Você está na página 1de 6

A CINOTÉCNIA NAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS (1)

Pelo 2Sar/Inf/Para Ferreira de Lima

Introdução

Não pretendendo o Autor deste artigo fazer uma exaustiva intervenção


sobre a utilização dos Cães de Guerra por parte das Tropas Pára-Quedistas, quer
por limitações de fontes bibliográficas, quer por limitações de ordem temporal,
em boa hora decidiu prestar o seu humilde contributo a todos aqueles que, de
forma directa ou indirecta, contribuíram para o surgimento de uma especialidade
que foi de grande valia para a nossa Tropa, quer pelas vidas que salvou nos TO’s
Ultramarinos, quer pela fama que granjeou como pioneira, em Portugal, a nível
do emprego de forças Cinotécnicas em ambiente de Guerra nas Forças Armadas
Portuguesas.
Confrontando-se com a falta de bibliografia no que a este assunto diz
respeito, o Autor lança desde já o repto a todos aqueles que possam de alguma
forma contribuir para o “despertar” e devido reconhecimento da cinotécnia nos
Pára-Quedistas, convidando-os a partilhar qualquer documentação que tenham
em seu poder ou “estórias” de Guerra, que estejam, naturalmente, ligadas aos
“Cães”, em que tenham sido intervenientes ou delas tenham tido conhecimento,
enviando-as para a Secção de Cães de Guarda da ETAT, de forma a ser possível
partilhar esta “parte” de “Nós”, que perfazemos o “Todo” Pára-Quedista, com
aqueles que a ela não tiveram acesso, não permitindo assim que uma “Arte” tão
bela quanto ousada se perca na noite dos Tempos...
Prólogo

- O Cão de Guerra ao longo da História –

Para uma correcta introdução ao tema, debrucemo-nos para já no longo


percurso dos Cães de Guerra ao longo da História, o que nos permitirá
contextualizar correctamente o “Porquê” do interesse do Cão nas Forças
Armadas Portuguesas e, concomitantemente nos pioneiros da sua utilização na
Guerra: os Pára-Quedistas.
A domesticação do Cão produziu-se simultaneamente em vários pontos
do globo durante o Mesolítico, já que eram frequentes os cães domésticos ou
semi-domésticos que vadiavam em torno de grupos de homens primitivos
avisando-os com os seus ladridos da presença de predadores, ao que eram por
estes recompensados com restos de presas e ossos. Isto levou a que no Neolítico
se desse o aparecimento, por selecção, de várias raças de cães. Neste período
predominam essencialmente cães de dois tipos: os Lebréis e os Molossos. Estas
qualidades inatas de defender e proteger, cedo tornaram a companhia destes
animais de quatro patas bastante apreciada pelo Homem, tendo esta simbiose
vingado até aos dias de hoje.
Foram os Gregos que sempre tiveram os cães como caçadores e
guardiães, e a que não é indiferente o facto de a palavra grega para caçador -
Kunegos – significar literalmente “condutor de cães”, os primeiros a adoptá-los
como animais de companhia. Mas também outras civilizações utilizaram os cães
para seu benefício e nem sempre para sua subsistência ou em actividades tão
pacíficas.
Disso são exemplo os Egipcíos, os Sumérios, etc. Os Assírios, por
exemplo, utilizavam grandes cães do tipo Molossóide, treinados para o combate
e a guarda de prisioneiros. Os Romanos detinham nas suas fileiras autênticos
esquadrões de Cães de Guerra que, providos de colares com pontas em ferro e
ajaezados com couraças sobre as quais fixavam bicos de aço, eram destinados à
laceração dos flancos dos cavalos inimigos. Outro tipo de missão que os
Romanos incumbiam aos seus cães era a de, depois de os cobrirem de couro, os
fazerem portadores de fogo num recipiente de bronze com o objectivo de
provocarem incêndios no campo inimigo.
Sendo certo que até à I ª Guerra Mundial a utilização do Cão de Guerra
não se estabeleceu de forma regular, este conflito veio dar-lhe a oportunidade de
se impôr como indispensável e precioso auxiliar do Combatente, seja como Cão
Sanitário, treinado para recolher qualquer objecto (p.ex.: Capacete, Carregador,
etc.) encontrado junto de um ferido e levá-lo junto do maqueiro, guiando este,
em seguida, até ao ferido – a título de curiosidade, refira-se que segundo os
Alemães, que utilizaram este método na Rússia e na Roménia em 1916, 1600
Cães Sanitários salvaram cerca de 31000 feridos.- seja como Cão de Ligação
(que transportavam ordens escritas presas na coleira pelo campo de batalha, indo
de um condutor a outro e vice-versa ), como Cão Sentinela (associados aos
vigias, “emprestavam-lhes” a sua visão e o seu olfacto, para além de um certo
conforto psicológico), ou até como Cão de Patrulha (com um treino bem mais
completo que o anterior, tinham que poder ser utilizados no trabalho de escuta e
detecção de movimentações IN, alheios à tropa que progredia na sua
rectaguarda, em qualquer tipo de terreno e no mais completo silêncio. O cão que,
sempre que necessário, rastejava, precedia o seu tratador-treinador, que por sua
vez antecedia o grosso da patrulha. Foi este tipo de binómio cinotécnico de
grande utilidade, evidenciando-se no evitar de emboscadas e detecção de tropas
IN, e, por conseguinte, no salvar de milhares de vidas nos vários cenários bélicos
em que foi utilizado.)

