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História Da Filosofia 8
História Da Filosofia 8
Volume oito
Nicola Abbagnano
Digitalização e arranjos:
Ângelo Miguel Abrantes
(quarta-feira, 1 de Janeiro de 2003)
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
VOLUME VIII
TRADUÇÃO DE:
CAPA DE: J. C.
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
TIPOGRAFIA NUNES
X111
O ILUMINISMO ITALIANO
O seu principal contributo reside na obra de César Beccaria, Dos delitos e das
penas, obra que incorpora no domínio do direito penal os princípios
fundamentais da filosofia moral e política do iluminismo francês. No que se
refere à gnoseologia, o
ideias filosóficas, não expostas de forma sistemática, mas lançadas aqui e ali
como ditos de espírito, estão contidas nas Cartas (escritas em francês) e
responder, segundo Galiani, da maneira seguinte: "Não sabeis que Deus criou
este mundo do nada? Pois bem, nós temos portanto Deus por pai e o
grandíssima coisa, mas a nossa mãe não vale nada. Temos algo do pai, mas
recebemos também alguma coisa da nossa mãe. O que há de bom no mundo
vem do pai e o que há de mau da senhora nada, nossa mãe, que não valia grande
coisa (Carta ao
nele e fazer, se possível, por que se converta, tanto por reflexão como por
natureza, na substância de todos os meus pensamentos e dos outros prazeres
meus" (Meditações, 1). Deste modo, o prazer vem a ser para Genovesi o acto
originário do ou, o fundamento e a substância de toda a sua vida. E a própria
razão toma-se numa "faculdade calculadora" de tudo o que existe ou é possível.
Esta orientação, que parece proceder de Helvétius, não impede Genovesi de
defender a tese do espiritualismo tradicional: a espiritualidade e a
imortalidade da alma, o finalismo do mundo físico e a existência de Deus.
estado presente das coisas, àquela paixão principal da qual todas as outras
dependem, àquela paixão que é ao mesmo tempo o germe fecundo de tantos bens e
de tantos males, de tantas paixões benéficas
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de tantas paixões perniciosas, de tantos perigos e
defesa da educação pública, defesa que parte do princípio de que só ela pode
garantir a uniformidade das instituições, das máximas e dos sentimentos e que
por isso só a menor parte possível dos cidadãos s-- deixa à educação privada.
Mas em relação às ponderadas análises de Montesquieu, o optimismo de
Filangieri com respeito à acção legislativa parece utópico.
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oprimi-lo. O homem vive tanto como sente. E, dado que as sensações se produzem
em nós pela impressão dos objectos exteriores, é o homem, quando sente assim,
um ser passivo e escravo das coisas externas de que está rodeado; a sua
existência é precária e depende da existência dos objectos exteriores. A
cadeia dos acontecimentos acidentais envolve-o e arrasta-o como o torvelinho
das ondas faz rodopiar os corpos que nelas flutuam" (1b., VI, 1). Somente
pelas suas convicções naturalistas e sensualísticas Pagano adere à tese de
Vico sobre o carácter primitivo da poesia. No seu Discurso sobre a origem e
natureza da poesia, interpreta o nascimento da poesia a partir das paixões
como o
efeito da "impressão produzida na máquina pelo objecto" (Discurso, 2); na
máquina, isto é corpo hw
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teorema deriva, por exemplo, da esperança dos prazeres que colherá no futuro,
da estima e dos benefícios que a sua descoberta lhe trará. A dor causada por
uma desgraça é semelhante ao temor das
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sua doutrina também aos prazeres, mostrando que frequentemente o prazer físico
não é mais do que a cessação o de uma privação natural ou artificial do homem
(Ib., 7). À objecção de que a tese se pode inverter, dado que parece também
verosímil que toda a dor consista na rápida cessação do prazer, Verri responde
que uma semelhante geração recíproca não pode dar-se, porque "o homem nunca
poderia começar a sentir prazer nem dor; de contrário, a primeira das duas
sensações deste género seria a primeira hipótese, o que é absurdo" (1b.,
6), Verri chega a confirmar a conclusão que Maupertuis (§ 493) extraíra do seu
cálculo, e que é a de que a soma total das dores é superior à dos prazeres. De
facto, a quantidade do prazer nunca pode ser superior à da dor porque o prazer
não é mais do que a cessação da dor. "Mas todas as dores que não terminam
rapidamente são uma quantidade de mal que na sensibilidade humana não
encontra compensação, e em todos os homens ocorrem sensações dolorosas que
cedem lentamente" (1b., 6). Também os
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arte nada diz aos homens que teMam. de contentamento, mas, em contrapartida,
fala aos que se deixam dominar pela dor ou pela tristeza. o magistério da arte
consiste sobretudo em "espalhar as belezas consoladoras da arte de modo que
exista um intervalo suficiente entre, uma e outra para se poder voltar à
sensação do alguma dor inominada, ou em fazer nascer de quando em quando,
propositadamente, sensações dolorosas e em acrescentar-lhes depois uma ideia
risonha, que docemente surpreenda e rapidamente faça cessar a dor" (1b., 8). A
conclusão é que "a dor é o princípio motor de todo o género humano". E deste
pressuposto parte a outra tese que Verri defende na sua obra Sobre a
felicidade. Para o homem é impossível a felicidade pura e constante, e, ao
invés, é possível a miséria e a infelicidade.
O excesso dos desejos relativamente às nossas capacidades, é a medida da
infelicidade. A ausência dos desejos é mais um indício de simples vegetar, do
que de viver, ao passo que a violência dos desejos pode ser experimentada por
todos e é talvez um estado duradouro. A sabedoria consiste em proporcionar em
todos os campos os desejos com as possibilidades, e por isso só pode ser feliz
o homem esclarecido e virtuoso.
Deste ponto de vista nascem os problemas debatidos por Beccaria. Será a morte
verdadeiramente uma pena útil e necessária para a segurança o a boa ordem da
sociedade? A tortura e os tormentos são justos e atingem o Em que as leis se
propõem? As mesmas penas serão igualmente úteis em todos os tempos? Ora, o fim
da pena não é outro senão o de impedir que o réu cause novos danos aos seus
concidadãos e evitar que outros pratiquem danos iguais. É necessário, pois,
escolher aquelas penas e
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c6caz e duradoura sobre a alma dos homens e sejam menos dolorosas para o corpo
do réu (lb., § 15). Mas o réu não é tal antes da sentença do juiz, nem
a sociedade lhe pode tirar a protecção pública antes que se tenha decidido que
ele violou os pactos com os quais; ela lhe foi concedida. A tortura é
portanto, ilegítima: e é também inútil pois é vão supor que "a dor se torne
cadinho da verdade, como se o critério dela residisse nos músculos e nas
fibras de um miserável". A tortura é o meio seguro de absolver os criminosos
robustos e de condenar os fracos inocentes, é uma questão de temperamento e de
cálculo que varia em cada homem consoante a sua robustez e sensibilidade. E
coloca o inocente em piores condições do que o réu, que, se resiste à tortura,
é declarado inocente, ao passo que ao inocente reconhecido como tal ninguém
lhe pode tirar o mal produzido pela tortura (lb., § 12). Quanto à pena de
morte, Beccaria pergunta-se que direito é esse que os homens se arrogam, de
matar os seus
semelhantes? Tal direito não pode provir do contrato social, porque é absurdo
que os homens tenham neste contrato conferido aos outros o poder de lhes tirar
a própria vida. A pena de morte não é um
mais frequentes do que fortes. "A pena de morte toma-se um espectáculo para a
maioria das pessoas
escravidão, faz uma comparação útil de tudo isso com a incerteza do êxito dos
seus delitos e com a brevidade do tempo que gozaria os frutos do seu crime.
Não é necessário que a pena seja terrível; é necessário, isso sim, que ela
seja certa e infalível. "A certeza de um castigo, se bem que moderado,
produzirá sempre uma impressão mais forte do que um outro mais terrível,
aliado à esperança da impunidade" (1b., § 20). Seja como for, a verdadeira
medida dos delitos é o mal que causam à sociedade. Não se deve tomar em
consideração o intuito, que é diferente de indivíduo para indivíduo e não se
presta a entrar nas normas gerais de um código; e tão-pouco a consideração do
pecado. O pecado diz
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respeito à relação entre o homem e Deus, ao passo que a única base da justiça
humana é a utilidade comum (1b., § 24). A exigência geral da legislação penal
é indicada por Beccaria no fim da obra. "Para que toda a pena não seja uma
violência de um ou de muitos contra um cidadão particular, deve ser
essencialmente pública, imediata, a mínima possível nas circunstâncias dadas,
proporcionada aos delitos e ditada pelas leis" (Ib., § 42).
O estilo consiste na escolha e no uso das ideias acessórias. Tal escolha deve
considerar sobretudo o interesse ligado às ideias, isto é, à sua relação com o
prazer e com a dor. Beccaria vale-se aqui dos elementos da psicologia de
Condillac.
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pensante opõe à acção das coisas exteriores (Que é a mente sã?, § 10). O
sentido lógico é pois um
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Deve recordar-se, uma vez que os seus manuais introduziram nas escolas
italianas a fil, osofia de Locke e de Condillac, o Padre Francisco Soave,
(1743-1816), professor da Universidade de Parma, quepermaneceu sempre, fiel à
filosofia de Condillac, que elo conheceu durante a estadia do filósofo francês
na corte de Parma.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
Gãliani, Della moneta, ed. Nicolini, Bari, 1915; Correspondance, ed. Perey e
Maugras, 2 vol., Paris 1881;
11 pen~ro dellIab. G., ant. -a cargo de Nicolini, Bari,
1909.
Pagano, Saggi politici, reimp., Calpolago, 1837; ed. Colletti, Wonha, 1936.
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Gioia, Del merito e delle ricompenze, 1818; Esercizio logico sugli errori di
ideologia e di zoologia, 1823; Filosofia della statistica, 1822.
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XIV
O ILUMINISMO ALEMÃO
fins de 1600 por Ph. J. Spencer (1635-1705), que insistia no carácter prático
e místico do cristianismo e combatia as tendências intelectualistas e
teológicas.
