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opi © Mat onion Copymgnt da io basta © 2017 Realagios Thdo cig Miancarts Migraaaantes tor Eeson Mae de eer Fito Prod ects capa projets reo Reales Esore Prearagt de to Tem Gente Demais pane NESSA MERDA | ‘ata Almeida de S& de Barco ou lei (ORRTICIOMOET | CercaseMuros | t-te fen 2. Toto Use eps tus Ti, | cop. 7ez0Hen a1) eee MATEL ViSniec | ges Etre, Lara Ds ‘TRADUGKO: LUCIANO LOPRETE oa Fraga Pt, 496 - So Paulo | to‘ pea po ay Sen Foe eo 2007. os ps de aot ‘ania Sten So eben Nes. Oppel dori Sata av 909,20 daa eres” cto sere 209. ee ee -_- SUMARIO Prefécio | 7 Nota sobre autor | 17 Roteires | 19 ‘As Personagens | 25 MIGRAAAANTES | 27 Conas de Reserva | 141 PREFACIO No calor da hora: @)migrantes e 0 futuro adiado ADISTOPIA GLOBAL Migraaaantes € uma peca urgente ~ marcada pela atualidade incontornével do tema. Na apresentagio do texto, Matéi Visniec esclarece o sentido da urgéncia com a agudeza habitual de suas reflexdes: Essas centonas de milhées de pessoas lembram 40 Ocidente que seu modelo econdmico, politi- co e cultural se globaliza mal. £ um modelo que | mente num perimetro restrito de tere xa habitavel, enquam a0 “banquete dos pr £ seguramente uma injustica pela qual os inspi- radores desse modelo, os ocidentais, devem hoje | pagar a conta,! | Paradoxalmente, o lado sombrio da globalizagao veio & luz do dia no fluxo incessante de corpos que, des: territorializados, vagam de fronteira em fronteira em. Fe asi, 20, | busca de condigées minimas de sobrevivéncia. A res- posta da quase totalidade dos Estados eucopeus tem sido confinar esses corpos, indesejaveis ¢ impertinen- tes pela sua mera presenca, em auténticos campos de concentragdo, disfargados de acampamentos “huma 4rios”. Isso para ndo mencionar que, do outro lado lantico, 0 magnata tornado presidente prom construir um gigantesco muro, « fim de mantei migeantes mexicanos (hispano-americanos, em geral) loge dos Estados Unidos. Na Europa, mais parcimo- niosos, governantes improvisam cercas improvéveis, tecidas com arames farpados de triste meméria, A ironia do procedimento € to perversa que deve ser assinalada, Nio importa o nome que se dé ao fendmeno histéri co ~ globalization ou mondialisation -, tampouco @ cronologia de sua ocorténcia ~ se principiou com as Grandes Navegagées no final do século XV ou mais propriamente com o neocolonialismo oitocentista. Em todo caso, o elemento decisivo refere-se & circulagio, em escala planetéria, de mercadorias, dados, tecno- logias de informacio, unidades monetérias, moedas, corpos ¢, claro, doencas. (Nao se esqueca: virus também viajam.) A utopia da Unido Furopeia, materializada numa me- © euro, tem como fundamento in- ia do trénsito livre ¢ permanente no interior desse cireuito simbélico ch ocidental. Conter corpos com a bi ferenca viriméria, que termina por reduzir seres hx manos a condigio de matéria descartavel, condena 0 projeto a um melancélico desfecho. tonimia fiducid: contorndvel a ego dramaturgla | 8 | mati sae A gravidade da situacSo contempordnea foi anunciada pela reflexdo de Aimé Cesaire: Uma civilizaggo que se mostra incapaz de resolver (os problemas que o sen fancionamento suscita € seus problems mais cruciais é uma civilizagio enfeema. ‘Uma civilizago que trapaceia com seus principios € ama civilizago moribund, bel A Europa é indefensdvel © Discours sur le colonialisme foi langado em 1950 No cendi ige das Tuta pele descolor do século XXI, Matéi maximo a intaigao do poeta-pensador da Martinica: hoje, 0 que no se pode mais defender, mais que um continente determinado, ou uma poténcia isolada, é © sistema-mundo, ele mesmo, tal como se configurox a0 longo do processo de padronizagéo planetéria, cujo auge coincide com seu colapso. {No fundo, poderia ser diferente?) Comédia demasiadamente humana, a globalizacéo ex- cluiu o Paraiso, a ndo ser para os happy few (sempre em menor ntimero}, tornando 0 Purgatério a Gnica parada dessa longa jomnada noite adentro, Dai a ambi- guidade cruel do Coiote dk da Costa Editors, 1978, p13 (grifo do au * Tmmanuel Wallertein, World Systams Analysis: An Introduction. Durham, North Carolina, Dake University Press, 2008. rigetantes | 9 matt vniee © COIOTE: Escutem, meus irmaos... Amanha vo- as terras da Europa. Vocés vio cts estarao pisa vver como so seus sonhos..* Canad as avessas, apds a imprevisivel travessia de de- i sertos liquidos, chegar aos portos europeus significa permanecer ancorado no tempo vazio de um espago f cerceado por todos os lados. (Mlha seca que desmente John Donne.) © progcama de contencio de movimentos nao é inédi- to, Uma exposicao recente no Musée du Quai Branly, Afrique des Routes, reconstroiu com primor a mith rotas e de deslocamentos que atravessaram 0 ce africana desde a emergéncia do homo sa- is, espécie ndmade por exe para todo o planeta em ondas sucessivas. Leiamos 0 catdlogo: Durante millies de anos, ¢ até a colonizagao, que tina como um de seus objetivos estabilizar esses jmentos, 0s povos africanos circularam. J Testemunham essa cisculago a dispersd idiomas e os sincretismos culturais rovelados pela disseminacdo dos objetos.* ie nase lito, p39, © Gaélle Beaujean & Catherine Coquery Vidroviteh, *L Afrique de Routes, Pourquoi?”. In: L’Afrique des Routes. Histoire de la Circulation des Hommes, des Richesses et des dées & travers le Continent Africain, Catherine Coguery- Vidroritch (org,). Paris, Musée du Quai Branly/Actes Sue, 2017, p. 9 (grifos dos autores). © Ocidente[.] se globaliea mal - Visniec razio, i Mais: O Ocidente [..] se globaliza mal desde os pri- meiros passos da globalizacio. © autor vai além dessa constatagio necessari jetando o dilema presente no curso da histéria con- temporanea: a Primeica Guerra Mundial, a Segunda Guersa Mundial, 0 comunismo, 0 nazismo, o liberalismo, o ultraliberalismo, a financeirizagao da economia, a globalizagio, a revolugio informatica, a espeta~ cularizagéo da informagio, a facebookizacio da ‘comunicasdo, a govglelizacdo do saber, ¢ micro: softizacao do ser humano..' Reificacdo soberana, que cinge a promessa de rede, solidaria 4 nogio de roteiros, & paradoxal fixide do ferso das redes sociais. 0 salto é arriscado, mas 2 experincia de pensamento que propicia é poderosa. I A colonizacio, a descolonizacio, a democracia, | Passo a passo. MUNDO DE PONTA-CABEGA? ‘No malabarismo das cenas que estruturam esta pega, ¢ que podem ter sua ordem alterada, dependendo da vi- sdo dos encenadores, e ainda cenas suprimidas ou acres- centadas (0 autor imaginou seis cenas, por assim dizer, Ver neste livzo, p16. ngcszartes 11 | matéusnibe a de reserva), Visniee transforma o cinismo dos governos europeus numa forma literdria de grande impacto. Isto é, neste texto, as promessas de uma globalizacio “feliz” sio sistematicamente apresentadas pelo avess0, isso por meio de situacBes que contrastam @ desumani- dade do teatamento dispensado aos (i)migrantes com a suavizagao artficiosa da lingnagem que a eles se refere. © titulo da pega, aliés, alude & estratégia que evoca a novilingua da distopia de George Orwel. Acompanhemos um didlogo que bem poderia ocorrer nos solenes sal6es politicos onde so tomadas decisoes de vida c morte, Literalmente (© ASSESSOR: Que o senhor esté artiscando mui- to pelo menos em trés ou quatro pontos. (© PRESIDENTE: Quais? O ASSESSOR: Nao sei se o senhor reparou, mas ‘a midia nunca usa o termo “imigrante”. Nem “clandestino”, (© PRESIDENTE: Entio, eles usam que termo? (© ASSESSOR: Eles usam o termo “migrante”,” Sublinhe-se a forga corrosiva desse didlogo socréti- co pelo avesso, pois, em lugar de gerar a verdade na boca do outro, aqui se trata de converter @ maiutica numa técnica de equivocos deliberados. O Assessor de Visniec é personagem de carne e sso na tragédia nossa de cada dia, encenada no palco da politica reduzida & "Ver neste lira, p50. coe deamatug (12 | matt sree ‘maguiagem de marqueteiros, preocupados unicamente com o resultado de eleigbes. ‘O ASSESSOR: Para ser coerente com sua visio eco- nomics, & preciso esquecer as palavras “imigrante” ¢ “clandestino”. “Imigrante” é alguém que vem de fora