Você está na página 1de 19
5 ARISTOFANES 1. COMEDIA ANTIGA. A origem da Comédia Antiga é muito confusa e, por isso mesmo, extremamente controvertida. C, Maurice Bowra”, em sua excelente Introdugdo a Literatura Grega, falando da origem, da Comédia, deixa bem claro que o problema é complexo, como alids procuramos demonstrar em nossa tese de doutorado e, forgosamente, teremos que repeti-lo aqui, embora em linhas muito gerais. "Néo hd diividas, acentua o mestre dritanico, acerca da origem da palavra comédia. Provém do grego xupwéta, “komoidia”, que significa canto de um grupo de foliées, mas isso no nos esclarece muito, uma vez que 0 ios, “kOmos”, que significa, em termos de teatro, uma procissdo alegre, ‘podia celebrar-se em qualquer ocasido, convival ou festiva, sem relacéo alguma com a comédia, 0 que se deve deizar claro é que esta estava ligada, em suas origens, @ esses grupos de folides e que conservou algumas de suas caracte- nisticas, ‘mesmo depois de se haver tornado uma forma de poesia, © género jé era conhecido em Atenas nos inicios do sé. V aC. ¢ © nascimento da comédia dtica, na forma com que chegou até nds, Mlevese & combinagdo de dois elementos completamente dispares: 0 Gntigo xiyoc, “kémos”, ou danca cémica e determinadas farsas lite- rérias, A verdade é que, originando-se, tanto quanto a tragédia, do tulto dionistaco, \a comédia é o antOnimo da tragédia, 4 que, sud finalidade & contemplar a vida de um ponto de vista antitético”) - x’ fn As afirmagées do grande helenista C. Maurice Bowra sio lscutiveis, mas incompletas. Como veremos, um pouco mais ee, egg. Landmaris In Greek Lterture, London, Wolefeld and Xt 1 SS Scanné avec CamScanner 6 imprescindivel distinguir 0 kémos popular, pr ofano, is igioso. aera dionisiaco, isto ¢, religit formada & base de dois a € realmente | j A Comedia, Antic k6mos e a farsa. A esse respeito, Paul elementos dispal os que procuram desvendar o qi nisterio alee axe da Comedia ‘Antiga uma visio muito pouco animadora; da génes enero _desconcertante, s diz ele, € um gé c She" trers non parce, "primera vista, um verdadetro, enigma. ‘Sua origé + bir iga_coml elemento: ersos, motivo é simples: Comedia Amie eunstaclas que the permitiram oH as ito pode auraT-por Muito tempo. De outro lado, a Comédia 0 surto, ndo pod de sua breve existéncia, revestiu-se de formas téo Face oenidade real do género é dificilmente perceptivel pela que a unidade real do 96 critica”. i i riunda dos cantos Aristoteles® define a comédia como 0: C : falicos, 0 que parece confundir ainda mais 0 que ja é muito pouco claro... a iamente da improvisacdo (a tragédia e a co- media), ‘aquela ry poral goat entoum © ditirambo e a comédia por parte dos que entoam os_cantos fdlicos, os quais, até hoje, sao estimados em muitas cidades”. Apesar de ser muito discutida, a definicéo do Estagirita tem resis todas as criticas. A nosso ver, o qu tomia, absolutamente necessdria, para um estudo em profundi- dade das origens e estrutura da comédia, entre k6mos e farsa. E 0 que vamos procurar fazer, mostrando que a definic&io con- cisa de Aristoteles pode ser perfeitamente esclarecida com a ajuda de C, Maurice Bowra, que também é incompleto, e so- bretudo com as luzes do profundo artigo de Paul Mazon. Tomando-se Por base ao menos oito das onze comédias de Aristéfanes, que chegaram até nos, pode-se verificar, de ime- diato, que a Comédia Antiga se divide em duas partes bem distintas: a primeira é um aya, “agén”, uma luta, um debate; evista. A primeira comporta uma acio, © prologo, o paro “ ” i 7 ¢ eee oh anata fee i ‘ag6n” propriamente dito, a pardbase e , & até mesmo contestada, stido, através dos séculos, a le no se tem feito é a dico- ‘ado para o fim da comédia; da. Parte é uma série q, > > & segunt G80 desenvolvida ne . » due esclarecem o sucesso da Papel de » Nesta, 0 coro desempenha o * > Na segunda, ele é taio-somente » due caustica Seus contemporaneos com as 21. Mazon, Paul Grice. In: Reoue ae aa, a, Farce dan: Se a soctete aimustrs Atistophane et tes Oni i Re histor Ss Origines de 1a Comédie en Metre enn NO Pogue Rare, ates nat ag Chattoten Wek, 1 TA 72 Scanné avec CamScanner sua critica mordaz e ferina, Or, ns rerenteS nfio podem ter a mesma “origene duas par. nha 0 papel principal, na outra sua funca numa, o ie, gesemP™uco importante. Em ambas, no engi, ¢ Multo ° ars, mas sob aspectos diversos, A to, encon. (005 8 Tetudo visivel na revista, em que surge oe da os soPiie tipos grotescos que vém provocar ¢ oie veves, oes : se suprimirmos 0 ézodo, com que se to eemsta, ys Solocarmos a pardbase, perceberemos que ests : eo c as na Comédia Antiga. Pardbase, em term: a sor C nifica uma suspenséo da aco e uma como aay “7 pitts (Og espectadores & realidade, isto é,(uma sétira i ei faz contra os cidadios, responsdveis politica, socis, pole osamente Pela polis. J& se tentou explicar a pardbase e rg 30 epilogo, quer como Prdlogo; segundo parece, a pai rd. i quer foi introduzida néo so para servir de concluséo proviséria vase eira parte, quando esta ficou separada do éxodo pela 3 palm da sgunda, mas sobretudo para servir de marco as cig completamente diferentes da Comédia Antiga: a ir, que Lea do k6mos, e a segunda, cuja origem ine. vel € 8 7 Aristoteles, na passagem supracitada da