das duas mulheres até chegar ao salão, quando, então, se virara para
atendê-las, sempre com expressão calma e serena.
— Não querem se sentar? — perguntara com delicadeza, indicando duas
poltronas novas e elegantes revestidas de um caro veludo vermelho. — Aceitariam
chá... ou café, talvez?
O tom aristocrático de sua voz e a forma elegante com que se expressava
impressionaram as duas mulheres, que silenciaram por alguns instantes. A
arrogância com que haviam chegado sumira,
— Não, obrigada — uma das senhoras dissera. — Esta não é uma visita
social.
Jonathan pensara que talvez fosse interessante lhes pregar um susto, mas
Darcy lhe dirigira um olhar que o mandava controlasse. Uma pena. Seria muito

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divertido materializar-se diante delas ou talvez esfriar o ambiente de maneira
aterradora. As duas mulheres sairiam em disparada e passariam pela porta
mesmo antes de Dugan abri-la. Mas Darcy queria vencê-las de forma diferente.
Jonathan tinha certeza de que ela saberia colocá-las em seus devidos lugares.
— Não querem chá? — Darcy dissera. — Neste caso, posso lhes perguntar o
motivo desta visita... senhoras? — Sua hesitação, antes de usar o termo de
cortesia, fora breve e insultante. Era exatamente o que ela pretendia.
— Chegou ao nosso conhecimento que a senhorita planeja abrir uma escola
particular para meninas neste... neste estabelecimento. — O tom de voz da sra.
Parkingham era de indignação. — Isso é verdade?
— Não, não estou planejando abrir uma escola. — O olhar firme de Darcy
encontrara o das senhoras. — Eu já abri a escola. — Ignorando as exclamações
de horror, ela continuara sem se perturbar: — As aulas já começaram há três
semanas.
— Oh, meu Deus! — a tímida e até então silenciosa sra. Denton exclamara
arregalando os olhos. — Este... este estabelecimento possui uma horrível
reputação de ser uma casa de má fama!
— Não mais — Darcy gentilmente a corrigira. — Este estabelecimento é
agora, e continuará sendo, uma instituição de ensino.
— Mas nós não permitiremos isso! — a enfurecida sra. Denton exclamara. —
Não pense que nos engana com essa sua tentativa de esconder o verdadeiro
propósito deste estabelecimento. Não iremos tolerar a corrupção de jovens
inocentes debaixo da aparência de estarem recebendo educação.
— Verdade? E, precisamente, quem são esse nós?
— Ora, as boas e decentes mulheres desta cidade. Fazemos parte da
Sociedade das Mulheres pela Luta Contra os Maus Costumes. — A sra. Denton
olhara Darcy com desdém. — Penso que descobrirá, srta. Flynn, que sua escola
não poderá continuar a funcionar. Temos um considerável poder, pois nossos
maridos governam esta cidade.
— E eu penso que as senhoras vão descobrir, para desgosto de todos os
membros da sua sociedade, que a minha escola não só vai continuar em
operação, mas que ela já recebeu o apoio exatamente de seus maridos, os
cavalheiros que controlam esta cidade. — Darcy levantara-se e encerrara a
conversa. — Muito bom dia. Como podem imaginar, ando muito ocupada. O sr.
Dugan acompanhará as senhoras até a saída.
Agora, lembrando-se da expressão de desnorteio no rosto das duas
mulheres, Jonathan riu mais uma vez. Havia sido excelente ver Darcy em ação.
Não existia situação difícil para ela.
Mas o clima da casa não tinha sido austero o mês inteiro. As moças
passaram todo o tempo livre fazendo brincadeiras com Molly e Jane. Ora, todos
sabiam que Molly sempre estivera apaixonada por Dugan e que este, se não
tivesse alguma ajuda, jamais descobriria isso.
Jane se encantara com James Singleton, o banqueiro, e este nem imaginava
o sentimento da jovem. Ora, era preciso fazer os dois homens abrirem os olhos,
pensaram as outras moças. E começaram a armar divertidas ciladas, colocando

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Molly e Clancy juntos sempre que isso era possível e sumindo toda vez que o
banqueiro chegava em visita, deixando apenas Jane para atendê-lo.
Havia um problema, porém. As moças começavam a desconfiar de que o
banqueiro pudesse estar interessado em Darcy. Não que ele tivesse dito alguma
coisa ou se comportado de maneira a sugerir tal idéia. Mas essa possibilidade
passava pela cabeça de todos na casa.
A idéia também já passara pela cabeça de Jonathan e o deixara um pouco
intranqüilo. Contudo, ao presenciar os momentos em que Darcy e o banqueiro
conversavam, terminara concluindo que nada existia entre eles. E que nunca
existiria.
Assim, ele se livrara do medo de ver Darcy apaixonada por outro homem.
Passara, então, a imaginar o que seria possível fazer para levar Dugan a se
apaixonar por Molly, e o sr. Singleton, por Jane. Algo tinha de ser feito com
urgência, porque se fossem deixar por conta dos dois homens, certamente Jane e
Molly morreriam solteironas. Bem, os dois tolos poderiam acabar percebendo,
mas esse progresso era lento demais para a impaciência de Jonathan.
Lembrou-se, então, de um incidente que acontecera no dia anterior.
James Singleton havia se apresentado à porta da casa, de manhã bem cedo.
Vestia-se com a elegância de sempre. Por sorte, tinha sido Jane quem atendera à
porta, já que passava pelo hall a caminho de uma aula, quando o banqueiro
chegara. Ela pretendia comparecer à aula, mas acabara faltando a ela.
Jonathan havia testemunhado o encontro.
— Bom dia, sr. Singleton — Jane cumprimentara o banqueiro com seu
melhor sorriso. — Por favor, entre.
— Obrigado, senhorita... — Singleton não se recordava do sobrenome da
jovem. — Bem, posso chamá-la de Jane? — James perguntara com seu jeito
hesitante, o que levara Jonathan, que estava invisível no local, a se esforçar para
não rir.
— Por favor, faça isso — Jane respondera, dando um passo para trás a fim
de dar caminho ao sr. Singleton.
— E a senhorita poderia me chamar de James, não é? — Tirando o chapéu,
ele entrara no hall, onde começara a andar em círculos como se estivesse
bastante nervoso.
— Farei isso... James. — Um rubor tomara conta do adorável rosto de Jane.
Seguira-se um silêncio, durante o qual James batia o pé no chão e Jane
permanecia imóvel como uma estátua. Jonathan, invisível, queria ver se o casal
se desinibia e começava a conversar de fato.
Quando o silêncio se tornara insuportável, Jane clareara a garganta e
resolvera falar alguma coisa, mesmo que fosse uma bobagem.
— Está um pouco frio hoje, não acha? — Ela fingira um arrepio. — Também,
já estamos no outono.
Jonathan resmungara para si mesmo: e esta é hora de falar do tempo?
James tossira discretamente, antes de responder:

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— É verdade. Eu estava justamente pensando que, para uma manhã de
setembro, o tempo está bastante quente.
Jonathan sacudira a cabeça em desconsolo. Que conversa mais medíocre. Se
eles continuassem desse jeito, jamais namorariam.
— Na verdade, eu achei que antes estava mais quente e que só agora esfriou.
— Jane fingira um novo arrepio.
— Oh, espero que a minha visita não tenha nada a ver com esses seus
arrepios, Jane.
— Oh, não, senhor! — Ela se esquecera de tratá-lo informalmente por
James. — Eu... eu...
— Estou aliviado em ouvi-la dizer isso — ele confessara, dando um passo
cauteloso em direção à moça.
Jonathan enchera-se de esperanças.
Jane, porém, dera um passo para trás, inconscientemente. James parara.
Jonathan desanimara. Não havia jeito. Esses dois nunca se entenderiam.
Mesmo assim, se resolvesse ir para o lado cômico, o comportamento de James e
Jane era ridículo e devia provocar risos em quem estivesse assistindo à cena.
Lembrar-se dessa cena foi o suficiente para Jonathan se descontrolar e
soltar uma gargalhada.
— Por que você está rindo? — Darcy perguntou, abrindo olhos. Acordara
com a gargalhada e estava confusa.
— Desculpe-me por haver perturbado você.
— Não estou perturbada. Apenas curiosa.
— Você conhece aquele velho ditado sobre curiosidade, certo?
— Conheço. Mas eu não sou um gato. — Ela espreguiçou-se,
— Não é, mas se move como uma gata.
Os olhos de Darcy brilharam de uma forma peculiar.
— É você que despertou a sensualidade em mim — ela o acusou. — Se a
srta. Reinholt nos visse agora, ficaria escandalizada.
— Ou com inveja — Jonathan opinou. — Explorar os sentidos é uma parte
natural da condição humana. Reprimi-los não é o certo. Esse é o motivo que leva
a srta. Reinholt a ser tão austera.
— Parece que também os não-humanos gostam de explorar os seus sentidos,
não é? — brincou Darcy.
— Pelo menos este não-humano gosta de fazer exatamente isso.
— E agora? Já é hora de eu me levantar? — Darcy perguntou, o brilho nos
olhos passando uma mensagem para ele.
— Ainda não — Jonathan murmurou. — É hora de fazermos carinho, isso
sim.
— Você é um homem maravilhoso, sabia disso?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Ah, sim. As garotas sempre ficavam atrás de mim quando eu era um
rapaz.
— Está brincando. Aposto que vivia com os seus livros. Não queria ser
pastor?
— De fato. Bem, vou lhe confessar uma coisa: jamais fui um namorador.
Estou assim romântico agora porque você me modificou.
— Tenho todo esse poder? Isso é novidade para mim.
— Aposto que sim. Com certeza a srta. Reinholt não permitia que nenhum
rapaz se aproximasse do seu colégio. Não é verdade?
Darcy soltou uma gargalhada. No fundo, a velha diretora vivia controlando
suas alunas. Mas era porque se preocupava com todas elas.
— Bem, agora, o pastor tímido e a aluna reprimida estão livres para se amar
— Jonathan observou, sorrindo.
Darcy suspirou. Sua vida se modificara tanto... Ali estava ela ao lado do
homem por quem se apaixonara. Procurou não pensar nos limites que o
relacionamento deles teria de suportar.
— Sim, por favor. Quero que me ame, Jonathan. Agora e sempre — Darcy
murmurou com voz rouca. — Fique pertinho de num, meu amor.
Ele sentiu uma pontada no coração e em sua consciência. Não estava sendo
justo com Darcy ao ficar ali com ela, prendendo-a a um relacionamento estranho.
Sabia disso. Darcy era linda interna e externamente e merecia encontrar um
homem que pudesse lhe oferecer um amor completo.
Ela tinha direito a amar um vivo, a não se prender a um espírito. Um
homem que pudesse abraçá-la de verdade, desposá-la, dar-lhe filhos, protegê-la
enquanto envelheciam juntos.
Mas, o que era possível acontecer entre ele e Darcy?
Poderia procurar descobrir os mais íntimos pensamentos da amada, seus
sentimentos, mas Jonathan afastou essa idéia. Nunca lhe invadiria a mente. Isso
era indigno.
Darcy o amava com todas as fibras de seu ser. E, no entanto, Jonathan
sabia também que havia momentos em que Darcy tinha suas dúvidas,
desesperava-se e se sentia frustrada.
Afinal, ele era um ser sem substância. Um fantasma. Uma sombra do
homem que fora enquanto estivera na dimensão dos vivos.
E Darcy estava nessa exata dimensão. Era uma entidade viva e vibrante.
O amor entre eles não tinha futuro.
Mas, apesar disso, eles se amavam.
Jonathan angustiou-se por alguns momentos. O que ele sentia transpareceu
em seu semblante, e Darcy ficou alerta.
— O que foi, Jonathan? — A suave voz penetrou na escuridão dos
pensamentos dele.
— Sim, meu amor?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não se desespere por mim — ela disse, revelando como também conseguia
ler os pensamentos do homem amado, tão unidos estavam. — Eu sabia que
haveria limites e os aceitei ao me entregar a você.
— Mas você merece muito mais.
— Querido, venha aqui — Darcy murmurou. — Livre o meu espírito unindo
a sua essência à minha. Eu não sei ficar sem você Jonathan.
Ainda não convencido da possibilidade do relacionamento deles continuar,
Jonathan aproximou uma mão do rosto macio de Darcy, mas logo parou, tomado
por uma sensação muito estranha. Algo estava lhe acontecendo.
De repente, ele pareceu descobrir o que deveria fazer para voltar a viver.
Era preciso um homem morrer. Não, não apenas um homem, mas vários
deles deviam morrer.
Em que, porém, seria afetado com a morte desses vários homens? Sentiu-se
confuso.
A sensação era forte demais para ser negada.
Nunca antes Jonathan experimentara uma assim tão especial. Era como se
estivesse prevendo seu futuro. Como a morte de homens longe de Denver podia
lhe dar a chance de ter um futuro?
Então a sensação foi embora tão depressa como viera. Jonathan deixou para
analisar depois o que acontecera e voltou sua atenção para Darcy.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO XIV

