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por
J. C. Ryle
“Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se senta primeiro a calcular as despesas,
para ver se tem com que a acabar?” (Lucas 14:28)
Este versículo é de grande importância. Poucas são as pessoas que não têm freqüentemente de
fazer esta pergunta: “Quanto custa?”. Ao comprar um terreno, ao construir uma casa, ao
mobiliar as habitações, ao fazer planos para o futuro, ao decidir a instrução e estudos dos
filhos, etc., seria sábio e prudente que nos sentássemos a considerar com calma os gastos que
tudo isso implicaria. As pessoas evitariam muitas moléstias e dores se ao menos fizessem a
pergunta: “Quanto custa ser um crente verdadeiramente ser santo?” Estas perguntas são
decisivas. Por não havê-las formulado desde um bom princípio, muitas pessoas que pareciam
iniciar bem a carreira cristã, mais tarde mudaram seu rumo e se perderam para sempre no
inferno.
Desejo que não haja mal entendidos sobre este ponto. Não me refiro aqui ao quanto custa salvar
a alma do crente. Custou nada menos do que o sangue do Filho de Deus ao redimir o pecador e
livrá-lo do inferno. O preço de nossa salvação foi a morte de Cristo na cruz do Calvário. Temos
“sido comprados por preço”. Cristo derramou o seu sangue em favor de muitos”(Marcos 14:241
Co.6:20). Porém não é sobre este tema que versa nossa consideração. O assunto que vamos
tratar é distinto. Refere-se ao que o homem deve estar disposto a abandonar se deseja ser salvo;
ao que deve sacrificar se se propõe a servir a Cristo. É neste sentido que formulo a pergunta:
“Quanto custa?”.
Não custa grande coisa ser um cristão de aparência. Só requer que a pessoa assista aos cultos
do domingo, duas vezes e durante a semana seja medianamente moralista. Este é o
“cristianismo” da grande parte dos evangélicos da nossa época. Se trata, pois, de uma profissão
de fé fácil e barata; não implica em abnegação nem sacrifício. Se este é o cristianismo que salva
e o qual nos abrirá as portas da glória ao morrermos, então não temos necessidade de alterar a
mundana descrição do caminho da vida eterna e dizer: “Larga é a porta e largo é o caminho que
conduz ao céu”.
Porém, segundo o ensino Bíblico, custa caro ser cristão. Há inimigos que vencer, batalhas que
evitar e sacrifícios que realizar; deve-se abandonar o Egito, cruzar o deserto, carregar o peso da
cruz e tomar parte na grande caminhada. A conversão não consiste em uma decisão tomada por
uma pessoa, em um confortável sofá, para logo em seguida ser levado suavemente ao céu. A
conversão marca o início de um grande conflito, e a vitória vem após muitas feridas e
contendas. Custa se obter a vitória. Daí concluirmos a importância de calcularmos este custo.
Tratarei de demonstrar de uma maneira precisa e particular o que custa ser um verdadeiro
cristão. Suponhamos que uma pessoa esteja disposta a servir a Cristo e se sente impulsionada
e inclinada a segui-lo. Suponhamos que como resultado de alguma aflição, de uma morte
repentina, ou de um sermão, a consciência de tal pessoa tem sido avivada e agora se dá conta
do valor da alma e sente o desejo de ser um verdadeiro cristão. Sem dúvida alguma, todas as
promessas do Evangelho se lhe resultarão alentadoras; seus pecados, por muitos e grandes que
sejam, podem ser perdoados; seu coração por frio e duro que seja, agora pode ser mudado;
Cristo, o Espírito Santo, a misericórdia, a graça, tudo está à sua disposição. Porém, ainda, tal
pessoa deveria calcular o preço. Vejamos uma por uma, as coisas que deverá desejar, ou, em
outras palavras, o que lhes custará ser cristão
Deverá abandonar o orgulho e a auto-estima de sua própria bondade; deverá contentar-se com
o ir ao céu como um pobre pecador, salvo pela gratuita graça de Deus e pelos méritos e justiça
de outro (Jesus). Deverá experimentar que “tem errado e se tem desgarrado como uma ovelha”;
que não tem feito as coisas que deveria ter feito e feito coisas que não deveria; deve confessar
que não há nada são nele. Deve abandonar a confiança em sua própria moralidade e
respeitabilidade, e não deve basear sua salvação no fato de que tem ido à igreja, tem orado, tem
lido a Bíblia e participado dos sacramentos do Senhor, mas que deve confiar, única e
exclusivamente na pessoa e obra de Cristo Jesus.