Poética, declara que a comédia primitiva era improvisada e provinha dos cantos {ilicos, Ora, esses cantos fdlicos acompanhavam as Faloférias, prociss6es solenes em que se escoltava um falo, simbolo da feundidade e da fertilizacfo da terra. Além do mais, devese observar que no vocdbulo xmpwdie, “komoidia”, hé um elemento que néo é estranho & definigéo e & origem da Comédia: trata-se de xdpos, “k6mos”, que tem muitos sentidos, mas o principal é0 de grupo de festas, o que denominarfamos corddo, bloco, que, 8 noite, mascarado ou nao, percorria as ruas, escoltando um falo. 0 Kémos em Atenas tinha um valor ritual, pois figu- Tava na procissio oficial das Dionisias Urbanas. Estas chama- ‘amse primitivamente xyo, “kOmoi”, e os concursos cémicos vam com as mesmas honras ao lado dos concursos tré- 82s @ liricos. A etimologia, portanto, que faz provir comédia “wes, “kOmos” = procisséo jocosa + bi, “oldé = can “non “ia”, xowpdia, “Kkomoidia”, pelo latim comoedia, dos Glonisfacos, reconhecidos e tutelados pela religiio do » € certamente veridica. di ‘ Lite- SR, & Laglerenga entre terse e comédia, consoante 0 Dicionéria te TerTtes do , *eracas at Molsés, p. 228, estaria no grau: a farsa 7 Sure" 20 empreg de recursos como 0 absurdo, as Incongrudnciss, lender enktO8, a. caricatura, eonamor primério, 8 slung ge. (osni0, Scanné avec CamScanner todavia, observar que a Grécia no con) a ornot religiosos, como os acima descritos. Havia outros também e de espécies diferentes. Em muitas cidades e aldeiag da Hélade era hébito que jovens em determinados dias Saissem as ruas e batessem de porta em porta, solicitando Prendas g | outros donativos e aproveitassem a oportunidade para Provocar ' os transeuntes, cobrindo-os, nfio raro, de motejos. Muitas vezes | i hecey tinham animais e aros em suas mos: peixes, corvos, ando. rinhas. Freqdenieente se disfarcavam em animais, imitando assim os kémoi rituais, restos de cultos zoomorficos, em que Os fiéis se assimilavam ao deus que celebravam. Nio 6 isso mesmo, diga-se de passagem, uma explicagéo para a freqiiéncia dos coros cémicos compostos de animais, Ras, Vespas, Aves, nas comédias aristofanicas? Pois bem, essas duas espécies de k6moi, a religiosa e a profana, influenciaram-se mutuamente e o kémos das Grandes Dionisias fundiu tragos tomados a essa dupla origem. A tradic&o, pois, 6 bom que se Tepita, que faz nascer a | comédia do kémos dionisiaco, escoltando ou nao um falo— { © aqui esté a parte que faltava A definig&o aristotélica — ¢ certamente verdadeira. © que poderia causar estranheza & um “moderno civiliza- do” é a fus&o do elemento reli; zi0SO_ com o. satirico e o profano. 0 fate, todavia, como deisa claro Paul Mazon, 3 peeq grossa tado na Grécia antiga. Muitas eram as festas em Atenas, em Que a troca de expressdes obscenas (para nés), a chamada , isto 6, ditos grosseir um rito tradicional. Tais ‘Ge orlgemn: sean: era am 1 5 festas eram de _origem agrdria e sua finalidade era provocar a fecundidade qd ue_simbolizav: t i -2—uniaio_das mulheres Com um demonioCenignos eee A Un falo, como ele rento biico do sis, Dina coisa ¢ cer jo tee como, hos possa parecer: goede _mais_grosseiro existe na Cco- _média € justamente o we-sla-deve & ‘sua origem religiosa. Até aqui a primeira Parte da Comédia Ant: ‘Vamos, a Ta, & segunda, a revista ou uw sna ahs wah beceelaad ma série de “sketches”, a Os dérios, como € sabido, tor es. Mas, ess; i seu aristof nied, augemt®, Politi 6 muito ‘ditenen Por at xerceu sobre a Coméaia acne Pouce ou nenhuma influéncia 4 Scanné avec CamScanner A comédia de Mégara, também dérica, ao contrério, deve ter servido de modelo & segunda parte das comédias de Aris- tofanes e seus rivais. E inegdvel a presenga do tom megarense em algumas cenas das comédias de Aristéfanes. Da comédia de Mégara, sabe-se pouco: deve ter sido uma farsa camponesa, de caréter dspero, grosseiro e violento. A caracterizagio bdsica de seus atores era um falo sobre um ventre enorme. O género, realmente, pouco tem a ver com a primeira parte da antiga comédia dtica, cuja originalidade maior é 0 dyév, o debate, a patalha entre o coro e o protagonista. Deve, isto sim, ter influen- ciado as cenas burlescas de que se compée a segunda parte da Comédia Antiga. Pode-se, assim, afirmar, com boa margem de acerto, que a primeira metade da Comédia Antiga é de o1 dtica, en- quanto a segunda sofreu nitida influéncia da farsa ddrica. Em concluséo: a comédia nasceu do xépos, dionisiaco, que nao é uma farsa, mas que, mesmo sob a forma ritual, comporta um elemento satirico e, por isso mesmo, recorre aos processos ordinérios da farsa. De outro lado, a segunda metade da co- média, a revista, esté muito préxima da farsa dérica, para que se possa negar uma influéncia desta sobre aquela. Acrescente-se ainda que na primeira parte o prélogo sofreu _Mitida influéncia da tragédia e o deb: trai manifesta influéncia sofistica. O todo, como se vé, é um con- Junto singularmente Composto. De qualquer forma, a definig&o aristotélica que faz provir @ comédia dos cantos félicos, quando muito, pela finalidade mesma da Poéticg, certamente um punhado de anotag6es, pode ser incompleta, mas nenhuma palavra se lhe pode tirar. O que disse o génio da Estagira est4 correto. A tragédia e a comédia sio