Darcy antecipou o prazer que sentiria com os lábios de Jonathan tocando


os seus. Não sabia como isso era possível. Seria tudo produto da sua
imaginação? Como um espírito podia conhecer os prazeres do sexo, sendo que o
contato entre os dois não podia ser físico? Anteciparia ela as sensações sexuais,
projetaria seu corpo para um plano diferente, nem o das almas nem o dos
humanos?
— Dê-me o seu espírito, a sua essência — Jonathan lhe sussurrava. — Una-
se a mim. Torne-se minha mulher.
— Sim... sim — balbuciou Darcy. — Depois, arregalou os olhos e gemeu. —
O que você fez comigo, Jonathan? Não consigo deixar de desejá-lo mais e mais.
Eu, que sempre vivi austeramente, agora peço a um homem que faça amor
comigo? Isso não pode estar acontecendo.
Jonathan balançou a cabeça como se quisesse dizer que não tinha resposta
para as indagações dela.
— Ah, meu amor. O prazer que você sente eu também sinto.
— Se isso é a morte, eu a recebo de braços abertos — gemeu Darcy,
enquanto Jonathan lhe fazia carícias ousadas.
— Não, meu amor. Isso não é a morte. É apenas uma experiência que você
nunca teve antes.
— Eu o amo, Jonathan. Com todo o meu coração, minha alma e meu corpo.
Desde o dia em que o guia espiritual dissera que Jonathan, embora etéreo,
poderia sentir as sensações e emoções de uma pessoa viva, tudo ganhara uma
nova cor nesta estranha fase em que ele se encontrava.
Era extraordinário que ambos conseguissem vivenciar o prazer sexual. Ela
estava viva, e Jonathan era um espírito. Embora o ato sexual não fosse real, o
casal o sentia como se fosse.

Darcy acordou ouvindo o martelar incessante dos homens que trabalhavam


na reforma da casa. Já era tarde. Devia ter se levantado antes e iniciado suas
atividades.
Mesmo assim, estendeu os braços em um movimento de luxúria. Jonathan.
Um sorriso lhe aflorou aos lábios, e ela abriu os olhos e procurou por ele.
— Jonathan?
— Bom dia, meu amor. — Ele se materializou ao lado da cama. Usava uma
roupa mais rude porque resolvera participar, mesmo que invisível, da atividade
dos pedreiros.
— Onde você estava?
— Passeando. Está uma manhã maravilhosa. Fui ver os homens
trabalhando. E foi divertido, porque quando eu quis ajudar, acabei derrubando
ferramentas e tijolos. Deixei os homens um pouco ressabiados. Ninguém
entendeu por que os pregos caíam e as ferramentas sumiam.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Darcy sorriu. Ver Jonathan se divertindo era como um presente para ela.
Mais uma vez pensou em como seria se chamasse por Jonathan e ele não
aparecesse. Ela enlouqueceria, com certeza. Com Jonathan, conhecera o amor e
descobrira sua sensualidade.
Bastava vê-lo para que a vibração voltasse ao seu corpo. Como seria
maravilhoso se formassem um casal normal. Imaginou-se casada com Jonathan,
acordando depois de uma noite de intenso amor. Ririam juntos, tomariam o café
da manhã trocando carinhos.
Nesta manhã, Jonathan usava uma camisa que estava com dois botões
abertos. Podia-se ver parte de seu peito musculoso.
Como um espírito podia ser a imagem da masculinidade? Darcy Se
perguntou.
Continuou olhando para ele. Sendo que a camisa não tinha colarinho, ela
pôde ver perfeitamente a marca onde a faca penetrara em sua garganta. Já
haviam lhe contado como acontecera o crime.
Por um capricho, Jonathan estava sentado a uma mesa conversando com
Sarah, erguera-se ao ouvir os homens discutindo e se colocara como um alvo
fácil. Uma simples faca e lá se fora toda uma vida, tirada muito cedo do plano dos
vivos.
A sensação de euforia que Darcy sentira ao acordar foi substituída pelo peso
da realidade. Mordeu o lábio, afastou as cobertas e levantou-se da cama para
enfrentar mais um dia de trabalho.
— Estou terrivelmente atrasada? — perguntou, esforçando-se para usar um
tom de mulher de negócios. Queria, assim, evitar que Jonathan percebesse seu
desânimo, criado pela falta de perspectiva de uma vida ao lado dele.
Ela devia ter sabido que daquele relacionamento bizarro só poderia sair
magoada.
— Meu amor, meu amor — ele murmurou. — Eu magoei você.
Tudo indicava que Jonathan lera os pensamentos de Darcy.
— Por que diz isso? Por que acha que me magoou? Acordei feliz porque você
estava ao meu lado, meu querido.
— Sei que sou egoísta — ele confessou. — Tenho magoado você com essa
minha insistência em achar que podemos nos amar. Se eu fosse justo, me
afastaria imediatamente de você e...
— Não diga isso. Por favor, meu querido, nem pense em me deixar. — Os
olhos de Darcy se encheram de lágrimas. — Você é o meu amor, meu único amor.
Se você partir ou for chamado para seguir a luz, serei eu a segui-lo.
— Não. Não poderia aceitar esse seu sacrifício — Jonathan protestou com
veemência. — Não, querida. Você não deve morrer, nem se eu for obrigado a
partir. Você tem uma missão a cumprir aqui recolhendo todas as ovelhas
perdidas vestidas de mulheres tentadoras.
Darcy sacudiu a cabeça com vigor. Jonathan não a faria mudar de idéia.
— Ouça-me bem. Se você for chamado para o reino da luz, não ficarei mais
nesta casa. Não continuarei com a tarefa que estabeleci para mim mesma, porque