O que escandalizou especialmente os colegas de Wolff foi o seu Discurso sobre
a filosofia prática dos Chineses, na qual, à maneira dos iluministas
franceses, punha Confucio entre os profetas, ao lado de Cristo. Subido ao
trono Frederico H, Wolff foi restabelecido na sua cátedra de Halle (1740),
onde ensinou até à sua morte (1754).
género humano". Na realidade, a sua eficácia mais durável foi a que demonstrou
no domínio da
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conhecimento claro e distinto. Tal objectivo não poderá ser atingido se não
existir a "liberdade filosófica" que consiste na possibilidade de manifestar
publicamente o que se pensa sobre as questões filosóficas (Lógica, § 151). Sem
liberdade filosófica,
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não é possível o progresso do saber, já que então "cada um é obrigado a
defender como verdadeiras as opiniões comummente transmitidas, mesmo se lhes
parecem falsas" (1b., § 169). Wolff aceita e perfilha, a exigência iluminista
da liberdade e interpreta-a como libertação da tradição. A filosofia é "a
ciência das coisas possíveis enquanto tais" assim como das "razões pelas quais
as coisas possíveis se realizam", entendendo-se por "possível" o que não
implica contradição. As regras do método filosófico devem pois ser idênticas,
segundo Wolff, às do método matemático. "No método filosófico, diz Wolff, não
há necessidade de fazer uso de termos que não se tenham tornado claros através
de uma definição exacta, nem se pode admitir como verdadeiro algo que não
tenha sido suficientemente demonstrado; nas proposições, cumpro determinar com
igual cuidado o sujeito e o predicado e tudo deve ser ordenado de modo a que
sejam premissas aquelas coisas em virtude das quais as seguintes são
compreendidas e justificadas" (lb., § 139). Wolff divide a filosofia em
conformidade com as actividades fundamentais do espírito humano e, uma vez que
tais actividades são substancialmente duas, o conhecer e o querer, assim os
dois ramos fundamentais da filosofia são a filosofia teorética ou metafísica e
a filosofia prática. Ambas pressupõem a lógica como sua propedêutica. A
metafísica divide-se, por sua vez, nos seguintes ramos: ontologia, que
concerne a todos os objectos em geral, enquanto existem; psicologia, que tem
por objecto a alma, cosmologia, que tem por objecto o
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a metafisica arístotélico-escolástica, que ele de facto declara querer
resgatar do desprezo que se lhe votou depois de Descartes. Isto quer dizer que
os conceitos; centrais da ontologia são para ele os de substância e de causa.
Todavia, pode notar-se a tentativa de apoiá-los numa certa base empírica.
Assim Wolff afirma que as determinações de uma coisa que não resultam de outra
e não derivam uma da outra constituem a essência da coisa mesma (1b., §§ 143,
144). A substância é o sujeito, duradouro e modificável, dos atributos
essenciais e dos modos variáveis de tais atributos (lb., § 770). Toda a
substância é dotada de uma força que produz as mudanças dela: mudanças que são
as suas acções e têm o seu fundamento na essência da substância (1b., § 776).
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não está desde o princípio unida ao corpo, mas foi. lhe agregada de fora, ou
seja, por Deus. Sobre as relações entre alma e corpo, Wolff admite a doutrina
da harmonia preestabelecida, mas torna-a independente da vontade de Deus
admitindo que cada alma vê o mundo apenas dentro dos limites dos seus órgãos
corporais e segundo as mutações que se verificam na sua sensibilidade.
ordem do mundo é para ele a ordem de uma máquina e a finalidade das coisas não
é intrínseca às coisas mesmas, mas sim extrínseca e devida à acção de Deus.
Wolff remonta aos atributos da essência divina mediante uma reflexão sobre a
alma humana. E quanto aos problemas da teodiceia, serve-se sistematicamente
das soluções de Leibniz.
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prazer que Wolff define como a percepção de uma real ou suposta perfeição. O
conceito da perfeição funda-se no pressuposto da possibilidade do progresso do
homem individual e da sociedade: progresso que Wolff de facto considera
necessário e que se realizará à medida que a sociedade se organizar de modo a
tornar possível que cada um dos seus membros trabalhe para o aperfeiçoamento
dos outros. . O sistema de Wolff costuma ser designado como leibniziano-
wolffiano. Na realidade, apresenta características, bastante distintas do de
Leibniz. Em primeiro lugar, nega o conceito de mónada, como substância
espiritual que constitui tanto a matéria como o espírito; deste modo,
abandona-se o conceito dominante de Leibniz, o de uma ordem universal e livre,
fundada na 'escolha do melhor. A ordem do mundo é para Wolff a de uma máquina,
sendo por isso necessária e não admitindo liberdade de escolha. Daí deriva
ainda uma terceira diferença que é a negação da finalidade interna das coisas:
estas são, decerto, úteis, porque se prestam a ser utilizadas para o
aperfeiçoamento do homem, mas não estão intrinsecamente constituídas para tal
fim. Neste ponto está bastante mais próximo de um Diderot ou de um Voltaire do
que de um Leibmiz. Mas também se afasta , de Leibniz pela renúncia em
estabelecer um acordo entre a filosofia e a religião revelada, acordo que
Leibniz procurou por todos os meios realizar, conformemente ao seu princípio
de harmonia universal. No sistema de Wolff só existem dois pontos
verdadeiramente leibnizianos: 1.o a doutrina da harmonia universal, que, no
entanto, se limita à
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WOLFF
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problema que foi na mesma altura tratado por Kant: o da passagem do mundo do
possível ao mundo real, do que é simplesmente pensável, enquanto isento de
contradição, ao que existe. Lambert observa que se o problema da lógica é o de
distinguir o verdadeiro do falso, o problema da metafisica. é o de distinguir
a verdade do sonho. Ora, o que é pensável, não existe necessariamente. A
metafisica deve juntar à demonstração da pensabilidade, a demonstração da
existência real, sem a qual se reduz a um sonho (Arquit., § 43). Ora, os
elementos objectivos do saber só podem ser procurados, segundo Lambert, "nos
sólidos e nas forças" pois só eles constituem "algo categoricamente [real" e
só eles, portanto, podem constituir a base de um juízo sobre a existência
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(1b., § 297). Porém, as forças não se deixam alcançar e aprisionar pela pura
lógica, mas tão-só pela sensibilidade (1b., § 374), de maneira que só a
experiência pode conferir o carácter de (realidade aos nossos conhecimentos.
Ora, a experiência dá-nos apenas confirmações parciais dos sistemas cognitivos
que constituem o reino da verdade. Isto não implica a
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inglês, que reduzira a vida psíquica ao conjunto dos elementos empíricos, com
o ponto de vista de Leibniz que insistira no seu carácter activo e dinâmico.
Esta preocupação condu-lo bastante próximo da solução que Kant dará ao
problema: o reconhecimento de funções a priori que dominam e formam a matéria
sensível. Com efeito, Tetens considera as representações originárias como a
matéria das representações derivadas. A alma tem o poder de escolhê-las, de as
dividir e separar umas das outras para depois de novo misturar, punir e compor
os fragmentos e as partes assim obtidas. Esta capacidade activa revela-se
sobretudo no poder criativo da poesia, que é semelhante à força criadora da
natureza corpórea que, embora não crie novos elementos, produz sempre novos
corpos mediante a mistura das partículas elementares da matéria mesma (Philow.
Vers., 11,
1, 24). As análises empíricas daqueles que Tetens chama "novos
investigadores", como Locke e Condillac, Bonnet e Hume, não podem explicar as
funções do espírito, aquelas que dão origem, por exemplo, à poesia e à
geometria, nas quais há algo que transcende o puro dado da experiência. Os
princípios da ciência natural, como o da inércia, da igualdade entre acção e
reacção, e todos os outros, têm uma certeza que não procede da observação dos
factos empíricos dos quais foram extraídos. "Existem sem dúvida sensações que
proporcionam a descoberta de tais princípios, mas estes só se alcançam através
de um raciocínio, de uma actividade autónoma do entendimento, pela qual foi
produzida cada (relação de ideias... Estes pensamentos universais são
pensamen40
termos em que será retomado por Kant na Crítica da razão pura. Tetens
conduziu-o até ao ponto em que era possível no plano da pura análise
empirista, no qual se movia. Kant, retomando-o, levá4o-á ao plano da análise
transcendental. Mas já na análise de Tetens começam a delinear-se "o encontro
e os Emites do entendimento humano". Poderá ser o entendimento, humano a norma
da realidade em geral? "Poderemos porventura afirmar que outras Mações
universais objectivas não são pensáveis por outros espíritos, dos quais não
temos ideia alguma como
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de uma maneira bela e as coisas belas podem ser pensadas de uma maneira feia
(1b., § 18). Baumgarten crê que a facúndia, a grandeza, a verdade, a clareza,
a certeza e, numa palavra, a vida do conhecimento, podem contribuir para
formar a beleza desde que se reunam numa única percepção fenoménica e sejam,
por assim dizer, presentes e vivas no seu conjunto (1b., § 22). Neste sentido,
o conhecimento estético é um "análogo da razão; assim, não devem ser-lhe
necessariamente estranhos os caracteres que são próprios do conhecimento
racional; mas, para constituir uma obra de beleza, estes caracteres devem
estar presentes em sua vida total e serem, precisamente na sua totalidade,
intuídos como um fenómeno. Requer-se para isso uma disposição natural, com que
se nasce, e que só pelo exercício se pode desenvolver e manter, disposição que
Baumgarten chama engenho beloconatural (ingetdum venustum connatum, § 29).
Requer-se outrossim, para se obter um feliz carácter estético, o ímpeto
estético, isto é, a inspiração ou o entusiasmo (1b., § 78); e, além disso, a
disciplina da investigação e do estudo (Ib., § 97). Estas determinações
esclarecem * que Baumgarten pretende dizer quando define * beleza como o fim
do conhecimento sensível. Enquanto no domínio da investigação científica o
elemento sensível é o ensejo ou o meio para atingir o conceito, na estética o
elemento sensível é ele mesmo o fim da investigação que tende a individuá-lo e
a aperfeiçoá-lo no seu puro valor fenoménico. O principio de que a beleza é
determinada pela atitude mediante a qual a aparência
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uma nova dignidade a aspectos da vida humana que, na época precedente, estavam
condenados a
fortalecidas, contrapõe ele que "se requer domínio sobre as faculdades, mas
não a tirania" (Ib., § 12). Desta maneira, a defesa da estética como ciência
autónoma coincide, na obra de Baumgarten, com a defesa da dignidade e do valor
de uma atitude humana fundamental.
