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AGOSTINHO – ENCHIRIDION – SOBRE A FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE

11. Nesse universo, mesmo o que é chamado de mal, quando é corretamente ordenado e
mantido em seu lugar, louva o bem mais eminentemente, pois as coisas boas produzem
maior prazer e louvor quando comparadas às coisas ruins. Pois o Deus Onipotente, que até
os pagãos reconhecem como o Poder Supremo sobre todos, não permitiria nenhum mal em
suas obras, a menos que em sua onipotência e bondade, como o Bem Supremo, ele fosse
capaz de produzir o bem a partir do mal.
Afinal, o que chamamos de mal, exceto a privação do bem? Nos corpos dos animais, por
exemplo, doenças e feridas não passam de privação de saúde. Quando uma cura é realizada,
os males que estavam presentes (isto é, a doença e as feridas) não recuam e vão para outro
lugar. Pelo contrário, eles simplesmente não existem mais. Pois esse mal não é uma
substância; a ferida ou a doença é um defeito da substância corporal que, como substância, é
boa. O mal, então, é um acidente, isto é, uma privação desse bem que se chama saúde. Assim,
quaisquer que sejam os defeitos da alma, são privações de um bem natural. Quando ocorre a
cura, elas não são transferidas para outro lugar, mas, como não estão mais presentes no
estado de saúde, elas não existem mais.22

CAPÍTULO IV O Problema do Mal

12. Toda a natureza, portanto, é boa, uma vez que o Criador de toda a natureza é
supremamente bom. Mas a natureza não é suprema e imutavelmente boa como é o Criador
dela. Assim, o bem nas coisas criadas pode ser diminuído e aumentado. Pois o bem ser
diminuído é o mal; ainda assim, por mais que diminua, algo deve permanecer em sua
natureza original enquanto ainda existe de alguma forma. Não importa que tipo ou coisa
insignificante possa ser, o bem que é sua "natureza" não pode ser destruído sem que a
própria coisa seja destruída. Há boas razões, portanto, para louvar uma coisa não
corrompida, e se fosse de fato uma coisa incorruptível, que não pudesse ser destruída, sem
dúvida seria ainda mais digna de louvor. Quando, no entanto, uma coisa é corrompida, sua
corrupção é um mal, porque é, em grande parte, uma privação do bem. Onde não há
privação do bem, não há mal. Onde há mal, há uma diminuição correspondente do bem.
Enquanto, pois, uma coisa está sendo corrompida, há nela algo bom do qual está sendo
privada; e, nesse processo, se permanecer algo que não pode ser corrompido a mais, será
uma natureza incorruptível e terá passado pelo processo de corrupção para [chegar a] esse
bem tão excelente. Mas, mesmo que a corrupção não seja interrompida, ela ainda não deixa
de ter algo do qual não pode mais ser privado. Se, no entanto, a corrupção chegar a ser total
e completa, também não resta mais nada, porque não é mais uma entidade. Portanto, a
corrupção não pode consumir o bem sem também consumir a coisa em si. Toda entidade
real (natura) é, portanto, boa; um bem maior, se não puder ser corrompido, um bem menor,
se puder. No entanto, apenas os tolos e os que não sabem podem negar que ainda é bom,
mesmo quando corrompidos. Sempre que uma coisa é [totalmente] consumida pela
corrupção, nem mesmo a corrupção permanece, pois não é nada em si mesma, não havendo
um ser subsistente para existir.

13. Daqui resulta que não há nada a ser chamado de mau se não houver nada de bom. Um
bem que carece totalmente de um aspecto maligno é inteiramente bom. Onde há algum mal
em uma coisa, seu bem é defeituoso ou defeituoso. Assim, não pode haver mal onde não há
bem.

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