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
a minha vida não terá mais significado algum. — Ela suspirou. — Sua presença
me inspira, torna-me uma pessoa melhor. Meus planos ruirão por terra, pois não
representarão mais nada.
— Nada? Você pensou no que está dizendo? E a pequena Sarah? Ela já está
começando a escrever o próprio nome e a ler algumas palavras. Mas o caminho
de Sarah para uma vida melhor ainda exige muito mais do que isso. Você a
abandonaria agora, condenando-a a uma vida de degradação? E Katie? Já
imaginou se ela voltar à vida de antes? E Molly, June ou Jane ou qualquer outra
das jovens?
Darcy deixou cair os ombros, desanimada.
— Mas você bem disse que recusou a luz porque queria muito ajudar Sarah
a desenvolver todo o seu potencial — ela lembrou-o.
— Isso é verdade. E agora você se encarregou de tornar a minha decisão
realidade. É por isso que eu insisto que você continue, mesmo que algo me
aconteça. Talvez eu seja chamado para casa.
— Chamado para casa? — Darcy sentiu-se confusa. — O que você quer dizer
com isso?
— Ando tomado por uns pensamentos estranhos. Fico em dúvida se haverá
algo para nós neste plano da Terra. Mas eu sei que ele é apenas um lugar de
passagem entre vidas. Não é o nosso verdadeiro lar.
— Você me confunde quando fala... desse lugar.
— Desculpe-me.
Darcy estremeceu.
— Está com frio? — ele perguntou.
— Estou. — Só então ela percebeu que conversara esse tempo todo com
Jonathan sem ter uma única peça de roupa a cobrir-lhe o corpo. — Oh, meu
Deus! Onde estou com a cabeça?
O riso dele voltou a ser alegre como no primeiro dia em que haviam se
conhecido.
— Não estou reclamando desse seu traje natural — Jonathan brincou.
— Você seria feliz longe desta casa, Jonathan? Digamos que eu não tivesse
vindo a Denver, que continuasse a lecionar em Filadélfia. Nunca nos
conheceríamos.
— Nesse caso, talvez eu desistisse de insistir em ficar aqui. Aceitaria meu
destino de espírito e seguiria a luz.
Meu Deus, como minha vida mudou! Pensou Darcy, afastando-se de
Jonathan e caminhando até o quarto de vestir.
— Ele pensa que pode ficar longe de mim? — ela murmurou, enquanto
escolhia uma roupa no quarto de vestir. — Nem vou pensar nisso agora, senão
ficarei maluca.
Quando saiu apropriadamente vestida, Jonathan a examinou balançando a
cabeça.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Tenho de admitir que a preferia como estava há pouco. Sua pele é bem
mais macia que o tecido do seu vestido e muito mais atraente. E há alguns
pontos do seu corpo...
Darcy resolveu não lhe responder. Já estava atrasada. Se prosseguisse com
aquela conversa, ficaria excitada, e os dois terminariam querendo repetir as
carícias da noite. Dirigiu-se à sua escrivaninha para pegar alguns papéis. Neles
havia desenhos de uniformes.
A idéia tinha-lhe vindo à cabeça observando a roupa com que as moças ali
da casa se vestiam para estudar e lecionar. Inspirada nos uniformes que a srta.
Reinholt estabelecera em seu colégio, Darcy achou interessante que alunas e
professoras se vestissem discretamente, todas da mesma forma. Daí a idéia de
escolher um uniforme.
Molly, que costurava com maestria, apossara-se da idéia de Darcy e havia
desenhado algumas sugestões, enumerando até as possíveis cores. Um dos
modelos consistia em uma blusa de algodão azul-clara, seguindo um estilo meio
masculino, e uma saia reta e lisa em um tom azul mais escuro. Tudo bem
simples, porém elegante.
E Molly ainda tivera uma brilhante idéia. Passara a ensinar as colegas a
costurarem seus próprios uniformes, escolhendo os tecidos azul-claro e o escuro
e o tecido de algodão para os modelos cortados e costurados durante sua aula.
Sem pensar, as outras mulheres estavam com seus uniformes prontos para
serem usados.
Darcy, que não perdia uma aula de Molly, já costurara o seu. E não se saíra
mal. Seu traje era o segundo mais bem-feito da classe.
Sabendo que jamais seria uma modista, ela ficara mais do que satisfeita com
o que havia conseguido. E o mesmo acontecera com as outras mulheres. Se os
uniformes não eram perfeitos, não importava. Haviam sido elas a costurá-los.
Isso significou uma gratificação extra para a auto-estima das alunas-professoras.
Podia ser uma pequena conquista, talvez, mais uma que animou Darcy a
mergulhar em novos projetos. O futuro de sua escola parecia promissor.
O único problema que enfrentavam era a questão do espaço. Não havia lugar
para muitas salas de aula. Também faltavam móveis. Assim, Darcy pegou vários
dos móveis que havia em seu quarto e os transformou em escrivaninhas de
estudo e mesinhas de costura. Tudo era aproveitado.
Durante as tardes, entre o almoço e o jantar, ela usava a sala de almoço
para ministrar aulas de matérias básicas, como ler, escrever e fazer contas. Jane
se encarregava de encaixar nos intervalos suas lições de conversação.
Era um bom arranjo. Darcy sabia disso, mas tudo seria bem melhor quando
a parte que acrescentara à casa, e ainda estava sendo construída, ficasse pronta.
E logo que essa parte fosse completada, os homens começariam a construir um
pequeno chalé em um dos cantos do terreno. Lá, moraria um segurança que
estaria a postos caso houvesse necessidade de sua assistência. Naturalmente,
esse segurança seria Clancy Dugan.
Jonathan já comentara que Dugan trabalhava com muito mais empenho
depois que tomara conhecimento dos planos de Darcy.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Dugan era um homem honesto, tinha um gênio bom, era ativo e
desempenhava bem todas as suas tarefas e, principalmente, podia-se confiar
nele. E já que o brutamontes irlandês decidira que sua missão na vida era
proteger Darcy, seria ótimo tê-lo ali no chalé.
Enquanto descia as escadas, Darcy observou Jonathan, que a acompanhava
cavalheirescamente. Ele era bonito, charmoso e uma excelente companhia. Não
tendo corpo físico, porém, jamais poderia protegê-la de perigos reais que
poderiam acontecer a qualquer hora. Viver no Oeste era bem menos seguro do
que em Filadélfia, ela reconhecia.
Na opinião de Darcy, somente uma mulher tola viveria em Denver sem ter
alguém para protegê-la. Bem, depois de treinar disparos de tiro com um revólver
nas aulas de Katie, talvez pudesse se defender sozinha um pouco melhor.
Ela amava Jonathan com todas as fibras de seu ser e todas as células de seu
cérebro, mas o fato de amá-lo não significava que se tornara descuidada em
referência à realidade. Jonathan jamais poderia protegê-la de um mal físico.
Assim, a presença de Dugan era indispensável.
Sons de uma conversa animada chegaram aos ouvidos de Darcy quando ela
chegou ao hall. Identificou a voz de Molly, que parecia estar indignada.
— Parece que estão brigando — Jonathan observou.
— De fato. Estava indo tudo muito bem para ser verdade. Será que a
discussão tem a ver com alguma coisa que aquelas senhoras da sociedade
fizeram contra a nossa escola?
— Não antecipe problemas — ele a aconselhou. — Vá lá e descubra o que
está acontecendo.
Endireitando os ombros, assumindo uma posição de um soldado pronto
para uma batalha, Darcy atravessou o hall e entrou na sala de jantar. Foi notada
nem bem apareceu à porta.
— Aqui está a srta. Darcy — Katie disse em um tom decisivo. — Ela saberá o
que fazer.
— Sobre o quê? — Darcy perguntou, temendo ouvir más notícias.
— É sobre aquela menina.
— Temos de fazer alguma coisa.
— Ela é um pouco mais que um bebê.
— Isso não está certo!
— É uma vergonha!
— Dizem que o nome dela é Sue.
As exclamações vinham de todos os lados. Sem entender do que estavam
falando, Darcy resolveu dar uma de professora e colocar a classe em ordem.
— Meninas, uma de cada vez. — Focalizou sua atenção em Katie. — Por
favor, Katie, explique o porquê dessa discussão. O que está aborrecendo tanto
todas vocês?
— Sally esteve aqui hoje de manhã.
— E ver Sally aborreceu vocês?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Oh, não! — Sarah exclamou. Gostamos de vê-la. Sally é uma boa amiga.
— Nós nos aborrecemos com o que ela contou — Katie foi dizendo, enquanto
trincava os dentes de raiva.
— Muito bem. Continue, Katie — Darcy pediu, já imaginando o que as boas
senhoras da cidade deviam estar aprontando. — O que Sally contou a vocês?
— Falou sobre a menina que a sua nova patroa comprou — Molly se
adiantou.
— Comprou?
— Sim, comprou! — A voz de June revelava toda a sua indignação. — Sally
disse que o pai da menina sofre da febre do ouro. Vendeu a filha por uma
ninharia.
— Mas... como? — Darcy empalideceu. — Um pai não pode vender uma filha
para a prostituição.
— Não deveria, mas isso acontece, srta. Flynn — Clancy intrometeu-se na
conversa.
— E o que dizem as autoridades? — Darcy estava se enfurecendo. — A lei?
— Às vezes há uma conspiração do silêncio — Clancy explicou. — E as
autoridades nem ficam sabendo. E há casos em que a própria autoridade finge
que não vê.
— Não posso admitir que uma coisa dessas aconteça. Não comigo por perto
— indignou-se Darcy.
— Meus pais me largaram e foram à procura do ouro. Também eles estavam
com essa tal de febre. — Molly parou de falar, pois as lágrimas escorriam por seu
rosto. — Fiquei na rua... Mas é melhor ser largada do que vendida.
— Pois meu pai me colocou para fora de casa e colocou uma mulher no lugar
da minha mãe morta — Sarah resmungou. — Mas, pelo menos, não me vendeu,
como se eu fosse um pedaço de carne.
— Sally disse que essa menina tem no máximo onze ou doze anos — Katie
murmurou, desgostosa.
— Isso não pode ser tolerado. — Darcy decidiu intervir imediatamente nesse
comércio ilegal. — Onde é essa... casa? E quem é essa mulher que compra
crianças?
— Vai tentar ajudar a menina, srta. Darcy? — Jane perguntou, colocando
em voz alta a esperança de todas as outras moças.
— Não, não vou tentar ajudar. — Ela apertou os olhos de ódio. — Vou tirar
imediatamente a menina daquela casa.
— Não será fácil, senhorita! — Clancy exclamou. — Aquela Casa fica no alto
da colina, nos arredores de uma vila onde moram os mineiros. São pessoas
brutas, a maioria violenta. — Ele sacudiu a cabeça. — Como planeja tirar a
menina de lá? Corre o risco de levar um tiro.
Diante disso, Darcy decidiu pensar no melhor meio de resgate a menina.
Dinheiro é sempre uma boa forma de fazer barganha.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
A voz de Jonathan foi sussurrada no ouvido de Darcy, e a mensagem trouxe
um sorriso em seus lábios.
— Duvido que haja tiroteio, sr. Dugan. A arma que vou escolher será o ouro.
— A senhorita pretende comprar a menina daquela vagabunda? — o criado
perguntou abrindo um enorme sorriso.
— Precisamente.
— E qual é o seu limite, então? Vou procurar a mulher e lhe pedir que
estabeleça um preço?
— Não, sr. Dugan. — Darcy pretendia fazer uma abordagem diferente. —
Serei eu a confrontar a tal mulher. Quero estar presente nessa negociação.
— Então acompanharei a senhorita. — O semblante de Clancy Dugan
mostrava toda a sua preocupação. E, sem dúvida, muita determinação.
— E eu também — Katie declarou com determinação. — Conheço aquele
lugar e aquela mulher. — Ela enfiou a mão no bolso, em seu revólver. — Quando
pretende ir lá, srta. Darcy?
— Estarei pronta em meia hora. — Sorriu ao sair da sala, sentindo o clima
de expectativa que envolvia todas as moças.
— Não sei se conseguirei ficar aqui esperando sem fazer nada!
— June exclamou. — Acho que vou fazer uma nova faxina nesta casa.
— E eu farei um bolo de laranja — afirmou Dora. — Quando a srta. Flynn
voltar, vai nos contar as novidades.
— Será que vão correr perigo? Clancy é muito forte, mas os mineiros são tão
desleais! Podem lhe dar um tiro — agoniou-se Molly.
As moças riram da apreensão de Molly, e cada uma resolveu fazer alguma
coisa para que o tempo passasse mais depressa.
Exatamente trinta minutos depois, Darcy saiu para a varanda. Vestia um
traje de dama. Sua elegância ia do pequeno chapéu às botas finíssimas.
Se a srta. Reinholt estivesse ali para ver sua antiga aluna, ficaria orgulhosa.
Ao lado de Darcy, Jonathan também sentia uma emoção humana, o orgulho
pela sua amada.
Mas, ao mesmo tempo, ele estava apreensivo. Corno Katie, sabia como era o
lugar para onde estavam indo. Tinha conhecimento dos violentos membros
daquela comunidade. Corajosa porém inocente, Darcy estava embarcando em
uma missão perigosa.
Se algo acontecesse com ela...
Jonathan olhou seriamente para Clancy quando se sentou ao lado do antigo
guardião de La Rouge. Se algo acontecesse com Darcy, ele jamais perdoaria
Clancy. Mais do que isso, assombraria o resto da vida do pobre homem.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO XV

Ao contrário das cidades melhor planejadas e construídas na base de


montanhas, a vila próxima das minas de ouro parecia se dependurar
precariamente na colina.
Além das estruturas malfeitas e das ruas estreitas, as chuvas haviam
deixado poças de lama, e era quase impossível transitar por ali sem se sujar.
No forte calor de setembro, o lugar constituía um atentado contra o bem-
estar de qualquer ser humano. O ar era impregnado de todo tipo de cheiro, todos
desagradáveis. Havia estrume de cavalo por toda parte.
Quase sufocada, Darcy cobriu o nariz com a mão protegida por finíssima
luva.
— Se Sally tinha tanto lugar para ir, como bem disse ao se retirar da nossa
primeira reunião, não sei como veio parar nesta vila horrorosa.
— Ouro — Katie respondeu-lhe. — Sally veio onde há clientes cheios de
ouro.
— Ah, sim, claro. — Darcy suspirou, resignada com o fato de que Sally
escolhera aquele emprego em vez de ficar na escola.
— Katie, você conhece a mulher que contratou Sally? A tal que compra
meninas?
— Oh, sim. Conheço essa bruxa. Não sei como se chama de verdade, mas ela
diz que seu nome é Queenie Jones. É ambiciosa e má. Costuma judiar das suas
garotas.
A carruagem passou por um buraco, e Darcy gemeu. Observou Katie, que
nem pestanejou com os solavancos.
— Você parece estar habituada com esta cidade, não é?
— Vivi por aqui enquanto meu marido explorava ouro. — Apesar de
aparentar calma, sua agitação interior era traída pelo movimento nervoso de seus
dedos. — Meu marido foi assassinado em uma briga ao defender os seus direitos
de minerar em uma determinada área. Depois que ele morreu, fiquei sem nada.
Não tinha aonde ir, ninguém que me ajudasse, nem alguma qualificação especial
que me garantisse arranjar um emprego. — Katie parou por um momento e, ao
prosseguir com sua história, sua voz tremia: — Fui trabalhar para Queenie.
Darcy já sabia do drama de Katie, pois Jonathan lhe havia contado durante
aquele primeiro almoço que tivera com as jovens.
— Ah, que triste. E você vivia bem com seu marido?
— Oh, éramos jovens. Gostávamos um do outro. Michael sonhava em ficar
rico. Dizia que iria me cobrir de ouro...
— E ele chegou a minerar?
— Procurou ouro nos lugares errados. Depois enfiou na cabeça que havia
encontrado a mina certa. Foi quando aconteceu à briga, e ele morreu.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Darcy ficou imaginando Katie viúva, sem posses e sem perspectiva de futuro.
E devia ser bastante nova quando trabalhara para a tal de Queenie. Jovem e
desiludida.
Observou a moça e notou como ela estava diferente de quando a conhecera.
No momento, Katie vestia seu uniforme e apenas colocara um casaco nos
ombros e um chapéu, que lhe dava um ar bem distinto. Quem a visse agora
jamais imaginaria seu passado.
— Eu odiava o lugar e mais ainda Queenie. — As recordações daquele tempo
ruim deixaram seu semblante tão carregado que chegava a enfeá-la. — Os meus
fregueses eram brutos, uns animais. Trabalhar para sua mãe salvou a minha
sanidade e, por que não dizer, a minha vida.
Darcy já ouvira muitas histórias a respeito de sua mãe, e todas elas
mostravam Colleen como uma mulher extraordinária. Ela como Darcy, tinha
trabalhado para ajudar as moças sem casa e sem família decente. O que
diferenciava Darcy da mãe era que Colleen montara a casa de má fama e aceitava
que as jovens se prostituíssem. Já Darcy montara uma escola e visava um futuro
melhor para as suas protegidas. E agora, lá estava ela procurando resgatar uma
criança das mãos da megera Queenie Jones.
— Estamos chegando.
A observação de Katie tirou Darcy de seus pensamentos. Tomou consciência
do barulho da rua, do movimento de pessoas mal-encaradas circulando no meio
da sujeira toda.
Um frio tomou conta de seu estômago, e seus músculos estavam tensos.
Encontrar-se, negociar com essa Queenie já era uma perspectiva desagradável.
Para piorar ainda mais a situação, Darcy teria de circular entre mineiros. E
alguns, como ela percebia, já estavam bêbados àquela hora da manhã. E havia
ainda outro problema: todos olhavam para Darcy como se ela fosse uma nova
candidata a distraí-los no bordel.
O que faria se Queenie Jones se recusasse a lhe entregar a menina?
Darcy sabia que não encontraria apoio nas autoridades. Isso se existisse
alguma autoridade naquela comunidade decadente.
Percebeu que alguns homens começavam a se agrupar e fazer comentários
vulgares enquanto a carruagem ia parando. O pânico fazia Darcy respirar com
maior dificuldade. Felizmente, lembrou- se de que Clancy Dugan estava ali com
elas e isso a acalmou um pouco. Afinal, o homem era muito alto, muito forte e
sabia lidar com os mal-encarados. Ninguém fazia gracinha perto dele.
Naquele instante, o sr. Dugan abriu a porta da carruagem e ajudou Darcy e
Katie a descerem na calçada em frente ao bordel.
Eu estou aqui, meu amor. Não se esqueça disso.
Ouvir a voz de Jonathan naquele momento deu a Darcy um alento maior.
Não podia ser pessimista. Na hora saberia qual a melhor atitude a tomar para
convencer a mulher a atender ao seu pedido.
Ao se aproximar da casa que parecia à beira de desmoronar, ela hesitou.
Precisou de um grande esforço para não sair correndo para a carruagem e pedir
ao sr. Dugan que a levasse de volta à sua linda casa. No entanto não podia fazer