atravessa uma fronteirae s instala nom teri- t6rio onde € preciso respcitar os costumes, as regtas € as leis locais, Em suma, ele deixa win teit6rio chamado a casa dele” e se instala num outro lngar ‘onde cle nd estd na “casa dele, certo? (© PRESIDENTE: Sim. © ASSESSOR: |f 0 “migeante” esté na casa dele ‘em qualquer lugas, no planeta inteizo. Num mun- do globalizado, migea-se, desloca-s, todo mundo tem 0 direto de ir aonde quiser e quando quises.. E assim, o migrante fica sem a obrigagio de res- peitar o que quer que sea, porque ele se considera uum cidadio do mundo. E isso que a globalizacio pretende. Nés globalizamos a lagi or que, ent © direito das pessoas de se deslocar livremente? ‘Vale dizer, muda-se o vocabulério para que as relagies sociais permanecam como sempre foram. E exatam tea ilha de Lampedusa tornow-se o sfimbolo melanc co do fracasso da politica europeia para os refugiados. Confrontados com esse dado concreto, o que fazer? Ora, denominar migrantes os até entio imigrantes clandestinost Assim, semanticamente, tornam-se sujei tos livres para ressignificar suas vidas por meio de um Vex aste lio, pS, migrasares 1 18 mall vie trdnsito sem sinal fechado ~ ¢ todos correndo (is vezes nadando) para pegar seu lugar no futuro. Porém, a0 mesmo tempo, fixemsos os mesmos migrantes em cam- .dos, pois a circulagao intediata de tal niimero los certamente provocaria engartafamentos ics, No € verdade que as cidades mais de senvolvidas adoraram 0 sistema de rodirio de auto~ méveis para “orimizar™ (palavra-chavel) 0 trafico (de carros, nao seja 2 Por que nao adotar critério vizinho para os clandestinos, isto & migrantes? joso!) e diminuie a polu Dizia que 0 salto € arriscado, mas a experiéneia de ‘pensamento que propicia é poderosa. Enraizados a contragosto, como se fossem plantas que falam, surpreendentes sofistas com recursos linguisti- cos limitados, os migrantes tém acesso aos mais mo- demos meios de comunicagao: iPhones ¢ iPads a mao, sabem que 0 paraiso € bem bacana — basta driblar @ teia de arame farpado. ‘Nessa iha de maravilhas tecnol6gicas, que dizer do sofisticado aparelho, de design delicado, cuja funga0 é detectar a presenga de refugiados pelo controle dos batimentos cardiacos? Tes atraentes vendedoras apresentam a novidade, num jogral cuja melodia deve ser encantadora: © svn Aratrcles basoou decreas 0 deseo dos sofas do ter sirério do pensamento: "[_- un tel homme, en tant qu'il est. Gemblée peril une plamte”. Barbara Cassin & Miche! Narcy. Decision die sens. Le vee Garnma de la Métaphysique e'Aeisrore, introduetion, texte, adnction ee commentaire Pris, Libratie Phe losophique J. Vein, . 125. folegcoeramaturgta 14 | até sles AS TRES JUNTAS: Quanto ao prego do nosso pro dato, podemos garantir que € perfitamente acessirel, «© voot pode pagar em duas ou trés vezes, ean juros.! Afinal, se a globalizagio é o modus operandi do mer- cado sem mercadolégica? * Tado se aclara: a circulagio nao é a finalidade da glo- balizagao, mas apenas o meio mais eficiente de acumu- lagdo, que permanecerd imobilizada em poucas méos. Nesse horizonte, sempre mais estreito, se desenvolve tum dos momentos mais intensos da peca. De novo, trés jovens buscam seduzir possiveis compradores para uma alternativa tanto pragmatica quanto, diga- mos, “estética” para a contencio dos mignantes: GAROTA 2: A Furopa é isso? Projecto: cercas monstruosas na fronteira servo- ~bingara. GAROTA 3: Sio esses 05 n0s805 valores estéticos? GAROTA 1: E essa a imagem que estamos mos- trando ao mundo? As irés juntas: Que vergonha para nossos dirigen test E que vergonha para todos né GAROTA 2: Onde esta nossa criatividade? GAROTA 1: Onde ésté nosso gosto pela insoléncia? GAROTA 3: Mas ndo seja por isso! GAROTA 1: Nossa empresa Ago ¢ Ternura... GAROTA 2: ..oferece um produto novo € total- mente revolucionario ® Ves neste lito, p37, AS TRES JUNTAS: ...um arame farpado mais humano.! ‘Uma cerca viva, pois. de migrantes, lado a lado, impedindo que outros mi- Ihares de migrantes atravessem fronteiras; pois, ao fim © a0 cabo, “0 futuro deles jf estd condenado”.® ‘Mas nao o presente —talver. Hi ainda um gesto que, estrada menos trilhada, pode fazer toda a diferenca: ler este texto; encenar esta pea. (Expor-se & experiéncia de pensamento Matéi Visniec.) Joo Cezar de Castro Rocha salogedramatrge 116 | mtd esee NOTA SOBRE © AUTOR Exilado politico, expulso da Roménia durante o regime comunista de Ceausescu, Matéi Visniec & jornalista da Radio France Internationale (RFT) desde 1990, Antor pro- lifco de teatro, jé esteveem cartazem cerca de trinta paises, ia (Piccolo Teatro di Milano), Gra-Bretanha Vic Theatre, de Londres), Polénia (Teatro Stary, da |, Tarquia (Teatro Nz mo Gérlci, de Berlim), Israel (Ieatro Karoy, de Tel Aviv), Estados Unidos (Open First Company, de Hollywood), ternational de Langue Frangaise, Theatre da Guichet Montparnasse, Théétre de POpprimé... Nascido no norte da Roménia em 29 de janeiro de 1956 sob o regime comunista de Ceausescu, logo des- cobre um espaco de Mais tarde, residente em Bucaresce para estudar floso- fia, orna-se ativo na geracio dos anos 1980, que nessa década causou alvorogo na paisagem poética ¢ literé- ria da Roménia. Ele acredita na resisténcia na capacidade da literatura de demolir 0 totalitarismo. E que sobretudo o teatro ea poesia podem denunciar a manipnlacdo das pessoas pelas “grandes ideias”. lcural & ‘Antes de 1987, ele se afirma, na Roménia, com sua poe- sia depurada, licida, dcida. A partir de 1977 ele deixa a Roménia, chega & Franca ¢ pede aslo politico. Redige,na Ecole des Hautes Erudes en Sciences Sociales, uma tese sobre a resistencia nos paises do Leste Europe, na época comunista, ¢ comega a escrever também pevas de teatro em francés, Entre 1988 ¢ 1989, BBC, ea partir de 1990 na Radio France bute Depois de um primeiro sucesso no festival Journdes des Auteurs, organizado pelo Théatre des Célestins de Lyon, em 1991, com sua peca Les Chevaus & la Fenétre [Os Cavalos na Janelal, Matéi Visniec foi des- coberto por vérias companhias, ¢ suas pegas foram ‘montadas em Paris, Lyon, Avignon, Marselha, Toulow- se, La Rochelle, Grenoble, Nancy, Nice... Arualmente, Matéi Visniec conta com numerosas monta- .gens.na Franca. Cerca de trinta peyas suas escritas em fran cis foram editadas (Lensman, Actos Sud-Papiers, LiOeil du Prince, LHarmattan, Espace d'sm Instant, Crater) Na Roménia, depois da queda do comunismo, Maréi Visniec se tornou 0 dramaturgo vivo mais encenado. © Teatro Nacional de Bucareste montou suas pegas ‘A Maquina Tehekhou © A Histéria do Comunisrao Contada aos Doentes Mentais, Tem também trés 0- mances editados no pats. colegkedrematrgia [30 | mati verae ROTEIROS a j Siria, Iraque, Libia, outros lugares onde a vida j& ndo € compativel com a ideia de fururo. Eles so milhdes. Quantos milhées? Nao se sabe. Chamados de “migrantes”, tém uma s6 coisa em mente: a vontade de chegar & Europa. “Refugiados: a Europa se desintegea”, “Refugiados: a morte clinica da Europa”. Foi com manchetes como es- | Le Monde, bem como toda a imprensa sou no fim do més de feverciro de 2016 © fendmeno do fluxo migratério. Grande mudanca de atitude se pensarmos que em setembro de 2015, depois da mozte por afogamento no Mar Egeu de um menino sirio de origem curda de cinco anos chamado Aylan, toda a imprensa saudava a generosidade com que 2 Alemanha ~ principalmente Angela Merkel ~ abria os bbragos para acolher 1 milhao de refugiados... Em apenas cinco meses a Europa entrou em pénico. Os responsiveis politicos, e « opinido piblica, entende- ram que no planeta ha cerca de 80 milhdes de pessoas que vive cm regides em guerra ¢ tém o diteito, em jo, de pedir protego internacional e, logo, asilo ‘ona Europa. As fronteiras comegaram a se fecha, ‘o simbolo do arame farpado ressurgiu das entranhas de pesadelo da historia. A Europa ndo sabe 0 que acontece ‘com cla, nio sabe o que deve fazer, ¢a tentacio é grande de rencgar seus valores (live circulagéo, direitos huma- nos, sociedade aberta, et.) a fim de deter os milhies de candidatos ao exilio que estdo a carninho. Pergunta: serd que 0 teatro pode se tornar