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| PAOLO GROSSI XEROY VALOR 4.2, . | Professor da Universiti degli Studi di Firenze e PASTA __O2 Membro da Accademia dei Lincei, Roma. PROF®. MATERIA 1470710 ORIGINAL, PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO Tradugao de Ricardo Marcelo Fonseca (Professor da UFPR e pesquisador do CNPq) wed Gers I* edigdo ~ 2006 2 Copyright Paolo Grossi CIP - Brasil, Catalogago-na-fonte. Sindicato Nacioual dos Editores de Livros, RU. [op | Grossi, Pao, 1933 - Primeiraligio sobre diteito ‘Paolo Gross radusio de Ricardo Marcelo Fonseea,— Rio de Janeiro: | | Forense, 2006 ISBN 85-309-2300-6 | 1. Direito Titulo, 05-2737. cpu 34 © titular cuja obra seja froudulentamense reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada podera requerer a apreensio dos exemplares reproduzi os ou suspensio da divulgagio, sem prejuizo da indenizagao cabivel (art. 102 da Leir° 9.610, de 19.02.1998). ‘Quem vender, expuser& venda, ocular, aqui, distibuir, ver em depo- sito ou wilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, luero direto ou indireto, para si ou para ‘utrem,ser3 solidariamente responsivel com o contrafator, nos termos dos arti- gos pretedentes, respondendo como contrafatores 0 importader e o distribuidor cm caso de reprodugao no exterior (art. 104 da Lei n® 9.610/98). A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vicios do produto no que concarne 4 susedigdo, ai compreendidas a impressio ¢ a apreseniagio, a fim de jpossibilitar ao consumidor bem manused-lo ¢ Ié-lo. 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I~ A Vida do Direito: Indice Sistematico-~ SUMARIO 107 PREAMBULO Este opitsculo é fruto de uma experiéncia pessoal Ji hi alguns anos a faculdade de direito florentina me dé um privilégio singular: ode minis. trar—logo antes do comeco dos cursos oficias - algumas aulasintroduté- rias para 05 jovens estudantes inscritos no primeiro ano da faculdade Experiéncia rauito graificante ea mim muito cara E por isso que, quando a Editora Laterza me propés ocupar-me do “direito” para a sua feliz colego de pequenos volumes dedieados a uma “Primeira ligfo sobre...” no tive hesitagio em aceitar, ainda que estives- * se—como estou ~ ciente que de trabalho rduo se tratava Voluntariarsente, néo sobrecarreguei estas piginas com fardos bi- bliogtificos e nem com ostentagdes enuditas, mas quis conserva o card | ter clementar e maiutico das minhas ligdes florentinas, certo de que, assim fazendo, correspondia seja& expectativa da editora,seja ds exigén. cias de um “calouro” do curso de dizeito, As diversas leituras que o autor ~com sincera humildade — teve que fazer para escrever estas paginas de- vvern ser tidas como pressupostas,etalvez exatamente a isso se deve a es- perada clareza do discurso e também uma pretendida serenidade critica, malgrado a visio pessoal da qual sou portador inevitivel Paolo Grossi Citille in Chianti, fevereiro de 2003 LLeitor precioso também desse meu experimento foi Paolo Cappellini, um histor {dor que manejs de modo maduro os instrumentas da teoriageral do direio‘e do disto prvi 4o positiva (ciscipinas por ele ensinades imricadamente a0 magistériohistorico-jridico) ‘Seja aqui agradecido viva e clararente O QUE E O DIREITO? 1, O Direito entre Ignorincia, Desentendidos e Incompreensdes * O direito nao pertence ao mundo dos signos sensiveis. ‘Um pedaco de terra por mim adquirido parece confundir-se com o terreno do meu vizinho, se no coloco uma cerca; 0 prédio sede da embaixada de um Estado estrangeiro, e por- tanto espaco extraterritorial, pode parecer idéntico a todos os prédio:. limitrofes, se uma placa nao assinala sua situa¢do ex- traordi raria; a linha de terreno que separa a Republica italia- na dos outros Estados segue continua se nao existem signos visiveis de delimitacdo de fronteiras ou oficiais da policia ¢ da aduana para o controle dos transitos. O direito confia nos signos sensiveis para uma eficaz comunicacdo, mas também sem eles o meu pedaco de terra, a sede de uma embaixada ¢ o territério de um Estado so e per- manecem sendo realidades caracterizadas ¢ diferenciadas pelo iriaterial marco do direito. Essa sua imaterialidade faz do direito uma dimensio misteriosa para o homem comum, e aqui nasce o primeiro dos motivos pelos quais o direito ¢ envolto por um espesso tecido de incompreensées. Mais ainda: dimensdo misteriosa mas também muito desagradével. Sim, desagradavel, porque ao homem comum de hoje o direito aparece sob dois aspectos que nao contibyer pro- priamente para transformé-lo em algo bem aceito-Lvem-the do alto e de longe, como se fosse uma telha que cai de am teto sobre a cabeca de um passante; mostra-se a ele como poder, como comando, como comando autoritario, evocan- do imediatamente a imagem desagradabilissima do juiz do funcionério de policia, com a ulterior possibilidade de san- goes ¢ de coergdes] Tudo isso transforma o direito para 0 homem comum numa realidade hostil, e, em todo caso, numa realidade esi nha, que ele sente como enormemente distante de si e de sua vida. Com um resultado que é duplamente negativo para ¢ ci- dado epara o direito: o risco provavel de uma separagdo en- tre direito e sociedade, ficando 0 cidadao mais pobre porque Ihe escapa das mios um instrumento precioso do conv vio em sociedade, conijum direito substancialmente exilado da consciéncia comurfi e ficando o jurista ~ ou seja, aquele que conhece o direito —relegado a um canto ¢ participando muito pouco da complexa circulago cultural. 2. As Razies Histéricas dos Desentendidos ¢ Incompreensées Um tal resultado negativo era, ao menos até recente- mente, inevitavel, e nfo me sentiria & vontade em julgé-lo so- ‘mente como fruto da ignorancia do homem comum, jogi.ndo sob suas costas um enorme fardo de responsabilidade. Isso seria profundamente injusto. Um tal resultado é de fato a conseqiiéncia de escolhas dominantes ¢ determinentes no cenério da his‘éria juridica da Europa continental durante 05 tiltimos duzentos anos e que foram consolidadas em um vinculo muito forte e completamente novo entre poder politi- co e direito. O poder politico, transformado cada vez mais — no curso da era moderna — num Estado, isto é, numa entidade totali- zante tendente a controlar toda manifestagao do social, mos- trou um crescente interesse pelo direito, nele reconhecendo com extrema lucidez um precioso cimento da sua propria es- trutura; interesse t&o crescente a ponto de se chegar, ao fim do século XVIII, em uma forte negacio a secular situagdo conservada até 0 desenlace do antigo regime, [a plena mono- polizagio da dimensdo juridical* ~~ De fato, é exatamente naqueles anos que, em meio a muitas mitologias® laicas inauguradas pela Revolugio de 1789, destaca-se clarissima a legislativa: a lei, isto é, a ex- pressdo da vontade do poder soberano, é axiomaticamente Com a expressio “antigo regime”, tradugdo do usual francés ancien régime, pretende-se designar a civilizago socioeconémico- politico-juridica da Franca antes da Revolugdo Francesa de 1789; ‘uma eivilizago com estrutura corporativa, com alguns residuos