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
isso. Ergueu a cabeça, endireitou o corpo e procurou aparentar calma e
determinação.
O interior do lugar não era melhor que o seu exterior. Em um espaço
confinado, a combinação dos cheiros de cerveja, suor e sujeira virou o estômago
de Darcy.
Ela engoliu a seco, estreitou os olhos, ergueu o queixo e olhou em volta,
aparentemente sem medo dos fregueses que estavam sentados a mesas rudes ou
em pé junto ao bar.
Obviamente, sua entrada não passou despercebida da proprietária que,
falando muito alto, chamava a atenção de todos.
Queenie Jones era uma mulher grandalhona e não muito nova. Os cabelos
pintados de vermelho lhe davam um ar bastante vulgar. Seu vestido era florido e
grudado no corpo, mostrando que ela se encontrava bastante acima do peso
ideal.
— Ora, ora, quem vem nos dar a honra de uma visita! Estou enganada ou é
a nossa querida Katie? — Queenie falou em tom debochado. — Bem, Katie, não
me diga que está com saudade e voltou. Mas quem é essa dama que veio junto
com você? Será a esposa do nosso presidente?
Mesmo estando a alguns metros de distância da horrível mulher, Darcy
sentiu o cheiro do perfume barato que Queenie usava. E escutara bem suas
palavras de deboche. Irritou-se a ponto de ouvir Jonathan mandando que se
acalmasse.
Calma, meu amor. Lembre-se de se apanham mais moscas com mel do que
com vinagre.
— Não me diga que não conhece a jovem que está ao meu lado, Queenie.
Duvido que não saiba quem ela é. Não lhe lembra alguém? — Katie não sabia
corno esconder a repulsa que sentia por sua antiga patroa.
Tomando a iniciativa, Darcy apressou o passo, ignorando os olhares e
comentários dos fregueses. Logo encarava Queenie co- mo se não a temesse.
Katie e o sr. Dugan se encontravam atrás dela.
— Sou Darcy Flynn. Vim até aqui discutir um assunto de negócios. — Ela
apontou para os fregueses. — Em particular, por favor.
— E se eu não quiser sair daqui? Estou na minha casa, não se esqueça
disso, mocinha.
— Bem, o assunto é de natureza delicada, mas... — Darcy deu de ombros,
como se quisesse deixar bem claro que, para ela, não importava onde
conversassem. — Se quiser ouvir o que tenho a lhe propor no meio dessa gente
toda... Acredito que vai se arrepender depois.
— Droga! — exclamou Queenie, com um sorriso irônico nos lábios. — Não é
que você é mesmo filha de sua mãe? Tem a mesma língua afiada. — Mas eu gosto
de uma mulher atrevida. Vamos lá no meu escritório. Ninguém vai escutar o que
você tem a dizer, se é o que prefere.
— Obrigada — Darcy murmurou educadamente, seguindo a mulher.
— Mas deixe os seus guarda-costas por aqui. — Queenie apontou para Katie
e para o sr. Dugan. Os dois protestaram imediatamente.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Eu quero estar presente — declarou Katie. — O assunto também me
interessa.
— Nem pensem em me excluir. — Clancy Dugan parecia inflexível. — Aonde
minha patroa vai, eu a sigo.
— Está tudo bem, Katie. Não precisa se preocupar, sr. Dugan — Darcy lhes
assegurou. — Estarei bem. — Forçou um sorriso porque viu que, na realidade,
não enfrentaria Queenie sozinha.
Jonathan a acompanharia. Naturalmente, não passava pela cabeça da
repugnante mulher que teriam a companhia de um fantasma.
Mas será que essa megera tem medo de fantasmas, perguntou-se Darcy.
Quem conhecesse Queenie responderia sem hesitar a essa pergunta. A
mulher não temia nem o diabo em pessoa.
Após deixar Clancy e Katie jurando vingança caso acontecesse algo a ela,
Darcy saiu da sala do bar e entrou em um cômodo onde havia apenas uma
escrivaninha e algumas cadeiras.
— Que me enforquem como se fosse um ladrão de cavalos se você não é a
imagem de La Rouge — Queenie foi falando e sacudindo o enorme corpo em uma
gargalhada.
Darcy já se acostumara a que as pessoas se referissem à semelhança dela
com a mãe, apesar de que, pessoalmente, ainda não via essa semelhança toda.
Aceitou, porém, o comentário de Queenie como se fosse um elogio, mesmo que a
mulher não o tivesse feito com essa intenção.
— Srta. Jones, recebi a informação de que lhe venderam uma garota bem
nova. Esta informação está correta?
— Quem lhe contou isso? — Queenie perguntou. A expressão da megera
chegava a assustar. Darcy procurou não demonstrar nenhuma emoção.
— Penso que sabe que não lhe darei essa informação — disse apenas.
— Pois nem precisa dizer. Foi Sally, não é? Eu sabia que estava fazendo uma
grande bobagem deixando que uma ex-garota de La Rouge viesse trabalhar aqui.
Desde que ela chegou não fala outra coisa que não sejam elogios à sua falecida
mãe. Vive enchendo a cabeça das minhas meninas dizendo que sou mim e que só
sua mãe era a patroa perfeita. — De repente, Queenie dirigiu a Darcy um olhar
cheio de curiosidade. — Sally me disse que você transformou o bordel em escola,
é verdade mesmo?
— De fato.
— Pois fez besteira. Mulheres do tipo de Sally não mudam. Não se
transforma uma prostituta em uma dama.
— Não? Mas a senhorita viu Katie — Darcy disse simplesmente.
— Só que parecer uma dama não quer dizer que o seja de verdade.
— Tem razão. Já conheci algumas das melhores senhoras da sociedade de
Denver. Parecem damas, mas não o são. Felizmente, minhas garotas não se
comportam como elas.
Queenie ficou alguns instantes em silêncio.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Você diz coisa com sentido, menina. Essas mulheres também não são
damas, com certeza.
— Bem, mas vamos ao que interessa. Sei que é imoral comprar e vender
seres humanos, mesmo assim vim lhe oferecer uma quantia pela menina que a
senhorita acabou de adquirir.
— Quer comprar a garota de mim?
— Quero oferecer liberdade a ela — Darcy a corrigiu. — Aceita negociar?
— Não sei. A menina é especial — Queenie observou, procurando disfarçar
uma expressão calculista. — A garota é virgem. Tenho uma fila de fregueses
esperando por ela.
Darcy mal conseguiu conter o ódio que a dominou. Procurou controlar-se.
Pelo menos, pela afirmação da megera, a menina ainda não tinha sofrido nenhum
abuso ali no bordel.
Neste momento, Jonathan lhe passou uma mensagem:
Não seja econômica. Ofereça à mulher uma quantia que ela não vai poder
recusar.
Não tenho experiência em negociar, Darcy confessou em uma comunicação
mental com Jonathan. Quanto você sugere que eu ofereça?
Dez mil em ouro.
Darcy arregalou os olhos. A quantia era enorme.
O que é dinheiro quando está em questão uma vida humana? Jonathan
comentou.
— Bem — Queenie disse, sem esconder a impaciência. — Qual é a sua
oferta?
— Eu lhe ofereço 10 mil dólares em ouro pela menina.
Os olhos de Queenie se arregalaram. A mulher chegou a engasgar.
— Você disse 10 mil? Em ouro?
— Disse. É o máximo que posso lhe oferecer. Não ofereço nem um dólar a
mais do que isso. Aceita a minha oferta?
— Se eu aceito? — Queenie deu uma gargalhada. — Está me achando com
cara de louca? É claro que aceito. Com esse dinheiro, até eu viro uma grande
dama.
— Muito bem. — Darcy usou um tom bem preciso, próprio para fechar
negócios. — Vou me encontrar com o meu banqueiro e lhe pedirei que
providencie essa quantia. O sr. Dugan virá lhe entregar o dinheiro em troca da
menina. Mas espero que ela não tenha sido tocada, que não haja uma mancha
em sua pele. Se houver um arranhão que seja, nosso acordo estará anulado.
— Você tem a minha palavra que vou proteger pessoalmente a garota. —
Meu Deus, por 10 mil em ouro eu cuido dela como se fosse uma princesinha.
— Então estamos de acordo. — Darcy levantou-se e estendeu sua mão
enluvada para despedir-se da mulher.
— Combinado. Agora, vamos tomar um gole para celebrar.

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— Não, obrigada — Darcy recusou, procurando não mostrar seu olhar de
nojo. — Katie e o sr. Dugan estão me esperando... preocupados, creio eu. Preciso
ir. Bom dia, srta. Jones.
— Bom dia, srta. Flynn. Foi um prazer negociar com a senhorita.

Três dias depois, Clancy escoltou Sue, a apavorada menina que ele trouxera
do bordel de Queenie Jones, até a enorme casa nos arredores da cidade de
Denver.
Como era de esperar, a informação da viagem de Darcy até a vila mineira e a
razão pela qual ela havia ido lá se espalharam por Denver inteira.
Era outono e um vento frio tirava as pessoas das ruas.
O trabalho de reforma da casa havia sido completado e já havia cinco
mulheres esperando para ocupar os novos dormitórios. Quando a primeira neve
caiu, o nome de Darcy e seus feitos tinham se tornado uma lenda na região.
Em conseqüência de suas atitudes, ela passou a ser respeitada e sua escola
ganhou credibilidade. Mesmo as antigas prostitutas da La Rouge eram agora
aceitas como residentes normais da cidade.
As senhoras locais não tiveram outro jeito a não ser tratar Darcy com mil e
uma gentilezas quando passavam por ela na calçada.
Clancy e todas as cinco mulheres estavam realmente felizes. Moravam em
um uma casa linda, davam-se bem uns com os outros e já tinham certeza de que
o futuro lhes era promissor. Além disso, adoravam Darcy e não sabiam como lhe
agradecer por toda essa transformação em suas vidas.
Darcy começara a achar uma certa graça em tudo isso. Não fazia nada com o
objetivo de receber agradecimentos.
Na última semana, recebera uma carta da srta. Reinholt pedindo notícias. A
velha diretora sentia saudade de Darcy. Deixava isso bem claro. Havia escrito,
porém, que tinha impressão de que não teria de volta a sua professorinha.
Darcy respondera à carta imediatamente. Tinha contado que a mãe falecera,
mas sem entrar em detalhes sobre à casa que ela administrava. Falara da fortuna
que havia herdado e como a estava aplicando, montando uma escola. Agora,
aguardava uma nova carta da srta. Reinholt. Sabia que a diretora ficaria
felicíssima em saber que a educação que dera a Darcy estava produzindo frutos.
E bons frutos.
Por sua vez, Jonathan sentia-se muito satisfeito com o rumo dos
acontecimentos. O progresso de Darcy era gratificante.
Ele a amava e se orgulhava dela. Continuava, porém, questionando o
relacionamento entre eles. Pensara muito no assunto e decidira que, enquanto
Darcy aceitasse os limites do amor que compartilhavam, ele resistiria à idéia do
amor universal e do paraíso espiritual.
Percebendo isso, o guia de Jonathan parara de lhe sugerir que se voltasse
para a luz.
Na verdade, Jonathan estava se divertindo com sua... morte. Pelo menos,
sentia-se diferente dos outros, capaz de mil e uma façanhas.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
No entanto, havia momentos em que algo parecia perturbá-lo. Era uma
estranha sensação de que alguma coisa marcante iria acontecer e seu destino
mudaria.
No começo de novembro, as sensações eram tão intensas, tão perturbadoras,
que Jonathan, frustrado por não conseguir explicá-las, chamou de volta seu guia
espiritual.
Ele está vindo.
Ele?
Jonathan ficou confuso por um instante.
Quem está vindo? E por quê?
O homem que lhe dará a possibilidade de experimentar novamente o plano
terreno.
Como? Vou viver de novo?
Terá a possibilidade.
Quando?
Logo. Saberá quando chegar à ocasião. Mas, lembre-se: a entidade deverá
querer fazer a troca.
Não sei se entendo bem como o processo acontecerá!, Jonathan exclamou,
temendo perder a oportunidade devido à sua ignorância.
Tudo estará muito claro... se a possibilidade aparecer de fato.
E se isso não acontecer?, Jonathan perguntou, experimentando uma
sensação nitidamente humana.
Você sempre terá a chance de procurar a luz.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO XVI