Isto parecerá muito duro a algumas pessoas, porém não me surpreende que seja assim. “
Senhor - disse um lavrador, temeroso homem de Deus, a James Hervey - é mais difícil negar o
nosso EU orgulhoso, que nosso EU pecador. Porém é absolutamente necessário que o neguemos .
Aprendamos, pois, de uma vez por todas, que ser um verdadeiro cristão custará a uma pessoa
perder sua justiça própria.
Deverá abandonar todo hábito e prática que sejam maus aos olhos de Deus. Deve virar o seu
rosto contra o pecado, romper com o pecado, crucificar o pecado, mesmo contra a opinião do
mundo. Não pode estabelecer nenhuma trégua especial com nenhum pecado que amava antes
da sua conversão. Deve considerar a todos os pecados como inimigos mortais de sua alma e
odiar todo caminho de falsidade. Por pequenos ou grandes, ocultos ou manifestos que sejam os
pecados, deve renunciar completamente a todos eles. Sem dúvida estes pecados tentarão vencê-
lo, porém jamais poderá ceder. Sua luta contra o pecado será continua e não admitirá trégua de
nenhum tipo. Está escrito: “Lançai de vós todas as vossas transgressões com que
transgredistes...”. “cessai de fazer o mal” (Ez.18:31; ls.l:16).
Isto também parecerá muito duro para muitas pessoas; e vemos que freqüentemente nossos
pecados são mais queridos do que nossos próprios filhos. Amamos o pecado, o abraçamos com
todo nosso ser, nos agarramos a ele, nos deleitamos nele. Separar-nos do pecado é tão duro
como separar-nos da nossa mão direita, e tão doloroso como se nos arrancassem um olho.
Porém devemos separar-nos do pecado; não há outra alternativa possível. “Ainda que o mal lhe
seja doce na boca, e ele o esconda debaixo da língua, e o saboreie, e o não deixe, antes o retenha
no seu paladar.. “ ,sendo este o caso, devemos apartá-lo de nós si em verdade desejamos ser
salvos (Jó 20:12-13). Se desejamos ser amigos de Deus, devemos primeiro romper com o
pecado. Cristo está disposto a receber os pecadores, porém não aqueles que se agarram a seus
pecados. Anotemos pois, também isto: o ser cristão custará a uma pessoa seus pecados.
Para correr com êxito a corrida ao céu se requer esforço e sacrifício. Haverá de velar diariamente
e estar alerta, pois se encontrará em território inimigo. Em cada hora e em cada instante deverá
vigiar sua conduta, sua companhia e os lugares que freqüenta. Com muito cuidado haverá de
dispor de seu tempo e vigiar sua língua, seu temperamento, seus pensamentos, sua
imaginação, seus motivos e sua conduta em suas relações diárias. Terá que ser diligente em sua
leitura da Bíblia, em sua vida de oração, na maneira como passa o Dia do Senhor e participa
dos meios de graça. Certamente que não poderá conseguir perfeição em todas estas coisas,
porém mesmo assim, não pode descuidar-se. “O preguiçoso deseja, e nada tem, mas a alma dos
diligentes se farta” (Pv.13:4).