um espaga de debate sobre esses temas? Sim, é a minha resposta, e € por isso que abri este can- teizo, isto 6 a escrita de uma peca sobre os migrantes. Como jornalista da Radio France Internationale, fico simplesmente “mergulhado” em informagées € repor- tagens que envolvem os migrantes. Eu préptio desco- bri, depois de minhas viegens & Grécia, Itélia, Hungria ou Gra-Bretanha, algumas “realidades". Minha inten- do é usar esse “material” para tentar entender as-mo- profundas de uma grande mutaggo humana, cultural e geopolitica. Estou convencido de que nio 10 de um “fe- némeno migrat6rio de uma am recedentes”, mas de um tipo de “revolugio do compartlhamento”. ‘Uma gigantesca revolta passiva se esconde atras desse movimento (motivado também pelo instinto de sobre- vvivéncia). Essas centenas de milhoes de pessoas lera- bram 20 Ocidente que seu modelo econdmico, politico cultural se globaliza mal. f um modelo que funciona somente mum perimctro restrito de terra habitével, en- quanto o resto do planeta assiste 20 “banquet dos pri- vilegindos” na televiséo... E seguramente uma injustica pela qual os inspiradores desse modelo, os ocidentais, deve hoje pagar 2 conta. A revolugdo a qual se assiste 6a da “reportager de acesso 8 felicidade no mundo”. Mas 0 teatro no adota nem a linguagem politica nem ada sociologia ou a da pedagogia para avangar em seu lage dramaturpa | 20 até ses trabalho de compreensio, para estimular a reflexiio e eventualmente despertar consciéncias. Em minha peca, composta por meio de médulos, pro- ponho cenas curtas e situacoes dramaticas (inspiradas ‘em fatos reais) nas quais tento sugerir o grande dilema ‘moral no qual se encontra « Europa. Mas, sobretudo, ‘tenho vontade de captar nessa pega o lado emocional € bumano que se desenvolve diante de nossos olbos, digno do antigo teatro grego, em que o homem se con- fronta com a forca implacvel do destino. Exemplos de noticias que se tornam “material” para minha pega: Em Munique, a prefeitura decidiu explicar as re- gras de convivéncia na piscina piblica com dese- thos: “Nao se empurram as pessoas para dentro da agua”; “O respeito & devido igualmente a todas as mulheres, seja qual for sua vestimenta, maié, dduas-pegas ou biquini”. Mas os “gaias de boa conduta”, que deveriam aju- fugiados, deixam entender que o fosso, 3s o grande entre as duas culturas: “Sor- iderado tentativa de paquera”; “Uri- Usar roupas curtas como minissaia € normal”. “Nao é educado ob- servar essas pessoas com insisténcia”, Ié-se em um deles, o Refugee Guide. (Le Figaro, 26/1/2016.) Num artigo publicado no Libération (11/2/2016), © escritor dinamarqués Carsten Jensen analisa com amargor a sorte reservada aos refugiados que chegam a seu pais, O artigo tem por titulo “Nés, dinamarque- ses, somos realmente assim?”, Aqui est4 um trecho: niazarts 1 21 | mt viios ““Neste pais tio cheio de prédios vazios e insctui- ges abandonadas, so os acampamentos que 08 esperam. Uma escolha deliberada das autoridades que, com as tendas, enviam uma mensagem im- portante aos refugiados esgotados. Vocés viajaram. pelo deserto ¢ atravessaram 0 Mediterrineo, ar riscando-se a afundar com as embarcagées fazen o qua, mas voc8s nfo chegaram a lugar algum: andaram em citculo, e acabaram no mesmo lagar fem que comegaram,, nos mesmos acampamentos de que fagiam. Bssas tendas so sen destino. Seu furuzo € a fnga. Esto condenados a emigrar per petuamente, de uma tenda a outra. Entenderam?” Em 23 de janeiro de 2016, cerca de 2 mil pessoas se ‘manifestaram em Calais para expressar solidariedade aos migrantes ¢ exigic “condigdes de acolhida dignas”. Nos cartazes lia-se: “Boas-vindas aos refugiados”; “Calais, Lesbos, Lampedusa, nossas fronteiras ma- tam!”; “Abram as fronteiras, deixem que entrem”. (Os migrantes repetiam: “Na selva, na selva”. Em janeiro de 2016, cerca de 4 mil migrantes do vindos majoritariamente da Africa Oriente Médio ¢ do Afeganistio viviam na de Calais”, considerada a maior favela da Franca, na esperanga de chegar 4 Inglaterra, tida por eles como um eldorado. (Reporcagem de Zoé Leroy para a Agéncia France-Presse] Declaracdes de Jacques Gounon, presidente do Euro- ttinel, no jomnal Le Monde, difundidas pela Agéncia Reuters (21/1/2016): “Globalmente, o fluxo daqueles que tentam passar ‘cessou. [-] Nos caminSes nio se encontram mais olga drat | 22 | atl vise que dez a trinta por noite. Fles perceberam que seus esforgos esto fadados ao fracasso. [..] Os que set- ram as grades so presos pelos guardas. Os que se escondem nos caminhées sio encontrados.(..] Ak guns motoristas avisam os guardas da sua presenca. Sio eacontrados também por obra dos detectores de batimentos cardiacos ou de CO,. Em todos 03 cas03 eles sio levados para a Selva de Calais. [...] Erigimos grades pelos quarenta quilémetros da periferia do tinel ¢ inundamos alguns terrenos. {..] Isso repre= senta varias dezenas de milhdes de euros correspon- dentes as obras, financiados pela Gra-Bretanha”. A cruz de Lampedusa: um crucifixo de 3,6 metros de altura ¢ 2,75 metros de largura representa Jesus cruci- ficado sobre remos ligados por cordas, simbolo dos bar- cos de migrantes. obra do artista cubano Alexis Leiva Machado, que assina Keho, feta com madeira de barcos de migrantes cubamos, abengoada pelo papa cm 2014 por ocasido de sua visita a Havana. Essa cruz. simboliza © destino tragico dos néufragos que deixaram a itha de Cuba para os Estados Unidos. O presidente cubano Castro a ofereceu a0 papa, que por sua ver a oferecen & de Lampedn inicio de janeiro de 2016 para o Jubileu da Misericérdia, Em fevereiro de 2016, as autoridades australianas pro- caravam uma familia que pudesse acolher cinco Srfios sitios depois do falecimento de seu pai, combarente do grupo Estado Islémico, e de sua mie, nascida em Syciney. “Para 0 governo australiano, trata-se de um di- lema: se cle deve assisténcia aos filhos de seus ci- adios no exterior, cle teme, ao mesmo tempo, © retorno de menores que jé tiveram muito conta- to com a ideologia jihadista mais radical ~ sem grsananes 1 291 falar da dificuldade para ajudé-los em uma zona de guerra. Khaled Sharrouf, 0 pai das etiancas, também australiano, havia postado no Twitter, em 2014, uma foto na qual seu flho de sete anos, de beisebol, exibia a cabeca de decapitado em Raga, cidade da , Agencia France-Presse.) Siria.” (11/20 “Inicio de novembro de 2015, sete pessoas, den- ‘re as quais um jovem marinheiro-pescador fran- és, suspeitas de organizar perto de Dunquerque travessias jlegais de migrantes para a Inglaterra a bordo de uma balsa de borracha, foram coloca- das sob vigiléncia e presas. A bordo de wim barco que ostentava a bandeira belga e com caps de maxima de 20 pessoas aproximada marinheiro-pescadot francés: ‘Canal da Mancha cobrava pessoa, segundo a ju linada de Lill.” (6/2/21 regional especia- a France-Presse.) Entre 2014 e 2015, Suécia, que conta com mais de 20% de residences de origem estrangeira, recebeu 250 mil mi- sgrantes, mais que qualquer outro pais da Unido Europeia por habitante, Mas 0 assassinato de uma educadora de 22 anos, apunhalada por um jovem migrante de 15 anos ‘em janeiro de 2016, comoveu o pais. A anilise do histo~ siador Lars Tragardh para a Agéncia France-Presse: “Obcecada pela imagem que se dé da Suécia como grande poténcia moral no cendtio internacional, 1 esquerda esqueceu a narrativa nacional e, de repente, deita um espago aberto para os Demo- cratas da Suécia, grupo de extrema diceita com representago no Parlamento”. Matti Visniec aga aramarenin 1 24 Fm Papéis intercambiaveis Naimero minimo de atores: duas mulheres trés homens. 