A umidade, comum naqueles dias de novembro, deixava o saloon com


cheiro de mofo. A dona era uma tal de Queenie Jones.
Wade Dunstan tinha visto porcos mais limpos do que aquele lugar.
Com o chapéu cobrindo parte de seu rosto como proteção contra o frio, os
ombros encolhidos, ele estava sentado a uma mesa, tomando um uísque
falsificado e observando um homem que se entretinha com uma prostituta em
um dos cantos do saloon.
O sujeito, sujo e mal-encarado, era o último dos quatro facínoras que Wade
perseguia. Havia encontrado uma pista e seguira o homem passando por três
minas e pelas vilas imundas no caminho.
Agora se encontrava perto de Denver.
Dunstan estava cansado, e Betsy, muito próxima da exaustão. Pela
determinação dele em chegar o mais rápido possível a Denver e encerrar sua
jornada de vingança com a morte dos assassinos de sua esposa, não pensara
nem em si mesmo nem na menina que o acompanhava.
Wade passara a admirar e a sentir uma emoção que chegava muito perto do
amor por Betsy. Por todo o caminho longo e difícil desde Montana, enfrentando
numerosas tempestades, a garota se mantivera firme ao lado dele, sem dizer
sequer uma palavra de reclamação.
Wade e a menina haviam chegado à cidade na tarde do dia anterior. Os
cavalos tinham resistido valentemente ao cansaço e à neve que caíra nos últimos
dias.
Um tapete branco suavizava a feiúra do ambiente.
Wade descobrira que apenas um lugar alugava quartos. A proprietária era a
esposa de um mineiro, uma mulher de feições duras e com um sotaque alemão,
porém muito amigável.
Para surpresa e alívio de Wade, o interior da casa era imaculadamente
limpo, e a refeição servida, bastante saborosa.
As camas dos quartos da sra. Swigart eram firmes e confortáveis, e os
lençóis estavam limpos. Mesmo assim, Wade não dormiu bem.
Betsy, porém, tinha caído na cama depois de um banho rápido e adormecera
imediatamente. E continuava dormindo quando Wade deixou a pensão depois do
almoço. Não tinha voltado à casa da sra. Swigart, desde então. E apesar de que já
era quase noite, Betsy ainda não devia ter acordado. Wade esperava que
descansasse bem, pois ela merecia isso. A vida não vinha sendo fácil para a
menina, e nem mesmo melhorado muito desde que viajava com ele.
Betsy merecia uma vida melhor.
Wade Dunstan fez uma solene promessa de que ela teria o que de melhor
Denver poderia lhe oferecer.
Mas um único obstáculo o impedia de cumprir essa promessa. =E esse
obstáculo tinha um nome: Robert Mason.

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Levando o copo aos lábios, Wade apertou os olhos, a mão direita perto de
seu revólver, não desviando a atenção nem por um instante de sua presa.
Logo, ele prometeu a si mesmo, sentindo que o uísque queimava-lhe a
garganta. Logo as balas encontrariam seu destino no coração de Robert Mason.
Então ele estaria livre para encontrar uma nova vida para Betsy e, para ele
mesmo, o descanso da morte.
Logo, Mary, Wade repetiu a promessa, desta vez para a sua querida esposa.
Logo estaremos juntos.
Por ora, ele tinha de ser paciente. Não arriscaria a vida de nenhum dos
fregueses alertando Mason enquanto este se encontrasse dentro do saloon.
Wade estava cansado, aborrecido e sentindo um gosto amargo na boca. De
repente sua atenção voltou-se para um dos fregueses, que se dirigia exatamente
ao homem que ele perseguia.
— Oi, Mason, como é que está se sentindo depois de abaixar a cabeça para
aquela mulher?
— Que mulher? — Mason largou a cintura da prostituta e olhou para ver
quem se dirigia a ele.
— Ora, a mulher que é a nova dona daquela casa que já foi um bordel.
Parece que agora virou uma escola. Quem é que não sabe que a professorinha fez
o milagre de transformar as meninas de lá em educadas damas? Até viraram
professoras! Mas, antes disso, pôs você para fora de lá a pontapés. E o que dizem
por aí. E agora ela está dando uma festa, e você, o valentão, nem pode pisar lá.
Wade ficou atento.
— O nome daquela mulher é Darcy Flynn — Mason disse, lambendo os
lábios. Mesmo a distância, Wade Dunstan podia ver o brilho lascivo nos olhos do
assassino. — Pode deixar que essa dama não me escapa. Ela vai conhecer quem é
Robert Mason.
O saloon encheu-se de risadas pela observação de Mason.
— Ora, você fala demais e nada de agir. Não tem é coragem de enfrentar a tal
senhorita.
— Pensa assim, é? Pois eu provo a você que não é papo meu. Vou até a
escola agora mesmo e dou uma lição nessa Darcy Flynn que ela nunca mais vai
se esquecer. Nem vai conseguir se sentar por muito tempo.
Os bêbados soltaram gritos de encorajamento, o que obrigou Mason a sair do
saloon feito um furacão. Dunstan o seguiu depois de uns poucos minutos, sem
ser percebido pelos outros fregueses, ocupados em fazer apostas nas chances de
Mason em relação a Darcy Flynn.
Dunstan podia facilmente encurralar o assassino e acabar de vez com a sua
vingança, lá mesmo na estrada. Mas tinha ficado curioso para saber mais sobre
essa professora que havia acolhido meninas sem lar e montado uma escola.
Quem sabe ali estaria o futuro de Betsy?
A neve abafava os ruídos de suas passadas. Seguiu Mason do saloon imundo
até um estábulo miserável. Wade ergueu a gola de seu casaco para se proteger do

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
vento cortante e esperou Mason sair com seu cavalo. Aí, sem perder tempo, ele
entrou no estábulo, selou Rascal e seguiu o criminoso a uma distância segura.
Momentos depois, uma pequena e frágil criatura montou em seu cavalo e
começou a seguir Dunstan.

Luzes e risadas enchiam a enorme sala. O aroma de perfume se misturava


com o cheiro de velas acesas e o da madeira do piso que acabara de ser colocado.
Música soava, vinda de um piano tocada a quatro mãos.
De pé, ao lado da mesa de refrescos e fartamente repleta de carnes assadas,
pratos especiais e um bolo de três andares lindamente decorado, Darcy
acompanhava a música com o pé e sorria para os dois casais que dançavam no
meio da sala.
A festa era para celebrar dois casamentos, o de Jane e James Singleton e o
de Molly e Clancy Dugan.
As outras moradoras da recém-inaugurada e agora conceituada escola,
estavam admirando os noivos, e em seus rostos se via estampada a felicidade.
Voltando da cozinha, Katie segurava uma garrafa de champanhe. Colocando-
a sobre a mesa, sorriu para Darcy.
— Aquele champanhe importado que a senhorita encomendou para servir
em ocasiões especiais está fazendo o maior sucesso — ela observou. — É isso ou
os casamentos deixam todos os convidados sedentos. Esta é a segunda garrafa
que eu trago. Darcy sorriu.
— Vocês todas merecem tomar a melhor bebida que existe na face da Terra.
Trabalharam duro arrumando a casa, preparando os doces e os salgados e
ajudando as duas noivas, Jane e Molly. Você, Katie, foi a que mais se empenhou
para tornar a festa inesquecível. E Molly se superou costurando os vestidos de
noiva, o dela e o de Jane. Os vestidos estão realmente maravilhosos.
— De fato — Katie concordou. — Especialmente considerando como Molly
estava apavorada ao cortar o lindo brocado que a senhorita mandou vir de
Chicago.
— Pois eu tinha absoluta confiança que Molly se sairia muito bem — disse
Darcy. — Como eu confio no talento particular de cada membro desta casa.
— Lar — Katie a corrigiu. — A senhorita transformou esta casa em um lar.
— Obrigada — Darcy murmurou sentindo um aperto na garganta. —
Também encontrei um lar aqui. — Pegou a mão de Katie entre as suas antes de
continuar: — Um lar e, o mais importante, boas amigas como você.
Era verdade, Darcy pensou, observando Katie voltar à cozinha para encher a
travessa de carne. Apesar de haver se tornado amiga de todas ali na casa, tinha
uma ligação maior com Katie. O que era estranho, ela considerou, em vista do
fato de que entre todas as garotas de Colleen, Katie havia sido a única escolhida
para ser a companheira de cama de Jonathan.
— Eu estava desconfiado de que essa cerimônia jamais se realizaria —
Jonathan comentou, materializando-se ao lado de Darcy. — Jane e James e Molly
e Clancy têm muito a agradecer a você meu amor.
— Agradecer a mim? Mas eu não fiz nada.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Nada? Tudo o que fez foi dar um jeito de aproximar Clancy de Molly,
desde o dia em que ele trouxe a pequena Sue para cá.
Encarregou os dois de cuidarem da menina, e Molly, tão apaixonada que
estava por Clancy, passou horas o elogiando, como se ele tivesse resgatado a
menina daquele bordel.
— Bem...
— E quanto a Jane — Jonathan prosseguiu, falando rápido para que Darcy
não interrompesse seu pensamento —, duvido que James Singleton consideraria
um relacionamento sério com ela se esta casa não tivesse se transformado em um
lugar respeitável.
— Talvez — Darcy concedeu. — No entanto tenho certeza de que, com o
tempo, James teria se declarado a Jane, e Clancy, a Molly.
— Pode ser que sim, pode ser que não. Mas você tem de concordar comigo.
Isso só aconteceria se Jane e Molly conseguissem viver até lá.
Darcy riu, concordando com a idéia de que para aqueles dois homens
criarem coragem e decidirem cortejar as duas moças, levaria um tempo enorme.
Neste momento, os músicos começaram a tocar uma valsa. Darcy retomou a
batida do pé e continuou observando os dois casais dançando com graça. Os
convidados aplaudiam com entusiasmo.
Jonathan voltou-se para ela, sorriu e a abraçou.
— Quer me dar a honra de dançar comigo, srta. Flynn? — ele lhe pediu em
um tom formal. Havia um brilho especial em seus olhos.
— Mas eu não posso. — Darcy indicou os convidados. — Eles vão pensar
que perdi o juízo.
— Ora, por eu ser invisível, todos vão simplesmente achar que você se
deixou levar pela música e resolveu dançar sozinha. Coragem, vamos. Aja com
determinação e arrojo, como fez quando resgatou Sue. Dance comigo, meu amor.
Ela acabou cedendo, deixou-se levar para a pista, colocou a mão direita na
cintura dele, e a esquerda em seu ombro e, sorrindo, moveu-se na cadência da
música.
Logicamente, era estranho dançar com um espírito, porém era como se
Jonathan estivesse vivo ali ao seu lado. Assim, os dois dançaram.
De imediato, eles... ou melhor, ela, tornou-se alvo da atenção de todos.
Darcy percebeu os olhares, mas não ligou. Era como Jonathan bem dissera.
Estavam pensando que ela se sentia tão feliz que resolvera dançar, mesmo
sozinha. Somente ela possuía o privilégio de ver Jonathan, mais ninguém.
— O senhor é um excelente dançarino, sr. Stuart — Darcy murmurou
sorrindo, mas quase sem mexer os lábios. — É muito leve. Por que será? —
brincou.
Entrando na brincadeira, ele jogou a cabeça para trás e deu uma
gargalhada.
Quando a música parou, Darcy estava mais do que feliz. Tinha sido a mais
bela valsa que ela dançara na vida.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Mais tarde, após o término da festa de casamento, os recém-casados
sumiram para os locais secretos onde passariam a noite de núpcias. Depois que
todos os convidados haviam ido deitar-se, Darcy, cansada porém satisfeita,
recolheu-se ao seu quarto. Mas não conseguiu dormir.
Ela refletiu que, embora amasse Jonathan, era jovem e saudável, com todas
as necessidades e desejos de uma mulher.
E assim sofria momentos de fraqueza. Isso acontecia poucas vezes, mas
acontecia. Como toda moça, gostaria de casar-se. Que jovem não sonhava com o
dia de seu casamento?
Darcy queria um matrimônio como aqueles que havia presenciado naquele
dia. Almejava por uma vida que transcorresse normalmente, tendo filhos,
envelhecendo ao lado do marido.
Queria sentir o homem amado em seus braços quando fizessem amor ou...
quando dançassem.
— Cansada, meu amor? — A voz meiga de Jonathan interrompeu os
pensamentos de Darcy.
— O quê?
— Perguntei se está cansada. Você está pensativa, querida.
— Estou cansada — ela preferiu responder e afastou imediatamente os
pensamentos anteriores. Sentiu-se envergonhada de seus sentimentos, reprovou-
se pelo fato de querer mais do que o amor que Jonathan lhe dava.
— Então durma, minha querida — ele murmurou. — Eu estarei aqui ao seu
lado. Como sempre.