Também isto parece duro e difícil. Não há nada que nos desagrade tanto como as dificuldades
na nossa confissão religiosa; por natureza evitamos as dificuldades. Secretamente desejaríamos
que alguém pudesse cuidar de nossas obrigações religiosas e que desempenhasse por
procuração nosso cristianismo. Não está de acordo com o nosso coração tudo aquilo que
implique em esforço e trabalho; porém sem dor não há lucro para a alma. Deixemos bem
firmado este fato: o ser cristão custará a uma pessoa seu amor pela vida fácil.
Se deseja agradar a Deus deve saber que será depreciado pelo mundo. Não deve estranhar se o
mundo o engana, lhe ridiculariza, se levanta calúnias contra você e o persegue e o odeia. Não
deve se surpreender se as pessoas o depreciam e com desdém condenam suas opiniões e
práticas religiosas. Deve resignar-se a que o acusem de tolo, entusiasta e fanático, e inclusive
que distorçam suas palavras e representem falsamente suas ações. Não se surpreenda de que o
tachem de louco. O Mestre disse: “Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: Não é o servo maior
do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a
minha palavra, também guardarão vossa” (Jo.15:20).
Também isto parece duro e difícil. Por natureza nos desagrada o proceder injusto e as
acusações falsas. Se não nos preocupa a boa opinião dos que nos rodeiam deixaríamos de ser
de carne e osso._Sempre resulta desagradável ser o alvo de criticas injustificadas e objeto de
mentira e falsas acusações; porém não podemos evitá-lo. Do cálix que bebeu o Mestre também
devem beber seus discípulos. Estes devem ser “...desprezado, e o mais rejeitado entre os
homens... (Is.53:3). Anotemos, pois, o dito: ser cristão custará a pessoa o favor do mundo .
Esta é, pois, a lista do que custará a uma pessoa ser cristã. Devemos aceitar o fato de que não é
uma lista insignificante. Nada podemos riscar dela. Resultaria uma temeridade fatal se
defendesse por justiça própria, os pecados, o amor à vida fácil, o amor ao mundo e crer que
vivendo assim poder-se-ia salvar-se.
A realidade é esta: custa muito ser um verdadeiro cristão. Porém, que pessoa, no sentido pleno,
pode dizer que este preço é demasiado elevado pela salvação da alma? Quando o barco está em
perigo de afundar-se, a tripulação não vacila em lançar ao mar a preciosa carga. Quando a
gangrena envolve a extremidade de um membro a pessoa se submeterá a qualquer operação,
inclusive a amputação deste membro. Com maior motivo, pois, o crente está disposto a
abandonar qualquer coisa que se levante entre sua alma e o céu. Uma religião que não custa
nada, nada vale. Um cristianismo barato - sem a cruz - cedo ou tarde manifestará sua
inutilidade; jamais levará a posse da coroa. Sem cruz não há coroa
Porém, há uma classe de pessoas as quais quero dirigir-me ao desenvolver esta parte do tema.
E um grupo numeroso e que espiritualmente está em grande perigo. Tratarei de descrever estas
pessoas e ao fazê-lo agucemos nossa atenção. Estas pessoas não são, como as anteriores,
ignorantes do evangelho; não, ao contrário: pensam muito nele; não ignoram o conteúdo da fé;
conhecem bem os esquemas da revelação. Porém, o grande defeito das tais pessoas é que não
estão “arraigadas nem fundamentadas na fé”. Com muita freqüência o conhecimento religioso
destas pessoas é de segunda mão; têm nascido de famílias cristãs, têm-se educado em uma
atmosfera cristã, porém nunca têm experimentado em suas vidas as realidades do novo
nascimento e a conversão. Precipitadamente e talvez por pressões diversas, ou pelo desejo de
ser como os demais, têm feito profissão de fé e se tem unido a membresia de alguma igreja,
porem sem haver experimentado uma obra da graça em seus corações. Estas pessoas estão em
uma posição perigosíssima e são as que mais necessitam da exortação de calcular o custo de
serem verdadeiros cristão
Por não haver calculado o custo um grande número de israelitas pereceu miseravelmente no
deserto entre o Egito e Canaã. Cheios de zelo e entusiasmo abandonaram a terra de Faraó e
parecia que nada poderia pará-los. Porém, tão logo encontraram perigos e dificuldades no
caminho, seu calor não tardou em esfriar-se. Nunca pensaram na possibilidade de que
pudessem surgir obstáculos. Pensavam que em questão de dias entrariam na posse da terra
prometida. E assim, quando pelos inimigos, privações, sede e fome, foram provados, começaram
a murmurar contra Moisés e contra Deus e desejaram voltar ao Egito. Em uma palavra: “não
calcularam o custo” e em conseqüência morreram em seus pecados.