coetaneas, pois ambas sao de tundo dionisiaco, mas a Comédia Antiga s6 apareceu oficial- aa em 486 a.C., quando a tragédia jé contava quase cingiien- anos de palco. O aparecimento da comédia surge tardiamente dem politica interna de Atenas. £ que sendo ‘@_uma_sétira pessoal violenta, pois, como ié_ 2 falou, houve uma verdadeira fusio do xGues, ritual com o. oo * ma Tepresentacéo cdmica, onde a politica ocupava dade, U™ lugar de honra, s6 era possiv ‘de liber- absoluta, Ora, a democracia ateniense, esbogada em 594 5 Scanné avec CamScanner Osa scioixec, “Seisdichtheia» oo cma ‘mpulso tom elistenes que, em 30 ace Te. cebeu Nae tiranos, Hipias, filho de Pisistrato e foi sou 0 ra finitivo por Efialtes e Péricles, quando entge™ solidada em def chegou @ seu apogeu. A partir daf, come a0 Comédia rae do mundo, houve (e cremos ‘que Ta nenhum outr dita liberdade de palavra como em Atenas, haveré) tao ieee humoristico do cardter atico, a eo, awe Pe afirms Victor Ehrenberg, uma questiio interna a povo soberano que gozava de completa xogonsia, ‘Parresta”, isto & de absoluta liberdade de palavra. idada ‘cular, sob; uma polis grega nenhum cidadio era parti ular, sobre. pane se tretande de um poeta dramatico, um cidadio que falava e admoestava a cidadios Para os perigos que Tepresen. tavam para a polis determinados cidadfos. Pois bem, Arist. fanes (porque de seus predecessores, Magnes, Cratino e quase nada chegou até nds) que é a grande estrela da Comédia, Antiga, viveu e escreveu ao menos oito das onze Pecas que até nés chegaram nesse clima de xaegnola, de absoluta liberdade de expresséo com que a democracia presenteou o séc. V aC. em Atenas, com justiga cognominado o século de Péricles. 5.2, ARISTOFANES. Ateniense do séc. V aC., Aristéfanes nos deixou onze comédias e 6 somente através del: aS que se pode nfo apenas fazer um juizo da comédia dtica, mas ainda e sobretudo um levantamento das idéias bdsicas do maior cOmico de todos os tempos. Nio € facil descobrir nas comédias aristofanicas uma sis- temética filoséfica, ética, Politica, religiosa ou mesmo literdria, Porque salta aos olhos o que o Poeta ataca, ai mente o que ele defende. O que Arist6fanes condena e satiriza i , MAS OS abusos que se intro- © poeta, quando critica a democracia, néo é bem a democracia @ que ele visa, mas ao regime ultra- democritico de Atenas com todos os vicios que lhe eram ine- Tentes. Em politica, diga-se logo, o autor de As Ras parece ter luziram nesses sistemas, mH, ituagio Vr. lorena ttl? gos inter aselentes, egobFetudo dos camponeses, no_séo. Prag humana estes doreagt deved iro \s¢_emprestava sob hipoteca da Se dimocracin aniigi™® Fovalughs sci, MNOS, dias eramesctavinge Dace Bu ra , Ou mesmo tempo qualquer’ em- 6 Scanné avec CamScanner térprete da classe rural. Pa; A do or ele desenvolvido em ae intransigente da es, A Paz, Lisistrata...) seré que a par = P&S (Os ycomnensera aquela que, unificando todos pe n2, We aspira poets “jélade um Daluarte contra seus intel, Pudesse % da 0S extey fundo certamente é também isto, ja ‘TNOs? per é » J que a paz No sem elevacdo: a paz aristofanica eam pa lo propoe, € tam| jegria que se es! ipa no rosto do camponés be: al mM. nutrido. filosofia, bem como em religia Bo Suvens considerava sua época inet ada © we de mostrando-se, por isso mesmo, como diria Horacio, au. re temporis acti, um apologista do passado. Aristofanes fol pdubitavelmente um intérprete no teatro daquilo que se pen. cava e nO Se dizia, ou se dizia em voz baixa na Agora, porque nio se tinha a coragem de dizé-lo em voz alta nas tribunas, Os politicos de Atenas, Cledo, Cleofonte, Hipérbolo, sio { yergastados com uma auddcia e linguagem, que nao se admiti- riam hodiernamente nos paises mais democraticos do mundo, conforme se pode testificar em As Ras, Os Cavaleiros, Lisistrata, 4s Vespas, As Aves... Cleofonte, Cleéo, Hipérbolo e, em parte, também Péricles, no passam de charlatées vulgares que apo- dreceram 0 povo com o virus da demagogia. A Assembléia, os Tribunais e os Magistrados sio os venais que substituiram a toga da justica e da cultura pelos farrapos da conveniéncia ] politica e da ignorancia. Os Sofistas, com sua filosofia, sua argicia e educagfo nova, encontraram no poeta de Os Cava- léros um catéo mordaz e inexordvel. Em religiio e arte os tesponsiéveis pelas inovagdes que langaram por terra uma civi- lizagio de quatro séculos séo sempre os mesmos: Sofistas, | Sécrates e Euripides. O grande fildsofo do didlogo, um anti- sofista por exceléncia, é para Aristéfanes o venal, o sofista que sinou em As Nuvens que o justo e o injusto tém o mesmo Peso e medida. O grande poeta de Medéia é o representante 00 teatro do espirito chicaneiro e dialético que abalou os nervos & . Novos deuses se introduziram por meio do fildsofo qo poeta que substituiram a grandiosa e tradicional mitologia i Hélade com seus mistérios seculares e lendas sagradas por pias abstratas, tais como Lingua, Ar, Eter, Persuasdo, se Se pode verificar em As Ras, As Nuvens, As Vespas..