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mutações de uma obra que, por ter saído das mãos de Deus, deve considerar-se
perfeita. Deus não
e popular por Moisés Mendelssohn (1729-86), que foi amigo pessoal de Lessing e
manteve correspondê ncia com Kant. Os seus escritos principais são: Cartas
sobre as sensações (1755); Considerações sobre, a origem e relações das belas
artes e das ciências (1757); Tratado sobre a evidência das ciências
metafísicas (1764); Fédon 'ou sobre a imortalidade da alma (1767); Jerusalém
ou sobre o poder religioso e o judaísmo (1783); Aurora ou sobre a existência
de Deus (1785). O pensamento de Mendelssohn reúne' eclèticamente a gnoseologia
empirista de Locke, o ideal ético de perfeição de Wolff e o panteísmo de
Espinosa. Assim como Reimarus condena em bloco toda a revelação, também
Mendelssohn condena em bloco todas as igrejas e todo o poder eclesiástico. A
religiosidade existe, tal como a moral, nos sentimentos e pensamentos íntimos
do homem, mas os pensamentos e sentimentos íntimos não se deixam coagir por
forma alguma de poder jurídico. Toda a organização jurídica supõe uma
imposição; e a religião escapa por natureza a qualquer imposição. A tese
principal da obra Jerusalém ou sobre o poder religioso e o judaísmo, é a de
que sobre os fundamentos da moral e da religião não se pode erguer nenhuma
forma de direito eclesiástico e que um tal direito existe apenas em detrimento
da, religião. Daí que o estado deva defender a mais absoluta, liberdade de
consciência, quer dizer, é preciso que a igreja e a religião percam todo o
poder político e sejam completamente separadas do estado. Mendelssohn é também
contrário ao ideal da unificação religiosa propagado por Leibniz, já que a
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LESSING
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da história, como o demonstra o seu escrito sobre a educação do género humano.
escrito de 1778 (Eine Duplik), atribui o valor do homem, mais do que à verdade
alcançada, ao esforço paira alcançá-la, esforço que põe em movimento todas as
suas forças e revela toda a perfeição de que é capaz. E nesta ocasião faz a
célebre afirmação: "Se Deus tivesse na sua mão direita toda a verdade e na
esquerda apenas a tendência para a
a lei da história, foi o problema que ocupou longamente Lessing e que foi
debatido em todos os seus
religião ensina? "Todos nós cremos, diz Lessing (Ueber den Beweis des Geistes
und Kraft, Werke, ed. Matthias, H, p. 139), que tenha existido um Alexandre
que em breve tempo conquistou toda a
Ásia. Mas quem arriscaria nesta crença algo de grande e capital importância,
cuja perda não pudesse ser reparada? Quem abjuraria para sempre, para seguir
tal crença, todo o conhecimento que a contradissesse? Eu não, decerto." Os
milagres do cristianismo ocorridos há muitos séculos, são paira nós simples
notícias que nada têm de miraculoso; mas ainda que admitíssemos como
verdadeiras tais notícias, será que delas deriva a verdade eterna do
cristianismo? Que relação tem a nossa incapacidade de rebater qualquer
objecção fundada no testemunho bíblico com a obrigação de crer nalguma coisa a
que a razão repugna. Mesmo se se admite que Cristo tenha ressuscitado, dever-
se-á por isso admitir que o Cristo ressuscitado seja filho de Deus? Lessing
considera impossível "passar de uma verdade histórica para uma classe
totalmente diferente de verdades e pretender que eu modifique por este preço
todos os meus conceitos metafísicos e morais." Constitui de algum modo uma
resposta a estas dúvidas e interrogações o escrito intitulado Educação do
género humano.
O conceito fundamental desta obra é que a revelação é educação. Com efeito, na
educação, cada homem aprende dos outros o que a sua razão
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ainda não é capaz de entender. O que ele aprende não é todavia contrário à
razão, só que não pode ser captado e entendido plenamente pela sua razão ainda
débil e pueril. Ora, a história da humanidade tem um desenvolvimento idêntico
ao do indivíduo. A humanidade foi educada através da revelação, a qual lhe
comunica aquelas verdades que ela ainda não é capaz de entender, enquanto não
se torne capaz de as alcançar e possuir de maneira autónoma,
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imagem progressiva, que o iluminismo elaborou, iria ter a mais ampla
ressonância no período romântico. No domínio da estética, Lessing permanece
substancialmente fiel à concepção aristotélica, cujas regras considera tão
infalíveis como os elementos de Euclides (Hamburgische Dramartugie). No
Laocoonte propõe-se pôr a claro a diferença entre pintura e
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XV
KANT
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que o iluminismo aceitara de Locke: isto é, na linha
Kant exerceu este cargo até à sua morte, cumprindo com grande escrúpulo todos
os seus deveres 'académicos, mesmo quando devido à debilidade senil se lhe
tornaram extremamente penosos. Herder, que foi seu aluno nos anos 1762-1774,
deixou-nos dele esta imagem (Briefe zur Mefõrderung 'der Htímatútãt, 49):
"Tive a felicidade de conhecer um
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filósofo que foi meu mestre. Nos anos juvenis, tinha a alegre vivacidade de um
jovem e esta creio eu que nunca o abandonou nem mesmo na mais avançada
velhice. A sua fronte aberta, feita para o pensamento, ora a sede de uma
imperturbável serenidade e alegria; o discurso mais rico de pensamento fluia
dos seus lábios; tinha sempre pronta a ironia, a argúcia e o humorismo e a sua
lição erudita oferecia o andamento mais divertido. Com o mesmo espírito com
que examinava Leibniz, Wolff, Baumgarten, Crusius, Hume e seguia as leis
naturais descobertas por Newton, por Kepler e pelos físicos, acolhia também os
escritos que então a-pareceram de Rousseau, o seu Emílio e a sua Heloísa, como
qualquer outra descoberta natural que viesse a conhecer: valorizava tudo e
reconduzia tudo a um conhecimento sem preconceitos da natureza e ao valor
moral dos homens. A história dos homens, dos povos e da natureza, a doutrina
da natureza, a matemática e a experiência eram as fontes que davam vida à sua
lição e à sua conversação. Nada que fosse digno de ser conhecido lhe era
indiferente; nenhuma cabala, nenhuma seita, nenhum preconceito, nenhum nome
soberbo, tinha para ele o menor apreço frente ao incremento e ao
esclarecimento da verdade. Encorajava e obrigava docemente a pensar por si; o
despotismo era estranho ao seu espírito. Este homem, que nomeio com a máxima
gratidão e
veneração, é Manuel Kant: a sua imagem está sempre diante dos meus olhos."
O único episódio notável da sua vida foi o conflito em que se encontrou com o
governo prussiano depois da publicação da segunda edição (1794) da Religião
nos Limites da Razão. O rei Frederico Guilherme 11, sucessor de Frederico o
Grande, restringira em 1788 a liberdade de imprensa, submetendo a censura
prévia as publicações de carácter religioso. Apesar de a obra de Kant ter sido
vista pela censura, a 14 de Outubro de 1794 o filósofo recebia uma carta do
rei assinada pelo ministro WõlIner na qual se afirmava que as ideias contidas
naquele escrito estavam em contradição com pontos fundamentais da Bíblia e do
cristianismo e se proibia a Kant ensiná-las ulteriormente sob pena de graves
sanções. Na sua resposta, Kant, embora rejeitando a acusação, prometia ater-se
à proibição "como súbdito de Sua Majestade": frase com a qual entendia limitar
a sua promessa à duração da vida do rei.
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Nos últimos anos Kant caiu numa debilidade senil que o privou gradualmente de
todas as suas faculdades. Depois de 1798 não pôde mais continuar os seus
cursos universitários. Nos últimos meses perdia a memória e a palavra. E assim
este homem que vivera para o pensamento, morreu mumificado a 12 de Fevereiro
de 1804.
DO PRIMEIRO PERIODO
O primeiro período começa com um escrito que Kant compôs quando era ainda
estudante e publicou em 1746, Pensamentos sobre o Verdadeiro Valor
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revela portanto uma certa ordem que permite reconhecer a marca do seu criador.
-0 escrito de Kant foi pouco conhecido. Em 1761 Lambert, nas
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mas a possibilidade intrínseca das coisas supõe sempre uma existência qualquer
porque, se não existisse nenhuma de facto, nada seria pensável e possível (1,
§ 2). Desta, consideração tira Kant a sua demonstração da existência de Deus
que é uma reedição do velho argumento a contigentia mundi. Todas as
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acordo com os demais homens. "Frente aos arquitectos dos diferentes mundos
ideais que se movem
no ar, dos quais cada um ocupa tranquilamente o seu, com exclusão dos outros,
situando-se um deles na ordem das coisas que Wolff construiu com poucos
materiais de experiência mas com muitos conceitos sub-reptícios, e o outro,
que Crusius produziu do nada com a força mágica de algumas palavras como
"pensável" e " impensável", nós, ante o contraditório das suas visões,
aguardaremos pacientemente até que estes senhores hajam saído do seu
sonho" (1, 3). Frente à inutilidade deste sonhar acordado, Kant considera que
a metafísica deve em primeiro lugar considerar as próprias forças e por isso
"conhecer se o objectivo está em proporção com aquilo que se pode saber e que
relação tem esta questão com os conceitos da experiência, sobre os
nos confins da experiência. É vão crer que a sabedoria e a vida moral dependem
de certas metafísicas. Não pode dizer-se honesto aquele que se abandona aos
vícios se não for ameaçado com um pena futura. É portanto mais conforme com a
natureza humana fundar a espera do mundo futuro no sentimento de
68
numa alma bem nascida, que fundar, pelo contrário, o seu bem obrar sobre a
esperança no outro mundo. Na sua simplicidade, a fé moral é a única que se
conforma com o homem em qualquer condição (H, 3). Nesta obra existem já os
fundamentos da orientação crítica.
69
fenómenos num nexo universal, isto é, como partes de um todo cujas leis e
princípios são os da geometria. - Estes esclarecimentos sobre o conhecimento
sensível permaneçam quase imutáveis na Crítica da Razão Pura Quanto ao
conhecimento intelectual, Kant distingue nele um uso real e um
70
uso lógico. O uso real é aquele pelo qual os conceitos das coisas e das suas
relações são dados; o uso lógico é aquele pelo qual os conceitos dados são
subordinados uns aos outros e unificados entre si segundo o princípio de
contradição (§ 5). Kant insiste no facto de que o uso lógico do entendimento
não elimina o carácter sensível dos conhecimentos que é devido à sua origem.
Mesmo as leis mais gerais são sensíveis e os princípios da geometria não saem
dos limites da sensibilidade. Pelo contrário, na metafísica, não se encontram
princípios empíricos, os seus princípios são inerentes à própria natureza do
entendimento puro, porquanto não são inatos,' mas abstraídos das leis
inerentes à mente e, por isso, adquiridos (§ 8). O conhecimento intelectual
não dispõe de uma intuição apropriada pela qual a mente possa ver os seus
objectos imediatamente, isto é, singularmente. Este é unicamente um
conhecimento simbólico e obtém-se por meio do raciocínio, isto é por meio dos
conceitos gerais. "0 conceito inteligível, enquanto tal, carece de todos os
dados da intuição humana. Com efeito, a intuição da nossa mente é sempre
passiva; e por isso é possível Somente enquanto algo pode excitar os nossos
imaginação, alcançar outra intuição senão aquela que se tem segundo a forma do
espaço e do tempo, resulta que consideramos impossível toda a intuição que não
esteja ligada a' estas regras (exceptuando aquela intuição pura e intelectual
que não está submetida à lei do tempo, como é a intuição divina, a que Platão
chama ideia) e, por isso, submetemos todos os possíveis aos axiomas sensíveis
do espaço o do tempo" (§ 25). Assim a preocupação de - salvar de
qualquer modo a metafísica dogmática leva Kant a formular o próprio princípio
que na Crítica da Razão Pura devia servir-lhe para destruir toda a
metafísica dogmática.