Por não haver calculado o custo, muitos dos seguidores de Jesus voltaram suas costas “... e já
não andavam com ele” (JO.6:66). Quando pela primeira vez viram seus milagres e ouviram sua
pregação, pensaram: “O Reino de Deus virá a qualquer momento”. Se uniram ao número dos
apóstolos e, sem pensar nas conseqüências, o seguiram. Porém se deram conta de que se
tratava de doutrinas duras de crer, e uma obra dura de realizar, e de uma missão dura de se
levar a termo, sua fé se desmoronou e nada ficou da mesma. Em uma palavra: não pararam
para “calcular o custo”, por isso naufragaram na sua profissão de fé cristã.
Por não haver calculado o custo, o rei Herodes voltou outra vez a seus velhos pecados e destruiu
a sua alma. Desfrutava ouvindo a pregação de João Batista. O admirava e considerava um
homem justo e santo, e inclusive o ouvia “de boa mente” . Porém, quando se deu conta de que
devia abandonar a sua favorita Herodias, sua profissão de fé religiosa se desvaneceu por
completo. Não havia pensado nisto; não havia “calculado o custo” (Marcos 6:20)..
Por não haver calculado o custo, Demas abandonou a companhia de Paulo, abandonou o
evangelho, deixou a Cristo e perdeu o céu. Por longo período de tempo com o grande apóstolo
dos gentios e se converteu em um dos seus companheiros de trabalho. Porém, quando se deu
conta de que não podia participar da companhia do mundo e de Deus ao mesmo tempo
abandonou o cristianismo e se uniu ao mundo. “Demas, tendo amado o presente século” - nos
diz Paulo - “me abandonou... “ (II Tm.4: 10). Não havia calculado o custo.
Por não haver calculado o custo milhares de pessoas que têm sentido uma experiência religiosa
sob a evangelização de famosos pregadores naufragam espiritualmente. Se excitam e
emocionam e chegam a pensar que experimentaram uma obra genuína de conversão; porém, na
realidade não tem sido assim. Receberam a Palavra com alegria tão espetacular que inclusive
surpreenderam os crentes experimentados. Com tal entusiasmo falavam da obra de Deus e das
coisas espirituais que os crentes mais velhos chegavam a envergonhar-se de si mesmos. Porém,
quando a novidade e o frescor de seus sentimentos se dissiparam, uma repentina mudança lhes
sobreveio e demonstraram que na realidade não eram mais do que corações de terreno
pedregoso em que a Palavra não pôde lançar raízes profundas. “O que foi semeado em solo
rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo,
sendo antes de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da
palavra, logo se escandaliza” (Mt.13:20-21). Pouco a pouco se derrete o céu de tais pessoas e
seu amor se esfria. Por fim chega o dia quando seu assento na igreja está vazio e já nada se
sabe deles. Por que? Porque não “calcularam o custo”.
Por não haver contado o custo, milhares de pessoas que professaram ser salvas em reuniões de
avivamento, depois de um tempo voltam ao mundo e são motivo de vergonha para o evangelho.
Começam com uma noção tristemente equivocada do que seja o verdadeiro cristianismo.
Imaginam que a fé cristã não é mais que uma “decisão por Cristo”, uma mera experiência de
certos sentimentos de alegria e paz. Logo que se dão conta de que têm de carregar uma pesada
cruz no peregrinar até o céu, de que o coração é enganoso e de que o diabo está sempre ativo, se
decepcionam e esfriam e retornam a seus velhos pecados. Por que? Porque nunca chegaram a
saber o que é o cristianismo da Bíblia. Nunca aprenderam a calcular o custo.