0s coloTES (OS MIGRANTES ELIAU f ‘AMULHER OHOMEM ‘AS APRESENTADORAS DO SALAO DE NOVAS TECNOLOGIAS ANTI-IMIGRAGAD ‘OHOMEM DA MALETA ‘PRESIDENTE (0 ASSESSOR DO POLITICAMENTE CORRETO ‘8S GAROTAS DO SALAO DAS CERCAS E MUROS Au FEHED O AGENTE FUNERARIO AVELHA OTRADUTOR ‘ACCANTORA E DANGARINA COM VEU ‘OHOMEM SORRIDENTE AvOUB. ACAFETINA AAS PROSTITUTAS (AS GAROTAS) +05 personagens de seis cenas de reserva (a ser compostas) AS PERSONAGENS O Colote se dirige aos espectadores. O COIOTE: Mostrem os celulares... (Se o piiblico en- trar no jogo, mostrard os celulares, ou iPads, iPho- nes.) Pronto... Vocés se lembraram de recarregar os apacelhos? Bom... Agora, tenham bem isso em mente... Esses trequinhos af so suas verdadeiras boias salva-vidas. S40 os seus anjos da guarda. Sao suas buissolas ¢ chaves de entrada na Europa. Digi- fem um novo niimero no celular. Coloquem como primeiro néimero da lista, antes de todos os outros. Antes do mimero da sua mulher, da mie, do pai, dos irmaos, primos, amigos, vizinhos... O nimero que en vou dar pra vocés ser, amanha, o bem mais precioso. Nem o ntimero de Deus, se ele tivesse ce- lular, poderia ser tril pra vocés amanha de manha, mas este aqui, sim. Entdo, digitem... zero... 7er0. tr8s... Nove. 260. dois. DOVE dois. Sete.n mais um nove... e outro nove... Agora re- nove. pitam... (Ou os espectadores repetem, ow'o diretor prepara uma gravagdo com a vor de uma centena de pessoas que repetent em coro 0 mimero.) Entao, esse niimero é 0 qué? UM MIGRANTE: & mimero de emergéncia da guarda costeira da Europa. gravares | 27 | all nie a OCOIOTE: Ah! Vooé nfo é téo tonto assim. E quase isso. $6 que a Europa no tem mimero de emergéncia. Esse €o ntimero de emergéncia da Ilha de Lampedusa. Por ‘que amanhi de manha vocés estaro em Lampedusa, sda praia... En- eda costeira para nova vida. Ficou claro? TODOS OS MIGRANTES: Sim, chefe. O GOIOTE: Entio, vocés tém que proteger esses celula- res. Agora podem desligar para economizar a bateria. Ponham os celulares no saco plistico que eu dei pra voots pra que fiquem secos. OK? Esta noite, tudo 0 que vocés tém a fazer € ficar tranquilos e proteger 0 celular. Ele é mais precioso que as pupilas dos olbos. Se cesta noite 0 diabo aparecer e perguntar “0 que voce vai me dar pra eu te deixar viver, vocé vai me dar 0 qué? eu olbo ou 0 celular?”, 0 que vocts vio responder? Hein, se 0 diabo vier tentar vocts, 0 que vio dizer? ELIHU: Vamos dar um olho. OCOIOTE: Iss voxé vem? .. Vocé é um rapaz inteligente... De onde ELINU: Da Eritreia OCOIDTE: E como se chama? ELIHU: Elihu, | 8 matt vanee ‘Aideia perdida em elgum lugar dos Bélcés. Quve-se 0 ruido de um caminhéo que para. Homem entra, tira 0 fboné e a capa, lava as mfos, senta-se & mesa. A Mulher the serve a comida. Siléncio. © Homem mastiga em siléncio. AMULHER: Tudo bem? (Pausa. O Homem se serve de aguardente.) OHOMEM: Tudo bem, (Pausa.) AMULHER: Passaram algumas pessoas aqui em frente, OHOMEM: Quando? AMULHER: Ao meio-dia. (Pausa. © Homem: come. A Mulher 0 serve novamente.) OHOMEM: Quantos exam? AMULHER: Muitos. rigrsssries | 29 | mate vine OHOMEM: Quantos? AMULHER: Dezenas. (Pausa.) OHOMEM: Tinha mulheves também? AMULHER: Tinha. Algumas... OHOMEM: Bom. Pausa, AMULHER: Tiha também alguns negros... OHOMEM: © que vocé quer dizer? AMULHER: Que tinha também alguns negros. OHOMEM: Africanos? ‘A MULHER: F OHOMEM: Bab. (Pausa.) ‘A-MULHER: Fu: ainda nio tinha visto nenkum negro. ‘Nunca. (Pausa.) Pelo menos nao aqui, entre ns. Voce OHOMEM: Nao. Nao muitos. AMULHER: Nao, ou no muitos? OHOMEM: © que vocé quer dizer? slp dranaturgia | 20 | mat visnise AMULHER: Nada... (Pausa.) Aonde voc acha que cles estdo indo? OHOMEM: Pra fronteira. AMULHER: Pra Sérvia? OnOMEM: £.* AMULHER: Isso é bom. (Passsa.) Queria saber. (Pausa.] Queria saber. 0 HOMEM: O qué? AMULHER: Queria saber por que Deus fez os negros, (Pausa.) OHOMEM: Bah... Ele sabe 0 que faz. AMULHER: Sim, mas....na sua opiniio? OHOMEM: Na minha opiniéo o qué? AMULHER: Na sua opinido, mesmo assis Deus fez os negtos? por que 0 HOMEM: Bah... porque... é normal. Existe o dia, € existe também a noite. © veri, ¢ também o inverno. Na vida se rie se chora. E pela diversidade. AMULHER: Como vocé € tonto, Igor! ‘OHOMEME Bah. Entdo pergunta pra ele direto. AMULHER: Pra quem? imgrasertes 1 31 | mat viete OHOMEM: Pra Deus. AMULHER: Pra mim, acho que ele quis dizer alguma coisa... com isso... pra nds. olga erematurgia | 52 | mal vinlee Teés apresentadoras com taj Tecnologias Ant ‘APRESENTADORA 1: Senhoras ¢ senhores, bom dia. Sejam bem-vindos a0 Saléo das Novas Tecnologias Anti-imigragdo! APRESENTADORA 2: Hoje vamos apresentar a voc8s 0 detector de batimentos cardiacos. APRESENTADORA 3: © detector de batimentos cardiacos € sem ctivida mil vezes mais eficaz que 0 detector de temperatura humana. Porque as vezes 0 detector de temperatura confunde s temperatura humana com a temperatura animal, e até com a temperatura emitida por alguns produtos de fermentacio. [NPRESENTADORA 1: Jé o detector de batimentos cardia~ cos € regulado apenas na frequéncia biolégica huma- na ¢ indica sem falha a presenga de algum clandestino ‘num raio de dex metros. -APRESENTADORA 2: © detector de batimentos cardiacos é ultcaleve, facilmente manejével, zecarregavel e dobré- vel. Quanto ao design, vejam vocés mesmos... E muito parecido com um taco de golfee, logo que 0 seguramos, igrenates | 28 matt vii vemos que é agradavel sensorialmente pela nobreza do material: cerizmica, ago inoxidavel e mogno. [APRESENTADORA 2: No departamento das performan- ces... Basta dar uma volta completa em seu caminhdo para voc se assegurar cm apenas trés minutos de que no ha nenhum passageiro clandestino a bor- do, Qualquer intruso no seu pordo, sétéo, garagem, quintal ou até no seu apartamento € desmascarado em menos de dois.. APRESENTADORA 2: Mas cuidado para no direcionar o detector para si mesmo, porque entZo Sio os seus pr6- prios batimemtos cardiacos que vao aparecer no mos- trador.... Eatao, nao sejam desajeitados nem tolos... AS TRES JUNTAS: Ha, ha, APRESENTADORA 1: Nao chame 2 policia ou a guards costeira por ter direcionado mal o detectors, que aca~ ou detectando a si mesmo... [AS TRES JUNTAS: Ha, ha, ha... [APRESENTADORA 1: O detector de batimentos cardiacos & dotado de meméria extremamente potente ¢ de uma sensibilidade compardvel i dos sismégrafos. [APRESENTADORA 2: Se dentro do seu caminhao houver, por exemplo, cinco migrantes, voc’ verd no mostrador cinco grificos, cada um representando a atividade elé- trica de um coragio. [APRESENTADORA 3: Se voc® tiver dez ou vinte clandesti- nos no caminbio, o detector indica um tipo de avalan- che sismica e 0 computador incorporado mostra com cotegte cramatnia t 24 | mati vise ‘uma margem de erro minima os algatismos correspon- dentes a0 nimero de coragies detectados. APRESENTADORA 1: Vamos fazer uma experiencia. (Fla direciona o detector para 0 priblica. Ouve-se uma es- bécie de concerto de batimentos cardiacos.) Pronto, © contador indica que vocés sio 82 pessoas acom- panhando est demonstracao... Pedimos licenga para contar todos voets um por um. AS TRES JUNTAS: Um, dois, trés... Bingo APRESENTADORA 1: Vocés so realmente 82 na sala. Obtigada, obtigada de coragdo por se interessarem or 20550 nove produto... [RPRESENTADORA 2: Voc’s podem utilizar © derector também em modo de “escuta”, e para isso ele dispée de fones de ouvido. APRESENTADORA 3: Para mostrar a vocds até que ponto vai o desempenho deste aparelho, vamos distribuir a todos fones ligados a este tinico detector que jé testa- ‘mos em outras condigSes. (Primeira demonstragio sonora.) |: Estas so as batidas do coracéo de ilia alega, doze pessoas ao todo, descobertas ‘usm caminho em Calais (Segunda demonstragao sonora.) 