Nos dez anos que se seguiram à publicação da Dissertação, Kant andou lenta e
intensamente elaborando a sua filosofia crítica. Neste tempo publicou muito
poucas coisas e nada que dissesse respeito aos
73
humanas (1775), dois artigos pedagógicos sobre o
"Philant.hropin" de Basodow (1777); nada mais.
A Crítica da Razão Pura apareceu em 1781. Nesta obra Kant (como ele próprio
escrevia a Moisés Mendelssohn a 16 de Agosto) levou a cabo "o fruto de uma
meditação de doze anos em quatro ou cinco meses, quase em voo, pondo assim a
máxima atenção no conteúdo mas com pouco cuidado na forma em tudo quanto é
necessário para ser facilmente compreendido pelo leitor". As cartas a
Marco Herz dão algumas notícias sobre a génese e os progressos da obra.
A 7 de Junho de 1771 escrevia Kant: "Estou agora a trabalhar numa obra a qual,
sob o título de Os Limites da Sensibilidade e da Razão, não só deve tratar dos
conceitos e das leis fundamentais que concernem ao mundo sensível, mas deve
ser também um esboço do que constitui a natureza da doutrina do gosto, da
metafísica e da moral. "0 tema fundamental das três Críticas estava assim já
claro na mente de Kant, mas este tema devia depois cindir-se e articular-se no
decurso do trabalho. Numa carta de 21 de Fevereiro de 1772, Kant aponta o
título definitivo da sua obra. "Estou agora em condições de propor uma Crítica
da Razão Pura que trata da natureza do conhecimento quer teorética quer
prática, enquanto puramente intelectual. Da primeira parte que trata
primeiramente das fontes da metafísica, do seu método e dos seus limites, e
depois dos princípios puros da moralidade, publicarei aquilo que se refere ao
primeiro argumento em cerca de três meses." A doutrina do gosto está já
separada
74
A Crítica da Razão Pura abre a série das grandes obras de Kant. Em 1783 saíam
os Prolegómenos para toda a Metafísica Futura que se apresenta como Ciência,
exposição mais breve e em forma popular da mesma doutrina da Crítica.
Seguiram-se: Fundamentação da Metafisica dos Costumes (1785); Crítica do Juízo
(1790); A Religião dentro dos Limites da Simples Razão (1793); A Metafísica
dos Costumes (1797) que contém, na primeira parte, os "Fundamentos Metafísicos
da Doutrina do Direito"; e na segunda parte os "Fundamentos Metafísicos da
75
Doutrina da Virtude"; Antropologia do Ponto de Vista Pragmático (1798). No
prefácio desta última obra, Kant distingue a antropologia pragmática da
fisiológica: esta última destina-se a determinar qual é a natureza do homem
enquanto a antropologia pragmática estuda o homem tal como ele mesmo se faz em
virtude da sua vontade livre.
Raça Humana.
76
77
Em 1794 publicou dois artigos Sob a Influência da Lua sobre o Clima; O fim de
todas as Coisas.
A estes escritos é necessário acrescentar aqueles que nos últimos anos da vida
de Kant foram publicados. pelos seus discípulos. Assim publicaram-se: por J.
B. Jãsche a Lógica, manual para lições (1800); por F. T. Rink, a Geografia
Física (1802), lições dadas por Kant sobro este ponto; pelo mesmo Rink, a
Pedagogia, também recolhida das lições de Kant.
79
não existe nada não é dado nada que seja pensável, e existe contradição se
todavia se pretende que qualquer coisa é possível." Aquilo que é possível deve
conter, para ser verdadeiramente possível, além da pura formalidade lógica
da não-contraditoriedade, uma existência, uma realidade, um dado; e a
existência, a realidade, o dado, nunca se reduzem a simples predicados
lógicos. São estas as proposições base da filosofia crítica kantiana. Kant,
no escrito citado, dirigia-as a um objectivo tradicional, o da demonstração da
existência de Deus, mas
já naquele escrito têm uma importância superior ao fim para que servem. Nos
escritos posteriores o problema do real, do dado, a que a filosofia deve
referir-se, é ulteriormente debatido e
81
antes como "a ciência dos limites da razão humana", pois que ela deve
determinar em primeiro lugar o
torno de cada questão cujos dados se deveriam encontrar num mundo distinto do
que ele sente". E reconhecia o mérito da sabedoria "no escolher, entre os
inumeráveis problemas que se apresentam, aqueles cujas soluções preocupam o
homem" (H, § 3).
82
Kant aceitava assim plenamente o ponto de vista inglês, ponto de vista que se
pode exprimir em que Locke tinha feito prevalecer no empirismo duas
proposições fundamentais: LO, A razão não pode ir mais além dos limites da
experiência.
2.*, A experiência é o mundo do homem, o mundo daqueles problemas que
"preocupam" o homem. Mas este ponto de vista articulava-o e fundia-o ao mesmo
tempo com o método do iluminismo wolfiano: a razão deve fundamentar,
precisamente nestes limites, a capacidade e os poderes do homem. Com o enxerto
e a fusão destas duas exigências nascia a filosofia crítica de Kant.
83
também nos escritos menores - toda a tentativa para assinalar limites à razão
em nome da fé ou de uma experiência mística ou supra-sensível qualquer. Elo
foi sempre- o adversário resoluto de toda espécie de fideísmo, misticismo e
transcendentalismo: os limites da razão são para ele os limites do homem; e
querê-los atravessar em nome de uma coisa superior à razão, significa apenas
aventurar-se em sonhos arbitrários e fantásticos.
Não obstante, sobre o modo pelo qual a razão possa assinalar os seus próprios
limites e erigir-se em juiz de si própria, Kant esteve evidentemente longo
tempo indeciso. A Dissertação apresenta sobre este problema uma solução
diferente da que foi dada na Crítica da Razão Pura. Na carta a Lara84
85
para a intuição intelectual. Além disso, toda a matéria do nosso conhecimento
é dada unicamente pelos sentidos mas o númeno como tal não é concebível por
meio de representações obtidas dos sentidos; de maneira que o conceito
inteligível, enquanto tal, é privado de todos os dados, da intuição humana. A
intuição da nossa mente é sempre passiva; e por isso só é possível enquanto
qualquer coisa pode excitar os nossos sentidos. Pelo contrário, a intuição
divina, que é o princípio dos objectos e não deriva deles o seu principio, é
independente e arquétipo e é por isso inteiramente intelectual." Estes
pensamentos que retomam em forma quase idêntica ao longo de toda a Crítica da
Razão Pura constituem a directriz que inspirou o desenvolvimento ulterior da
obra de Kant. Todavia, na Dissertação, o fim que Kant se propõe explicitamente
é o de fazer que a certeza dos limites da sensibilidade sirvam não só para
garantir o valor da própria sensibilidade, mas também e principalmente para
garantir a liberdade do conhecimento intelectual frente à sensibilidade. Neste
escrito Kant realizou pela primeira vez a análise transcendental do mundo
sensível, mas não ainda a do mundo intelectual que permanece ligado no seu
pensamento à metafísica dogmática e aos seus processos. Se se examinam,
porém, os princípios que estabelece, na quarta parte do escrito, em tomo do
método da metafísica vê-se imediatamente que estes princípios implicam
também uma limitação essencial das possibilidades desta ciência. Com efeito,
Kant' consegue admitir
86
como regra que tudo aquilo que não pode ser conhecido pela intuição não pode
ser pensado absolutamente, e, portanto, é impossível" (§ 2'@). E este, será
depois o princípio da crítica de toda a metafísica, instaurada na Crítica da
Razão Pura.
toda a vida de evasão dos limites do homem. Como ele próprio reconhece, deve
esta renúncia a Hume que o despertou do seu sono dogmático, mas ao mesmo tempo
afastou-se também de toda a
87
o Podemos recapitular do seguinte modo o caminho seguido por Kant até alcançar
completamente o ponto de vista transcendental da @sua filosofia. Nos estudos
juvenis da filosofia natural, Kant foi-se familiarizando com a filosofia
naturalística do iluminismo inspirada por Newton. Esta filosofia, com o seu
88
A conclusão das análises de Hume é a de que o homem não pode alcançar, nem
mesmo nos limites da experiência, a estabilidade e a segurança de um
89
fontes, sobre a sua extensão e sobre os seus limites (K. r. V., pref. A XI).
Que haja conhecimentos independentes da experiência é um facto, segundo Kant.