medievais, apesar do seu jé longo itinerdrio através do “moderno” (sécs. XV-XVII) e na qual o direito ainda fundava-se prevalente- ‘mente em costumes imemoriais. Sobre essé “absolutismo juridico” veja-se a sintese que tentei ela- borar em Ancora sull"assolutismo giuridico (ossia: della riccheza e della liberté dello storico del diritto), ensaio que abre uma coleti- nea de eseritos dedicados — ainda que sob varios aspectos —ao mes- mo grave ¢ pesado fendmeno histérico juridico: Assolutismo giuridico e diritto privatto, Giufité, Milano, 1998. Mitologia no sentido de um conjunto de conclusdes no demons- __ tradas, fundadas (como ¢ 0 mito) ndo sobre conhecimentos racionais, + gpas sobre crengas. EEE aia. ‘dentificada na expresstio da vontade geral, transformando-a dessa forma no unico instrumento produtor do direito mere- cedor de respeito e de obséquio, objeto de culto enquantto lei © niio pela respeitabilidade de seu contetido. Identificada a Vontade geral na lei, isso tomnava possivel a identificagdo do direito na lei e possibilitava sua completa estatizaco. Mas 0 Estado é somente, como veremos melhor em al- gumas das paginas seguintes, uma cristalizagiio da socieda- de; o Estado é sempre ~ inclusive o assim chamado Estado democrético — um aparato de poder, uma organizagiio autori- taria, uma usina de comando, e de todas essas caracteristicas 0 direito ficou obviamente marcado. Muito sélida gragas ao forte pedestal do mito da vontade geral,* a crenca na virude da lei se arrastou quase que intacta até hoje, sustentada, de ‘um Tado, pela estratégia atenta do poder politico que no po- dia deixar de reconhever nele um meio eficaz de governo da Sociedade, ¢, de outro lado, pela preguica intelectual dos pro- prios juristas, pagos para desempenhar o papel formal de sa- cerdotes do culto legislativo (ainda que para eles se tratasse somente de uma modesta contraprestacao). Ohistoriador do direito é, dentre os juristas, 0 persona- gem que fica mais insatisfeito e também alarmado com essa situacao. Incomodado com todas as embalsamagées as quais 0s mitos submetem a complexidade e a vivacidade da hist6- ria, percebe os enclausuramentos gravemente negativos fei- tos pelas mitologias juridicas modemas diante de um devir que teria pretendido agilidade ¢ disponibilidades maiores. Habituado a colher o nascimento do direito na incandescén- 4 Trata-se de um “mito” porque esté ainda para ser demonstrado que ‘lei reflete fielmente a vontade de um povo e ndo somente de quem detém 0 poder politico. PRIMEIRA LIGAO SOBRE DIREITO 5 cia das forgas sociais, culturais e econdmicas, previne para 0 forte risco que se acena cada vez mais, qual seja o de uma se- parac&o das vestes juridicas do fluxo histérico, tendo como resultado a sua redugdo a uma casca ressecada, separada da linfa v tal subjacente. O processo de involucdo do direito foi inarredével: a lei um comando, um comando com autoridade e autoritério um cornando geral, um comando indiscutivel, com sua voca $%0 esvencial de ser silenciosamente obedecido; a partir da- qui, a sua propensio a de se consolidar em um texto, a encerrur-se num texto escrito em que qualquer um possa lé-lo para depois obedecé-lo, em um texto que é pela sua natureza fechad» e imével, que logo se tomar4 empoeirado e, com re- lag&o a vida que continua a fluir rapidamente em volta, tam- bém envelhecido. Mas o poder persistira em se fazer forte naquel > texto com 0 auxilio dos juristas servis que persistirao na sua liturgia sobre o texto. Retormemos ao nosso ponto de partida. Nao estd errado o homcm comum em sentir estranho e distante o direito, em dele desconfiar, em temé-lo na sua manifestago absoluta- mente imperativa, j4 que um comando pode ser também arbi- tratio; sobretudo se tomé-lo no seu nexo com 0 juiz, com 0 policial e com o fisco. Nao estd errado, porque os tiltimos du- zentos anos de nossa histéria européia continental experi- 5 Scbre mitificacdo (e, logo, sobre a absolutizagdo), & qual a civiliza- ga) modema submete algumas solagdes histéricas (que slo, por isso, relativissimas), refleti num recente opisculo: Mitologie giuri- diche della modernita, Giuffré, Milano, 2001. {N. do T.: Trad. bra- silzira: Mitelogias Juridicas da Modernidade, Trad, Amo Dal Ri Junior, Florianépolis, Fundagao Boiteux, 2004,] 6 PAOLO GROSSI mentaram aquela ossificagdo que foi acima sumariam ente senhada. ; “ CO jurista munido culturalmente, todavia, se dé conta de que nesses dois séculos o direito foi submetido a uma opera- co profundamente redutiva, substancialmente foi-Ihe ed violéncia, deslocando forcadamente sua posigao na socieda- de, com o resultado negativo de deformar a sua imagem na consciéncia coletiva. . Uma realidade de comandos imperativos esta fo ‘ada cultura circulante e arrisca ser um corpo estranho nfo s¢ para 0 pobre homem comum, mas para a inteira sociedade, porque esté fora da histéria, do penoso mas incessante devir qu tidi- ano de todos.* . 3. O Inicio de um Resgate: Humanidade e Socialidade do Direito Hoje se impée um resgate para o dteit, a€ poraue aquilo que ocorren somente ato de uma desabusada et tégia da burguesia enfim triunfant, de uma desabusaca ins trumentalizagdo que mutilou a dimensio juridica. O respete ocorer se se conseguir reencontar sob a8 recentes defor- tnagdes modernas uma dimensfo mais obetvs, como obo reu no passado em outras paisagens historicas, Eat eos : no presente em paisagens contemporaneas além da Europe continental, como comega a ocorrer na consciéncia dos juri tas mais sensiveis e abertos, 6 Remeto ainda, para msiores esclarecimentos, um recente ersai: Modernita politica e ordine giuridico (1998), agora em Assolu ‘mo giuridico e diritto privato, cit. Faremos alguns maiores esclarecimentos a seguir, mas urge que se passe a esse resgate ¢ se comece a olhar o direito sem lentes deformantes. Eliminados os desentendidos, po- der-se-a também esperar o fim daquele exilio 20 qual o direi- to foi constrito pelos programas educativos da nossa juventude: incompreendido em sua capacidade formativa, de fato ele se viu excluido das escolas superiores mais vitais, com uma restrita presenga na condicao de simples conheci- mento ténico emalgumas escolas profissionais, O nosso itinerdrio — nada facil — sera entio aquele de acompanhar 0 nao-jurista (e sobretudo o estudante nio-iniciado que se prepara para enfrentar os estudos juridi- cos) na descoberta dos tragos essenciais de uma realidade mal compreendida. Tentar-se-4 fazé-lo comegando nos tra- Gos mais genéricos, necessétios para sua compreensio mas que ainda nao a caracterizam, para depois descer aquele de- senho que a fixa com preciso e a distingue inconfundivel- mente das realidades proximas e afins, Hwnanidade do direito: é seguramente este o primeiro Ponto firme sobre o qual se deve insistir. Se 0 quimico, o fisi- Co, 0 bidlogo léem no livro aberto do cosmo as tramas das proprias ciéncias, o jurista nao pode fazé-lo do mesmo modo: em uma natureza fenoménica privada de homens nfo ha es- aco para o direito, que — como jé nos advertia com veemente eficdcia um antigo jurista romano ~ se originou, desenvolveu © consolidou hominum causa;’ 0 que significa que nasceu 7 Bojurista Hermogeniano. A passagem ¢ encontrivel no Corpus iue ris civilis, a grande sistematizado do direito romano que foi feita no século VI d.c. pelo imperador Justiniano; mais precisamente, no Digesto, ou seja, na parte que retine o tesouro da ciéneia juridica ro- mana (ef. Digesto, 1, 5, 2) com o homem e para o homem, incindivelmente coligado as vicissitudes humanas no espago e no tempo. Em suma, 0 direito nao é escrito numa paisagem fisica que aguarda ainda o inserir-se humano, mas ¢ escrito na his- toria, na grande ov na pequena, que, dos primérdios até hoje, os homens constantemente teceram com sua inteligéncia seus sentimentos, com seus idealismos e seus interesses, com seus amores e seus Odios. E no interior dessa histéria constru- ida pelos homens que se coloca o direito, ali e somente ali. Realidade de homens, mas realidade plural, Se pudésse- mos imaginar um astronauta que desembarca sozinho num planeta remoto e deserto e sozinho vive, esse personagem so- litario até o ponto em que permanece assim nfo precisa do di- reito, nem qualquer de suas aces poderia ser qualificada como juridica. O direito é de fato dimensio intersubjetiva, € relaco entre varios sujeitos (poucos ou muitos) e é marcado pela sua essencial socialidade Se entre as dimensdes humanas existem aquelas que se nutrem e prosperam no interior do sujeito, tendo no exterior apenas possiveis manifestagdes — os exemplos mais fortes so as dimensdes moral e religiosa -, 0 direito tem necessi- dade do encontro entre sujeitos humanos e tem como conte- ido, nos termos que precisaremos em seguida, exatamente esse encontro, apresentando-se a nds como dimensao ne- cessariamente relativa, isto é, de relagdes. Pode se tratar de uma sociedade universal como a comunidade internacional ou de dois sujeitos que compram e vendem um bem; pode se tratar de uma pequena tribo primitiva nas profundezas de uma selva amazénica ou de um Estado com todo 0 seu for- midavel aparato organizativo e de poder; mas sempre é ne- cessério aquele encontro que transforma em social a experiéncia do sujeito singular. 4. Sobre a Génese do Direito na Indistingao do “Social” Humanidade e socialidade do direito. & ja alguma coi- 5a, mas é’ainda muito pouco, e se deve ir além. Alguém perguntard: cada aglomerado social pode, por si s6, considerai+se também juridico? Aquele que foi seduzido pela percepgao do direito como comando impe- rativo acreditard que deve liga-lo ao poder e, de modo partioular, a0 poder’mais aguerrido e mais totalizante: 0 politico. Mais acima ja demos uma resposta implicita, quando voluntariamente colocamos lado a lado duas comunidades ‘opos'as, se observadas sob o ponto de vista de seus conjuntos organizativos e politicos: a pequena tribo e o Estado. A res- posta explicita é conseqiiente: onde quer que haja encontro entre homens, pode haver direito Este verbo condicional tem o propésito de nos intro- duzir no lugar onde se alcanga a especificidade juridica, provocando inevitavelmente a seguinte pergunta: pode ha- ver, nas quando ha? E de fato claro que o social é 0 recep- téculo imprescindivel do direito, mas nem todas as manifestagdes sociais sio por si mesmas juridicas. Se as- sim fosse, 0 direito se confundiria e se extinguiria na socio- logia, ou seja, na ciéncia que .estuda a sociedade como realidade global e que assume como seu objeto todos os fa- tos sociais. Na tentativa de chegar a uma compreensio eficaz, que nos seja consentido tomar um exemplo, que encontramos mencionado, em alguns clissicos do pensamento juridico e que aqui queremos desenvolver. Exemplo absolutamente pa- radoxal, mas que, como em todo paradoxo, contém em si um sélido nicleo de verdade.* Concemne a uma situa¢do humana muito menos consistente que um péqueno miicleo tribal: oma fila diante de uma repartigo publica. Um conjunto de pot res formigas humanas, sem nenhuma ligagio substancial entre elas, ocasionalmente reunidas em um pequeno espago por uma fragGo minima de tempo. E tio pouco consistente que nem mesmo 0 socidlogo com elas se preocuparia; localizado no extremamente efémero, parece no ter nenhuma relevan- “ Ta verdade, seja para 0 socidlogo, seja ~ tanto mais — para o jurista, Porém, se, em meio & confusdo que se insi- nua na fila, um sujeito com iniciativa faz ouvir a sua voz. faz alguma proposta para melhor organizar a tumultuada fila todos os componentes a consideram a proposta boa e a ob- servam, eis que, naquela minima unidade de tempo, neues les poucos metros de territério da Repiblica italiana, nés tivemos 0 milagre da génese do direito. Aquele-aglomerado efémero que é a fila se transformou, ainda que em carater efémero, em comunidade juridica, ¢ juridica porque produ- tora de direito. a O exemplo paradoxal serve para iluminar intensamente o momento e a razo nas quais ¢ pelas quais uma amorfa ¢ in- distinta realidade social se transforma em realidade juridica e por isso mesmo se diversifica da ineandescéncia daquile que é simplesmente social. No exemplo da fila ha pouco ofereci- feréncia_no text so 8 Os classics sobre os quais se faz ret no text ROMANO, S. L’ordinamento giuridico (1918), 2* ed. Firenze, Sansoni, 1946, p. 35, e CESARINI SFORZA, W. I! diritto dx pri- vati (1929), Milano, Giuffré, 1963, pp. 29-30. PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO n do, os fatores que fazem a diferenca sio dois: 0 fato da orga- nizagdo — ou, melhor dizendo, da auto-organizacdo; o fato da observancia espontanea das regras organizativas, O mis- tério do direito esta todo aqui. 5. Um Primeiro Resgate: 0 Direito Exprime'a Sociedade endo o Estado Reservando-nos a aprofundar imediatamente os dois fa- tores, impde-se um esclarecimento inicial que o exemplo da fila parece quase nos sugerir. Aquele exemplo, de fato, consentindo-nos verificar 0 nascimento do direito, em certas condigdes, até mesmo na realidade social mais exigua e efémera que se possa pensar, permite-nos também uma primeira aproximagao certeira.O direito nao é necessariamente coligado a uma entidade soci- al e politicamente autorizada, nao tem como ponto de refe- Téncia necessario aquele formidavel aparato de poder que é 0 Estado modemo, ainda que a realidade histérica que nos circundou até hoje ostente o monopédlio do direito operado pelo Estado. O ponte de referéncia necessirio do direito é somente a sociedade, a sociedade como realidade complexa, articula- dissima, com a possibilidade de que cada uma das suas arti- culagdes produza direito, inclusive a fila diante da reparti¢ao publica. Nao é um esclargeimento banal; ao contrario, ele subtrai 0 direito da sombra condicionante e mortificante do poder e 0 restitui ao seio matemo da sociedade, que o direito é entiio chamado a exprimir. Como esteja.a ponto de exprimi-la, melhor diré a andlise dos dois fatores diversificantes. 