Muito depois de Darcy ter adormecido, Jonathan estava inquieto, pois


percebera as emoções desencontradas dela.
Darcy o amava. Ele jamais duvidaria daquele amor. Mas estava igualmente
certo de que no fundo ela também queria um marido de carne e osso, filhos, um
futuro como teriam Jane e James, Molly e Clancy. Um futuro que Jonathan, em
seu estado atual, não poderia lhe dar.
Mas seu guia espiritual lhe havia dito que um homem estava vindo, um
homem por intermédio do qual Jonathan poderia experimentar novamente as
alegrias e tristezas de uma existência terrena. E, agora, ele sentia a estranha
sensação de que algo lhe aconteceria muito em breve. No dia seguinte, para ser
mais preciso.
Onde está ele?, Jonathan perguntou ao seu guia espiritual.
Perto, muito perto.
Jonathan sentiu-se tomado pela esperança.
Quando? Perguntou com clara impaciência.
Logo. Mantenha-se atento ao lado sul da cidade.
Será agora?
Haverá essa chance.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Jonathan correu à janela e focalizou a estrada que havia ao sul. À distância,
notou primeiro uma forma negra, e momentos depois, outra mais. Eram dois
cavaleiros que galopavam em grande velocidade. Mas não estavam juntos. O
primeiro nem parecia perceber a presença do segundo.
Qual deles? Ele indagou, continuando a olhar a aproximação das figuras.
São dois.
Aquele que estará ferido, mas ainda respirando.
Jonathan sentiu um arrepio. Nenhum dos homens parecia ferido, muito
menos gravemente ferido.
Eu ainda não sei o processo dessa troca, ele resmungou. Diga-me, meu guia,
o que devo fazer?
Comungue com o eu superior da entidade. Esta deve estar absolutamente
determinada a sair do plano terreno e desejar fazer a troca.
E se a entidade não quiser, ou mudar de idéia? Jonathan perguntou,
angustiado.
Tudo é escolha.
Mas...
Não há por que se angustiar. Tenha fé. Alguma vez já o enganei?
Nunca.
Então, fique atento. Você terá a sua chance.
Jonathan continuou com os olhos presos na estrada. Viu quando os
cavaleiros se aproximaram. O primeiro deles parou na frente da casa, desmontou
e nem se preocupou em amarrar seu cavalo.
Estava nitidamente bêbado, Jonathan percebeu.
Era um homem alto, forte e mal-encarado. Jonathan teve certeza de que não
era uma boa pessoa.
Não gostaria de voltar a viver no corpo deste homem, ele disse ao seu guia
espiritual.
Você apenas aguarde. Não tire conclusões precipitadas.
O homem não se dirigiu ao portão da frente. Pulou o muro, entrou no jardim
da casa e começou a escalar a parede.
Para onde estaria indo? Perguntou-se Jonathan. De repente, percebeu que o
sujeito tentava chegar à janela do quarto de Darcy. Justamente onde Jonathan se
encontrava neste exato momento.
Mas o segundo cavaleiro chegou, desmontou e teve o cuidado de amarrar
seu cavalo em uma árvore. Era um homem bem alto, e seu rosto parecia marcado
pelo sofrimento.
Neste instante, Jonathan ouviu a voz dele. O segundo homem desafiou o
primeiro:
— Mason! Afaste-se da casa e enfrente a Justiça pelo assassinato de Mary
Dunstan! — ele gritou em voz clara e firme.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Reconhecendo o nome do homem que havia tentado forçar a porta da casa
meses antes, Jonathan materializou-se imediatamente no jardim da frente, em
tempo de ver o indivíduo que tentava escalar a parede da casa para alcançar a
janela do quarto virar-se e encarar o homem que o desafiava.
Agora estavam os dois na rua. O homem mais alto abriu o casaco e revelou
um revólver. Sua mão estava bem perto da arma, mas não a tocava.
— Atire, Mason!
No momento em que o homem alto falou, Jonathan viu que Mason já
empunhava sua arma e atirava. O homem alto balançou como se tivesse sido
atingido pela bala, mas em um instante pegou sua arma e atirou também.
Ouviram-se dois tiros, e os dois homens caíram no chão.
Houve um completo silêncio por um minuto, depois começou uma gritaria.
Pessoas saíam correndo de suas casas querendo saber o que havia acontecido.
Uma pequena figura saiu da escuridão e se aproximou do homem alto.
— Delegado! — ela gritou em desespero.
Mas Jonathan ouviu o terrível grito de apenas uma pessoa, a da mulher por
quem ele estava determinado a viver.
— Jonathan!