'APRESENTADORA 2: Estas so as batidas do coragao de tum grupo de sessenta clandestinos provenientes do Paquistéo, do Sri-Lanka ¢ da Somalia que chegaram nigracarce 138 1 mat vie a fronteira hiingara no mesmo dia em que as autori- dades de Budapeste decidiram instalar arame farpado para impedir qualquer novo acesso ao seu tertitério... Vocés percebem a profundidade da gravagio?...Parece até um coro de gritos agudos, feridos mesmo... (Terceira demonstragao sonora.) APRESENTADORA 3: Este é o mais delicado. Vocés nunca vio adivinhar 0 que é... Sio as batidas do coragio de uma ctianga de quatro anos na hora em que 0 pai a faz passar por um buraco feito na cerca de arame farpado, ira da Maced6nia com a Sérvia... Observem a uma bolisha de metal repercutindo nos ladrilhos.. (Quarta demonstragao sonora.) [APRESENTADORA 1: Estas sto as batidas do coragao de ‘um malinés que ficou detido por seis meses em Saraje- ‘yo no momento em que soube que seria expulso. Es- pantoso, nao? Parece um tambor de guerra. (Quinta demonstragio sonora.) [APRESENTADORA 2: Aqui parece um verdadeiro tsw- ‘nami... Si0 quase cem coracées sitios ¢ iraquianos. (O barco deles acaba de entrar em terra firme na ilha de Lesbos... Parecem fogos de arti (Sexta demonstragdo sonora.) [APRESENTADORA 3: Esta é bem menos expetacular So as batidas do coragdo de algném da Eritreia afogando-seem Calais, a dex. metros do cais, depois de ter tentado chegar anado até uma embarcagio. Nao foi possivel fazer nada oligo eramatursia | 26 | mat saice porele,o mar estava muito agitado, mesmo assim foram registrados seus iltimos batimentos cardiacos. $6 de ou- vir dé para perceber que ele nio sabia nadar.. AS TRES JUNTAS: Quanto ao prego do no podemos garantir que ¢ perfeitamente ac pode pagar em duas ou és vezes, sem juros. (Miisica. Som de bateria ou de tam-tain.) niranares | 37 {mt veer (0 Coote que se dirige ao pattico. O COIOTE: Escutem, meus irmaos... Amanha vocés esta- io pisando as terras da Europa. Vocés vo ver como so seus sons... Mas enquanto isso, & preciso se manter calmo... Somos cem pessoas neste barco, En- Ho, esta noite, € preciso se comportar como se f6s- semos um sé homem, Ninguém vai poder ficar de pé. Entenderam? (Pausa.) Sim ou nao? ‘TODOS 0S MIGRANTES: Sim... (O Coiote pega sma melancia e a corta ao meio com um sb golpe de facio.) OCOIOTE: Porque se vocts entrarem em panico haverd risco de virar 0 barco e afundar. Porque se voces co- megarem a se agitar inutilmente, corremos o risco de balancar a qualquet momento, ¢ ai fodeu. Podernos ser tun bom jantar para os peixes. Entéo, pelo menos esta noite, vocés nao vao se mex« see 86 quinze horas, o mar e tempo bom... Entiéo, durante quinze horas, nao facaia nada. Podem rezas, mas sem que eu ouga 0 minimo murmiirio, Podem vomitar também, ¢ pra isso usem 0 segundo saco pléstico que eu distribut. Vamos ver, me grasses 1 38 1 mati vino mostrem 0 saco plistico... (Todos os migrantes mos- tram 0 saco de vomitar.) Aqueles que nunca viajaram por mar levantem a mao! (O Cofote conta as méos levantadas.) Bom, no tem problema... Talvez voces aprendam a nadar amanha, Deveriam ter feito isso an- tes, mas 6 sempre assim. Voc#s nao serdo os primeiros a aprender a nadar no préprio dia em que é preciso salvar a vida nadando... Isso se chama bobeira, mas & sempre assim, Ficaram a toa durante meses nessa praia de Tripoli esperando embarear rumo a Europa, ¢ no aprenderam a nadar... Tudo bem... Esto com seus co- lees salva-vidas? ‘TODOS 0S MIGRANTES: Sim... O COTE: Agora, jé queimaram a carreira de identida- de ¢ outros documentos? (Pausa.) Quem no gueimou pode rasgar tudo agora ¢ jogar na agua... Entenderam bem? (Chuva de papel rasgado sobre o paico e sobre os espectadores.) Pronto, agora vocés so todos iguais... 1. Sao todos refugiados im dos o que voces vao dizer quando pedirem le vocés... Est claro? Nao digam que es- tavam na merda em seu pais e que seus filhos morriam de fome, Esse no é motivo para pedir asilo politicos se disserem isso vio mandé-los de volta imediatamente pra casa, ou seja, pra merda. Digam que é por causa da guerra que estio indo pra Europa, entendido? ‘TODOS 0S MIGRANTES: Sir, chefe. O COITE: Bom, agora vamos partic. Eu vou deixar voces imijar € cagar mais uma vez. Depois, vio ter que segurar. A noite vai ser longa e eu no quero que sujem meu barco... Vocés estio vendo que ele esta tinindo de novo... No quero ter que limpar xixi e cocé de ninguém quando voltar. E vejam que vocés tém sorte de estar comigo. Nunca perdi ninguém... Nao sou como os outros coiotes... Eu creio em Deus, eu mesmo tenho quatro filhos pra sustentar e faco isso pra ajudar meus irmios em dificuldade... Fago isso porque o mundo é fodido, e quero oferecer uma ‘oportunidade’a quem nasceu na parte mais fodida deste mundo fodido... Entdo, vamos? ‘TODOS 0S MIGRANTES: Sim, chefe! OCOIOTE: E agora, vamos calar a boca. $6 vamos ouvir ‘omareo vento, Rezem pra que as ondas sejam calmas a noite, sso pode ajudar.. rigrsanies 141 1 ali inne 0 Homem da Maleta e Elihu. OHOMEM DA MALETA: Como voc se chama? ELIMU: Eliha, (0 HOMEM DA MALETA: Pega essa cadeira, Elihu. Pode semtaz, Quantos anos voc tem? ELIKU: Dezoito anos. (OHOMEM DA MALETA: Voct acredita em Deus, Blihu? ELINU: Acredito. (OHONEM DA MALETA: Muito bem. Vocé € um bom ra- paz, Esté com sede? ELIHU: Estou OHOMEM DA MALETA: Vocé gosta de Coca-Cola? ELIHU: Gosto. ‘O HOMEM DA MALETA: Ento pega esta. Voc# tem celu- Jar, Elihu? lrasaanes | 45 mate visi ELIHU: Tenho. ‘0 HOMEM DA MALETA: Depois vocé me passa o néimero, ELIHU: Passo. (OHOMEM DA MALETA: Sabe, Elihu, eu no tenho muito tempo... ELIHU: £. (0 HOMEM DA MALETA: F que muita gente quer falar comigo. LIU: Eu sei. (0 HOMEM DA MALETA: f, esta vendo, Meu tempo é contado. ELIHU: £. ‘OHOMEM DA MALETA: Vocé sabe contar,Flihu? ELIHU: Sei. © HOMEM DA MALETA: Ena © homem com duas perna diga, por que Deus fez ELIHU: Nao sei. ‘OHOMEM DA MALETA: Fle poderia nos ter feito com uma perma, uma mao, uma orelha, um olho... No € ELINU: E que...é..im. (OHOMEM DA MALETA: Mas na sua bondade Deus disse: “Nao. Vou dar a Elin duas pernas, duas mos, alae cramatua | 48 | até visite olhos, duas orelhas, dois pulmées, dois rins... Para que cle fique com um de reserva”. Entende? ELIKU; Entendo. OHOMEM DA MALETA: Deus quis nos dar uma chance. ELIHU: Sim, (O HOMEM DA MALETA: Vocé j4 vin pessoas que vivera com uma perna s6? ELIMU: Ja. ‘OHOMEM DA MALETA: Jé viu pessoas que vivem com um olho sé? ELIHU: Nao sei (O HOMEM DA MALETA: Jé viu gente que vive com um. im s6? ELIHU: Nao sei. ‘OHOMEM DA MALETA: Vocé nao sabe porque isso nin- guém vé. Mas € como quando se tem uma perna s6. Pode-se viver a vida toda com uma perna s6, ou com um rim s6. Foi Deus que quis assim. Mas com © coragio, no. Ele disse: “Nao seré possivel dar dois coragdes 20s hom “Nao, com o figado também no vai funcionar”. ‘Mas com os rins, ele pensou: “Vou dar dois para o Elihu para que ele possa ter um capital”. Vocé sabe ‘o que € um capital? ELIHU: Nao. graces 1 48 | mn vino (O HOMEM DA MALETA: £ uma grande quantidade de di- stheito, E quem tem um ca Pode ter sucesso, E voce, no quer? ode se langar na vida. 2 Vocé quer prospetai, ELIHU: Quero. OHOMEM DA MALETA: Voc8 quer ir pra onde? ELIMU: Pra Inglaterra. (0 HOMEM DA MALETA: Mas vocé nio sabe nadar, néo é Elihu? ELIHU: Nao. (OHOMEM DA MALETA: E voc® sabe o que acontece a ne~ gr0s como nds que nio sabem nadar e niio tém capital. Entende o que ex quero dizer? ELIHU: Nao. ‘OHOMEM DA MALETA: Entio vou recapitular tudo. Olhe esta foro, Elihu. Vocé reconhace esta cidade? ELIHU: Nao. 0 HOMEM DA MALETA: Fsta cidade se chama Birmin- sham, e fica na Inglaterra. ELINU: Abt OHOMEM DA MALETA: F veja isto. © que vocé vé aqui? ELINU: E... E uma farmacia? (OHOMEM DA MALETA: Nao... E um bankeito piblico. ecto dramaturpla | 46 1 mati vane ELIHU: Abt (OHOMEM DA MALETA: Vocé sabe o que é um banbeiro piiblico? ELIMU: Sei OHOMEM DA MALETA: £ um lugar limpo onde as pessoas civilizadas vao mijar. Olhe isto... Esté vendo? ELIHU: Estou. (0 HOMEM DA MALETA: E essa mulher, ai... Sabe o que cla esté fazendo? ELIHU: Nao. 0 HOMEM DA MALETA: Ela caixa, recebe o dinheiro, Elihu. Nesses banheiros pablicos tem que pagar pra urinar. E essa mulher que esta ai, e que é muito velha, vai se aposentar... Dentro de um més. E vocé poderia ficar no lugar dela, Elihu. E pra chegar até Birmin- ghom, vocé poderia também pegar um avido. E pra egar avido, vocé sabe, af vocé ndo precisaria saber nadar. Olha 56: em vez de ir embora com seus irmaos até a Macedonia depois pra Sérvia ¢ até ndo sei mais onde, eu poderia por vocé num avido. Se voce quiser. Vocé quer? ELIHU: Quero. (OHOMEM DA MALETA: E voc# me paga tudo isso depois aque estiver lé. Porque vocé est rico, Elihu. Vocé rem ‘um capital. ELIMU: Que capital? ipracaenee 47 1 mati anise (0 HOMEM DA MALETA: O capital, a fortuna que Deus te de. ELIHU: Que fortuna? © HOMEM DA MALETA: Eston falando dos seus ins, Elihu. Vocé tem dois, nao &? Entao, 0 segundo rim é 0 seu