- cragllitaria @ razio em favor de Aristéfanes? & mister no dale =F que o poeta muitas veres tem a Tazo € Vir Regogog Ut lado, sobretudo quando satiriza os sofistas wiiges de Minas tae, Waorancia, a venalidade e a cupidex dos foo” 7 g comes a finalidade precipua da poesia cOmica ropos agudamente escreve M. Bowra, Aristofanes s¢ P 7 Scanné avec CamScanner . mundo de suas criagdes vive em funcgio « See Renae e, embora tenha por alicerce a vida real, dinamismo procede do desafio &s normas e as Umita. goes impostas pela mesma. Para o poeta de As Ras 0 riso ¢ um fim em si mesmo, um fim absoluto. O grande comico ote. rece, dessa maneira, a seus espectadores, estreitamente limitados pela natureza humana e O controle divino, uma evasao ria de tais restrigdes. Sob esse aspecto a comédia aristofanica é um desafio & doutrina do meio-termo tao diligentemente jn. culcada pela moral grega. Na realidade, os gregos, de Homero a Luciano de Samosata, viveram tropegando em Wah cai, conhece-te a ti mesmo, undév dyav, nada em demasia, e péroov, a medida, o meio-termo... Extrapolando a realidade, o poeta arrasta seus espectado- res para um mundo imagindrio, onde o onirico anda de maos dadas com a distens&o... De outro lado, se a comédia nasce e vive no reino da ironia, que, as mais das vezes, vai desaguar na sdtira, isto 6, nas coisas imaginadas piores do que realmente © sido, Aristé- fanes soube genialmente exagerdé-las e atingir, com isso, o fim colimado. Com esse tipo de s4tira exagerada, pondo em foco os defeitos dos mais importantes de seus contemporaneos, abriu os olhos dos atenienses para os homens que os governavam e para as inovagdes perigosas que, a seu ver, poderiam conduzir Atenas para uma catdstrofe inevitavel. A comédia aristofanica, por seu caréter mesmo, 6 um gé nero especial que sempre precisou, como jd frisamos, de um clima especial para viver. Extinta a democracia plena do séc. V aC., passadas as circunstancias que permitiram o surto e 0 triunfo da Comédia Antiga, esta propriamente no evoluiu, mas desapareceu com Cratino, Eupolis e Aristéfanes. E com Aristé- fanes e sua comédia genial, por triste coincidéncia, desapareceU também a grandiosa Atenas democratica de Sdlon, Clistenes, Efialtes e Péricles. A comédia As Ras é 0 canto de cisne da Comédia Antiga. 5.3. AS RAS. A comédia As Rds fol encenada nas Leneanas™, em 405 &C. Classificando-a em primeiro lugar, o piiblico ateniense ex 2% As Fepresentagdes: mas celebrat = draméticas na _Hélade, tudo em Aten Vai tam em trés épocas, por ocasito das festas dionisiscass ee Dionisios Urbanas reel dias fe a primavera, fing "de ann, oa bravam-se no inv ed tinham um caréter mais do mde de desembre; nas sige{RDeHO: 28 Dionisias Rurais ocorriam nos ultimos 78 Scanné avec CamScanner sogunda representa «om uma 808! 0, coisa origina ng + qron aribase ”” da pega serve de mar stro inteiramente aauies da comsaie ¢ fantdstica, 6 a viagem de Dio; . imeira, vat bes fornecidas por Héracles) 20 as 5 necesear it ssformedcravo XAntias; a segunda, de telco gtiee comPanhla dos eonfronto entre os dois grandes trégicos, ia literéria, 6 uljo e Burfpides. A segunda parte da pardb. a iclilecidos, Jadlealmente politico. © lago que une estes trés clam ica a finalidade da comédia em pauta maomice ara e teclmentos politicos, sociais, religiosos e literdrios da Spon Se externamente Atenas estava empenhada na peloponeso (432-404 aC), internamente a sua pines @ iitica no era das melhores. De 411, data em que Aristéfanes compés 2&8 Tesmoforias, a 405, quando foram representadas As Ras, Atenas foi agitada e apodrecida pela Oligarquia. Quatro governos sucederam-se no poder nesses seis anos. A democracia solonina fora substituida pela facgéo oligérquica dos Quatrocen- tos, Esse governo de terror concluiu um tratado vexatério com Esparta e provocou o afastamento de Eubéia da Liga Ateniense.* O terror felizmente foi efémero. Quatro meses e meio depois, de maio a setembro de 411, os Quatrocentos foram substituidos pelos Cinco Mil, cuja constituigio, no dizer de Tucidides, era “uma sdbia combinagio da Oligarquia e da Democracia”. Os direitos civicos foram assegurados e 0 salério da ma gistratura abolido, Também esse estado de coisas nie ame muito, Em 410 a Oligarquia implantouse novamente © demagogo Cleofonte, sucessor dos tiranos Cledo € He Mil niio 86 restabeleceu todos os saldrios supressoe 7 pelos Pgiobelid. Separar as duas 7. Nea as vestimentas offices, %5 ay Dagestan era CO SesPrataase Ven Te Tiers, ae artes nome ou, em nome 20 POM ssente dt, ° etn 2 pede! Soceroy Pa mals oo nals Someta re, 60 PO des, in ase ayy 08 tet Bi eto es Yeeram Piatrmamente, {ogo Dele bao Cony tou def A miniscule Com navi cont Tae 5 orgs enusiente | com, Scanné avec CamScanner lutas internas & externas corria Para. s, : Com as desordens, Mr tio ateniense, tao imento do impéri¢ 2 eo penosamente lelo © enfraquect pela dedicagao do comandante das forgas garantido e mantido Pi "Ge palas Atend sacrificava as suas iga, Cimon. A Ch ‘i i 7 Sones reservas para obrigar a& cidades aliadas, que haviam Jesertado, a manterem o pacto estabelecido na Confederacao ge Delos. Atenas, politica e militarmente acéfala, precisava de um cibiades, temporariamente brigado com Esparta, pro a peineaar a Atenas. Apdés sua retumbante vitéria em Cizico (410) sobre o almirante espartano Mindaro, Alcibiades foi cha. mado de volta a Atenas e nomeado generalissimo. Um ano apenas permaneceu ele em solo ateniense. Com a derrota de um seu lugar-tenente em Nécion, Alcibiades