12 PAOLO GROSST 6. Um Resgate Importante: 0 Direito como “Ordenamento” do “Social” Organizagao: 0 direito organiza o social, coloca ordem no desordenado conflito que ferve no seio da sociedade; é an- tes de tudo ordenamento Este éum termo freqiientemente usado nas paginas dos juristas, sobretudo a partir de quando um grande juspublicis- ta italiano, Santi Romano, o colocou—em 1918 —como titulo eemblema de um feliz, afortunado e inovador ensaio cientifi- co seu;” e étermo que evoca uma nogio correta e que resgata o fenémeno juridico. Procuremos nele tomar os muitos ¢ in- cisivos tracos particulares. Dizer que a esséncia do direito nfo esteja em um co- mando, mas no ato de ordenar, opera um benéfico desloca- mento do sujeito produtor (ou pretensamente visto como tal) ao objeto que necessita de organizacao. E, sob varios aspec- tos, a dimensio objetiva que emerge e até mesmo domina. Colocar em ordem, de fato, significa acertar as contas com as caracteristicas da realidade que se ordena, jé que so- mente pressupondo e considerando essas caracteristicas nio se lhe fara violéncia e se lhe ordenar efetivamente. Ordenar ensaio de Santi Romano é Lordinamento giuridico, j& citado, que 0 leitor é convidado a ler na segunda edigdo florentina de 1946, revisada pelo mesmo autor, que leva em conta as observagdes criti- cas acumuladas na sua obra; essa segunda edicdo tem o mérito, pois, de fornecer um espelho das discussées doutrindrias de quase trinta enos, Santi Romano (1875-1947) esté entre os mais insignes ccultoresitalianos do direito piblico, mas, gracas ao seu ensaio libe- rador (liberador das persistentes mitologias e das pseudocertezas rio avaliadas criticamente), tem um lugar € um papel muito rele- vante na teoria geral do direito. PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO B significa sempre respeitar a complexidade social, a qual constituiré um verdadeiro limite para a vontade ordenadora, impecindo.que esta degenere em valoragdes meramente sub- jetivas e, pois, em arbitrio. Mas um outro aspecto convém sublinhar: organiza- co € antes de tudo coexisténcia de sujeitos diferentes que, ainda que conservem as caracteristicas das suas pré- prias diversidades, estio coordenados num escopo co- mum; pode também se concretizar em sobreordenacio e subordinag&o, mas a posi¢ao de superior e de inferior & absorvida numa coordenagao coletiva que despersonali- zae, somo conseqiiéncia, atenua uma visdo ordenada hie- rarquicamente. Organizacao, de fato, significa sempre 0 primado da dimensio objetiva, com um resultado que acomete beneficamente a todos os componentes da co- munidade organizada; significa sempre superaco de po- sigdes singulares em seus isolamentos para obter o resultado substancial da ordem, substancial para a pré- pria vida da comunidade. O resgate do direito na sua,essencial dimensio ordena- dora tem uma ulterior validade,’e que nfo € pequena. Nao descamba do alto, nao se impde com forgas coativas; é, ao contrario, quase uma pretensdo que vem de baixo, é a salva- go ce uma comunidade que somente com 0 direito e no direi- to, somente transformando-se num ordenamento juridico, pode vencer o seu jogo na historia. E entio o direito, que aparece como terrificante para o homem comum porque ligado 4 imagem terrivel do juiz e do policial, revela pertencer & propria natureza da sociedade e estar inserito nas suas estruturas mais secretas, O direito nio sera nunca uma realidade décil, como inclusive brilhante- PAOLO GROSS! mente sustentou-se recentemente,'° ja que isso vetaria sua dimensio ordenadora, que o torna rigoroso na afirmagio de um primado objetivo e coletivo; mas é seguramente ¢o- natural a sociedade, pertence a sua fisiologia e nao Asua patologia, ainda que 0 momento patolégico o faga mais vistoso e tangivel. - Um direito concebido como uma série de comandos r2s- peitiveis, ou, como se sustentou repetidamente, uma técnica para garantir um pleno controle social, corre sempre 0 risco de se separar daquela hist6ria viva que é a sociedade, a qual exatamente porque historia viva — se esquiva, ou pelo menos tenta se esquivar, da rigidez dos comandos ou As imobiliza- ges dos controles eficazes. Um direito concebido como or- dem é a propria trama da sociedade, quase uma rede que @ sustenta impedindo o seu esfacelamento, é algo que provém do seu mesmo seio e que a segue no seu perene desenvovi- mento em perfeita coeréncia ¢ adeso, gragas 4 sua indole na- turalmente eldstica. A sociedade tem aversdo s correntes vineulantes que sufocam a sua adequacio espontanea, a0 ‘mesmo tempo em que acolhe um padro em condigao de -es- peitar a sua historicidade. Cpera-se assim, portanto, o nticleo central do nosso res- gate: a restituigdo A sociedade e a cultura nela circulante da- quilo que mudangas histéricas contingentes tinham dela afastado. A sociedade se reapropria daquilo que sempre foi seu como inelimindvel dimeisao existencial. 10 Areferéncia é a ZAGREBELSKI, G. I! Diritto mite. Legge ciritti ‘glustizia, Torino, Einaudi, 1992, um opiisculo cuja leitura se con selha fortemente ao iniciante pela visio aberta e consciente que da dimensio juridica nele se oferece. PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO 15 CO direito no coragao da sociedade: é um tema relevante, que retomaremos e definiremos melhor em alguns momen- tos, depois de ter falado sobre a observancia. 7. E como “Observancia”: 0 Direito como Ordenamento “Observado” Sim, porque o direito nao ¢ somente ordenamento, mas sim ordenamento observado. Deve-se deter sobre essa nogao de observancia, porque se pode preenché-la com contetidos profundamente diversos; € de fato observancia também a obediéncia passiva a um co- mando autoritario, até mesmo a um comando tiranico e ini- quo, onde a dimensao valorativa daquele que observa é reduzida ao minimo ou até mesmo anulada. O absolutismo juridico modemo nos habituou também a leis repugnantes a consciéncia comum, provavelmente re- futadas interiormente pelo homem de bom senso, mas tolera- das ¢ observadas para evitar as reagdes do poder constituido: ‘© exemplo mais infame e infamante — ao qual eu me referi di- versas vezes nesses tiltimos anos ~ é aquele das numerosas leis portadoras de uma ideologia racista e portanto do prima- do de uma linhagem racial sobre outras.!" __ Essa observancia € somente servidao ¢ diz respeito ao pior aspecto patoldgico do direito, seja da parte do produtor da lei iniqua, seja da parte de quem a obedece. Como nos re- CE, por exemplo, os esclarecimentos oferecidos na Pagina intro- duttiva aos “Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridi- co moderno”, 27, 1998, que tem por subtitulo exatamente uma referéncia precisa: “a sessanta anni dalle leggi ra 1938" ali italiane del 16 PAOLO GROSSI vela bem 0 nosso esclarecedor exemplo da fila, a observancia fisiolégica, aquela que faz de qualquer ordenamento um or- denamento juridico, funda-se sobre uma profunda conscién- cia do valor que o sustenta. As propostas para ordenar a fila Provenientes de um seu membro com iniciativa sfio observa- das pela pequena comunidade desordenada porque so tidas como objetivamente boas, vélidas para transformar a desor.. dem presente em ordem futura. A ordem juridica auténtica atinge o estrato dos valores de uma comunidade para deles trazer aquela forga vital, que nasce unicamente de uma con- vicgdo