capital. Entende, agora? ELIHU: Entendo. (CO HOMEM DA MALETA: Vocé esté com sede, ainda? ELIHU: Estou. (O HOMEM DA MALETA: Olha, toma mais uma Coca... (Misica africana.) alec dramatrsa § $01 mal vee 0 Presidente, 0 Assessor. PRESIDENTE (enssaiando som discurso diamte do Asses- sor}: Nao podemos receher toda a miséria do mundo. Fora de cogitago. Nunca dissemos que podiamo: ceber todo mundo. Nosso pais no pode acolher mais imigrantes. £ preciso instalar um perimetro de intransi- géncia na Europa. & preciso sistematicamente separar 0s refugiados de guerra dos refugiados econémicos, € andar estes itimos de volta para o pais de origem. Fizemos uma lista de paises seguros, e vamos recorrer a todos os meios para repatriar os imigrantes clandes- tinos que nio tenham condicdo de conseguir o status de refugiado, Vamos negociar com nosso aliado turco para que a triagem scja feita logo no territ6rio deles. Vamos tex também que encontrar meios para lutar mais eficien- temente contra as grandes organizagdes criminosas que esto por tras desse tréfico de seres humanos. Os chefes dessas redes mafiosas estiio em Istanbul, em Tripoli, até em Beirute, € preciso dizes. So nossos inimigos do mesmo modo que os jihadistas do Dacsh. Era o que eu tinha a dizer. Chamo isso de discur- so verdadeiro © urgente. Nao € com um discurso rigazaates | | mat ware politicamente correto que vamos conseguir agit, E pre- ciso chamar as coisas pelo nome. (O Presidente toma um gole de dgua e espera a reagio do Assessor, que ficou tomando notas.) 0 ASSESSOR: Bom... Veja, senhor presidente... Para cchamar as coisas pelo nome, como o senhor diz, nfo € porque 0 senhor deseja se livear do seu velho lado politicamente correto que o senhot deve se tornar po- liticamente incorreto. (O PRESIDENTE: O que vocé quer dizer? O ASSESSOR: Que o senhor esté arriscando muito pelo ‘menos em trés ou quatro pontos. O PRESIDENTE: Quais? ASSESSOR: Nio sei se o senhor reparou, mas 2 midia nunca usa 0 termo “imigrante”. Nem “clandestino” OPRESIDENTE: Entao eles usam que termo? O ASSESSOR; Zles usam o texmo “migrante”. CO PRESIDENTE: E por qué? OASSESSOR: Para nio estigmatizar, OPRESIDENTE: Para nao estigmatizar quem? O ASSESSOR: Bah, justamente para nao estigmatizar os imigrantes ¢ os clandestinos. O PRESIDENTE: Nao entendo. calegsearameturye 1 0 | mati sree nao “imigrantes”. Estd me acompanhando? O PRESIDENTE; Nao... O ASSESSOR: Para ser coerente com sua visto econd- mica, € preciso esquecer as palavras “imigrante” ¢ “dlandestino”. “Imigrante” é alguém que vem de f atravessa uma fronteira ¢ se instala num tert onde é preciso respeitar os costumes, as regras e as leis locais. Em suma, ele deixa um territério chamado “a casa dele” ¢ se instala num outro lugar onde ele no estd na “casa dele”, certo? OPRESIDENTE: Sim. ASSESSOR: Jé 0 “migrante” esté na casa dele em qual- quer lugar, no planeta inteiro. Num mundo globaliza- do, migra-se, desloca-se, todo mundo tem 0 direito de ir aonde quiser ¢ quando quiser... E assim, o migrante fica sem a obrigacao de respeitar 0 que quer que Seja, por que ele se considera um cidadao do mundo. E é isso que a globalizagdo pretende. Nés globaliramos a economia, liberamos a circulagio de ideias, capital, mercadorias e servigos; por que, entZo, niio reconhecer também o direito das pessoas de se deslocar livremente? OPRESIDENTE: Bab... porque... DASSESSOR: Quero apenas mostrar essa contradicao. Mas 0 senhor faz 0 que o senhor quisec. rigrasaates | 61 | mati vines OASSESSOR: Entio, para no correr riscos, recomendo gue o senhor use a palavra “migrante”. O PRESIDENTE: Porque é politicamente cozreto... O ASSESSOR: Porque é politicamente correto, Entlo € isso que cu proponho para as quatro primeiras fra- ses... Percebe? ( PRESIDENTE: Sir... O ASSESSOR: “Nao podemos reveber toda a miséria do mundo.” Nio, Eu proponho substitair por: “Somos sensiveis a toda a miséria do mundo...”. (0 PRESIDENTE: Concordo. 0 ASSESSOR: A palavra “cxcluido” eu substituiria por tum simples “sim”. (0 PRESIDENTE: Concordo. (0 ASSESSOR: Para “nunca dissemos que podiamos re- ceber todo mundo”, eu proponho a frase “Nés sempre vamos manter nossas portas abertas, mas conforme nossas possibilidades”. (0 PRESIDENTE: Mas é meio vago.. ASSESSOR: Mas € inrepreensivel. O PRESIDENTE: verdade. 0 ASSESSOR: “Nosso pa(s néo pode receber mais inni- grantes.” Em ver di lher migrantes, mas de forma'controlada” proponho “Vamos sempre aco- rameturgia | $2 | mat O PRESIDENTE: Porra! OASSESSOR: Que foi? CO PRESIDENTE: Vocé é bom nisso, mesmo! OASSESSOR: Obrigado, senhor presidente. CO PRESIDENTE: Vocé deveria fazer politica, ASSESSOR: Mas ¢ justamente isso que eu faco, senhor presidente, (O PRESIDENTE: Ah ét nligyaserton | 53 1 mt vie ‘Tres garotas de traje sexy estio pulando corda, BAROTA 1: Ola! GAROTA 2: Sejam bemn-vindos a esta primeira edicdo... As trés gacotas juntas ~ ..do Salo das Cercas ¢ Muros! GAROTA1: Oferecemos uma vasta linha de modelos de cerca de farpado antimigrantes, confiaveis e de menor custo, GAROTA 2: Como vocés jé saber, a época da abertura angelical das fronteiras jd passou. GAROTA 8: Agora € hora de reinstalar cercas e muros em todos 0s lugares. GAROTA 1: Observem esse horror na fronteira greco- -macedénia... (Projegdo: duas linbas de cerca de arame farpado com uma passagem entre as duas, onde veiculos militares faze patrulha.) GAROTA 2: A Europa é isso? ngrzzanes 1 58 1 lve (Projegao: cercas monstruosas na fronteira servo- -bingara.) GAROTA 3: So esses os nossos valores estéticos? GAROTA 1: f essa a imagem que estamos mostrando ao mundo? As tés juntas: Que vergonha para nossos dirigentes! E que vergonha para todos nést GAROTA2: Onde ests nossa criatividade? GAROTA 1: Onde est nosso gosto pela insoléncia? GAROTA 3: Mas nio seja por isso! GAROTA 1: Nossa empresa Aco e Ternura... GAROTA 2: ...oferece um produto novo e totalmente revoluciondtio... As tres : tum arame farpado mais humano. (Projegio.) GAROTA 1: Com design! GAROTA 2: Um farpado sorridente! GAROTA 1: Colorido, verde, alegre ¢ com grande pelo ecolégico. GAROTA3: Uma vez instalado, parece uma linda parede vegetal. colgtodeamaturaia | 98 1 matt vsuso (As garotas deizans as cordas com que pulavam e so~ bem na maquina de instalar arame farpado. O diretor pode sugerir todo tipo de gestos lascivos como os das “recepcionistas” dos salées de automével.) GAROTA 1: E vejam também o acess6rio que acompa- ha... A mAquina de instalar cercas de arame mais ra- pida do miundo. GAROTA2: Vejam esse protétipo, que graca...Parece um hipopétamo gigante... GAROTA 3: Velocidade de deslocamento, instalagio acabamento: 22 quilémetros por hora. GAROTA 1: 0 hipopStamo passa e deixa para trés uma cerca quédrupla de arame farpado de quatro metros praticamente intransponivel, e além de tudo de uma umente € tudo o que se pode ima- de mais simpético, de mais , pode-se dizer que € uma ginar de atracnte. verdadeira renda vegetal, uma sebe de arbustos bem podada e tratada. S6 quando se chega a um metro de de arame farpado. GAROTA 3: Sugerimos que observe com cuidado esse aspecto de obra de arte do trabalho. Esse tipo de cer ca nfo tem nada de mau, nada de ameagador, nada de ideol6gico... Pode-se considerd-la mais como uma obra de arte ambiental, um tipo de instala¢do a0 ar livre, digna de artistas como Christian Boltanski ou Anish Kapoor. Tem também 0 aspecto de arte mo- numental nessa maneira de implantar uma cerca de rlgrssetce | 57 atl vie arame. Fla embeleza a paisagem, integra-se a0 meio ambiente. E se acrescentamos algumas hélices eélicas chega-se quase & perfeicio... GAROTA 1: Ela convida até a fazer um piquenique 20 lado dessa folhagem cuja cor muda discretamente @ cada dois ou trés quilémetros... GAROTA 2: 0 verde-absinto se torna verde-abacate, que se tomna verde-maca, que se torna verde-limao, que se torna verde-pistache, que se torna verde-pinheiro. (As garotas imitam a cena do quadro O Almogo na Relva, de Edouard Manet.) GAROTA 3: Venham, venham conosco a esse simpstico almogo na relva... felegcocramaturla 1 8 1 maté vines O Coiote e seus aunties, Ali e Fehed. 