foi novamente exi- lado. Enquanto isso, o astuto general Lisandro preparava Espar- ta para uma desforra. Conon, general ateniense, foi sitiado em Metimna. A custa de promessas de direito de estado a escravos e a metecos foi que Atenas conseguiu, num derradeiro esforgo, equipar uma nova armada. Dez generais, 4 frente dessas tropas improvisadas, derrotaram os espartanos nas ilhas Arginusas, em 406, e suspenderam o bloqueio de Metimna. O prémio da vitéria, porém, foi macabro: Cleofonte repeliu as propostas de paz de Esparta e condenou a morte oito dos generais vencedores. Seis, que estavam presentes, foram ime diatamente executados. O pretexto, porque nao tiveram abso- lutamente culpa, foi de nao haverem recolhido os néufragos € sepultado os caddveres... Mortos os generais, a armada atenien- se mergulhou no 6cio e na inatividade. Esparta preparava 4 vinganga a toque de caixa. Foi nessas graves e dolorosas circunstancias que Aristéfa- nes, pondo de lado toda e qualquer prevengao pessoal, colocando- se acima dos partidos, senhou de olhos abertos com a salvag#0 iy oe oynieree Publico. Um sé homem, nao Ca ambig&o e desejo de i Ivar Atenas: Ree 5 mando, podia, a seu ver, sal Literdria e religiosamente 0 quadro era o mesmo. Euript des falecera em 407; Séfocles em a8 e Esquilo, 0 inegavelment® Preferido de Aristéfanes, j4 estava morto havia mais de © es aon Melpémene era representada por um grupo Ge Fazen ae locres, encabecados por Iofonte, filho de sofort tered® Um cotejo da Atenas democrética, militar, religio®: um espinin’® Elotiosa de anos atrés com a Atenas de SeUS tis estaban Ht, Conservador como o de Aristéfanes 6 POdtis t “entre essas duas ordens de idéias uma 80 Scanné avec CamScanner usa a efeito”. Se no momento sestho ot or, Alcibiades representava para ® oot 2, havia outmtadista, ou melhor, do salvador; se Fsquilo Cane totipo gma €p0ce de glorias, do ponto de vista militar, literario de 1igioso, Cleofonte era o flagelo da democracia, e Euripia : ® seta inovador, espelhava a corrupoio religiosa ¢ a decadéncis iterdria. Foi esse tema politico-literério que the inspirou a comédia As Ras. 5.3.1. ARGUMENTO. —Dioniso ou Baco, deus do teatro, resolve descer até ° Hades para trazer novamente & luz o poeta Euripides, uma vez que, em Atenas, nfo havia mais poetas trégicos de valor. Disfargado em Héracles com uma pele de ledo sobre uma vestimenta de mulher, uma clava nas mios, de co- turnos, Dioniso, em companhia de seu escravo Xéntias (Quixote e Sancho Panga!), dirige-se primeiramente & casa de Héracles para pedir-lhe informagées e conselhos a Tespeito da viagem e da topografia 14 de baixo, j& que o filho de Alcmena outrora descera também ao Orco. Toma, & seguir, a barca de Caronte e comega a travessia — ele © Caronte, porque XAntias... foi a pé e correndo! Segue-o ° coro das ras (donde o titulo da comédia) com o seu Coaxar incessante: brekekekéx,kodx,kodx! ...Elas haviam de arrepender-se desse koéx!... Apés muitas aventuras e Situagdes Tidiculas, destinadas a prender a atengio dos es- Pectadores (captatio benevolentiae), para o verdadeiro as- Sunto da pega, que vai comegar, Baco e Xantias chegam reine de Plut&éo, em cujo palécio entram, nao sem 'iitas discuss6es e chicotadas. .. B Farébase (2° parte), 0 coro, apés interpelar Cleofonte 5 ios 0g har a Cidade, comeca a pedir a igualdade doers pang t8daos, © término do regime do terror © Sana Sobrepe Wve trabalharam ao lado dos Quatrocentos,- uma ido, A unio de todos, para que se eauipe, To Bue gy. Poderosa. Interpela-os em nome do ‘em nome do oft® Ihes circula nas veias. © coro, qu! ‘Atenas uma 86 &, Aristéjanes, exige que se forme em “milia, com os mesmos direitos e deveres. 81 Scanné avec CamScanner 5.4. éa antiag j interior do palécio de Pluto, ouve grit Rantias 8 cratavarse de Esquilo e Euripides que insu vam o trono da Tragédia nos Infernos. BE que Euripides, ao chegar ao reino dos mortos, exibiu-se diante dos = drées, dos arrombadores, dos parricidas © estes, entusi mados com seus trocadilhos e argucias, exigira ee o sélio da Tragédia. Euripides, exaltado, apossouse do trono, ocupado por Esquilo. O deus do teatro, como bom conhecedor da “arte”, é eleito arbitro. Os dois adversériog dissecam a tragédia em sua presenga: discutem prdlogos, lirismo, estilo, linguagem, moralidade das personagens.,’ Dioniso, de acordo com o desejo de Esquilo, faz trazer uma balanga e inicia a pesagem das pegas de ambos, verso por verso. Esquilo vence sempre... E que o poeta da Oréstia recitava sobre o prato da balanca versos molhados, como faziam os mercadores com a 14! Quanto a Euripides, seus versos eram alados... Por fim o filho de Sémele submete-os a uma derradeira prova: quer saber-lhes a opi- niéo sobre Alcibiades, sobre como salvar a Cidade e resta- belecer a paz e os coros sagrados. Sob veementes protestos de Euripides, Baco decidese em favor de Esquilo, que, apesar de obscuro as vezes, nio é um tagarela contumaz, porque n&o se senta ao lado de Sécrates, para comungar das idéias dos Sofistas... O poeta de As Euménides deverd retornar & luz. Na sua auséncia e de acordo com a sua propria vontade, 0 S6lio trégico ser4 ocupado interinamente por Séfocles. Por intermédio de Esquilo, Plutéo manda a Cleofonte e a seus satélites “uma delicada