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
CAPÍTULO XVII

Darcy sentou-se na cama, os olhos arregalados, a respiração agitada, o


coração disparado. Todo o seu corpo tremia.
Acordara com alguém forçando sua janela. Logo em seguida, ouvira gritos e
tiros. E ela procurara por Jonathan, que sempre estava ali, ao seu lado, na cama.
Mas ele desaparecera. Estava sozinha e apavorada.
Seus olhos perambularam pelo quarto, frenéticos, em busca de alguma
sombra.
— Jonathan! — Darcy gritou. — Jonathan, onde está você?
— Estou aqui, meu amor. — Ele apareceu, como sempre, do nada. — Não há
o que temer.
— Mas eu ouvi tiros, gritos. O que aconteceu?
— Houve um tiroteio — Jonathan explicou, apontando para a janela. — Lá
fora, no jardim.
— No meu jardim?
— Darcy, escute-me. E... — ele começou a falar, mas percebeu que ela não
estava escutando, pois correu direto para a janela.
A cena lá embaixo a deixou chocada. O jardim estava cheio de pessoas, tanto
as de sua casa como muitos dos vizinhos. Havia quem estivesse com lanternas,
iluminando a área. Os dois corpos caídos na neve pareciam mortos.
— Meu Deus! — Darcy mal conseguia falar. O que estava vendo a deixava
completamente abalada. — Quem são aqueles homens? Por que resolveram
duelar na frente da minha casa? E por que quiseram arrombar a minha janela?
— Darcy, minha querida, você precisa me escutar. — Jonathan estava ao
lado dela e sua voz demonstrava urgência. — Quero que você vá lá embaixo e
traga um dos homens para dentro de casa.
— O quê? — Darcy o encarou como se não estivesse acreditando no que
ouvia. — Por quê?
— É crucial para nós dois que ele seja trazido para dentro deste quarto —
Jonathan disse. — Por favor, confie em mim. Vá lá fora, ordene que o homem seja
trazido para dentro de casa e para este quarto — ele repetiu. — Por favor, faça o
que lhe peço.
Darcy hesitou, confusa com a estranheza do pedido e com o jeito diferente
com que Jonathan estava agindo. Mas os olhos dele pareciam implorar que ela o
atendesse.
— Mas são dois homens — Darcy disse, caminhando até a cama para vestir
o roupão e calçar os chinelos. — Qual deles você quer que eu traga para dentro?
— Aquele que ainda estiver respirando — ele a instruiu, repetindo a resposta
que seu guia lhe dera havia pouco tempo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Não entendo — ela murmurou, mas seguiu as instruções de Jonathan e
se encaminhou para as escadas. — Que importância esse homem pode ter para
você? — perguntou, percebendo que Jonathan a seguira.
— É importante para nós dois — ele murmurou. — Você vai compreender...
no tempo certo.
Sem entender os motivos, mas confiando em Jonathan acima de tudo, Darcy
afastou as perguntas que lhe passavam pela sua cabeça. Desceu as escadas e
deu de encontro com Katie.
— Diga-me, Katie, um dos dois homens ainda está vivo? — indagou, saindo
para o jardim. Katie a acompanhou.
— Um deles está. O mais alto, o que está perto da árvore. Ela apontou em
direção ao vulto caído na neve.
Havia mais alguém junto do ferido. Uma criança, Daisy reconheceu pelo
choro. Correu ao jardim, abaixou-se e procurou confortá-la. Era uma menina.
Magrinha, frágil, completamente descontrolada.
Quem seria a menina? Perguntou-se Darcy. Quem eram aqueles homens? E
por que haviam escolhido exatamente a propriedade dela como cenário do duelo?
Agora, Darcy, a voz de Jonathan soou em sua mente. Mande que o levem
para dentro de casa. Depressa, meu amor. Ele não pode morrer antes que eu...,
Jonathan parou de falar abruptamente, depois repetiu: Agora, Darcy!
Ela não parou para pensar e apenas reagiu seguindo as instruções de
Jonathan.
— Katie, peça àqueles homens que levem o ferido para dentro de minha
casa. Mas depressa, sim?
— O quê? — Katie parecia tomada pela surpresa. — Quer levar um
desconhecido, que pode ser um criminoso, lá para dentro? Pode ser perigoso!
— Por favor, não faça perguntas agora. Apenas faça o que eu lhe pedi.
Katie demorou mais um segundo encarando Darcy, depois deu de ombros e
se dirigiu a um grupo de vizinhos.
— Ah, Katie, mais uma coisa: chame Clancy, por favor. — Darcy, então,
lembrou-se por que Clancy não se encontrava ali. Ele estava em lua-de-mel. —
Espere, Katie. Mande alguém chamar um médico.
Se Katie já estava surpresa, ficou mais ainda quando viu para onde Darcy
mandou os homens levarem o ferido. Era para seu quarto de dormir! Como ela
admitiria que fosse colocado um estranho em seu quarto? Está certo que era um
homem à beira da morte, mas, mesmo assim, um estranho.
— Coloquem-no na cama — Darcy pediu aos homens quando já se
encontravam dentro de seu quarto.
— Srta. Darcy! Ele vai ficar na sua cama? Está todo molhado e sangrando
e...
— Eu posso ver isso — Darcy a interrompeu com impaciência. — Mas onde
mais posso colocá-lo? Todos os quartos estão ocupados. — Ela improvisou uma
razão para explicar sua ordem absurda.
— Assim como o seu — Katie comentou. — E onde a senhorita vai dormir?
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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Deixe isso para lá, Katie. O que importa é que ajudemos o pobre homem.
E depois, acha que teremos tempo de dormir com essa confusão toda?
— A senhorita viu quem ele matou?
— Não reparei. Nós conhecemos o homem que morreu?
— É Robert Mason. Lembra-se dele?
— O homem que tentou invadir esta casa tempos atrás? Aquele que só saiu
daqui depois que você lhe apontou uma arma?
— Exatamente.
— Então não chorarei a morte dele. Mas agora vamos nos ocupar do ferido,
por favor.
Os vizinhos já haviam colocado o ferido na cama de Darcy e agora pareciam
meio sem jeito até que Dora chamou-os para tomarem um café que ela acabara
de preparar. Dora sabia como lidar com as pessoas e as conquistava pelo
estômago. Serviu-lhes grandes pedaços das sobras do bolo de casamento junto
com café fresquinho.
Darcy agradecera mais de uma vez aos homens pela ajuda. Agora, com os
vizinhos fora do quarto, ela voltou-se para Katie, que desabotoou a camisa do
desconhecido e examinou a ferida em seu peito.
— Parece que as balas atingiram o coração dele — Katie resmungou. — A
senhorita poderia ter colocado o homem no quarto de Sue ou no de uma das
garotas mais velhas.
— Deixe isso para lá, Katie. Temos de estancar o sangue. — Darcy começou
a pegar toalhas de banho de um armário. — E por que eu deveria desalojar as
meninas quando ele pode ficar na minha cama? Posso levar uma das poltronas
para a sala de visitas e dormir por lá. Ou escolher um sofá daqui mesmo. Não vou
morrer por isso. Afinal, temos de ajudar os que precisam de nós, não acha?
— Bem, eu ainda não entendo essa sua atitude, mas a senhorita é a chefe
aqui — Katie disse, pegando a toalha que Darcy lhe estendia. Aplicou-a sobre a
horrível ferida. Em segundos, o tecido estava completamente ensangüentado.
Darcy soltou um gemido. O certo teria sido deixar o homem na rua e cuidar
dele lá mesmo. Depois, parecia não haver grandes chances para o pobre coitado.
Mas não poderia deixar de atender ao pedido de Jonathan. Afinal, onde ele
estava? Ela não o via ali no quarto.
— Que barulho é esse no hall de entrada? — Katie perguntou de repente,
ouvindo vozes no andar de baixo.
— Não tenho idéia — Darcy respondeu, colocando uma pilha de toalhas
sobre a cama. — Mas vou descobrir. Será que teremos novas brigas? Só mesmo
indo ver.
Ela saiu às pressas do quarto e desceu as escadas. No hall de entrada,
encontrou uma menina gritando. Daisy tentava controlá-la.
— Quero ver o delegado! Eu vi que o puseram aqui dentro... Ele não pode
morrer!
— Silêncio! — Darcy ordenou com voz que lhe lembrou a da srta. Reinholt. O
efeito foi o mesmo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
A menina parou imediatamente de gritar e olhava assustada para ela.
— Assim está melhor — Darcy disse, agora em voz suave. — Quem é você,
menina?
— Meu nome é Betsy. E eu preciso ver se ele está vivo. — Ao falar isso,
começou a chorar.
— Está falando do ferido? O que ele é seu? É seu pai ou algum parente? —
Darcy procurou sorrir para acalmar a garota.
Betsy sacudiu a cabeça e ficou olhando, ansiosa, em direção ao quarto.
— O nome dele é Dunstan. Wade Dunstan. E ele não é meu pai. Meu pai
morreu, igual à minha mãe. O sr. Dunstan... bem, ele foi gentil e cuidou de mim.
Ele é delegado e veio do Novo México. Não sei se tem família. — A menina passou
a mão no rosto tentando secar as lágrimas. — Por favor, senhorita, posso ir ver o
meu amigo?
— O delegado deve ser um bom homem para você estar tão preocupada
assim — Darcy comentou. — Mas, Betsy, você sabe por que o delegado duelou
com o outro homem?
— O outro homem era um assassino, senhorita. O delegado estava atrás
dele.
Darcy sentiu pena da menina. Mas ainda havia perguntas que ela queria
fazer.
— Vou deixá-la ir vê-lo, eu lhe prometo isso. Antes, porém, diga-me: conhece
o homem que morreu?
— Só sei que se chamava Mason. O sr. Dunstan achava que era um nome
inventado.
— E você sabe do que o delegado acusava o sr. Mason?
— Parece que ele e uns comparsas mataram uma mulher no Novo México. É
por isso que o delegado estava atrás dele. — Os olhos da menina brilharam. — O
sr. Dunstan pegou um por um. Mason era o último que faltava.
— Entendo. — Darcy engoliu a seco e depois respirou bem fundo. — Então,
vou deixar que as autoridades se encarreguem do sr. Mason. — Sem nenhuma
pena do morto, ela ergueu os olhos e sorriu para a mulher que ainda segurava
Betsy para acalmá-la. — Pode largá-la, Daisy.
Daisy obedeceu e ofereceu à menina seu melhor sorriso.
— Não machuquei você, não é?
— Não. — Betsy sorriu de volta. — Desculpe-me por estar gritando. É que eu
quero ver o sr. Dunstan.
— Está certo, Betsy. — Daisy observou a menina com atenção. — Eu
entendo você. Pois saiba que também sou órfã. E a srta. Flynn é quem toma
conta de mim.
— Mas você já é grande! — Betsy exclamou, admirada. — Quero dizer, você
já é uma mulher. Não é mais criança.
— Você não sabia que as mulheres adultas também precisam de quem cuide
delas? Isso acontece às vezes.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Betsy franziu a testa procurando entender.
— Bem — Darcy interrompeu a conversa de Daisy e a garota. — Venha
comigo, menina. Vou levá-la até o delegado.
Ao entrar no quarto, Betsy soltou um grito de pavor ao ver a palidez do rosto
de Wade Dunstan, e chorou alto quando notou a toalha cheia de sangue que
Katie pressionava contra o peito do ferido.
— E quem temos aqui? — Katie perguntou, olhando, curiosa, para Betsy. —
Menino ou menina? — Ela apontou para as roupas masculinas que a garota
usava.
— Esta é Betsy e ela tem viajado com ele — Darcy apontou o ferido. — O
nome dele é Wade Dunstan. É um delegado federal.
Enquanto as duas mulheres falavam, Betsy não afastara os olhos de Wade.
— Ele vai viver, não vai?
— Não sei, mas não parece muito bem — Katie respondeu com toda a
honestidade. — Perdeu muito sangue.
— Ele não pode morrer! — Betsy chorou, ajoelhando-se ao lado da cama. —
Delegado, por favor... por favor, não morra.
Ao som desse choro, Wade Dunstan abriu os olhos.
— Seja uma boa menina — ele disse em uma voz muito fraca. — Controle os
seus modos, você está me ouvindo?
— Delegado, o senhor não pode morrer. — Betsy mal podia falar tanto eram
os soluços sacudindo-lhe o corpo franzino. — Eu... eu o amo, delegado, e não vou
deixar o senhor me abandonar.
Darcy sentiu seus olhos se encherem de lágrimas e reparou que Katie
piscava também para disfarçar a emoção.
Wade Dunstan respirou com dificuldade.
— Você não vai mais precisar de mim, garota — ele murmurou, sua voz
saindo como um sussurro. — Você vai ver. Descobri que há uma dama que
recolhe crianças sem lar... É a srta. Flynn. Ela... — Sua voz falhou, os olhos
fecharam e a respiração pareceu ter parado.
— Delegado? — Betsy gritou, e Darcy e Katie não mais controlaram suas
lágrimas.
— Venha, Betsy — Darcy murmurou, colocando sua mão trêmula no ombro
da menina. — Ele precisa descansar, assim como você.
— Eu não posso deixar o delegado sozinho! — Betsy exclamou. — Eu tenho
de... — Caiu em prantos, justamente quando a porta do quarto foi aberta.
— O médico chegou, Betsy — Daisy anunciou, fazendo o homem entrar no
quarto. Também ela se emocionou ao ver a menina chorando.
O médico, um senhor de uns cinqüenta anos, apresentou-se como sendo
Jeffrey Denton. Parecia estar com pena da menina, mas depois de um momento
voltou a ser o que todo médico deve ser: objetivo e direto.
— Ela não pode ficar aqui, senhoritas. Por favor, levem a menina para fora.
É muito pequena e depois pode atrapalhar.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Betsy lutou para não ser tirada do quarto. Soluçou e implorou para ficar.
Darcy precisou de toda a sua força e mais a de Daisy para conseguir arrastar a
menina dali. Levaram-na para o refeitório, onde Darcy pediu por ajuda. Doze
mulheres, de idade que variava de onze a quarenta anos, atenderam ao chamado,
correndo para ajudar a distrair Betsy.
Satisfeita em ver que a menina se encontrava em boas mãos, Darcy voltou
ao quarto para ver se seria de alguma utilidade para o médico.
— Fiz tudo o que era possível — o dr. Jeffrey Denton disse menos de uma
hora mais tarde. — Agora tudo está nas mãos de Deus.
Sempre está, Jonathan murmurou ao lado de Darcy, e apenas ela o ouviu.
Mas o Criador também permite que o homem seja livre para escolher o seu destino.
A decisão será de Wade Dunstan.
Que blasfêmia! Pensou Darcy, assustada com o aparecimento repentino de
Jonathan e chocada com a observação dele.
Não, meu amor. Sempre há uma escolha.
Darcy estava cansada demais para argumentar, assim ficou em silêncio.
Ajudou o médico a remover a bala do ombro de Wade Dunstan. O dr. Jeffrey
Denton cuidou do ferimento e o costurou. Darcy sentia-se sem forças para
continuar ali ajudando.
Estava exausta, e o dia nem tinha terminado. Esforçou-se para prestar
atenção nas instruções que o médico estava dando a ela e a Katie. Ele, agora, iria
embora e as duas ficariam encarregadas de cuidar do doente.
— E rezem — o médico concluiu, caminhando para a porta do quarto. — É
ainda a melhor medicina.
— Acompanharei o doutor até a saída — Katie se ofereceu. — Voltarei logo
para providenciar um banho e roupas limpas para Betsy.
Darcy agradeceu ao doutor, sorriu para Katie, então voltou os olhos para o
homem pálido que estava deitado em sua cama. As feições dele eram rudes para
que se pudesse dizer que Wade Dunstan fosse bonito. Mas sua testa larga, seu
nariz bem-feito, a boca máscula, o queixo quadrado, tudo isso passava uma
imagem de força e caráter. O tipo de força e caráter que havia feito este homem
responsabilizar-se por uma criança abandonada, Darcy pensou.
Ao se lembrar da menina, ela sentiu uma pontada no coração. Tão envolvida
em ajudar o médico, esquecera-se de Betsy, mas sabia que as outras mulheres da
casa dariam conforto e consolo à garota.
Katie falaria com a menina, Darcy tinha certeza disso. E, por ora, não havia
nada mais que ela pudesse fazer pelo ferido. Com os ombros arcados, Darcy
atravessou o quarto e sentou-se pesadamente em uma poltrona, sentindo-se
assustada, sozinha e solitária.
O pobre homem não parecia ter grandes chances de escapar com vida
daquele terrível duelo. Mas cumprira com o seu dever, tirando da face da Terra
um criminoso como Robert Mason.
— Jonathan?
— Estou aqui, meu amor. — Ele materializou-se ao lado da poltrona. Havia
um leve sorriso em seus lábios.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Estou com medo, Jonathan, e me sinto tão inútil... — Darcy disse,
mordendo o lábio para não chorar. — O médico não foi muito encorajador. — Ela
ergueu os olhos molhados para Jonathan. — O delegado vai morrer, não vai?
— Sim — Jonathan respondeu com voz tão firme que não havia margem
para dúvidas. — Wade Dunstan está determinado a deixar o plano terreno.
— Mas... como você sabe disso? Como pode falar com tanta segurança? —
Darcy perguntou, incerta se queria mesmo ouvir a resposta dele. Mesmo assim,
Jonathan lhe respondeu:
— Comuniquei-me com a entidade que é agora Wade Dunstan. Ele já fez a
sua escolha. Vai embora.
Darcy não entendeu bem como Jonathan poderia ter-se comunicado com o
ferido, mas não questionou a veracidade da afirmação do espírito. Ele era um
espírito, não era? Devia saber essas coisas.
De repente, Darcy lembrou-se da menina.
— Betsy vai ficar inconsolável se Wade Dunstan morrer.
— Não se ela não ficar sabendo que ele morreu.
— Como não ficará sabendo? Ela está aqui nesta casa. Será impossível
esconder-lhe a verdade.
— Não se ele parecer estar vivo.
— Parecer estar... — A voz de Darcy falhou. Olhou incrédula para Jonathan.
— O que você está tentando dizer? Como ele pode parecer vivo se tiver morrido?
— Darcy, por favor, escute com atenção o que vou lhe dizer. Lembra-se de
que lhe falei que havia um modo possível para eu viver novamente, por
intermédio de outro homem?
— S-s-sim, lembro-me de você tocar nesse assunto, mas... — Darcy não
conseguiu prosseguir. A simples idéia da troca de almas em um único corpo a
levava a pensar em possessão, apesar de que Jonathan garantira que não seria
nada disso. Sentiu um medo envolvê-la por inteiro e a única coisa que conseguiu
fazer foi abanar a cabeça de um lado para outro.
— Meu amor, meu amor — Jonathan murmurou. — Não se deixe dominar
pelo medo apenas porque não entende o desconhecido. Não há o que temer. Por
acaso você acredita que eu seja capaz de um ato diabólico?
— Não, Jonathan. Sei que não é capaz disso. — Darcy procurou afastar o
medo, respirou fundo e tentou se controlar. — Se puder, explique o processo para
mim.
— Farei o possível — ele disse em um tom sério e carinhoso. — Meu guia
espiritual me disse que todos os sistemas estão abertos. Quem somos nós para
saber ou questionar os presentes de amor que nos são tão generosamente
oferecidos? A entidade, agora conhecida como Wade Dunstan, está satisfeita com
o trabalho que fez aqui no plano terreno. Sua vida terrena está completa. E ele
escolheu morrer agora. — Jonathan parou por um momento, depois apontou
para ele mesmo. — A entidade que você vê agora como Jonathan Stuart sabe que
precisa completar o que deixou inacabado. E encontrou um amor mais forte que
a morte. — Um sorriso apareceu em seu rosto. — A mudança será simples.