Todo o conhecimento universal e necessário é independente da experiência, dado
que a experiência, como Hume e Leibniz haviam reconhecido em pontos de vista
opostos, não pode dar valor universal e necessário aos conhecimentos que
derivam dela. Mas o conhecimento "independente da experiência" não significa
conhecimento "que precede a experiência". Todo o nosso conhecimento começa com
a experiência, mas
pode acontecer que não derive todo da experiência e que seja um composto das
impressões que derivam da experiência e daquilo que lhe acrescenta a nossa
validade necessária que a experiência não pode dar Ora o primeiro problema de
uma crítica da razão pura é ver como são possíveis os juízos sintéticos a
priori
- o que equivale ao problema de saber como é possível uma matemática e uma
física pura. A crítica da
1 90
91
92
Desta maneira, Kant efectuou a sua revolução copernicana. @Como Copérnico, que
não podendo explicar os movimentos celestes com a suposição de que todo o
exército dos astros gira em redor do espectador, o conseguiu explicar melhor
supondo que o observador gira sobre si mesmo, do mesmo
condições da nossa intuição delas. Nós não podemos perceber nada se não no
espaço e no tempo: todas
93
as coisas que percebemos existem, portanto, no espaço e no tempo, se bem que
estes sejam puros elementos subjectivos do conhecer sensível. No espaço, é
fundamentada a validade da geometria, a qual pode determinar as propriedades
espaciais de todos os
Por isso, espaço e tempo não são nem conceitos empíricos, isto é retirados da
experiência externa ou
94
95
Quantidade
Qualidade
Relação
Modalidade
Quantidade
Qualidade
Relação
Modalidade
Multiplicidade
Realidade
Substancialidade e inerência
Possibilidade e impossibilidade
Unidade
Negação
Causalidade e dependência
Totalidade
Limitação
Necessidade e causalidade
96
97
98
A dedução transcendental não foi "um problema difícil" apenas para Kant: foi-o
e é ainda para os
sua necessidade, são essencialmente para deduzir" (HEGEL, Ene., § 42). Este
sentido genérico ou generalizado do termo, que pode encontrar a sua aplicação
apenas no âmbito do idealismo segundo o qual tudo deriva do Eu ou da razão e,
por isso, tudo pode ser deduzido de um ou de outra, é completamente estranho à
filosofia de Kant na medida em que é estranha a este tipo de idealismo. Kant
afirma explicitamente assumir o termo no significado jurídico, segundo o qual
significa a demonstração da legitimidade da pretensão que se avança e respeita
por isso ao quid júris não ao quid facti de uma
questão. Noutros termos, provar que a pessoa X está na posse do objecto y não
é uma dedução; mas é
99
100
descoberta da lei moral que, para ele, é um factum da razão; ou das formas do
juizo do gosto descobertas mediante a reflexão sobre a actividade sentimental
do homem. Pelo contrário, compreende como dedução a demonstração da validade
das formas cognoscitivas, da lei moral e do juizo estético teleológico,
demonstração alcançada mercê da de101
102
Kant começa por observar que o problema da dedução não se apresenta em relação
às formas da sensibilidade espaço e tempo. Estas não são susceptíveis de usos
diferentes, mas de um único uso que é o válido. Efectivamente, um objecto não
pode aparecer ao homem, isto é ser percebido por ele senão através destas
formas. A sua referência necessária aos objectos de experiência está assim
garantida: um objecto que não é dado no espaço e no tempo não é um objecto
para o homem porque não é intuído. O problema da dedução subsiste, pelo
contrário, para aquilo que respeita às formas do entendimento porque os usos
possíveis destas formas sã o diferentes e a dedução deve determinar qual é o
válido. As categorias do entendimento, por exemplo a causalidade, poderiam
também não condi- cionar os objectos da experiência e, por outro lado, podem
ser usadas também em relação aos objectos que não fazem parte da experiência
(por exemplo, Deus ou as coisas em si). A dedução transcendental deve mostrar-
se, e quando estes objectos se referem à experiência, deve pôr a claro a
legitimidade e os limites da s a pretensão e as regras do seu uso legítimo.
Ora, para fazer isto, Kant começa por distinguir a conexão necessária, isto é
objectiva, dos objectos
104
medida em que a unidade própria do juízo, expressa pela cópula "é", é uma
unidade objectiva, inerente aos próprios objectos de que se trata (ou seja, no
105
De facto, a primeira característica do "eu penso" ou, como também Kant diz, da
"unidade da apercepção", é que ela é uma unidade objectiva: por outros termos,
não é mais do que a possibilidade da experiência como unidade. Nas notas
fragmentárias em que Kant consignou as meditações fatigantes dos seus últimos
anos e que deveriam explicar a passagem dos princípios transcendentais à
física e constituir ao mesmo tempo a última exposição da sua
106
Sobre a natureza subjectiva do "eu penso", há, pelo contrário, uma diferença
substancial entre a exposição da primeira e da segunda edição da Crítica. Na
primeira edição, a apercepção pura é definida como o eu estável e permanente
que constitui o correlato de todas as vossas representações, com respeito à
simples possibilidade de ter consciência delas"; de modo que "todo o
conhecimento pertence a uma apercepção pura e omnicompreensiva, assim como
Kant explica no parágrafo precedente o paradoxo (de que não existe vestígios
na primeira edição) que consiste em o homem se conhecer não como é em si mesmo
mas como aparece a si mesmo. Conhece-se a si mesmo, isto é, tal como conhece
todos os outros objectos, como um simples fenómeno. O paradoxo é inevitável,
dada a natureza puramente formal do "eu penso", o qual, por si mesmo, não faz
conhecer nada como tão-pouco o poderá fazer uma pura categoria que prescinda
de toda a intuição sensível. Para se conhecer a si mesmo, portanto, o homem
tem necessidade não só do "eu. penso", que é a possibilidade deste e de
qualquer outro conhecimento, mas também da multiplicidade sensível que lhe é
fornecida através da forma pura do sentido interno, o
109
lio
111
nómenos e por experiência esses fenómenos mesmos tal como aparecem ao homem.
115
117
Kant, como de ordinário, recorre à sua tábua das categorias para dar a série
sistemática dos princípios do entendimento puro, os quais, em última análise,
não são outros senão os pressupostos fundamentais da ciência newtoniana.
matéria única e uniforme, animada por uma força única e simples na variedade
das suas manifestações.
O princípio de que Kant pretendia valer-se nesta espécie de dedução da física
newtoniana é o da possibilidade da experiência como sistema total dos
fenómenos. Assim, da unidade da experiência, de119
Ouzia a unidade a matéria, que é objecto da física. Assim, como há uma única
experiência de modo quando se fala de diversas experiências se alude na
realidade a grupos de percepções, assim há um
120
refere a outra realidade que não seja o fenómeno. Este princípio exclui que as
categorias tenham (segundo a terminologia de Kant um uso transcendental, pelo
qual se referem às coisas em geral e em si mesmas, e implica que o seu uso
possível é o empírico, pelo qual se referem só aos fenómenos, isto é, aos
objectos de urna experiência possível. Mas este pressuposto, que fica
definitivamente estabelecido para Kant a partir de 1781, dá origem a um duplo
problema. Em primeiro lugar, ao de explicar a
121
122
real." O númeno seria, deste ponto de vista, a substancia dos corpos materiais
enquanto fenómenos. o conceito do númeno é aqui apresentado como
jectivas algumas qualidades dos corpos; até certo ponto, a própria intuição de
corpo se torna subjectiva, mas permanece a realidade desconhecida, o x que
está por detrás dessa intuição e que não é semelhante a ela, como não é
semelhante a sensação do vermelho à propriedade do cinábrio que a produz.
É evidente que nestas considerações o númeno não é apenas, como Kant todavia
reconhecera explicitamente na primeira edição da Crítica, uma possibilidade
lógica, mas uma realidade, isto é uma possi-bilidade transcendental, de que
Kant se serve positivamente para explicar a constituição e a origem do
conhecimento. Esta incongruência é eliminada na segunda edição da Crítica.
Aqui, assim como se eliminam os passos que fazem da apercepção transcendental
uma realidade psicológica, ou seja, um "eu estável e duradouro", são também
eliminadas as passagens que respeitam à função positiva do númeno na
constituição e na origem do conhecimento humano e é desenvolvido coerentemente
o conceito do númeno como pura possibilidade negativa e limitativa. Esclarece-
se então explicitamente que, em sentido positivo, o númeno não é mais do que o
objecto de uma intuição não-sensível, isto é, de uma intuição intelectual que
não é a
nossa e "da qual não podemos compreender sequer a possibilidade" (K. r. V., B
309). Em sentido positivo, o númeno é, portanto, pelo menos para o homem,
impossível, e qualquer uso do conceito dele está fora de discussão. A
conclusão é que "aquilo que chamamos númeno deve entender-se apenas em
124
Aqui o número já não é mais que um x, uma realidade desconhecida mas positiva,
capaz de exercer
125
respeito. De facto, aí é amiúde referido (Op. post. ed. cit., 11, p. 20, 27,
33, etc.) o conceito da coisa em si como correlato da unidade originária do
126
127
128
- 11 -- ¥
KANT
129
um tema proposto pela Academia de Berlim (Quais Não os progressos reais que a
metafísica fez desde o tempo de Leibniz e Wolff?, A 156), denominou pelo
próprio nome de ontologia.
130
não é substância, quer dizer, ser subsistente por si. É, sem dúvida, um eu
singular, uma vez que não pode ser resolvido numa pluralidade de sujeitos, mas
nem por isso é substância simples, já que a
131
mas nada diz acerca da possibilidade de poder subsistir sem tais coisas.
Confundindo estas duas afirmações, a psicologia racional manifesta o seu
mundo tenha tido um início no tempo e tenha um limito no espaço, seja que não
tem nem um nem
132
necessário como causa do mundo, ou pode negar-se tal ser. Entro a tese e a
antítese destas antinomias é impossível decidir, porque ambas podem ser
demonstradas. O defeito reside na própria ideia do mundo, a qual, estando para
lá de toda a experiência possível, não pode fornecer nenhum critério para se
decidir por uma ou por outra das teses opostas. As antinomias demonstram
portanto a ilegitimidade da ideia de mundo. Tal legitimidade resulta evidente
se se observa que as teses das ditas antinomias apresentam um conceito
demasiado pequeno para o entendimento e as antíteses um conceito demasiado
grande para o próprio intelecto. Assim, se o mundo teve um princípio,
regredindo empiricamente na série dos tempos, seria preciso chegar a
termo a outro na série dos eventos, ou estendo estes limites a tal ponto que
torna insignificante esta mesma possibilidade.
133
é, o ser determinado por, pelo menos, um dos possíveis predicados opostos das
coisas. Este ideal é o modelo das coisas que, como cópias imperfeitas daquele,
dele extraem a matéria da sua possibilidade. Por isso se chama o Ser
originário; e chama-se Ser supremo enquanto não tem nenhum ser sobre si e Ser
dos seres enquanto qualquer outro ser é condicionado por ele. Estas
determinações, no
entanto, são puramente conceptuais e nada dizem sobre a essência real do ser
de que se trata. Kant analisa a este propósito as provas aduzidas sobre a
existência de Deus, e redu-las a três: a prova físico-teológica, a prova
cosmológica e a prova ontológica. Começa a sua análise por esta última, a
.134
porque não é dado ao homem estabelecer uma relação entre a ordem do mundo e o
grau de perfei. ção divina que deveria explicar tal ordem. Também esta prova
implica um salto, em que só a pode ajudar a prova cosmológica e a prova
ontológica, de modo que sofre o mesmo triste destino que estas duas. Esta
crítica basta, segundo Kant, para tirar todo o fundamento não só ao teísmo,
que admite um Deus vivo, cujos atributos podem ser
determinados por uma teologia natural, mas também ao simples deísmo, que
admite apenas um ser originário ou uma causa suprema, furtando-se a determiná-
lo ulteriormente.
4, Todavia, as ideias da razão pura, ainda que negadas no seu valor objectivo,
na sua realidade, apresentam-se incessantemente como problemas. Reconhecida a
ilusão a que o homem está sujeito no uso dialéctico da razão, cumpre remontar
à raiz de tal ilusão que se radica na própria natureza do homem e dar a esta
raiz um uso positivo e construtivo ao serviço do próprio conhecimento
empírico. Por outros termos, negada a solução dogmática do problema
metafísico, cumpre propor uma solução crítica, para que o problema mantenha e
135
137
138
O Cânone da razão pura é entendido por Kant como o complexo dos princípios a
priori que devem regular o uso das faculdades cognitivas. Este cânone deve
orientar a razão ao seu último fim que é o conhecimento dos três objectos
fundamentais da vida moral: a liberdade do querer, a imortalidade da alma e a
existência de Deus. Kant antecipa aqui os
139
A doutrina moral de Kant parece à primeira vista que elimina todos os limites
que a razão encon141
tra no seu uso teorético e que, portanto, abre ao homem as portas proibidas do
númeno. A razão prática confere realidade objectiva às ideias transcendentes
que a razão teórica devia considerar apenas como problemas. O homem como
sujeito da v 'da moral coloca-se no domínio do númeno; e a ,
142
143
de um ser que tanto pode assumir, como não assumir, a razão como guia da sua
conduta.