sentida, para deles trazer aquela solidez que nfo tem necessidade da coacao policial para se manter estavel. Valores; alguém torceré o nariz pensando imediatamen- tenaqueles que so absolutos e indiscutiveis, morais e religi- osos, préprios da esfera mais pessoal de um homem ¢ colocadosem um seguro seio intra-subjetivo. Devemos com- preendé-los bem para evitar equivocos. O valor & um principio ou um comportamento que a consciéncia coletiva entende importante sublinhar, isolan- do-o € selecionando-o do feixe indistinto’ dos principios comportamentos; isolando-o e selecionando-o, tolhe-o da re- latividade que € propria do feixe indistinto, lhe confere sem davida alguma absolutizacio, o constitui como modelo, E certamente, se o terreno tipico des valores é aquele religioso ou moral, também o reino da histéria, que é 0 terreno percor- tido por ventos relativizadores, por eles é muito freqiiente- mente fertilizado O estrato dos valores histéricos é aquele das raizes de uma sociedade, é o fruto de longas sedimentagdes, & a aquisi- $40 de certezas duramente conquistadas e transformadas, apés seculares esforcos, em patriménio de uma comunidade historica, E aquele ethos amplo e aberto que séi chamar-se PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO ” costume e que chega a’caracterizar um ethnos.'* Com dois es- clarecimentos: vive na histéria e da historia tira sua vitalida- de, nao é nunca escrito nem na natureza fisica e muito menos em pretensas cifras bioldgicas diferenciadoras (um exemplo atroz: a raga); representa um modelo, pois de outro modo nio seria vbservado, mas com uma disponibilidade para enrique- cer-sc: pela maturidade dos tempos, a deixar-se marcar por eles, ainda que no lento marchar da longa duragio, que é a unica a formar uma consciéncia coletiva. Um ponto, que ja foi acenado, deve porém ser sublinha- do intensamente: os valores so sempre realidade radical, isto é. das raizes, e radical é a dimensao juridica que lhes atin- ge ecleles se nutre. Diz-se as vezes que 0 direito é forma que reveste uma substincia social. Verdade bem parcial, porque a forina é somente a manifestacao extrema —a mais externa, por assim dizer — de um ordenar-se da sociedade, que, 20 contr irio, busca nas profundezas; tem ramificagées na super- ficie do cotidiano, mas traz a superficie aqueles valores es- cond dos dos quais permanece impregnado 2 Sob esse perfil,-9 exemplo da fila, que tanto nos serviu para iniciar nosso itinerdrio de compreensio, é desviante, ja que a fila € situada no (e condenada ao) efémero, aquele efé- merc que nao ¢ exatamente o terreno eleito pelo direito. Dis semcs que para nés se tratava de um exemplo paradoxal por 12 Ethos e ethnos sio, na realidade, duas palavras gregas, apesar de sua transliterago em.caracteres latinos. A segunda significa povo, ou seja, uma comunidade que encontra a propria unidade sobretudo em um certo costume — ou seja, num certo ethos — acumulado em seu itinerdrio histérico e transformado numa marca de identifica- so. Ao costume se adicionam também outros fatores identificado- res, entre os quais o politico, que, todavia, ndo ¢ o prevalente. 18 PAOLO GROSSI tirar o direito do abrago inextricdvel do poder politico € resgaté-lo ao social, a todas as manifestagdes do socia . E sob esse aspecto serviu pela sua carga provocativa, rias valha agora o esclarecimento de que o desenvolvimento dos tempos breves nao convém ao direito; as grandes drvo- res tém necessidade da longa duraco" para enraizar-se adequadamente. ‘Assim, realidade com raizes. Isso quer dizer que 0 direi- to é talvez 0 modo mais significativo que uma comunidade tem de viver a sua histéria. Nem uma casca ressecada nem uma couraga que sufoca o livre crescimento de uma comuni- dade, Uma vez que nao estamos aqui para tecer apolo;sias gratuitas, deve-se admitir que as vezes isso acabou por acon- tecer; mas aconteceu porque o direito foi instrumentalizado — pode ser que pelos juristas, mais freqiientemente pelo atcnto poder politico - e conseqiientemente deformado se nao mies- mo desfigurado na sua imagem e na sua fung%o. Mas essa é a patologia do juridico, o seu sofrimento sob uma repugnante mascara tragica. Se, fisiologicamente, é ordenamento observado pelo so- cial, o seu ponto de referéncia ¢ a sociedade na sua histo:ici- dade, ¢ com relagao a ela seguramente nio est em pos ¢&0 marginal. Essa centralidade da dimensao juridica ¢ um resga- te que, todavia (convém confessar) esta ainda’por se realizar plenamente, ligados que estamos com lagos dos quais nao 13 A“longa durago”, sobre a qual no século pasado oportunaniente insistiu uma louvdvel corrente historiogritfica francesa, é o v=rda~ : LE ato de coragem a tentativa de elaborar um discurso critico sobre estas manifestagdes comegando pelo “direito natural” (ou “lei natural”, como se queira), tuma vez que so- bre ele houve, sobrenido em tempos recentes e ainda atual- mente, acres contraposigdes, marcados pela mais dura intolerancia, entre aqueles que 0 consideram elucubracdo fantasiosa indigna de um homiem de culfura e quem as faz, de outra parte, objeto de conviegSes absolutas e por isso de um obséquio intransigente que beira o fanatismo. Posig&es, am- bas, muito perigosas porque possiveis (se nto proviveis) fontes de posicionamentos acritic Acrescente-se um outro perigo: aquele de referir-se a0 direito natural discorrendo sobre objetos profundamente di- versos. Da antigiidade clissica até hoje, durante todas as eras medieval e moderna, dele insistentemente se falou, mas muito diversos foram os contetidos que lhe foram atribuidos PRIMEIRA LIGAO SOBRE DIREITO a ‘Nogio polissémica como poucas outras ¢ por isso perigosa: ‘quem se inspira na tradig&o crista identifica-o com uma men- sagem de Deus-pessoa instilado beneficamente no coragio de todos os homens; mas ha quem o surpreenda no maximo. da imanéncia, como algo escrito na estrutura racional da na- tureza cosmica e na racionalidade da tradigao histérica. Seré necesséria, da nossa parte, uma abordagem marca- da pela méxima vigilincia cultural, explicitando antes de tudo as razdes pelas quais acreditamos dar ao direito natural um lugar de relevo. E comecemos transformando em nosso, 0 providente chamado que um arguto cientista politico ¢ jurista italiano fa- zia hd quarenta anos atras, erguendo-se para além de uma ati- tude comum ao menos em nossa cultura laica, num ensaio notavel pela sua lucidez e novidade (hd pouco tempo oportu- ‘namente reeditado), ém que invocava precisamente a neces- sidade de “renunciar a vislumbrar no direito natural alguma coisa de mortificante”.”