141
CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Mas por que Wade Dunstan quer morrer?
— Perdeu a esposa. Criminosos a estupraram e a mataram. Wade Dunstan
não quer viver sem ela. Quem ama toma atitudes como essa.
— Então ele escolheu ir ao encontro da esposa? E quando... quando isso vai
acontecer?
— Você saberá, querida. Agora, repouse um pouco. Você está exausta.
Darcy não queria dormir, e sim continuar conversando com Jonathan, mas
seus olhos pesados foram se fechando, e ela adormeceu ali mesmo na poltrona.
Não teve noção de quanto tempo ficou dormindo até que despertou com um
som vindo do homem deitado na cama. Rapidamente, Darcy correu até ele.
O tom da pele de Wade Dunstan estava cinza. O som que ela ouvira tinha
sido a força que ele fazia para respirar.
Darcy começou a se virar para correr até a porta e pedir ajuda, quando o
delegado desistiu de sua luta. Um estranho sorriso apareceu em seus lábios.
Darcy ouviu um som vindo da garganta do pobre homem. Então, tudo ficou em
silêncio.
Ela olhou, estarrecida, para o corpo imóvel, como se não quisesse acreditar
no que havia acontecido. Wade Dunstan não podia estar morto! Jonathan tinha-
lhe assegurado que um acordo havia sido feito entre eles. Incapaz de aceitar a
verdade que se apresentava diante de seus olhos, colocou a mão sobre o coração
de Wade para verificar se estava mesmo parado. Não sentiu nem a mais fraca
batida. Levou a mão ao pescoço dele, e mais uma vez não sentiu nenhuma
vibração.
O delegado estava morto.
Não! Darcy gritou em um protesto silencioso. Aquilo não devia ter
acontecido. Jonathan deveria assumir o corpo de Wade Dunstan e ter a chance
de uma nova vida.
O que dera errado?
— Jonathan! — ela chamou, agora já em pânico.
Não houve nenhuma resposta, nem a materialização de seu amado.
Não havia nada, nem um som.
Com a terrível certeza crescendo em seu peito, Darcy fechou os olhos e caiu
de joelhos ao lado da cama, na exata posição de Betsy horas antes.
Havia perdido não só seu paciente, como seu amado. Chorando por sentir-se
abandonada, Darcy não tomou consciência de que seus dedos, colocados ainda
em cima do coração de Wade Dunstan, deviam estar sentindo alguma vibração.
De repente, o ritmo da batida do coração de Wade a deixou alerta. Os olhos de
Darcy se arregalaram, e ela afastou depressa a mão do peito dele.
Não sabendo o que pensar, com medo até de pensar, Darcy ficou olhando
aquele corpo, que até um instante antes estava imóvel, começar a tomar uma
nova cor. A respiração passou a ser regular.
Wade Dunstan estava vivo!
Mas onde se encontrava Jonathan?

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Dividida entre emoções conflitantes, que iam do alívio por saber que seu
paciente estava vivo ao desespero por ter perdido seu amor, Darcy chorou
descontrolada.
— Jonathan — ela murmurou baixinho.
Ao som da voz de Darcy, os olhos de Wade Dunstan tremeram, depois se
abriram. Ela fitou aqueles olhos acinzentados e mal conseguiu respirar quando
viu que ele sorria levemente.
Wade Dunstan sorria para ela?
— Estou aqui, meu amor. — Apesar de a voz ser diferente, mais grossa, a
cadência e a entonação lhe eram familiares.
— Jonathan? — Darcy murmurou, querendo acreditar que fosse ele.
Lágrimas começaram a jorrar de seus olhos. — Querido é você?
— Sim, meu amor. Estou com você agora. E sempre estarei.
— E o delegado?
— Partiu.
Jonathan fechou os olhos, mas o sorriso permaneceu em seus lábios. Seu
peito mostrava que sua respiração começava a ficar cada vez mais firme.
A crise e a agonia da separação física haviam terminado para Jonathan e
Darcy.
Jonathan recebera o privilégio de desfrutar sua chance de viver, na
dimensão terrena, no corpo de Wade Dunstan.
Wade tinha sido um homem justo e bom. O guia espiritual de Jonathan lhe
contara tudo sobre ele.
O homem se destacara como delegado federal, conhecera o amor e quase
tivera um filho. Perdera tragicamente a esposa e em seus últimos dias de vida
amara a pequena Betsy como se fosse filha dele. Sua vingança o tornara
amargurado. Wade havia sido implacável com os inimigos, eliminando-os um a
um. Ao mesmo tempo, encontrara dentro de si o amor que ele ainda tinha a
oferecer. Encontrar Betsy e conviver com a menina por algum tempo se não
amenizara a dor que o consumia, pelo menos tornara a espera pela morte menos
angustiante. Agora seguira a luz e estava em paz.
Jonathan nem imaginava o horror que sentiria caso lhe estivesse reservado o
corpo de Robert Mason, um dos cruéis assassinos da esposa de Wade.
Como poderia ele, de espírito bom, passar a viver com a aparência de um
homem perseguido pela lei?
Mas seu guia escolhera o homem certo. A luz nunca abandonava suas
entidades.

Darcy adorou se tornar a enfermeira de Wade Dunstan, seu querido


Jonathan com suas novas feições. O ferimento grave demorava a cicatrizar, mas
os cuidados não só de Darcy, como de Katie e das outras garotas também
estavam realizando um milagre.

143
CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
Nos primeiros meses de recuperação, Darcy continuara a dormir no sofá e
Wade/Jonathan, em sua cama. Depois, quando ele começou a se levantar e
andar pela casa, foi preciso fazer uma mudança. Para não despertar comentários,
Darcy instalou Wade/Jonathan em um dos quartos da nova área da casa.
Quando estava totalmente recuperado, Jonathan sabia que tinha de agir
como Wade Dunstan. Mas não queria ser um delegado. Assim, enviou uma carta
ao governo pedindo demissão de seu cargo de delegado federal. Dizia a todos que
a experiência de quase morte o havia feito descobrir seu lado espiritual. Repetiu
os cursos para ser pastor religioso e arranjou uma pequena igreja em Denver,
onde realizaria seu trabalho pastoral.
Nesse meio tempo, ele e Darcy fingiram estar se apaixonando um pelo outro.
Quando deram a notícia a todos os conhecidos de que iriam se casar, a surpresa
não foi grande. Houve uma enorme satisfação, isso sim. Não havia uma só pessoa
que não admirasse Darcy e não respeitasse Wade Dunstan.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
EPÍLOGO

Luzes, risos e música misturavam-se ao ar quente daquela noite de junho.


Dentro do salão, uma festa celebrava a chegada de Darcy a Denver um ano antes.
Mas a comemoração também era pela recuperação total de Wade Dunstan, o ex-
delegado federal e agora ministro religioso de uma igreja da cidade.
Quando a música acabou, ouviram-se aplausos. Então soaram os primeiros
acordes de uma valsa.
— Quer me dar a honra de dançar comigo, minha senhora?
Darcy ergueu os olhos para o homem alto, bonito e elegantemente vestido
que estava de pé ao seu lado. Como sempre fazia, ela observava atentamente as
feições rudes de Wade Dunstan, mas percebia que o jeito de olhar e de sorrir
eram de Jonathan Stuart.
— Não vai pisar no meu pé, sr. Dunstan? — Darcy perguntou rindo.
— Bem, agora que não posso mais flutuar, não lhe garanto nada, sra.
Dunstan.
Darcy vibrou em poder estar ao lado de Jonathan e, ao mesmo tempo, por
saber que ele estava vivo, tinha carne e ossos como os demais mortais. Não
importaria em nada que ele pisasse em seu pé enquanto dançavam. Mas Wade
Dunstan/Jonathan Stuart dançava bem, mesmo sem ter de flutuar.
Também outro casal dançava com entusiasmo. Clancy Dugan estava com
uma expressão da mais completa felicidade. Molly esperava um filho dele, e o
casal se dava maravilhosamente bem. Além disso, haviam adotado Betsy como
sua filha. Neste momento, Dugan sorria para Molly enquanto dançava com Betsy.
Era divertido observar aqueles dois dançando, um homem grandalhão,
praticamente carregando a pequena Betsy ao valsarem.
Betsy havia se tornado uma jovem dama muito charmosa e, nessa festa,
usava um vestido de verão que Molly tinha lhe costurado na máquina que Darcy
recentemente mandara vir do Leste.
— Como é, delegado, gosta do meu vestido? — Betsy perguntou ao ver Wade
se aproximar dançando com Darcy. Mesmo depois que Wade trocara de profissão
e se tornara um pastor religioso, a menina continuava chamando-o pelo antigo
título.
— Sem dúvida é uma beleza, menina — ele respondeu, sorrindo para ela. —
Assim como você.
Betsy riu de satisfação e moveu a cabeça de forma coquete enquanto via o
casal se afastar dançando.
A jovenzinha estava feliz com Molly e Dugan, mas havia momentos em que
ela se recordava dos tempos em que convivera com Wade Dunstan e sentia
saudade. Wade, porém, estava feliz agora. E vivo. E isso era tudo o que Betsy
podia querer na vida.
— Ela ama você — Darcy murmurou, referindo-se a Betsy.
— Eu sei. Eu também a amo.

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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
— Mas qual de vocês a ama? — ela perguntou. — O delegado ou o ministro
religioso?
— Ora, nós dois amamos Betsy, minha querida — Jonathan respondeu. —
Da mesma forma que também nós dois amamos você.
O toque dele e sua proximidade ao girarem pela pista de dança trouxeram à
memória de Darcy as lembranças das deliciosas noites que os dois haviam
passado juntos desde que ele se recuperara.
Durante o dia, quando estavam rodeados de outras pessoas e podiam ser
ouvidos, Darcy o chamava de Wade. Mas, à noite, com a casa silenciosa, ela o
chamava de...

— Jonathan! Você pode piorar!


Haviam se passado apenas algumas semanas desde que Jonathan tinha
falado com Darcy pelos lábios de Wade Dunstan. Seu ferimento ainda não estava
completamente curado, e Darcy temia que viesse a piorar em caso de um esforço
demasiado.
Agora, vendo que ele se aproximara do sofá onde ela dormia, percebeu que
seu olhar estava um pouco estranho. Concluiu logo que Jonathan não pretendia
apenas conversar.
— Não, não vai acontecer nada. Eu não consigo mais ficar longe de você. Eu
a quero nos meus braços, sentir as batidas dos nossos corações se unindo.
Sempre sonhei com isso. Quero acariciar seu corpo com minhas mãos e minha
boca. Quero sentir o seu desejo. E quero que tenha o prazer maior quando formos
um só.
Seduzida, Darcy cedeu. Despiu sua camisola e rendeu-se àquele homem a
quem tanto amava.
Como conhecera o prazer de forma singular quando Jonathan era um
espírito, agora Darcy tinha a chance de experimentar um prazer físico real,
palpável.
Primeiro Jonathan beijou-a nos lábios. O beijo começou suave e foi se
tomando cada vez mais intenso. Ela entreabriu os lábios e conheceu o prazer de
um beijo ousado.
Depois, ele foi acariciando o corpo de Darcy com os lábios. Encontrou os
seios e levou-a a gemer de prazer. Jonathan repetia as mesmas carícias que fizera
antes como espírito, mas agora suas mãos e boca haviam substituído os toques
etéreos, mais imaginados do que sentidos, por toques reais.
Darcy sentiu a excitação ir crescendo até chegar a um ponto em que
implorou para que Jonathan a amasse completamente. Ele atendeu ao seu
pedido, e os dois concretizaram o maior sonho de ambos. Eram de fato um só.
Não importava agora se a aparência de Jonathan fosse a de Wade, e não a que
tivera antes. Para Darcy, Jonathan apenas assumira outro corpo, mas era o
mesmo homem que ela conhecera no dia do enterro de Colleen e que nunca mais
tinha se afastado de sua vida.
Quando o ato de amor terminou, Darcy sentia-se não mais como se
aspirasse ao paraíso, pois, naquele momento, ela se sentia no paraíso. Um
paraíso aqui na Terra.
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CH 329 Amor sem barreiras Joan Hohl
O êxtase que alcançou com o Jonathan de carne e osso era ainda mais
excitante, mais satisfatório, simplesmente porque era real, era terreno.

— Que pensamentos colocaram esse sorriso nos seus lábios, meu amor? —
Jonathan perguntou enquanto valsavam.
Darcy ruborizou, depois riu.
— Pensava em você, meu querido — ela confessou, sussurrando-lhe
baixinho. — Recordava aquela primeira vez em que nos amamos de verdade,
quando fizemos o amor físico.
Os olhos de Darcy brilharam.
— Cuidado, meu amor — ele brincou. — Posso lhe mostrar como sei valsar
tão bem que conseguirei subir as escadas valsando e levá-la para o quarto. Não
quer conhecer esta nova e estimulante dança?
— Deixemos para quando a festa tiver terminado e nossos convidados forem
descansar — Darcy lhe sussurrou. — Vou então lembrá-lo desse seu convite,
meu querido.
— Nem precisará fazê-lo, sra. Dunstan. — O olhar de Jonathan revelava todo
o seu amor.
E estavam apenas começando uma jornada de felicidade.
FIM

Joan Hohl já vendeu


mais de dez milhões de
exemplares de seus livros no
mundo inteiro. Ela escreve
romances contemporâneos e
históricos, sempre com um
toque especial, seja de humor,
de suspense ou de mistério.
Joan recebeu inúmeros
prêmios pelo seu trabalho,
incluindo a Medalha de Ouro,
da Associação de Escritores
da América. Ela mora na
Pensilvânia com o marido e a
família.

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