Por não haver calculado o custo, freqüentemente os filhos de pais crentes dão um pobre
testemunho do que é o cristianismo e são motivo de afronta para o evangelho. Desde a infância
se familiarizaram de uma maneira teórica com o conteúdo do evangelho. Têm aprendido de
memória longas passagens da escritura e têm assistido com certa regularidade a Escola
Dominical, porém na realidade nunca têm pensado seriamente no que têm aprendido. E quando
as realidades da vida começam a fazer-se sentirem suas vidas, com grande assombro por parte
dos membros da congregação, estes filhos de crentes abandonam toda religião e submergem de
cheio no mundo. Por que? Porque nunca chegaram a entender seriamente os sacrifícios e
conseqüências que uma profissão de fé séria o cristianismo exige. Nunca se lhes ensinou a
calcular o custo.
Estas verdades são tão solenes como dolorosas, porém são verdades e põem em relevo a
importância do tema que estamos considerando. São considerações que põem de manifesto a
absoluta necessidade que têm todos aqueles que professam um desejo profundo de santidade,
de fazer-se a pergunta: Quanto custa?
Melhor iriam as coisas em nossas igrejas se ensinassem a seus membros a calcular o custo que
implica a profissão de fé cristã. A maioria dos líderes religiosos dos nossos dias dão mostras de
uma impaciente pressa nas coisas do evangelho. Parece que o único grande fim a que se
propõem é a conversão instantânea das almas, e em torno disto centralizam seus esforços. Esta
maneira tão parcial e vazia de ensinar e apresentar o cristianismo é funesta.
Não interpretem mal o que digo. Eu aprovo inteiramente que se ofereça a salvação de uma
maneira imediata, gratuita e completa em Cristo. Aprovo plenamente que se chame com
urgência os pecadores a que se convertam imediatamente depois de se ouvir a mensagem de
salvação. E a estas coisas não cedo o primeiro lugar. Mas condeno a atitude e o proceder de
alguns que apresentam estas verdades por si só, isoladas e sem relação às demais verdades de
todo conselho de Deus. Além destas verdades, com toda honestidade devemos advertir os
pecadores das obrigações que impõe o serviço a Cristo e o que implica sair do mundo. Não
temos direito de forçá-los a entrar no exército de Cristo, se antes não os temos advertido e
prevenido da magnitude da batalha cristã. Em uma palavra: devemos adverti-los do custo de ser
um verdadeiro cristão.
Não foi esta a maneira de proceder do nosso Senhor Jesus? O evangelista Lucas nos diz que, em
certa ocasião “Ora, ia com ele uma grande multidão; e voltando-se, disse-lhes: Se alguém viera
mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda a sua própria
vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não
pode ser meu discípulo” (Lc. 14:25-27). Francamente, não se pode reconciliar esta passagem
bíblica com a maneira de proceder de muitos mestres religiosos da nossa época; no que a mim
concerne, a doutrina do mesmo é clara como a luz do meio dia. Esta doutrina ensina que não
temos que forçar os pecadores a uma precipitada confissão de fé cristã, sem antes não os
termos advertido claramente da necessidade que têm de calcular o custo.
Lutero, Latimer, Baxter, Wesley, Whitefield, Rowland HilI, e outros, procederam segundo a
maneira pela qual defende este texto. Todos estavam bem cientes do caráter enganoso do
coração humano; e sabiam bem que não é ouro1 tudo que reluz, que a convicção não é
conversão, que a emoção não é fé, que o sentimento não é graça, que não é de todo botão que
provém fruto. “Não vos enganeis - era o grito constante destes pregadores - pensai bem no que
fazeis; não corrais antes de haverdes sido chamados; calculem o custo!”.