! Acrescentando imediatamente: de mortificante porque atrasado, sepultado em um passado re- ‘moto sem resgate, Acrescentando também, porém, que se trata de um cadaver muito peculiar, com recortentes sepult mentos e ressurreigdes até os nossos dias, diante dos quais é licita a suspeita de que o direito natural esteja em estreita co- nexo com problemas recorrentes da histéria juridica huma- na e ali encontre o primeiro motivo de sua surpreendente vitalidade. Limitemos nosso olhar ao século que acabou de termi- nar e que pesa em nossas costas e em nossa consciéncia: nos 21 MATTEUCCI, N. Positivism giuridico e costituzionalismo, in “Rivista trimestrale di diritto e procedura civile”, ano 1963, reed. Anastitica, Bologna, Il Mulino, 1996, p. 3. n PAOLO GROSSI seus inicios (1910), um civilista francés nao hesitou em falar do “renascimento do direito natural”,” enquanto um outro civilista, também francés, de conspicua espessura cultural, Frangois Gény, insiste (nos anos 20) sobre a “necessidade do direito natural”, sobre o “irredutivel direito natural”; logo depois da segunda guerra mundial os juristas catdlicos itali nos falaram unissonamente de um “direito natural vigente”,”* €, nos anos sessenta, reiterou-se 0 “eterno retomo do direito natural”, enquanto um fildsofo de clara inspiragao liberal, Carlo Antoni (1896-1959), quase que escreveu o proprio tes- tamento espiritual ao dedicar um ensaio bombistico e debati- do 4 “restauragdio do direito de natureza”,”* interpretando-o como um sinal do primado de uma ética da consciéncia indi- vidual contra a ética da lei. O enquadramento tedrico dado pelo filésofo nos permi- te introduzir a questo de modo mais direto para a compreen- s&o de uma real cifra histérica [A idéia do direito natural deve ser colocada em estreita dialética com aquela do dircito posi- tivo. Ou melhor: o recurso confiante ao direito natural deve ser estritamente correlacionado ao modo vinculante com 0 2. CHARMONT, J. La renaissance du droit naturel, 2*ed., Paris, Du- chemin, 1972. 23. GENY, F. Science et technique en droit privé positifi, Paris, ° Par- tie, Sirey, 1924-27. 24 Diritto naturale vigente, Roma, Studium, 1951. Tema retomado pelos mesmos juristas catblicos italianos: Diritto naturale: verso nuove prospettive, Atti del convegno, Roma, Milano, Giuffré, 1990, com introducao geral de Sergio Cotta, 9-11 dezembro 1988. 25 ROMMEN, H. Die ewige Wiederkehr des Naturrechts, Miinchen, Késel, 1963 26 ANTONI, C. La restaurazione del dirito di natura, Venezia, Poz- 22, 1959, _ PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO RB qual 0 mundo moderno entendeu e realizou o direito positi- Yo; a confianga (ou, se quisermos, a ilusio) no direito natural caminha a pari passu com a desconfianga (ou, se quisermos, com a desilusio) no direito positivo.\ ‘Mas o que se quer dizer com este tiltimo sintagma? Quer- se dizer 0 direito posto (ius positum) ¢ imposto por uma auto- ridade formalmente legitimada a exercitar sobre um certo territério poderes soberanos; um direito positivo que — nos seja perdoado o trocadilho foi entendido de modo positivis- ta no mundo moderno como o tinico possivel, exaurindo em si toda forma de juridicidade e identificando-se com aquele estatal. Um direito tomado como bom desde que fosse prove- niente da autoridade soberana, sem um controle sobre os con- tetidos, mas apenas com o controle sobre 0 sujeito de proveniéncia e sobre os procedimentos formais com os quais se consolidava a norma. Monismo juridico, dissemos mais acima; em suma, uma 86 face do direito. O problema aparece em todojo seu lado tragico quando aquela face se deturpa ¢ assume aSpectos ter- rificantes; ¢ isso nos ensina bem a experiéneia do século XX us regurgitares jusnaturalistas. Ligados — estes —ou a profunda, ou a transtornos da juridicidade provocados por aberrantes ditaduras. Na Itélia do pés-primeira guerra mundial, se um filoso- fo do direito no hesita em recorrer explicitamente aos prin- cipios de direito natural como instrumento para preencher as lacunas do ordenamento positivo ¢ para consentir um ade- quado desenvolyimento juridico,”” um estudioso do direito comercial, ou seja, daquele ramo mais imerso na coneretude 27 DEL VECCHIO, G. Sui principit generali del diritto (1921), agora em idem, Studt suldirito, Milano, Giuflré, 1958, vol. 1 7% PAOLO GROSSI da realidade econémico-social, considera dever reconhecer na “natureza dos fatos” uma providencial fonte de dircito. “Natureza dos fatos”, ou seja, um direito natural certamente nio revelado por uma entidade metafisica nem lido no cos- mos como a geometria que o minerdlogo percebe no interior dos cristais, mas surpreendido na consciéncia coletiva hist rico-social, * ou seja—em todo caso —o recurso a alguma coi sa que esta além do direito positivo oficial e formal, Mas é na Alemanha nazista e pés-nazista que o direito natural aparece como a tinica salvagdo diante de uma positi- vidade juridica que ¢ violéncia e tirania; e é neste clima que se contrapée um gesetzliches Unrecht a um iibergesetzliches Recht,{uma lei positiva que é nao-direito ¢ anti-direito pela sua intolerdvel iniqiiidade a um direito auténtico, ainda que colocado além da positividade estatal nazista;” ¢ é singular que, na Alemanha, seja nfo somente a reflexdo tebrica mas a propria jurisprudéncia pritica (sobretudo da Corte constitu- 28 ASQUINI, A. Le natura dei fatt come fonte di dirtto (1921). agora em idem, Seritt giuridici, Padova, CEDAM, 1936, voi. L 29 Assim RADBRUCH, G. Geseisliches Unrech? und iibergesetzl- ‘ches Recht, agora em Der Mensch im Recht. Ausgewaihlte Vortrige und Aufsdtze ber Grundfragen des Rechts. Gottingen: Vandenho- ‘eck u, Ruprecht, 1957, Radbruch, jurista e homem politico perse- guido pelo regime nazista, tina editado ja em 1941, fora da ‘Alemanba, justamente numa revista italiana, um artigo, devida- ‘mente traduzido em Lingua italiana, intitulado La natura della cosa come forma giuridica di pensiero (confira-o em Rivisia internazio- nnale di flosofia det dirtto, XX1, 1941); artigo republieado na lin- gua matema do autor, logo que passou a borrasca bélica © Eis também o thotivo pelo qual, entre os varios filosfos que feriamos podido mencionar, aludimos 53. Assim se intitula uma parte relevante do volume citado na nota pre- cedente. PRIMEIRA LIAO SOBRE DIREITO 9 somente a Gadamer;pela sua atenco a problemitica juridica foi o mentor privilegiado de juristas ¢ o natural cordao umbi- lical entre reflexio filosofica e reflexdo juridica. Gragas a esta— que chamarei —consciéncia hermenéuti- cca (que gostaria de ver engrandecer no espirito de todo juris- ta, © traduzir-se num afrouxamento das malhas muito apertadas que resistem no direito oficial italiano) existem al- gumas conquistas relevantes que devem ser sublinhadas direito consiste numa perene dialética entre “manifestante” e intérprete/aplicador, entre norma e experiéncia juridica; o “manifestante” sem intérprete/aplicador, se ndo é mudo, fala consigo mesmo e é privado de comunicagao com a socieda- de, porque interpretagdo/aplicago, ao tolher generalidade ¢ abstragao da disposigao, submerge-a no concreto da histéria, faz. dela historia viva, faz dela direito. A enorme conquista epistemolégica, ainda que para 0 fechado universo dos juristas, implica alguns basilares resul- tados: a consciéncia da loucura que foi ter-se concebido 0 texto normativo como independente (na sua generalidade ¢ abstrago) do caso conereto que deveria ter disciplinado; a convieeo emancipadora no sentido de que 0 momento rele- vante € 0 fato da vida em torno ao qual e para o qual o texto é interrogado pelo intérprete; a