Estes fundamentos são a base de toda a doutrina moral de Kant. Por eles, a
moralidade está tão afastada da pura sensibilidade como da racionalidade
absoluta. Se o homem fosse apenas sensibilidade, as suas acções seriam
determinadas pelos impulsos sensíveis. Se fosse só racionalidade, seriam
determinadas pela razão. Mas o homem é ao mesmo tempo sensibilidade e razão,
tanto pode seguir o
uma máxima que possa valer para todos. E, de facto, uma máxima que não possa
valer para todos, destrói-se a si mesma e introduz a cisão e o conflito entre
os seres racionais. A fórmula do imperativo categórico é então a seguinte:
"Age de modo a que a máxima da tua vontade possa sempre valer como principio
de uma legislação universal". Esta fórmula é a lei moral; vale para todos os
seres
máxima contrária à lei moral. Para os seres finitos, a lei moral é, pois, um
imperativo e obriga categoricamente, porque a lei é incondicionada. A relação
de uma vontade fiai@a com esta lei é uma relação de dependência que se exprime
numa obrigação, isto é, em obrigar a uma acção conforme à lei. Esta acção
denomina-se dever; e a lei moral é assim a origem e o fundamento do dever no
homem.
146
o carácter formal da lei, a qual não obriga senão à conformidade com a lei,
tem sido frequentemente considerado uma abstracção e valeu à doutrina moral de
Kant a censura de negar a humanidade da vida moral. Na realidade, esse
carácter deriva precisamente da consideração de que a vida moral é vida
essencialmente humana e, portanto, supõe a presença da sensibilidade e o
perigo, para o homem, de se abandonar aos seus impulsos. Precisamente por isso
Kant afirmou a necessidade de subtrair a lei moral a todo o conteúdo e de a
reconhecer na sua forma. Um ser cujos desejos tivessem já a validez objectiva
da lei, que não pudesse desejar senão aquilo que a razão impõe, não teria
ideia do carácter formal da lei moral, e nem sequer da própria lei como
imperativo. Mas, dado que o homem é não só razão, mas também sensibilidade, a
sua vida moral é, em primeiro lugar, o
Isso explica a função essencial que o carácter formal da lei exerce em toda a
doutrina moral de Kant. Kant serve-se dele em primeiro lugar para a crítica de
todas as doutrinas morais que se
147
OBJECTIVOS
Externos
Internos
Internos
Externos
da edudo governo
cação
civil
mento
mento
ção (wolff
de Deus
(Mandepolítico
moral
e os estói(Crusius e
ville)
(Epicuro)
(Hutebecos)
os demais
son) 1
teólogos)
Os motivos subjectivos, quer exteriores quer internos, são todos empíricos e
não podem, por isso servir de fundamento a uma obrigação moral incondicional.
Tal obrigação seria de facto condicionada por circunstâncias externas (de
educação ou de governo) ou então por um sentimento e não se justificaria na
sua validez universal. Tais motivos subjectivos poderiam, quando muito,
explicar efectivamente a presença da moralidade em certos homens ou grupo de
homens, mas não justificaria o carácter absolutamente obrigatório da lei
moral. Que a educação ou o governo ou um sentimento meu qualquer me determinem
a agir de um modo determinado, isso nada me diz ainda acerca do valor deste
modo de agir, isto é, sobre a minha obrigação real para com ele. Mas o mesmo
se pode dizer também dos movimentos objectivos. A perfeição ou a vontade de
Deus só podem tomar-se como motivos de acção se as considerarmos como factores
ou elementos da nossa felicidade. Dependem, portanto, do desejo da
148
mal usados, e por isso não são bens em sentido absoluto; a vontade boa é, ao
invés, bem em sentido
149
absoluto e é a única coisa incondicionalmente boa. Mas para ser tal, não basta
que se conforme com
motivo de natureza sensível, por exemplo, a fim de evitar um dano ou obter uma
vantagem. <A moralidade é, pelo contrário, a conformidade imediata da vontade
com a lei, sem o concurso dos impulsos sensíveis. Ora, dado que o conjunto dos
impulsos, cuja satisfação constitui a felicidade, é o amor de si (ou egoísmo),
a acção que realiza a moralidade e, por conseguinte, a liberdade, é a
eliminação do egoísmo e, em primeiro lugar, da presunção que antepõe o eu e os
seus impulsos à lei moral. Mas a acção negativa da liberdade sobre o
sentimento é também um sentimento, o único sentimento moral: o respeito. E o
respeito não é apenas o móbil da moralidade, mas toda a moralidade considerada
subjectivamente, já que só abatendo toda a pretensão do amor de si se confere
autoridade à lei e se lhe permite adquirir predomínio sobre o homem. Kant
insiste no facto de que a moralidade como respeito é uma condição própria do
homem como ser racional
150
151
tratar a humanidade, na tua pessoa como na dos outros, sempre como fim, nunca
como simples meio". Esta segunda fórmula supõe que a universalidade da lei
moral é o acordo sobre um determinado objecto, nem a uniformidade da acção dos
vários sujeitos, mas apenas o reconhecimento da dignidade humana das demais
pessoas como da própria. Tal reconhecimento faz com que todos os homens como
sujeitos morais constituam um reino dos fim, isto é,
152
153
154
de limites ( Ib., A 237, no-ta). Mas nem o homem nem nenhuma criatura racional
pode atribuir-se a santidade senão por uma presunção ilusória.
virtude, que é a intenção moral em luta com o mundo, pela santidade de uma
suposta pureza' de intenções absoluta. O fanatismo moral incita os homens às
acções mais nobres, mais sublimes, mais magnânimas, apresentando-as como
puramente meritórias; e assim substitui o respeito por um móbil patológico,,
porque se funda no amor de si e determina uma maneira de pensar leviana,
superficial e
fantástica, pela qual o orgulho de uma bondade espontânea, que não necessita
nem de esporas nem de freio, aniquila a humildade da simples submissão ao
dever (K. p. V., A 151-52). O preceito cristão que manda amar Deus e o próximo
pretende, ao
o Progresso do bem".
155
termo final o sumo bem. O sumo bem para o homem, que é um ser finito,
consiste, não só na virtude, mas também, na união da virtude e da felicidade.
A virtude é, de facto, o bem supremo, quer dizer, a condição de tudo o que é
desejável; mas
não é o bem completo e perfeito para seres racionais finitos, que têm também
necessidade de felicidade. "Ter necessidade da felicidade e ser digno dela, e
todavia não participar dela, não é compatível com o querer perfeito de um ser
racional que tivesse ao
virtuoso e a busca da felicidade são duas acções diferentes: uma não implica a
outra. A identidade entre virtude e felicidade foi admitida pelos epicúreos e
pelos estóicos, pois, que os primeiros consideram implícita a virtude na busca
da felicidade e os segundos consideram a felicidade implícita na consciência
da virtude. Mas, na realidade, virtude e felicidade constituem uma antinomia,
e a condição que toma possível a primeira (o respeito pela lei moral) não
@influi sobre a segunda, nem a condição que torna possível esta (o adequar-se
às leis e ao mecanismo causal do mundo sensível) torna possível a
virtude. De certo modo, a felicidade deve ser uma consequência da virtude, não
no sentido de que esta pode produzir a felicidade segundo o mecanismo das
156
leis naturais, mas no sentido de que torna o homem digno dela e por isso
justifica a esperança de a obter. Contudo, para ser propriamente digno da
felw-1lade o homem deve,poider promover até ao infinito o seu aperfeiçoamento
moral. Só a santidade, isto é, a conformidade completa da vontade à lei, torna
o
santidade é uma perfeição de que nenhum ser racional do mundo sensível é capaz
em momento algum da sua existência. Só se pode alcançar tal perfeição mediante
um progresso até ao infinito desde os graus inferiores até aos graus
superiores da perfeição moral. Mas este progresso até ao infinito ,só é
possível se se admitir a imortalidade da alma; a imortalidade é, portanto, um
postulado da razão prática, isto é, "uma. proposição teórica, mas como
157
158
como diz Kant, esta certeza nada nos diz acerca do modo por que os seus
objectos são possíveis, acerca do modo, por exemplo, como se pode representar
positivamente a acção causal da vontade livre, diz-nos todavia, dos objectos
numénicos, que existem, e existem absolutamente. Assim, o limite da
experiência é superado e o homem adquire uma certeza positiva para lá da
experiência e parece ilegítimo encerrar o conhecimento nestes limites. O
"primado da razão prática parece contrastar de modo evidente com a limitação
do conhecimento humano dentro das possibilidades, empíricas, que é o grande
ensinamento da Crítica da razão pura4, Não é de admirar, deste ponto de vista,
que os intérpretes e seguidores de Kant que tomaram à letra a doutrina do
primado da razão prática, nunca tenham tomado à letra as limitações que Kant
lhe impôs, proibindo qualquer uso teórico da mesma e recusando-se a considerá-
la, sob qualquer ponto de vista, como uma extensão do conhecimento. Todavia,
as afirmações de Kant são tão instantes e repetidas a
este propósito que fazem supor que os motivos que as sugeriram deviam decerto
parecer-lhe decisivos; e decisivos são na realidade, com respeito aos
pressupostos fundamentais da filosofia de Kant. O postulado é, na sua
expressão, "uma proposição teórica"; mas, não é um acto teórico da razão, isto
é, um acto que, do ponto de vista teórico, tenha qualquer validade. Kant
adverte que, mesmo depois de a razão haver dado um grande passo, admitindo a
realidade dos objectos numénícos, não lhe resta, com respeito a tais objectos,
senão uma tarefa negativa, isto é,
159
mem. Neste caso, de facto, "Deus e a eternidade, perante os nossos ' olhos
(já que o que podemos demonstrar perfeitamente equivale certamente ao que
podemos descobrir mediante a vista). A transgressão da lei seria certamente
impedida, tudo quanto se
manda-se seria cumprido; mas como a intenção, que origina as acções, não nos
pode ser imposta por um mandamento e o aguilhão da actividade seria aqui
sempre imediato e exterior, a razão nunca teria necessidade de esforçar-se e
de reunir as forças às inclinações mediante a viva representação da dignidade
da lei, assim a maior parte das acções conformes à lei seriam feitas por
temor, apenas umas tantas por esperança e nenhuma pelo dever; de modo que o
valor moral das acções, o único de que depende o valor da pessoa e do mundo
aos
olhos da sabedoria suprema, não existiria para nada. A conduta do homem (desde
que a sua natureza permanecesse como é), transformar-se-ia num puro mecanismo,
no qual, como no teatro de fantoches, todos gesticulariam sem que as figuras
tivessem vida. Ora, as coisas passam-se de uma maneira muito diferente: apesar
de todo o esforço da nossa
razão, temos uma visão do mundo obscura e duvidosa, e aquele que rege o mundo
deixa-nos apenas conjecturar, e não ver nem demonstrar claramente, a sua
existência e a sua majestade; a lei moral, sem nada de certo nos prometer e
sem nos ameaçar, exige de nós o respeito desinteressado; e só quando este
respeito se torna activo e dominante, só então, e só graças a ele, se, pode
lançar um olhar, e, mesmo assim, com vista dé bil, ao reino do supra-sensível.