O Cão de Guerra nas Tropas Pára-Quedistas Portuguesas

Foi principalmente este o motivo, aliado a uma natural evolução dos


métodos de adestramento e consequentes êxitos em missões operacionais no
decorrer da IIª Guerra Mundial, que não está de algum modo indissociado ao
facto do Cão de Guerra poder também ser adestrado e especializado na detecção
de armamento, minas, armadilhas e explosivos, que levou ao interesse das
Tropas Pára-Quedistas, nomeadamente do pessoal do BCP, por canídeos com
características específicas, passíveis de serem empenhados em tarefas de índole
militar, tais como a guarda a instalações ou em missões de combate. Tal facto,
advém também da consciencialização por parte dos altos comandos de Portugal,
das limitações do soldado metropolitano que, em combate num meio hostil
como a selva, se encontrava claramente em desvantagem quando comparado
com os indígenas desses mesmos territórios, cujos sentidos eram bastante mais
apurados, como foi referido pelo Sr. Ten./PQ Fausto Marques no seu relatório de
23NOV57 “Treino de Cães de Guerra” onde chamava a atenção para o facto
destes animais poderem ser utilizados, num futuro próximo, em acções militares
no Ultramar e em que refere “Portugal com um tão vasto Império
Ultramarino, onde os indígenas têm os sentidos bastantes mais apurados que
o soldado metropolitano, encontrará com certeza nos cães, o seu maior e mais
fiel guia e aliado”
Por tudo o que atrás foi referido surgiu com toda a pertinência, a
vontade de criar uma nova sub-especialidade no seio das Tropas Pára-Quedistas:
- a de Tratador / Treinador de Cães de Guerra ( TTCG ).
Os Cães de Guerra nas Tropas Pára-Quedistas