consciéncia de que a atualidade mais substancial nio & aquela do texto — quem sabe remonté- vel a 1931, como o cédigo penal italiano vigente - mas aque- la do intérprete/aplicador, voz da sociedade na qual incidira a disposigZo, com a conseqiiéncia possivel de que ela pode ser interrogada e transformada por contetidos diversos daqueles abstratamente pretendidos pelo “manifestante”; o cardter in- completo ¢ inacabado da regra abstrata, que se completa so- mente gragas 4 interpretagdo, num processo que integra previsio universal e aplicagio particular; a complexidade, 100 PAOLO GROSSI mas também a perfeita unidade do processo de produce do direito, processo que se aperfeigoa somente com o momento interpretativo, que é momento absolutamente interno aquele processo. O resultado, que pode parecer paradoxal a quem est ha- bituado com cAnones velhos ¢ envelhecidos, ¢ que 0 verda- deiro direito positivo nao é aquele posto por uma autoridade legitima, mas sim aquele que a interpretagao/aplicagao sub- merge na positividade da sociedade e torna substancialmente e nao sé formalmente positivo. Valoriza-se 0 intérprete como intermedidrio e enquanto voz da comunidade; 6 a co- munidade, por essa raziio, a ser valorizada, ¢ deixa de ser re~ banho passivo de destinatarios de comandos repressivos; ¢ valorizada a efetividade do consenso presente nos membros da comunidade que o intérprete exprime. Tragos desta agitagao profunda nfo so constataveis atualmente somente na retlexio filoséfico-juridica ¢ te6ri- co-juridica, mas na propria atitude dos juizes comprometidos com uma obra que & criativa da ordem juridica em diversos aspectos: tem-se um verdadeiro uso de meios supletivos em zonas nio suficientemente ou no adequadamente discip! das pela lei, com adaptagies evolucao econdmico-social: tém-se antecipagdes de desenvolvimentos futuros dando ves- tes — de algum modo oficiais ~ a institutos experimentados em paises estrangeiros ow na simples praxe cotidiana; elabo- ram-se principios com a aplicacao extensiva de “cliusulas 54 Denotivel importincia é o volume de ensaios organizado sobre ‘© tema por um inteligente filésofo italiano do direito. Cf ZACCARIA, G. (org.), Diritto positivo e positivité del diritto. To- rino: Giappichell, 1991. Leia-se ao menos a perspicaz apresenta- (980 do proprio Zaccaria. +, PRIMEIRA LIGAO SOBRE DIREITO ot gerais”;** apdia-se com desenvoltura no instrumento da eqiii- dade, que a dogmitica burguesa pretendia que ficasse reser- vada ao legislador e negada ao juiz;** usam-se sabiamente meios técnicos ja corroborados pelos Antigos Romanos tais como “presunges” e“ fiegdes”.” A ordem judicidria tomou e est’ tomando lentamente consciéncia de dar vida a um direito vivo que ladeia um escle- rotico direito oficial. Seria interessante seguir suas miltiplas ‘manifestagdes, mas a indole introdutiva do nosso pequeno vo- lume nao 0 consente. Gostariamos de assinalar aqui ao leitor iniciante apenas uma decisfo judicial autorizadissima. E da Corte Suprema de Cassagao, ou seja, da maxima autoridade judiciéria italiana, com um cardter orientador para 55 Com a expressio “cléusulas gerais” quer se dizer aquelas remis- ses que 0 legislador faz a nogSes pertencentes & consciencia cole- tiva (boa-fé, bom costume, usos do comérco, diligéncia do bos: pai de familia e assim por diane), indicando desse modo ao juizum seservatrio entra iegem a ser consaltado para as prépras decisdes 56 Porque, como demonsnici de importincia da speifcidade do caso conecreto em face da previsio abstrata do legislador,trava vi- gor desta itm eo stribuia ao juiz, conferindo-the um espaco e um papel que a rigidissima divisio dos poderes do absolutismo jurdi- co liberal no consentia. Para uma visio desenvolta da eqiiidade, fora dos condicionamentos da velhatradiglo, leis-se as paginas de tum filésofo do direito: CHIODI, G. M. Equitd. La categoria rego- lativa det dirt, Napoli; Guida, 1989 + 57 Os poucos acenos contidos no texto podem ser integrados (e tam- 'bém melhor esclarecidos) pela letura de um volume denso ¢ rca inspirado num amplo folego cultural e numa sensibilidade muito viva com relagdo ds mudangas atuais,redigido por um inteligente cultor do diteto civil: ALPA, G. L'arte di giudicare, Roma Bat, Laterza, 1996. . 102 PAOLO GROSSI a inteira ordem juridica italiana, e remonta a 1994: fazendo eco ao grande debate hermenéutico, a Corte faz uma distin- cio entre a disposigdo, “considerada parte de um texto ain- da nao fortalecido pelo trabalho interpretativo” ¢ a norma, entendida como “texto ja submetido a elaboragao interpre- tativa relevante”, concluindo com uma observagio notabi- lissima: “Tais operagdes interpretativas determinam a formulagao de um “direito vivo’ em continua evolugio que acaba sendo mais ou menos diferenciado do origindrio sig- nificado da disposigio escrita introduzida em uma certa época do legislador."* | Buma decisdo que nao tem necessidade de comentarios, que demonstra como aqueles juizes estavam mergulhados n0 seu tempo e que demonstra sobretudo @ crise da lei ¢ a sua transformagao, de matéria durissima incontestavel pelo de- vir historico em matéria mais elastica ¢ mais disponivel. Com a conseqiiéncia de uma legalidade fluida. ‘Um comentario para encerrar, porém, devemos fazer. A ureza da lei fechava, reduzia, sacrificava, mas tornava tudo muito simples. Agora que os desenhos claros do passado se tomaram esfumagados e também confusos, © papel do j (de todo jurista, tedrico ou pritico) é ativo e complexo, mas seguramente também complicado. De fato, o jurista italiano (0 jurista do civil law em geral) tem ainda que se confrontar com uma estrutura de leis ¢ e6digos sustentados por um resis- tente equipamento que todo conservador nfo deixa de inv cat como poderoso chamamento, is divindades protetive 58 Cassagdo Civil, Sogo plendria, 2 de agosto de 1994, n° 7194, rl Carbone, in Corriere giuridico, 1994, p. 1.342 (com comentirio de A. Pizzorusso. PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO 103 divisio dos poderes, legalidade, hierarquia das fontes, certe- za do direito e assim por diante. O mister do jurista nao serd facil no futuro préximo, mas deverd ser encarado com uma carga interior de esperanga e de confianca, préprias daquele que sabe ter reconquistado um papel central na sociedade. Daquele insubstituivel orde- nador que ¢ o jurista se haverd muita necessidade no futuro. ‘Com uma condigdo, porém: que ele deponha as vestes de ser- vil exegeta de um texto legislativo tomado como texto sacro e sinta-se realizador daquela historia viva que € 0 diteito, 15. Um Esclarecimento Conclusivo: Direito ¢ Direitos Até agora falamos de “direito” no singular, querendo re- ferir ao tecido social ordenado, aquele arranjo organizado e obseryado que constitui o ordenamento juridico. E uma realidade objetiva, que nos foi proposta pela ima- gem da rede, realidade compiexa na qual o sujeito singular encontra um nicho protetivo ¢ também uma completa possi bilidade de expresso, mas na qual aquilo que é relevante é a dimensio objetiva fundada sobre a interconexdo de situagdes ¢ relagdes. Existe, todavia, também