161
Deste modo pode ter lugar uma intenção verdadeiramente moral e consagrada
imediatamente à lei, e a criatura racional pode tornar-se digna de participar
no sumo bem, que é adequado ao valor moral da sua pessoa e não apenas as das
suas acções" (1b., A
265-266). Estas palavras de Kant que lembram as
162
mes~ que não seja capaz de os deixar ou de lhes contrapor outros mais
especiosos" (lb., A 258).
para com os outros, assim como uma "metodologia moral" que comprende uma
"didáctica moral" e
163
legislação jurídica é a que pode ser também externa e por isso se serve de uma
imposição não puramente moral, mas de facto, e actua como força obrigatória. O
direito trata da relação externa de urna
pessoa para com outra, enquanto as suas acções ,podem, de facto, exercer
influências umas sobre as outras. É o conjunto das condições pelas quais a
Todavia, esta lei, não espera obter a sua realização mediante a boa vontade
dos indivíduos particulares; implica a possibilidade de uma imposição exterior
que intervém para impedir, ou pelo menos anular, o efeito de possíveis
violações. Kant divide o direito em direito inato, dado a todos pela natureza,
independentemente de qualquer acto jurídico, e em direito adquirido, que nasce
apenas de um acto jurídico. O único direito inato é a liberdade, a liberdade
de todos os outros. O direito adquirido é, pois, o direito privado, que define
a legitimidade e os limites da posse das coisas exteriores, ou direito
público, que trata da vida social dos indivíduos numa comunidade juridicamente
ordenada. Esta comunidade é o estado. Kant distingue, tal como Montesquieu,
três poderes do estado: o legislativo,
164
É notável que Kant tenha extraído dos seus conceitos morais uma justificação
da pena jurídica que se afasta muito da dos juristas do iluminismo. A punição
jurídica (diferente do castigo natural do vício que se pune a si mesmo) deve
aplicar-se aoréu, não como um meio para obter um bem, seja em proveito do
criminoso, seja em proveito da sociedade civil, mas unicamente porque cometeu
um delito. De facto, o homem nunca é um meio mas sempre um fim; não pode ser,
portanto, ser utilizado como exemplo pelos outros, mas deve ser considerado
merecedor de punição antes ainda que se possa pensar em extrair de tal punição
qualquer utilidade para ele próprio e para os seus concidadãos. Kant chega a
dizer que, mesmo que a sociedade civil se
dissolvesse com o consenso de todos os seus membros (no caso, por exemplo, de
o povo de uma ilha decidir separar-se e dispersar-se pelo mundo), o
último assassino que se encontrasse preso deveria antes ser justiçado; e isto
a fim de que o sangue derramado não recaia sobre o povo que não aplicou
165
o castigo o que poderia então ser considerado cúmplice desta violação pública
da justiça.
ela fosse possível (o que talvez não seja) e estabelecer as instituições que
pareçam mais aptas a alcançá-la. Pois, ainda que isto não passasse de um
desejo Piedoso, nunca nos enganaríamos impondo-nos a máxima de tender à sua
realização a todo o custo, porque se trata de um dever. A este dever obedecera
Kant, indubitavelmente, alguns anos antes (1795) ao escrever o seu projecto
Para a paz perpétua, no qual reconhecia as condições da paz na constituição
republicana dos estados particulares, na federação dos estados e, finalmente,
no direito cosmopolita, isto é, no direito de um estrangeiro a não ser tratado
por inimigo no território de outro estado. Mas, acima de tudo, via a maior
garantia da paz no
respeito por parte dos governantes das máximas dos filósofos (segundo o ideal
platón3co) e no acordo entre política e moral, efectuado mediante a máxima "a
honestidade é melhor do que toda a política".
166
usado, uma ordenação que não atinja a sua finalidade, são contrárias à
ordenação teleológica da natureza. Ora, a tendência natural do homem é a de
alcançar a felicidade ou a perfeição através do uso
167
168
a máxima liberdade compatível com igual liberdade dos outros. É de notar que
se trata de um progresso possível, não necessário e infalível. Por isso, o
único uso que se pode fazer deste plano é que o seu
conceito torne possível uma investigação filosófica que tenha por fim mostrar
como a história universal deve dirigir-se para a unificação política do género
humano.
169
ZD
170
O juizo reflexivo não tem valor cognitivo porque contém apenas os princípios
do sentimento de prazer e de desprazer, independentemente dos conceitos e das
sensações que determinam. a faculdade de desejar; também nada tem em comum com
a razão, a qual determina o homem (mediante o imperativo categórico)
independentemente de qualquer prazer. É evidente que a faculdade do juizo pode
ser própria apenas de um ser finito como é o homem. Radica-se, de facto, na
necessidade de harmonizar o acordo da natureza com as exigências da liberdade;
e esta necessidade deriva da impossibilidade, em que a subjectividade humana
se encontra, de constituir a natureza até ao ponto de a tornar dócil e pronta
às necessidades fundamentais. Evidentemente, se o
171
que entre na constituição dos seus objectos tudo quanto se refere à estrutura
moral do homem. E então a conformidade entre os objectos com tal estrutura é
apenas uma necessidade do homem, necessidade que é satisfeita, é certo, pela
função reflexiva do juízo mas apenas subjectivamente e não dá lugar ao
conhecimento. A Crítica do juízo é, por consequência, desprovida daquele
aspecto polémico que domina a
ZD
conceito" (K. d. U., § 9). E distingue a beleza livre (por exemplo das flores)
que não pressupõe nenhum conceito, e a beleza aderente (por exemplo, a de um
homem ou de uma igreja), que pressupõe o conceito daquilo que a coisa deve
ser, isto é, da sua perfeição. Evidentemente, a beleza aderente não é um puro
juizo de gosto, precisamente porque supõe o conceito do fim a que a coisa
julgada deve adequar-se; mas é um conceito de gosto aplicado, e complicado com
critérios intelectuais. Neste sentido, diz que "a beleza é a forma da
finalidade de um objecto na
destino em relação a esse poder desmesurado, dado que, ainda que tivesse de
sucumbir, o seu valor pró174
produto da arte bela - diz (K. d. U., § 45), é necessária ter consciência de
que se trata de arte e não de natureza; mas a finalidade da sua forma deve
apresentar-se livre de toda e qualquer imposição de regras arbitrárias,
precisamente como se fosse um produto da natureza. A natureza é bela quando
tem a aparência da arte, e, por sua vez, a arte não pode ser considerada bela
senão quando a consideramos como natureza, embora sendo cônscios de que é
arte. O mediador entre o belo natural e o belo artístico é o género na medida
em que é a disposição inata (ingenium) por meio da qual a natureza fornece a
regra da arte. Para julgar os objectos é necessário o gosto; mas para a
produção de tais objectos é necessário o génio. Este é constituído, segundo
Kant, pela união (numa determinada rela177
178
179
180
humano e pouco importa que não seja possível demonstrar a sua validade para
seres superiores, ou
181
182
que revelem a maior finalidade, sem que, no entanto, este dever exclua (dada a
deficiência daquela explicação) a consideração teleológica (1b., § 78).
183
§ 530. KANT: A NATUREZA DO HOMEM E O MAL RADICAL
Em primeiro lugar, em que sentido se pode falar de uma natureza do homem? Não
se pode decerto entender por este termo o contrário da liberdade, isto é, um
impulso necessário, como seria, por exemplo, um impulso natural; quer dizer,
neste caso, a
184
liberdade" e tal princípio deve ser, por sua vez, entendido como um acto de
liberdade. Se o não fosse, o uso da liberdade seria determinado e a própria
liberdade seria impossível (Die Religion, B 7). Neste princípio deve,
portanto, radicar-se a possibilidade do mal e a inclinação do homem para o
mal. Ora, se tal princípio é um acto de liberdade, esta inclinação não é uma
disposição física, que não poderia imputar-se ao homem, nem uma tendência
necessária qualquer. Portanto, não pode ser senão uma máxima contrária à lei
moral, máxima aceite pela liberdade mesma e, portanto, de per si
continente. ,C
A afirmação "o homem é mau" significa apenas que o homem tem consciência da
lei moral e, não obstante, adoptou a máxima de por vezes, se afastar, dela. A
afirmação o homem é mau por natureza" significa que o que se disse vale para
toda a espécie humana, o que não quer dizer que se trate de uma qualidade que
possa ser deduzida do conceito da espécie humana (ou de homem, em geral), já
que seria neste caso necessária, mas só que o homem, tal como se oonhece por
experiência, não pode ser
julgado diferentemente e, por isso, pode supor uma tendência para o mal em
todos os homens e mesmo no melhor dos homens. Dado que tal tendência para o
mal é moralmente má e, portanto, livre e responsável, enquanto consiste apenas
em
máximas de livre arbítrio, pode por isso ser chamada um mal radical e i~o na
natureza humana, ma@J de que, todavia, o próprio homem é a causa
185
pelas forças humanas porque a destruição deveria ser obra das boas máximas, o
que é impossível se o princípio subjectivo supremo de todas as máximas estiver
corrompido; mas deve ser vencido, a fim de que o homem seja verdadeiramente
livre nas suas
186
Dado que está radicado na própria natureza do homem, o mal não pode ser
eliminado. Pouco importa que o homem tenha adoptado uma intenção boa e se lhe
mantenha fiel; ele começou pelo mal e este é um débito que não lhe é possível
liquidar. Mesmo supondo que, após a sua conversão, não contraia novas dívidas,
isto não o autoriza a crer que se encontre livre da dívida antiga. Tão-pouco
pode com o seu bom comportamento adquirir uma reserva, fazendo mais do que é
obrigado a fazer de cada vez, já que o seu estrito dever é fazer sempre tudo
quanto pode fazer. Além disso, trata-se de um débito que não pode ser
resgatado por outro, de uma dívida intransferível, que é a mais pessoal de
todas as obrigações; o homem contraiu-a com o pecado e mais ninguém, a não ser
ele próprio, pode carregar com o peso dela. Por isso, o resgate total da
dívida originária não pode seu senão um acto de graça, que não é devido ao
homem, mas
187
188
leis. Evidentemente, esta não é uma sociedade jurídico-civil mas uma sociedade
ético-civil, ou melhor, uma república moral. A república moral - simples ideia
de uma sociedade que compreenda todos os
189
única coisa que Deus lhes pede para os considerar como súbditos do seu reino.