Se desejamos fazer o bem, não nos envergonhemos de seguir as pisadas do nosso Senhor Jesus
Cristo. Exortem as pessoas a que considerem seus caminhos. Obrigue-os com santa violência a
que entrem e participem do banquete a que se entreguem completamente a Deus. Ofereça-os
uma salvação gratuita, completa e imediata. Insta-os uma e outra vez a que recebam a Cristo
na plenitude de seus benefícios. Porém, em tudo, diga-lhes a verdade, toda a verdade! Alguns
pregadores se utilizam de atos vulgares para recrutar adeptos. Não fale somente do uniforme,
do soldo e da glória, fale também dos inimigos da batalha, da armadura, das sentinelas, das
marchas, e dos exercícios. Não apresente apenas uma parte do cristianismo. Não esconda a
cruz da abnegação, que todo peregrino cristão deve levar, quando falar da cruz sobre a qual
Cristo morreu para nossa redenção. Explique com detalhes tudo o que a1, profissão de fé cristã
implica. Rogue com insistência várias vezes aos pecadores que se arrependam e corram para
Cristo; porém, insista, ao mesmo tempo, a que se sentem e calculem o preço.
Mencionarei alguns fatores que sempre influenciam nos nossos cálculos para saber o custo do
verdadeiro cristianismo. Considere com calma e equilíbrio o que se tem de deixar e o que se tem
de provar para chegar a ser discípulo de Cristo. Não esconda nada, considera tudo. E logo, faça
as seguintes somas, tendo o cuidado de repassá-las bem para não haver equivoco, pois o
resultado correto dos mesmos é alentador:
Estas somas e estas contas freqüentemente não se fazem corretamente; por isso há pessoas que
continuamente e não podem dizer se vale a pena ou não servir a Cristo. As perdas e ganhos, as
vantagens e desvantagens, as tribulações e os prazeres, as ajudas e os obstáculos, lhes dão um
balanço tão igual, que não podem optar por Cristo. É que não têm feito a soma corretamente.
Como se explica o erro de tais pessoas? Se deve a uma carência de fé por sua parte. Para chegar
a uma conclusão correta sobre nossas almas, devemos conhecer algo daquele poderoso
princípio que Paulo menciona no capítulo 11 de sua Epístola aos Hebreus. Permitam-me
demonstrar de que maneira intervém este princípio no grande “negócio” de calcular o custo.
A que se deveu o fato de Noé perseverar até o fim na construção da arca? Estava só em meio a
uma geração pecadora, incrédula e havia de sofrer o opróbrio, a zombaria e o ridículo das
pessoas. O que lhe deu fortaleza ao seu braço e paciência em seu labor? Foi a fé. Noé cria na ira
que havia de vir; cria que só na arca poderia achar o refúgio seguro. Pela fé considerou e teve
como pobre o conceito e a opinião do mundo. Pela fé calculou o custo e não duvidou de que a
construção da arca significava um ganho.
A que se deveu o fato de Moisés rejeitar os prazeres do Egito e recusar-se ser chamado de filho
da filha de Faraó? Como pode escolher ser maltratado com o povo de Deus e dirigir ao povo
hebreu á terra da promissão, livrando-o da terra da escravidão? Segundo o testemunho do olho
humano dos sentidos iria perder tudo e não ia ganhar nada em troca. O que impulsionou
Moisés a agir dessa forma? Foi a fé. Ele cria que acima de Faraó havia UM maior e mais
poderoso que o dirigiria e protegeria em sua grande missão. Ele tinha por maiores riquezas o
vitupério de Cristo que todos os tesouros dos egípcios. Pela fé calculou o custo e “como vendo o
invisível”, se persuadiu de que o abandono do Egito e o peregrinar pelo deserto era, na
realidade, ganho.
Que foi que fez o fariseu Saulo de Tarso decidir deixar a religião de seus pais e abraçar o
Cristianismo? Os sacrifícios e os custos que a mudança implicava eram em verdade enormes.