0s dois estio contando os espactadores na sala. OCOIOTE:E ai? ‘AU: Contei 113. FEHED: Cento e catorze. OCOIGTE: Impossivel! Contem de novo. (Os auailiares, ‘equipados com facdo, contam mais uma vez os espec- tadores. Passam pelas fileizas, tentam ndo pullar nin- ‘guém, etc.) E entdo? All: De novo 113. FEHED: De novo 114. OCOIOTE: Vocé me contou também? FEHED: Contei OCOIOTE: Mas nao era pra me conta FEHED: Bom, entdo so 113. gcazantes 1 58 mat vise (O Coiote avanga e, dominador, para diante dos espectadores.) 0 COIOTE: Born, entenderam.., HI clandestinos aqui com a gente. (Pausd. O Coioie brinca com 0 facto, nada contra ninguém, no odeio ninguém, acredito em Deus. Mas ndo gosto que tiremn uma com a minha cara, (Pausa. Ele passa entre os es- ectadores.) Estou sendo claro? (Siléncio.) Febed... FEHED: Sim. OCOIDTE: Vocé acha que ex estou sendo claro? FEHED: Est4, chefe. ‘OCOIOTE: Ali. ALL: Sim, OCOIOTE: Voc# acha que todos esto me entendendo? ALL Sim, chee, 0 COIOTE: Entao, tem treze pessoas que néo deveriam estar aqui. Esto entendendo? Treze pessoas q) ram no meio do grupo sem pagar... Falei clan cio.) Por que ninguém diz nada? Fehed? Al ALL: Eles tém medo, chefe. FEHED: Eles esto vendo que erraram feio, chefe. O COIOTE: Diga a cles que quem pagou nio precisa ter medo. (Ali repete a frase em arabe, ¢ Fehed em outra alogto deaman 60 | mati enac .gua, tigrinia, por exemplo, falada na Britreia. Para ))—Falou pra eles? ALI: Sim, chefe. O COIOTE: Vocé falou também? FEHED: Sim, chefe. OCOIOTE: Quem pagou levanta a mao! (Ele observa a sala.) Conte, Ali, Conte, Fehed. Quantos levantaram (Ali e Febed contam mais uma vez os espectadores.) ALL: Cento e treze, FEHED: Cento e treze. (0 Coiote pega uma melancia e corta em duas com um 86 golpe de facao.) OGOIOTE: Nada bom, isso. Nao € normal. Escutem bem: assim vamos correr 0 risco de afundar. Esto entenden. do? Nao pode ter mais que cem pessoas neste barco. Tao sacando, seus tarados? Tem gente demais nesta merda de barco, e vamos todos morrer por causa de tre- ze bostas de babacas que se enfiaram aqui escondidos. Fehed, Ali, digam que todos eles vio morrer. (Ali repete 4a frase em érabe, Fahed no dialeto da Eritreia.) E entio? ALLE entdo nada, chefe. Nao sei o que fazer. FEHED: Estéo todos com medo ¢ rezando. OCOIOTE: Rezando... lgrsnanie | 61 tél ene ALI Sim, chefe. O COIDTE: Que todos os que subiram escondidos & quem de pét (Pausa. Ninguém se mexe.) FEHED; Todos os que subiram aqui escondidos fi- quem de pé! au (Pausa. Ninguém se mexe. Ali repete a frase em érabe, ¢ Fehed no dialeto tigrinia da Eritreia.) 0 COIOTE: Escutem aqui. Rezar nfo adianta nada... Deus pode fazer um monte de coisas, menos fazer 0 motor rodar. Nao podemos continuar assim porque, justamente, a gente no dé partida ¢ 6 motor acaba afogando. Deas no é mecinico, entendem? Deus nao € mec4nico nem tanque de gasolina. E a nossa gasolina vai acabar antes da hora porque o berco est4 muito pesado. Entio, treze pessoas devem sair deste barco. porque vocts no pagaram. E mesmo se q serem pagar agora, jé é tarde demais. Agora 0 seu nheito no vale nada, Mesmo se vocé estiver com os bolsos cheios e quiser pagar trés ou quatro vezes mais, nio posso aceitar, O barco esta pesado demais, Ponto final. Portanto, quem no pagou que encha 0 seu cole~ te salva-vidas agora ¢ pule no mat. (Pausa, Alie Feed trazem treze coletes salua-vidas ¢ passam entre os es- pectadores.) Fehed, fala pra esses idiotas que subiram escondidos que eles cometeram um grande pecado... Deus nao vai perdoar isso. Neste barco tem familias, E nao Europa. Nio € justo colocar essas vidas em perigo. olga drematurgls | 62 | mat visies Desde que eu comecei a trabalhar nisso, nunca perdi ninguém, nenhum homem, nenbuma crianga. Eu no sou como 0s outros coiotes.. Sow alguém que respeita a palavra dada. E eu avisei todo mundo desde o ini- o-alemies, paquistano-suecos, rarqueses, grantee 1 169 1 met lnc iraco-holandeses, somalo-belgas, sudano-biingazos, irano-austrfacos, eritceu-gregos, argclo-romenos... MIGRANTE 7: Mas nossos filhos, cles jé sero franco- -cingaleses, germano-afegios, sueco-paquistaneses, dinamarco-sirios, neerlando-iraquianos, belgo-soma- lis, magiar-sudaneses, austro-iranianos, greco-eritreus, romeno-argelinos... MIGRANTE 1:E nao receiem que a morte de nossos pai- ses empobrega a diversidade cultural do mundo... MIGRANTE2: Tudo o que ha de melhor em nossos paises nds trouxemos conosco. MIGRANTE 3: E prometemos a vocts que vamos trans- itis tudo isso aos nossos filhos. MIGRANTE 4: Nada sera perdido, nem nossas tradicdes, nem nossa religido, nem nossa cultura. MIGRANTE 5: Promecemos. Vamos fazer tudo para que 0 mundo continue a ser pluricultural. MIGRANTE 6: © que propomos, entendam, é uma re- volugio.. MIGRANTE 7: Nao se assustem, vocés jé passaram por outras... MIGRANTE 1: Mas esta é verdade... MIGRANTE 2: A sna moda, vocés ja deram muito para a bumanidade... MIGRANTE 3: A colonizagao, a descolonizagio, a demo- cracia, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra cologte dramaturga | 18 mat visnoe Mundial, 0 comunismo, 0 nazismo, o iberalismo, 0 ul- traliberalismo, a financeisizacio da economia, a globa- lizago, a revolugao informatica, 2 espeacnlarizagio da informago, a faccbookizag4o da comunicagio, a g00- glelizacao do saber, a microsoftizagao do ser humano... MIGRANTE 4: Agora, é 2 nossa ver de propor a voces uma revolugao tranquila... MIGRANTE 6: Pacifica... MIGRANTE 6: Lenta... MIGRANTE 7: Nao temos pressa. MIGRANTE 1: Ela vai durar um século inteiro... MIGRANTE 2:...A retirada do arame farpado do mundo gragas a migrac3o... MIGRANTE 3: Vocés vao ver ¢ vao entender... MIGRANTE 4; Porque um dia vocés mesmos também vio se tomar migrantes... MIGRANTE 5: Verdade. E bora de fundar um novo bu- IGRANTE 6: © humanismo migratério... MIGRANTE 7: Nébs munca vamos fazer a vocés as per- guntas tolas quase sempre formuladas pelas ideologias de vocés... ‘MIGRANTE nés?”, lo tipo “Vocés so a favor ou contra niazantes | 165 1 matt vee MIGRANTE 2: Porque tanto nés quanto voces estamos no mesmo barco... MIGRANTE 3: E devemos navegar todos no mesmo mar de nossas diferengas, nossos Sdios, nossas contradi- ‘Ges € nossos dilemas... MIGRANTE 4: Endo é normal instalar cercas de arame farpado aum barco... MIGRANTE 5: Vamos nos desaramizar, caros amigos! MIGRANTE 6: Vai cer muitos vagalhées durante a nossa viagem.. MIGRANTE 7: Mas 20 menos temos certeza de que no alto das ondas nao se pode plantar cercas... 1 CENA SIH O Presidente e trés experts. (0 PRESIDENTE: Pode falar, Georges. EXPERT 1: Acho que dé para aguentar ainda uns quatro ou cinco anos. O PRESIDENTE: Que quer dizer isso? EXPERT 1: Falo do ritmo atual de 1 milhao de migran- tes por ano. (0 PRESIDENTE: E depois? colgteeramaturaia | 160 1 mall vise EXPERT 1: Depois, adens democracia. OPRESIDENTE: Por qué? EXPERT 1: Porque a extrema direita vai ganhar em toda parte ¢ em todas as eleigdes. O PRESIDENTE: De onde voct tirou isso? EXPERT 1: Das pesquisas de opiniio e das simulagdes de candidaturas. (Pousa.) OPRESIDENTE: que vocé acha, Serge? EXPERT 2: Nao vamos conseguir deté-los, mas podemos segurar um pouco. O PRESIDENTE: Como? EXPERT 2: Através da imprensa. Temos que privilegiar as imagens negativas. ‘O PRESIDENTE: O que quer dizer isso? EXPERT 2: Publicar intensamente imagens com fron~ teiras fechadas, cercas de arame farpado, agressies contra os migrantes, abrigos de refugiados totalmen- te precérios. E preciso fazer muitas reportagens com migrantes querendo entrar, divulgar depoimentos com migrantes enojados da Europa totalmente de- cepcionados... Se nos langarmos desde j, teremos 03 benéficos dentro de seis meses. Toda ‘a midia deverd falar de nossa administragao infernal ¢ dar bastante espaco is agressGes contra os migrantes. igracasies | 167 | atl vice ‘As imagens deverdo ser exibidas sem parar: incén- dios dos abrigos de migrantes, slogans e grafites anti- migrantes, manifestacdes anti-imigracio... f preciso em filmar ¢ passar cepetidamente as recondu- s 4 fronteira © as expulsdes. B em caso de delito grave cometido por um migrante, 0s processos de- vem ser transmnitides ao