mensagem”, acompanhada de todos os instrumentos necessdrios (cicuta, cordas, espadas...): que morram o mais depressa possivel! O Coro, desejando- hes boa viagem, faz votos que Atenas se liberte das cala- midades da guerra. Quanto ao demagogo Cleofonte, ¢ ® Seus asseclas, desejosos da guerra, que desaparecam da Cidade... através da cicuta, de uma corda ou da espada! A TRAGEDIA E ANALISADA NO HADES. A primeira parte de As Ras, conforme jé se mencione Viagem fantdstica de Dioniso e seu escravo Xantias ids » com a finalidade especifica de trazer de volta a te um poeta tragico, ja A ji o represen nas Dionisiag. j& que Baco njfio tem mais quem Ironicamente, o que decerto fez gargalhar pi 82 Scanné avec CamScanner ~ deus do Teatro afirma que vat a0 i, o lades piles por estar morrendo de Saudades de Tessuscitar ; su risO8. . SeUs trocadithog e pois bem, um desejo semelhante devorame com relagig - a Eurt ~ Mas, assim, por aguele que J4 morreur i oracles sim, ¢ ninguém conseguird dissundir-me de tr procuré.to, acs ~ No undo ao Hades? Hl seo — sim, por Zeus, mals embalxo ainda, se algo existe abaixo do Hades. braces — um poeta hébil, por: wee rete cores (Ras, 66-73), DTT® Une nfo existem mais © os por desconhecer 0 caminho que leva ao Hades e a topo- grafla do mesmo, apesar de ser deus, Dioniso resolve pedir mi- nuciosas informag6es ao filho de Alcmena, uma vez que este ji estivera por 14. De coturnos, calgado privativo da tragédia; uma clava nas mAos, uma pele de le&o sobre os ombros, adornos usados por Héracles, com um longo vestido amarelo, cor priva- tiva das prostitutas atenienses, em adiantado estado de gravidez, a figura de Baco é de um ridiculo incrivel. Em se tratando de um deus, fica patente o desrespeito com que Aristéfanes trata as divindades, o que 6 uma contradicao com as criticas ferinas que o poeta faz ao “ateismo” de Eurfpides. Alids, na peca inteira, Baco, além de poltréo, covarde, lascivo e mentecapto, é o retrato mordaz que o poeta faz do publico ateniense. Htracles — Oh! N&o, por Deméter, nfo posso deixar de rir! Embora mords % Idblos, no posso conter o riso. 3400 (Irénteo) — 6 homem divino, aproxima-te. Tenho algo a pedir. Héasles — No, nfo 6 possfvel conter o riso, quando vejo uma pele de ‘obre um’ vestido de mulher! Que significa isto? Que relaglo existe ‘tte um cotumo e uma clava? Por que terras andaste? (Rds, 4245). A travessia que faz Dioniso dos rios infernais na Lene i te 6 uma das partes mais burlescas da pega @ onde ‘eservar, além do incrivel poder de invengéo do ot pre . ento de cOmico inexcedivel. O didlogo 6 répido ¢ : \tra- ve (A Baco) — gentate junto ao remo. Se slgum outro desels "We se ‘apresse (A Baco) fh! Que fazes? ono dena? 1850? Que deveria fazer se néo sentarme Junto #0 remo Com que finalidade? Caro Me Queres sentar-te af, nfo 6 barrigudo? ~ 36 estou, 83 Scanné avec CamScanner caronte — Queres colocar os bragos para frente © esticé-los? Baco — Pronto! caronte — Nio te finjas de tolo: baixa os pés e rema com vontades aco — Como poderel remar? Néo conhego 0 officio, nem estive em gy lamina. Caronte — Muito facilmente. Logo que pegares 0 remo, ouvirés cantos duleissimos. Baco — De quem? Caronte — Das R&s-Cisnes. Cantos admiréveis. Baco — Muito bem, comanda a manobra. Caronte — © opop! O opop! As RGs — Brekekekéx, coax, coéx, brekekekéx, coax, codx. Lacustres fihas ‘das fontes, fagamos ouvir o clamor harmonioso de nossos hinos, meu canto de doces acordes, codx, codx (...). Baco — Quanto a mim comego a néo me sentir muito bem no nus, 6 codx, coax! As Ras — Brekekekéx, cox, coax. Baco — Para vés isto tem pouca importancia. As Rés — Brekekekéx, codx, codx. Baco — Cuidado, podeis estourar com esse coéx! Nada mais sois além de coax. As R&s — Naturalmente. Tens muitas outras preocupagées. Eu sou querids das Musas, de belas liras, do cornipede P&, que se delicia em tocar flauta (...) Brekekekéx, codx, codx. Baco — E eu estou com bolhas nas mios e ji de ha muito meu traselro sua, Daqui a pouco, de tanto se abaixar, ele acabaré As Ris — Brekekekéx, coax, codx. Baco — Vamos, raga melodiosa, calai-vos! As Rés — Pelo contrério, cantaremos ainda com mais forca (...)- Baco (Furloso) — Brekekekéx, cofx, cofx (Pelda ruldosamente). Bis 0 4% @prendi convosco! Ito 4s Ris — i ume indgndade, Para os atuais crcunstoaas worst € Baco (A - a | ‘aul gPlenos Pulmbes) — Brekekekéx, codx, cofx. NSO | cots, | Coda tsemttada de Baco no Coro ruldoso do Brexekekés, , acabou por silenciar as RAs. O didlogo fol 0 temPE tories Sério para que a barca ve | de Caronte atracasse nas de | Planicles do Hades, onde o Coro dos Iniciados, & mane? © | 84 Scanné avec CamScanner um KOMOS, parodia liricamente a procissio dos Iniciados nos ustrios de A primeira parte da comédia termina com a cena nada te da entrada de Baco e XAntias no “palécio de Plutéo”, onde mais uma vez Arist6fanes nos retrata um Dioniso bem inferior, até mesmo higienicamente, a seu escravo XAntias... ‘A segunda parte da Pardbase, de cunho politico, é um apelo & conciliagio e ao retorno ao estado de direito, a fim de que Atenas possa, unida, medir forcas com o inimigo comum, Corijen — % justo que 0 coro sagrado se tore util & cidade, com seus conselhos e ensinamentos. eros do passado, Julgo também que cidadio