No entanto, Paulo abandonou todas as brilhantes perspectivas que tinha entre os de sua nação;
trouxe sobre si, ao invés do favor dos homens, o ódio do homem, a inimizade do homem, a
perseguição do homem até a morte. A que se deveu o fato de Paulo poder fazer frente a tudo
isso? Se deveu a sua fé. Ele cria que Jesus, a quem conheceu no caminho de Damasco, poderia
dar-lhe cem vezes mais do que o que abandonara, e no mundo vindouro a vida eterna. Pela fé
calculou o custo, e viu claramente até que lado se inclinava a balança. Cria firmemente que o
tomar a cruz de Cristo sobre si era ganho.
Notemos bem todas estas coisas. A fé que fez Noé, Moisés e Paulo fazerem as coisas que fizeram,
é o segredo que nos levará a conclusões corretas com respeito a nossa alma. A mesma fé tem de
ser nossa ajudadora e nosso livro de contas quando nos sentamos para calcular o custo do
verdadeiro cristianismo. Esta fé, se a pedimos a receberemos. “Ele dá maior graça” (Tiago 4:6).
Armados com esta fé apreciaremos as coisas no seu justo valor. Cheios desta fé, nunca
aumentaremos a cruz nem diminuiremos a coroa. Nossas conclusões serão todas corretas;
nossa soma total não registrará erros.
Conclusão
Pensa se é que necessitas de motivos que te estimulem mais e mais para o serviço do Senhor,
pensa no muito que custou a salvação de tua alma. Considera que nada menos do que o
Filho de Deus teve de abandonar o céu, fazer-se homem, sofrer a cruz, ser sepultado, para logo
ressuscitar vitorioso sobre o pecado e a morte, e tudo para obter a redenção de tua alma. Pensa
em tudo isso e te convencerás de que não é algo insignificante possuir uma alma mortal. Vale a
pena tomar-se o incômodo de pensar sobre a esta alma tão preciosa.
Ó, homem preguiçoso! Ó, mulher preguiçosa! Te conformarás com perder o céu por mero fato de
que não queres te preocupar com as coisas espirituais? Tanto te repugna o exercício e o esforço
como para permitir que tua alma naufrague para toda a eternidade? Sacode esta atitude
covarde e indigna! Lavanta-te e porta-te varonilmente! Que não termine o dia sem que hajas dito
a ti mesmo: “Por muito que seja o custo, eu tomo a determinação de esforçar-me para entrar
pela porta apertada”. Olha a cruz de Cristo e receberás alento para seguir adiante, e valor para
consegui-lo. Sê sincero e realista com tua própria situação espiritual; pensa na morte, no juízo,
na eternidade. Poderá custar muito o ser cristão, porém podes estar seguro de que vale a pena.
Se algum leitor realmente sente que tem calculado o custo, e tomado sobre si a cruz, eu o exorto
a que persevere e continue em frente. Talvez freqüentemente sintas como se teu coração
estivesse a ponto de desfalecer, e que o ímpeto da tentação ameaça naufragá-lo no
desespero. Eu te digo: persevera, segue em frente. Não há dúvida de que teus inimigos
são muitos, e os pecados que te rodeiam batem com ímpeto; talvez os teus amigos sejam
poucos, e o caminho íngreme e estreito. Porém, mesmo assim, nestas circunstâncias,
persevera e segue adiante.
O tempo é muito curto. Uns poucos anos de vigilância e oração, uns vão e vêm sobre as ondas
do mar deste mundo, umas poucas mortes a mais, umas mudanças a mais, uns poucos verões
a mais, e já não haverá necessidade de muita luta.
A presença e companhia de Cristo compensará os sofrimentos deste mundo. Quando nos vemos
como somos vistos, e olhamos até a nossa jornada da nossa vida, nos surpreenderemos de
nossa debilidade e desmaios de coração. Ficaremos surpresos de que demos tanta importância
a nossa cruz, e pensamos tão pouco em nossa coroa. Ficaremos maravilhados de que
calculando o custo, chegamos até a duvidar para onde se inclinava a balança. Animemo-nos!
Não estamos longe do nosso lugar eterno!