vivo, principalmente 0 jul gamentos de crimes de violagio e agressies sex Isso tera efeito répido. Segundo nossas si comegarmos imediatamente, o fluxo de migrantes vai recuar pela metade no ano que vem (PRESIDENTE: E como fazer isso, Serge? A imprensa & livre. Nao podemos impor nada. EXPERT 2: A imprensa € livre, mas regida pelo espirito de rebanho. Basta dar o tom... OPRESIDENTE:E € possivel dar o rom numa democracia? EXPERT 1: Nos somos uma democracia assustada, se- nhor presidente... (Passa) O PRESIDENTE: Fala, Michéle, EXPERT 3: Neséa linha atual, o senhor no tem nenhu- ‘ma chance, senhor presidente. (O PRESIDENTE: Explique. EXPERT 3: Isso significa que 0 senhor perde em todos os casos na simulacio. CO PRESIDENTE: E quem aparece vencendo? alagtocramatrgt | 168 si voice EXPERT 3: O partido anti-imigracéo. O PRESIDENTE: © partido dos assustados? EXPERT 3: Sim. O PRESIDENTE: Mesmo se a economia se aquecer? EXPERT 3: O desafio nao é mais econdmico, mas sima identicario, Testamos o argumento “migrantes: fonte do futuro milagre econdmico”. Nao suscitou nenhum entusiasmo, ao contrério, ampliou a des- confianga. Também no funciona mais a ideia de uma reviravolta democrtica nos paises de origem, a longo prazo. Jé temos 20 mil jovens provindos da imigragao, nascidos na Europa, a! par do jihad. Ninguém acredita que os filhi ‘que chegarem agora voltem para o pats de seus pais ¢ promovam a democracia. (O PRESIDENTE: Entao minha tinica chance é jogar com a carta da imigragdo zero. Veja que eu no sou tio bobo: assim, Michélet EXPERT 3: Sim. A tinica chance do scnhor é partir para a tolerancia zero para a imigracio clandestina ¢ uma parada total da imigrasio legal durante cinco anos. OPRESIDENTE: £ muita coisa, vocés nao acham? EXPERT 3: f muita coisa, mas é factivel. Testamos essa hipdtese de aco numa pequena pesquisa. OPRESIDENTE: E isso pode funcionar? EXPERT 8: Parece que aceitaram muito bem a ideia. Pigramaantes 1 169 matt vnice TE CENA 6 II) Na praia, antes do nascer do sol. 0 Pescador e um rapaz Os dois de lanterna na mao. 0 rapaz sobe no barquinho dde pesca do Pescador. Traz seu saco de dormir e uma ‘grande pedra. OPESCADOR: Precisa de mais uma ‘ORAPAZ: Mais uma... © qué? OPESCADOR: Mais uma pedra. acho que esta ja chega. Bla é bem pe- a se voce quiser. O PESCADOR: Vocé precisa de mais uma pedra pra sua mochila. ORAPAZ: Ab, ? (0 PESCADOR: F, porque se voc# rem que desaparecer, 1a sua mochila tem que desaparecer também... (Pausa. (O rapaz coga a cabega.) Mas voc’ é quem sabe. Enquan- to eu nao ligar 0 motor vocé ainda pode mudar de ideia (O RAPAZ: Eu néo vou mudar de ideia. 0 PESCADOR: Mas voc ¢ muito jovem. Pode esperar ainda... ORAPAZ: Nao quero esperar mais, 0 PESCADOR: Talvez apareca outra oporrunidade... as coisas podem mudax... alagao drat £170 ma vine I ORAPAZ: Nao. As coisas no vio mudar nunca. 0 PESCADOR: Bom, como quiser. Mas meu conselho & esperar mais um pouco.. (O Rapaz trax uma segunda pedra:} ORAPAZ"Pronto, Estou pronto. OPESCADOR: Vocé trouxe a corda também? ORAPAZ (tirando da mochila wna longa corda): Trouxe.. (O Pescador verifica a resistencia da corda.) f de boa ‘qualidade. Nao € agora que vou fazer economia, nao é? OPESCADOR: Bom, ento amarre bem a sua mochila na pedra ( Rapaz ata sua mochila & segunda pedra.) ORAPAZ: Pronto, chefe. Quer verificar? OPESCADOR: Nao. Esté bom assim. Sente af agora. ‘O RAPAZ: Queria fumar mais um cigarro. OPESCADOR: Fuma af, vocé ainda tem bastante tempo. (0 Pescador amarra os pés do Rapaz e depois amarra a pedra a eles.) ORAPAZ: © que vocé est achando? (0 PESCADOR: Nao acho nada, meu caro. Vocé é que deve achar se esta € a sua noite de sorte ou nao. Para mim sera uma madrugada como todas as outras. arasanes 1174 mati sec ORAPAZ: De qualquer modo, obrigado. OPESCADOR: Nao precisa me agradecer. agcadecer & se a gente nao cruzar com a po ma, Esta bem agora? Jé terminou? (O Rapaz joga fora a bituca. Tira um maco de notas e entrega ao Pescador. Ele as esconde num: bolso interto.) ‘O RAPAZ: Nao vai contar? (0 PESCADOR: Esta certo assim. Mais tarde eu conto. ORAPAZ: Vocé anotou direito o enderego da minha mie? (0 PESCADOR: Anot.. ORAPAZ: E voc# me promete, me promete mesmo que se por acaso... isso nao der certo, vocé manda esse di- nheiro para minha mie? (0 PESCADOR: Prometo... O RAPAZ: Nunca enganei nem nunca menti pare nin- guém, meu filo. (O Rapa vira de costas para que o Pescador the amar- re as mos.) ORAPAZ: Té muito apertado. OPESCADOR: Mas tem que ser assim, Voc? vai aguenttar se tudo der certo. (O Rapaz senta com as costas contra a parede do bar co. O Pescador pega wom cachecol.) cago dram 172 | math ones ORAPAZ: Vocé no pode me deixar sem isso? (O PESCADOR: Nao, meu rapaz. Vamos fazer como com- binamos. (O RAPAZ: Eu juro, chefe, que, se por acaso a policia ‘maritima chegar e vocé tiver que me atirar no mar, eu no vou gritar. 0 PESCADOR: Nao, meu filho. Nao da para acreditar nisso, Vamos fazer como combinamos, sengo... Mas eu repito, enquanto voc’ nio estiver amordagado, voce pode mudar de ideia. ORAPAZ: O.K., v4 em frente... Mas eu quero pedir mais juma coisa pra voc8. Se for 0 caso... Se por acaso 2 gente cruzar com a patrulha maritima ¢ eles vierem abordar... Se for o fim pra mim... Nao mande o dinhei ro imediatamente... Mande em duas vezes, um ou dois meses depois... ‘0 PESCADOR: Por qué? (O PESCADOR: Por qué? ORAPAZ: & melhor assim... f melhor que ela acredite que son eu que estou mandando.. O PESCADOR: Fi disse pra vocé, meu lho, eu respeito a minha palavra. Se iso ndo der certo, © dinheiro vai pra sua familia, Ese vocé quer que eu envie em. ORAPAZ: Até em trés. Vai ser mais convincente... rgrauanes | 1731 matt nee OPESCADOR: Posso mandar em trés vezes, se voc® acha que é melhor... ORAPAZ: Prometido? O PESCADOR: Prometido, ‘O RAPAZ: Bom. Entio, que Deus nos proteja. OPESCADOR: Que Deus nos proteja, meu filo. (O Pes- cador amordaga o Rapaz.) Bom, escute bem. Agora ‘eu vou fazer uma coisa que ett nao disse... Vou vendar rendar simplesmente porque néo ‘quero ver 0s seus olhos se por acaso a gente cruzar com a policia maritima e eu tiver que jogar voce no var, Nao vai adiantar nada deixar voc® ver © que po- desia acontecer. Os olhos dizem muito nos momentos dificeis. B eu ndo quero ter nada a ver com os seus olhos. Nao quero que seus olhos me pecam piedade se por acaso formos abordados. Ja disse e repito: com essa gente a politica € tolerdncia zero para os migran- tes, Nio quezem saber de nenhum por aqui. E se eles encontrarem nds dois neste barco, e se eu tiver pena de vote, eles vio executar eu e vocé na hora. Entio, ta catendendo... Os seus olhos me do medo porque eu posso correr o risco de ter pena de vocé. f por isso que prefizo cobrir os seus olhos. Mas vou te perguntar de verdade, de yerdade mesmo ¢ pela iltima ver... Voce quer mesmo tentar esse negécio? Vou te dar mais um ‘minuto pra pensac (Cons ternura, com as duas miios, le faz.0 Rapas fechar os olhos.) Fique assim. De olhos fechados. Vou te dar um minuto... Ese de rep 12, voo® abrir 0s olhos, eu te desamarro e voc? desiste vai embora... O.K.? (Uma senhora vestida de preto ~ talvez a mie do rapaz — aparece com uma ampulhe- 1a, Ela olba a ampulheta enquanto decorrem aqueles olgoramatagia | 174 t mats veiee sessenta segundos.) Bom, men filho, vamos 14. O sol vai nascer dentro de uma hora. O mar fervilha de pei- xxes. Tente 2 sua sorte. (O Pescador venda os olbos do Rapaz, liga 0 motor do barco. O barco se afasta, 0 ruido do motor se torna cada ver menos audivel.) (Aumenta a intensidade do barulbo do mar, 0 ruido das ondas que quebram na praia.) (A senhora vira novamente a ampulheta e a abandona diante dos espectadores. Sai de cena.) {A luz diminui. Os espectadores ficam no escuro com co ruido das ondas do mar.) rigruzaies | 176 | mative CONHECA OS TITULOS DA COLECAO MATEI VISNIEC: ‘+ Asta do Comunismo Contada aoe Dosntes Mentais + Ricardo M Esti Cancel ~ Gu Cons da Vida de Meierla + Ties Note com Madox + ANéquinaTeshov * A Htstra dos Ursos Pandas Conta por um Sexofnita quo Tem una Namorada om Frankfurt squid

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