algum deva ser privado de seus direitos (...) Vamos, aplacai vossa célera, vés que sois natural- mente siblos. De todos os homens fagamos, de bom grado, uma familia com os mesmos direitos; fagamo-los nossos concidadios, se conosco to- maram parte em combates navais. Se a esse respeito nos mostrarmos fg mles,e altivos, sobretudo agora, quando nossa cidade esté “A mercé ‘ondas”, no futuro passaremos por insensatos (R4s, 686-105). imi 00 interior da residéncia do rei do Inferno, Xéntias am, e Baco depois, tiveram conhecimento de uma verda- 0 wXdisao provocada por Eurfpides e seus sequazes no Hades. motivo da revolta é relatado a XAntias por um escravo de ipides, que chegou, exibiu-se diante dos ladrées de la mais Schule iarépbs, dos parricidas e dos arrombadores de ‘Utils gq Tus hé grande profusio no Hades... Eles, ouvindo-lhe as Tertos ¢ jugsttiticios © os torneios, apaixonaram-se loucamente por seus © tron MeAFIM-nO O mais hébil, "Entso, exaltado, Euripides apossouse {We ¥squilo ocupava (Ras, 773-778). um fato téo grave, Pluto resolveu instituir um curso entre os dois grandes trégicos, para saber Ccupar entre os mortos o trono da tragédia, J Ser acomodado, abrira mio do mesmo. fi Baco, deus do ‘Teatro, para ser 0 érbitro 38 to mais quanto o filho de Sémele fora a0 Hades Para trazer de volta & lux o melhor dos trigicos..- Ft9f £3° F i f. A i mas também politico, é ae eed A nto literério f I E yuico 08 restabelecer o govemno, oligoTe" a a. 2 rs pate 85 Scanné avec CamScanner i trégicos é sumamente importante, por eae 5 dots eran rodiada 5G Sugue Arist6fanes apresenta o yersos de Esquilo e Euripides, das prevengées pessoais do gran. de comico e de recursos extravagantes, Como 0 de pesar numa palanga os “versos molhados” do primeiro e “levissimos” do segundo, a disputa se constitui num documento de alta valia acerca das concepgoes estéticas e 0 gosto literdrio do século de ouro da literatura grega. © inicio do debate define logo as posicgées: Esquilo, 0 pre. ferido, é o poeta austero, tradicionalista e religioso, mas, cujo estilo “prédigo, enfatico”, grandiloquo, e nao raro hermético é também criticado por Arist6fanes; Euripides € o inovador, o dessacralizador do mito, o imoral, 0 sofista, cujo estilo vazio é mais leve que a sombra das nuvens... Euripides (A Baco) — Nao, ndo abrirei m&o do trono! Nao venhas com ‘admoestagdes, acho que sou superior a Esquilo na tragédia. Baco — ¥squilo, por que te calas? Compreendes bem 0 que ele disse? Eurfpides — Primeiramente tomaré um aspecto grave, como sempre fazia em suas tragédias, com o fito de impressionar. Baco — Com a breca, nfio sejas tio presungoso! Euripides — Conhego-o e venho analisando-o hé muito tempo, esse criador de caracteres ferozes. Conhego sua linguagem altiva, desenfreada, prodigs, enfética, um falastréo, um arquiteto de palavras sonoras. Esquilo — Verdadeiramente, 6 filha da deusa... agreste! Es tu que me tratas assim, colecionador de asneiras, fabricante de mendigos, de andrajos! Arrepender-te-4s, porém, de usar semelhante linguagem! Baco — Basta, Esquilo (...). Esquilo — Nao antes de mostrar até a evidéncia o que vale esse insolente, esse fabricante de coxos! esté prestes a desencadearse um Hsquilo — 6 colecionador de monodias cretenses e introdutor, em tua srt® de sacrilegos himeneus... (Rds, 830-851). necessério, no entanto, néo transformar a critice “ Aristéfanes numa parddia grotesca e exagerada. O fundo de discussio 6 sério e exprime a base do pensamento aristofanico, isto 6, a convicgfio de que a poesia deve ter no Estado Lert fung&o educativa. Um espirito conservador como o seu via 0b) Jr gatoriamente Esquilo como esteio dos valores antigos, © sito dote de uma arte severa e religiosa, que alimentava 0 sh’, dos espectadores com as virtudes e a coragem de ee Salamina. Euripides, ao revés, impregnado de cultura sot submeteu a uma erftiea dissolvente os principios tradicion® Baco — Um cordeiro, um cordeiro negro, meninos! Ide buseé-lo, poraue 86 Scanné avec CamScanner r OM oral e da religiéo; colocou em cena a vida quotidiana re auddcia de mostrar os deuses e os herdis eae eseala bem abaixo dos simples mortais, com tod lOs Os seus vicios e deformagoes. guripides — Logo depois ensinel a estes (mostra arte da ies ae indo 08 espectadores) a fsquilo — Estou de acordo. Mas por que nfo te arrebentaste antes? ripides — ... 0 manejo de regras delicadas, ensineilhes a medir o suripies. eaindro, @ refletir, observar, compresnder mers versatilidade, Shir, suspeitar, pensar em tudo... ssquilo — De acordo.... Euripides ... introduzindo no teatro cenas da vida doméstica, coisas que nos 880 usuais e familiares e nelas fundamentava minha critica; desse modo os espectadores, a par dos fatos, podiam fiscalicar a minha arte... (Ris, 954-962). Um pouco mais adiante Aristéfanes deixa claro seu pen- samento acerca da miss&o educativa da arte. As Rds constituem, na literatura grega, o primeiro documento explicito a esse respei- to, A concepgao platénica, alids diferente, virdé bem mais tarde. Esquilo — Indignado estou com este encontro. Fervem minhas entranhas, 86 em pensar que tenho de retorquir a este homem. Mas, para que ele néo venha a dizer que me engasguei (A Euripides), responde-me: sob que -aspecto se deve admirar um