uma dimensao juridica subjeti- va que diz respeito a situagao e a posigdo de um sujeito dentro do ordenamento, sobretudo A sua liberdade dentro deste, ja que nao se deve nunca esquecer a ligdo do jurista Hermogeni- ano, citado no inicio destas paginas, segundo o qual o direito nasce ¢ existe hominum causa, ou seja, entre homens e para os homens. Eos juristas, na sua minuciosa gramética juridica, falam de “poderes”, “direitos”, “faculdades” ¢ “interesses”, dos quais 0 sujeito ¢ e deve ser titular e dos quais o ordenamento 104 PAOLO GROSSI deve ser garante. Nestas paginas de iniciagio nfo podenios fornecer indicagdes mais precisas sobre as especificas dife- renciagdes oportunamente levadas a cabo pela ciéncia juri- dica na sua escavagdo milenar; o iniciante as encontraré bem expostas nos tantos excelentes “manuais” institucionais, elementares, de direito piblico e de direito privado, que de- vera estudar no seu primeiro ano universitario, e 0 mesmo podera fazer o leitor nao-estudante desejoso de saber mais sobre o tema. ‘Nesta sede preme unicamente assinalar que, a0 lado do “gireito” entendido na sua objetividade, deve-se também to- mar consciéncia daqueles que chamaremos genericamente “direitos”, com uma indicago plural que se refere as tantas situagdes juridicas das quais o sujeito tem necessidade para ‘viver totalmente a sua experiéncia juridica, e que merecem adequada — ainda que muito variada — protegao.” Deste aspecto subjetivo fala-se insistentemente no mun- do modemo e pds-moderno desde quando — em primeiro lu- gar no século XVII na Inglaterra ¢ depois no século XVII nos Estados Unidos ¢ na Franga ~ redigiram-se até mesmo “Cartas de direitos”. Destes “direitos” a nossa Constituigio de 1947 fala com uma alta linguagem e sobre eles hi um cer- rado debate na nossa Comunidade Européia, em vista de uma Carta de direitos fundamentais da Unido Européia, aprovada no final de 2000 pelo Parlamento europeu e pela Comissio, usualmente chamada “Carta de Nice”, porque foi proclama- da em Nice em 7 de dezembro de 2000. 59 Somente para maior clareza, fagamos alguns exemplos entre os rmaiores ¢ mais relevantes: aqueles ligados a livre expresso do pensamento, a liberdade religiosa, & livre circulagio ¢ assim por diante. mom, PRIMEIRA LICAO SOBRE DIREITO 105, Remetendo, pelas limitadas exigéncias deste opiiscu- lo, as tantas reflexes que se desenvolveram muito recente- mente, queremos concluir com uma exortagio. Esta insisténcia sobre “direitos” deve ser valorada positivamen- te; € 0 sinal de uma civilizagao juridica que quer renegar as aberragdes contra o sujeito e suas sacrossantas liberdades, ocorridas em um passado até mesmo recente, liberdades es- tas que muito freqiientemente so conexas a sua dimensao moral, religiosa e cultural e que, portanto, devem ser tutela- das de todas as maneiras. Dito isto, creio, porém, que se deva ter cuidado com uma énfase excessiva que leva a tornar absoluto cada “direi- to”, ndo s6 aqueles essenciais & “pessoa”, mas também aque- les de indole econdmico-social conexos ao individuo, ou seja, projecdo socioecondmica da pessoa; e é uma énfase que, para além dos projetos dos tantos proclamadores, pode evar a posigdes individualistas nfo muito diversas daquelas manifestadas com tanta clareza no curso do “moderno”. E eis a exortagio com a qual eu gostaria de encerrar 0 nosso optisculo: no esquecer nunca que estes direitos si0 conferidos ao individuo, porém nfo enquanto ilha solitaria, mas um ao lado do outro e de muitos outros; so conferidos _ 60 Uma primeira excelente Ieitura pode ser constituida pelos “mnamuais” deCARETTI, P. [dirtto fondamentali. Liberta e diritti sociali, To- ring, Giappichell, 2002. Devem ser assinaladas algumas relevan- tes reflexdes coletivas: FERRAJOLL, L. Diritti fondamentali. Un dibatito teorico, a cura di E. Vitale, Roms-Bari, Laterza, 2001; FERRARI, G. F.(a curadi). {diritti fondamentali dopo la carta di Nizza. II costitwzionalismo dei diritti, Milano, Giuffté, 2001; VETTORI, G. (acura di). Carta europea e diriti dei privai, wecEDai 2002. aes Martone: 106 PAOLO GROSSI a0 individuo enquanto sujeito inserido numa comunidade historicamente viva. Com duas conseqiiéncias muito importantes: que a situ- ago juridica subjetiva se enerva num tecido de relagGes in- tersubjetivas; que aquela situagio no é de se considerar ~ utilitariamente — como simples posi¢o de proveito individu- al, mas que se trata sempre de uma posigtio complexa que geta inclusive uma situago de dever. A minha pretensio em relacZo ao poder piblico e em relag3o aos outros se legitima somente gragas ao dever que simultaneamente venho a ter em relagio a0 poder piiblico e aos outros. Em suma, pode-se e deve-se falar de direitos, mas niio separadamente dos deveres que competem a cada um de nés. E meu dever que opera um resgate social do meu direito, por- que é s6 gracas Aquele que este se torna parte integrante da sociedade, £ um chamamento a uma visio que reconduza es- tes direitos num ventre mais amplo e sobretudo mais comple- xo do que tena feito (ou niio tenha podido fazer) a recente Carta européia de Nice. Portante: plenamente de acordo com a aposta nos direi- tos, mas isto deve ser feito também sob o signo de uma ética da responsabilidade. INDICE SISTEMATICO Sumério ese Predmbulo. 6.0.6. eevee 1-0 que éo Dircito? . . 1. O dizeto ente igndtincia, desentendidos ¢ incompreensdes 2. As razbes hist6ricas dos desentendidos e incompreensdes O inicio de um resgate: humanidade e socialidade do direito, Sobre a génese do direito na indistingo do “social” . ‘Um primeiro resgate: 0 dircito exprime a sociedade e nio 0 Estado 6. Um resgate importante o dreito como “ordenamento” do “social” . : 7. B como “observancia”: 0 direito como ordenamento “observado” . cs 8, Ainda sobre observincia no diteito: o direito, regra imperativa? 9, A qualidade da observancia do direito e uma comparacio preciosa: direito ¢ inguagem 3 10, Direitoe linguagem como complexos “institucionais” 11. 0 direito como “ordenamento juridico” ¢ a sua vocagi pluralista, I~ A Vida do Direito 1. Um conciso tragado do nosso itneririo . 2 As estas do cen Adhd Anta “dieito romano”. . . aades 3. As eras histéreas do direit, A Idade Médis: 0 “direito comum”. u 2 29 35 35 37 4 a ce 108 PAOLO GROSSI 4, As eras historicas do direito. A Idade Moderna: a diferenga histérica entre “civil aw” e “common law". 48 5. As eras histbricas do dircito. Além do modemno, até a atual i “globalizacio juridica” 56 6.05 espagos do direto, Um espago geogrifico: oterrtério 62 7. Os espacos do direito. Espacos imateriais: a sociedade .. 65 8. Historicidade do direito e suas manifestagBes 2 OT 9. As manifestagdes do direito. O direito natural... . . 70 10, As manifestagdes do direito. A Constituigio. . . . 5 - 7 11. As manifestagdes do di 3 12, As encamagies do direto: duas palaras preliminares para esclarecet...... - eee 89 13, As encamacdes do diteito: o costume 1 14, As encamagdes do diteito: a “intepretacio/aplicagio™ 34 15, Um eselarecimento conclusivo: direito e direitos. 103

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