- Capítulo I –

A Génese

Desde os primeiros tempos de existência do Batalhão de Caçadores Pára-


Quedistas que se tentaram implementar os Cães Militares. Em 07JUN56, o
Comando do BCP solicitava ao CITFA o fornecimento de “manuais de treino e
tratamento de cães...” dando preferência aos então utilizados pelo Exército
Inglês. Tal deveu-se a terem sido oferecidos à Unidade um casal de cães de
Pastor Alemão e o Comandante do BCP considerar que seria “vantajoso que a
descendência fosse convenientemente instruída”. Quatro meses mais tarde, a
15OUT56, voltava o Comando da Unidade a dirigir ao CITFA novo pedido,
alegando que, em virtude da mesma possuir um cão de Pastor Alemão e estar
altamente interessada em adquirir mais alguns para os treinar como “Cães
Polícias” e sabendo também que alguns elementos da GNR se tinham deslocado
ao estrangeiro para se especializarem no treinamento de cães, pretendia o
Comando do BCP saber qual a possibilidade de solicitar, por empréstimo, à
GNR, os manuais e a literatura relativos a este tipo de instrução. Assim, e
prosseguindo as suas diligências, o CMDT do BCP contactou pessoalmente os
Capitães Veterinários da GNR, Carvalho Mesquita e Correia Monteiro, junto
dos quais tentou reunir o máximo de informações sobre a aquisição, treino de
cães e respectiva especialização do pessoal tratador/treinador. Estas informações
serviram de base para um “Relatório do Comando do BCP”, elaborado a
26JUN56, e onde era focada a conveniência de dotar as Unidades da Força
Aérea com instalações para o fim atrás referido. No referido relatório era dado
especial relevo aos seguintes pontos:
o A GNR tinha adquirido 12 animais da raça “Pastor Alemão” com algum
treino, e enviado para Espanha, mais concrectamente para El Pardo, 1
Oficial, 1 Sargento e 1 Praça onde na “Escuela de Adestramiento de
Perros de la Guardia Civil” tinham concluído com sucesso o curso de
treinador de cães.
o O ensino naquela escola não era o mais aconselhado para a Força Aérea,
em virtude de estar orientado para missões próprias da Guarda Civil.
o A raça de Cães mais indicada para desempenhar missões militares era a
de “Cão de Pastor Alemão”.
o A aquisição de cães deveria ser efectuada na Alemanha, por ser mais
fácil, rápida e económica, sendo possível adquirir excelentes animais,
devidamente registados, o que tinha, aliás acontecido com os exemplares
que a GNR adquirira.
o A melhor escola para o tipo de adestramento que o BCP pretendia para
os seus cães era a “War Dog Trainning School” sediada em
Leicestershire, Inglaterra.
Nas conclusões do relatório, o CMDT do BCP sugeria a aquisição na
Alemanha do número de cães julgado conveniente de acordo com estudos a
efectuar; a construção de canis e estudo do tipo de alimentação a fornecer aos
canídeos, em ligação com a GNR; a implantação da Secção de Cães da Força
Aérea nas instalações do BCP, Unidade que ficaria responsável pelo
fornecimento a toda a Força Aérea de animais treinados para os serviços de
gurda, bem como a pertinência de uma visita por parte do Oficial responsável
pela Polícia Militar da Força Aérea à “War Dog Trainning School” e à “RAF
Police Depot” em Inglaterra, a fim de estudar a viabilidade das questões atrás
referidas devendo ser acompanhado pelo futuro encarregado da Secção de Cães
das Tropas Pára-Quedistas.
Sugeria ainda o Comando do BCP, o envio dos cães adquiridos e
respectivos tratadores/treinadores para Inglaterra com o propósito de receberem
instrução especializada e a aquisição imediata do Regulamento inglês
“Trainning of War Dogs”
Salientando desde já o interesse manifestado pelo referido Comando na
criação de um Centro de Instrução de Cães Militares, houve no entanto, um
Oficial pára-quedista que com o seu entusiasmo e dedicação se destacou,
empenhando-se afincadamente na sua concretização, quer durante a fase de pré-
instalação, quer na sua chefia logo que este entrou em funcionamento. O referido
Oficial, Sr. Ten/PQ Fausto Marques, foi então, responsável pela elaboração de
um bem documentado relatório já aqui referido denominado de “Treino de Cães
de Guerra”. Este documento dava também resposta a várias questões
formuladas pelo General Venâncio Deslandes a propósito do aproveitamento
dos cães, no âmbito das missões militares da Força Aérea em geral, e das Tropas
Pára-Quedistas em particular.
Nas conclusões do seu relatório, propunha a compra de 3 “Cães de Pastor
Alemão” na Alemanha; O envio de 1 Oficial, 1 Sargento e 3 Praças com a
especialidade de Pára-Quedista conjuntamente com os cães adquiridos, para uma
escola de treino de cães estrangeira (para além das Inglesas, era também referida
a escola onde os Pára-Quedistas Franceses treinavam os seus cães, em Linx); A
aquisição, após a formação do grupo inicial, de mais 4 cães e 3 cadelas com
cerca de um ano de idade; A organização de cursos em Portugal, para a
formação de mais instrutores cinotécnicos, bem como o treino simultâneo de
novos cães. Propunha ainda que, logo que o Centro estivesse implementado e
enquadrado por pessoal qualificado, cada unidade da Força Aérea interessada
deveria enviar para o BCP o número de homens julgados necessários para
receberem instrução. A alimentação dos canídeos por ser matéria sensível e
extremamente importante para a sua homeostasia era também focada neste
relatório, já que dela dependeria uma correcta prestação dos serviços a
desempenhar pelos animais.
Os trabalhos e diligências efectuados pelo Comando do BCP para que
fosse criado na Unidade um Centro Cinotécnico, acabariam por ser
recompensados em 4 de Julho de 1957 quando o Subsecretário de Estado da
Aeronaútica exarou o seguinte despacho:
“Deve constituir-se um canil no Batalhão de Caçadores Pára-
Quedistas que não só se destina a fornecer cães para esta Unidade, como para
todas as da Força Aérea. Para isso deverão ser inscritas na proposta de
orçamento para 1958 as seguintes verbas:

Aquisição de animais..........................40.000$00
Manutenção de animais.......................20.000$00”
( Continua no próximo número)

Bibliografia: “História das Tropas Pára-Quedistas”


“Conhecer o Cão – O Cão na Cultura”

2Sar/Inf/Para Ferreira de Lima

o Nascido no Porto em 11ABR74

o Incorporado na FAP em 08FEV93

o Ingressou no 25º CFS do Exército em 1996

o Concluiu o 25º CFS em 1999 pela Arma de


Infantaria, sendo colocado no RI 19 (Chaves)

o Ingressa nas Tropas Pára-Quedistas em FEV00,


sendo colocado na Secção de Cães de Guarda
da ETAT

Cursos - Possui entre outros, os seguintes cursos:

– Curso de Polícia Aérea (1993)

– Curso de Para-Quedismo Militar (2000)

– Curso de Operações Irregulares (2000)

– Curso de Tratador/Treinador de Cães Militares


(1993)

– Curso de Cinotecnia Guarda/Patrulha da GNR


(2001)

Você também pode gostar