poeta? Euripides — Por sua inteligencia e admoestag6es, porque nossa missio 6 tomar os cidadaos melhores. Esquilo — Se nfo fizeste isto, mas se de honestos e generosos que eram, tu 0s tornaste corruptos, que castigo, dize-o, que castigo terias merecido? Baco — A morte (...). Esquilo — Vé bem que homens recebeu ele de mim, no infcio: homens valentes, de elevada estatura e nfo cidadios que se furtam ao cumpri- mento do dever, os ociosos das pracas piiblicas, os embusteiros, como Se véem hoje, nem os intrigantes, senio os apaixonados pelas lancas, Pelos capacetes de penachos brancos, elmos, grevas — coragdes revestidos de sete peles de boi. Baco — E como conseguiste fazé-los assim tio valentes? (.. Esquilo — Compus um drama cheio de Ares. aco — Qual? Esquilo — Os Sete contra Tebas. Todos os homens que assistiram a ele, arderam em furor bélico. como mais bravos na ron — Nisto obraste mal, Apresentaste os Tebanos Lon G2. . Ve como Etquilo — wis af os assuntos de que devem tratar os poctas. desde a mais remota antiguidade se mostram utels 0s val ‘tinham 87 Scanné avec CamScanner mistérios e = abstencio dos assas. : Joengas e 08 oréculos; Hesfodo, os labores Einjos;, Museu, 8 cura das, Gomer a trabalho em geral; © 0 diving tres, as estngre,. também honra e gldria, se néo por ter Wrtudes bélicas e 0S equipamentos dos soldados? dele, todavia, néo aproveitaram a Péntacles, um inepto coloquei em cena Fedras prostituidas, nem 7eoueré citar em meus versos mulher alguma Euripides — Sim, por Zeus, nio tens uma unica parcela de Afrodite. i i ela pesava — Oxalé eu jamais a tenba! Sobre ti e sobre os teus eae que chegou mesmo langarte por terra! Euripides — E que dano, 6 miserdvel, causaram & cidade as minhas Este- nebéias? Eaguilo — Nobres esposas de nobres esposos foram por ti arrastadas a beber cicuta, por se terem perdido, gragas aos teus Euripides — Sim ou néo: é ficticia a histéria de Fedra, que eu compus? Esquilo — Nao, por Zeus, é veridica. O dever do poeta, porém, é ocultar o vicio, néo propagélo e trazélo & cena. Com efeito, se para as criancas © educador modelo é o professor, para os jovens 0 sio os poetas. Temos © dever imperioso de dizer unicamente coisas honestas... (Ras, 954-1056). Da critica 4 parte moral das tragédias euripidianas e da exaltagio da austeridade esquiliana Aristéfanes envereda pela poe & parte técnica, criticando Euripides as sutilezas de forma e de concepgio, os artificios cénicos e as extravagantes inovagSes musicais. Evidentemente Aristéfanes néo foi um bom profeta, ao sentenciar que a poesia de Euripides morrera com ele: Baco — E tu, Bsquilo, o que pensas fazer? Fala. Ssquilo — No queria discutir aqui, porque entre nés dois a luta é desigutl Baco — Por qué? Esquilo — Porque minha poesia no mo com ele; ele nfo terd, rreu comigo e a de Euripides morreu mister 6 texblo (Ras, gose7iy.* © We Feeitar. Mas, se assim o deselas, O proprio Aristét, pcoméstico”, iimiton de fangs tanto Ihe criticou o “estilo aéreo lovacées forma os to: nado ‘por do poeta de Medéia, eios estilisticos e aS i seu ' que foi ironicamente \omi- Curipidaristofanizante Ptr, © excelente cémico Grating, de 88 Scanné avec CamScanner rF - A disputa politica da pega reflete o pensamento muito equilibrado de Arist6fanes: no momento, por nio existir coisa melhor, Alcibiades, apesar de sua ambicao pessoal e perigo que representa para a democracia, é a unica salvagao. ..- Em primeiro lugar, a propésito de Alcibiades, é opiniao’ ae’ dade, com efeito, est para dar & luz... heir ed * gurtpides — E qual € a opinifio dela a respeito de Alcibiades? poco — Qual? Bla ama-o, odeia-o e quer possuilo. Mas dizei o que pensais dele. Buripides — Odeio 0 cidadao que é moroso em socorrer a patria e ativo em causarIhe grandes desgracas; engenhoso quando se trata de seus proprios interesses e impotente, face aos da cidade. Baco — Muito bem, 6 Posidon (A Esquilo). Qual é a tua opiniso? Esquilo — Néo convém, acima de tudo, criar um leo na cidade, porque, uma vez crescido, é necessério que todos se submetam a seus caprichos (Ras, 1423-1433). Sob violentos protestos de Euripides, Baco declara Esquilo vencedor. Plutio aproveita a oportunidade para mandar aos governantes de Atenas uma delicada mensagem: Pluto — Felicidades, Esquilo. Vai, salva nossa cidade com teus bons con- selhos e instrui os idiotas e sio muitos! Entrega isto (dé-Ihe uma espada) 7 vérias brasa, you atar-Ihes mios e pés com Adimante, filho de Leucéfilo, e Taandi tos imediatamente para as profundezas dos Infernos (Rés, 1500- 4). © Coro final, vazado no estilo musical de Esquilo, é 3 derradeira grande mensagem de Aristéfanes a seu ptblico. Um ano depois da representacio de As Ras, Atenas cairia nas m&os de Esparta e a Comédia Antiga, mesmo nas mios de Aristéfanes, ia outras diregdes. Corer — pi fi ta que — Divindades infernais, concedei uma boa viagem 20 poe! Teoma & luz; a cidade inspirai pensamentos sensatos, fonte de grandes bens. Ficaremos assim intelramente livres de ingentes afligbes @ dos do- choques armad . Quanto a Cleofonte e aos que pensam como le, que tacam a gusrra]no ‘solo de sua pétria% (Rds, 15291534). Strangary 4 Tricia, porque segundo Aristéfanes (0 que mio 6 verdade), Cleofonte ers Scanné avec CamScanner

Você também pode gostar