Só sabem conceber
a sua obrigação sob a forma de um culto que é necessário prestar a Deus; culto
em que não se trata do valor moral das acções, mas antes do seu cumprimento ao
serviço de Deus e para que Deus as
190
condena as práticas do culto, mas tais práticas nunca devem tomar o lugar do
verdadeiro culto, que é a
191
(,b., B 276), está nesta distinção; o culto de Deus torna-se graças a ele um
culto divino e, portanto, um culto moral. Se, em lugar da liberdade dos filhos
de Deus, se impõe ao homem o jugo de uma lei positiva e a obrigação absoluta
de crer em coisas que só podem ser conhecidas historicamente e que, por
conseguinte, não podem convencer a todos, cria-se um jugo que para o homem
consciencioso é ainda mais pesado do que todo o fardo das práticas piedosas
com que se sobrecarrega". A conclusão da análise kantiana da religião é uma
confirmação dos resultados da Crítica da razão pura e da Crítica da razão
prática. Não se pode conceber outra forma de fé que não seja a fé racional, a
fé prática, que reconhece a possibilidade do supra-sensível unicamente
enquanto tal possibilidade reforça a acção moral do homem. Transformar esta
possibilidade numa afirmação dogmática significa tornar impossível ao homem,
não só a sua vida teorética e moral, mas a própria religião, que se converte
em superstição.
192
órgão como o que Mendelssom e Jacobi denominavam de fé, tal órgão seria
incapaz de provar a
193
Uberdade e tende, antes, a provocar uma inquisição nas consciências que impeça
à razão de se afastar da pretensa verdade revelada. Kant termina o seu escrito
com um apelo patético, que é, por assim dizer, o resumo da sua filosofia:
"Amigos da humanidade e do que há de mais santo para ela, aceitai também o que
vos parecer mais digno de fé após um exame atento e sincero, quer se trate de
factos, quer se trate de princípios racionais, mas não recuseis à razão o que
a torna o bem mais alto sobre a terra: o privilégio de ser a última pedra de
toque da verdade" (lb., A 329).
NOTA BIBLIOGRÃFICA
tik der reinen Vernunft (1.1 ed., 1781), Prolegomena, GrundlL--gun zur
Metaphysik der Sitten, Metaphysi&che Anfangsgründe des Natu~senschaft, 1911,
voL V, Kritik der pTaktischen Vernunft (1788), Kritik der Urteilskraft (1790),
1913; vol. VI, Die ReUgion inuerhalb der Grenzen der Blossen Vernunft (179,3),
Die Metaphysik, der Sitten, (1797), 1915; vol. VII, Der Streit der P4kultãten
(1798), Anthropologie in pragnwtischer Hinsicht (1798), 1917; vol. VIII,
AbhandIungen nach 1781, 1923; vol. IX, Logik, Physische Geographie und
Pãdagogik, 1923; vol. X, Briefwechsel (1747-88), 1922; vol. XI, Briefwechsel,
(1789-194), 1922; vol. XIII, Briefwechsel (1795-1803), 1922; vod. XIII, Brie-
fwechseZ, Anmerkungen und Register, 1922; voL XIV, Handscriftlicher Nachlass
I, Math~tik, Physik und Chem@e, Physische Geographie, 1911, vod,. XV,
Handschriftlicher Nachlass 11, AntropoZogie, 1913; vol. XVI, Handschriftlicher
Nachlass III, Logik, 1924; vol. XVII, Handschriftlicher Nachl"s IV,
Metaphysik,
1926; vol XVIII, Handschriftlicher Nachl"s V, Metaphysik, 1928; vol. XIX,
Handschriftlicher NachIass VI,
1M4; voll. XX, Handschrftlieher Nachkss, VII, 193,5, vol. XX1,
Handschriftlicehr NwhIass VIII, Opus postumum, 1936; HandschriftUcher NachIass
IX, Opus postumum, 11, 1938; vol. XXIII, Vorbereiten und Nachtrãge, 1955.
195
Sobre a Opus Postumum: E. ADICKE.9; K.s. Opus Post. dargestellt und beurteilt,
Berlim, 1920; N. KEMP SMITH, A Cammentary to K.& Critique of Pure Reason,
Londres, 1918; V. MATHIEu, La filosofia trascendental e o "Opus postumum" di
K., Turim, 1958.
197
§ 528. Sobre o juizo CStétiCO: H. COHEN, K.S. Regründun der Aesthetik, Berlim,
1889; V. BASCI-1, Essai critique sur 1'esthétique de Kant, Paris,, 1897;
ROSENTHAL, in "Kantstudien" 20, 1915; M. SouRiAu, Le jugen^t réfléchi@ssant
dans Ia phil". crit. de Kant, Paris, 1926.
198
SEXTA PARTE
A FILOSOFIA DO ROMANTISMO
201
202
entre 1786 e 1787 numa revista e mais tarde ampliadas e reelaboradas em dois
volumes (1790-92). Foi também autor de uma vasta obra intitulada Nova teoria
da faculdade representativa humana (1789).
203
ticos que Kant pretende ter refutado a propósito da existência de Deus. Kant,
segundo Schulze, pro _ cedeu da forma seguinte: o conhecimento pode ser
207
consciência nada existe. Mas também não pode ser um puro produto da
consciência, porque desse modo não teria as características do dado, que
jamais é produzido pela própria consciência. Todo o conhecimento objectivo é
uma consciência determinada, mas na sua base existe uma "consciência
indeterminada" que procura determinar-se num conhecimento, objectivo, tal como
o X matemático ao assumir os valores particulares de a, b, c, etc. O dado é,
por conseguinte, o que não é resolúvel às puras leis do pensamento e que o
pensamento considera como algo de estranho, a si, mas algo que procura
continuamente limitar e assumir de forma a poder gradualmente anular-lhe o
carácter irracional. "0 dado, afirma Maimon (Transcendentaphil., p. 419 e
segs.) é apenas aquilo em cuja representação se conhece não só a causa mas
também a essência real; o que vale dizer que é aquilo de que temos apenas uma
consciência incompleta. Mas esta consciência incompleta pode ser pensada por
uma consciência determinada como um nada absoluto apenas através de uma
série infinita de graus; já que o puro dado (o que está presente sem qualquer
consciência de força representativa) é pura ideia do limite desta série (tal
como uma raiz irracional) de que nos podemos aproximar mas que nunca
conseguimos atingir. O conhecimento dado é um conhecimento incompleto; o
conhecimento completo jamais pode ser dado, é apenas produzido e a sua
produção acontece segundo as leis universais do conhecimento. E isso é
possível quando podemos produzir na consciência um objecto real de
conhecimento. Uma tal produção será uma
208
vez que é um produto do próprio pensamento. Maimon admite, por outros termos,
a faculdade da intuição intelectual (produtora ou criadora) que Kant, de forma
tenaz, sempre excluíra como sendo superior e estranha às faculdades humanas.
Deste modo se abre a via ao idealismo; e nesta via se coloca decididamente
Beck.
cativo dos textos críticos do Professor Kant, por sugestão do próprio (1793-
96), cujo terceiro volume,
o mais importante, tem o título O único ponto de vista possível pelo qual a
filosofia crítica pode ser
210 N
objecto através de um conceito. Esta representação surge criada por dois actos
que constituem a actividade originária do intelecto: o primeiro é a síntese
originária efectuada através das categorias; o segundo é o reconhecimento
originário efectuado através do esquematismo das categorias (Einzig m<5glicher
Standpunkt, 11, § 3. Beck percorreu deste modo uma
larga tirada do caminho que, contemporâneamente, era percorrido também por
Fichte. A interpretação do kantismo iniciada por Reinhold encontra neste
último o seu desfecho lógico e conclusivo.
todos os campos da sua actividade; mas ao mesmo tempo impunha à razão limites
precisos e em tais ,limites baseava a legitimidade das suas pretensões.
O racionalismo kantiano foi outro aspecto que levantou polémicas na Alemanha
nos últimos anos do século XVIIII.
211
uma simples articulação de sons mas como revelação da própria realidade, uma
revelação da natureza e de Deus. A linguagem é o Logos, o Verbum: a razão como
auto-revelação do ser. Linguagem e
213
medida em que surge de uma livre e desinteressada consideração das coisas. Mas
enquanto para Hamman a linguagem é a própria razão, ou seja, o ser que se
revela, para Herder ela é um instrumento indispensável, mas que não deixa de
ser um instrumento
214
da razão. O homem, privado como está do instinto, que é o guia seguro dos
animais, supre a sua inferioridade através de uma força positiva da alma que é
sagacidade ou reflexão (Besonnheit); e o livre uso da razão leva à invenção da
linguagem. A linguagem é, portanto, "um órgão natural do intelecto", o sinal
exterior distintivo do género humano, tal como a
215
216
A filosofia da fé, tal como tinha sido desenvolvida por Hamman e Herder,
levava a uma conclusão panteísta: parecia até tornar impossível qualquer
distinção entre natureza e Deus e fazer sua a tese
217
minha devoção natural a um Deus incógnito". Mas a razão não serve este
objectivo. Jacobi levanta a pergunta crucial: É o homem quem possui a razão ou
é a razão que possui o homem? Para ele não existe
218
Jaoobi vale-se dos colóquios que teve com ele para afirmar que Lessing era
conscientemente adepto da doutrina de Espinosa e que a fórmula em que
acreditava era En kai Pan, o Todo-Uno, o Deus-Natureza. Este é o argumento da
polémica entre Jacobi e Mendelssohn sobre o espinosismo de Lessing, polémica
em que intervém igualmente Herder com a sua obra, Deus. A doutrina de Espinosa
representa para
219
220
lei escrita no coração dos homens e que os homens seguem mesmo quando a negam.
a liberdade e o homem seria um animal como todos os outros, uma coisa entre as
outras coisas. Mas se não existisse nem religião, nem liberdade, nem fé em
Deus, nem consciência de si, como poderia o
221
Nos ideais do Sturm und Drang comungaram, na sua juventude, Schiller e Goethe.
Todavia, o conhecimento da filosofia kantiana tem neles uma influência
positiva, encaminhando-os para o reconhecimento da função da razão e ainda
para a com222
uma certa confiança ao instinto, sem recear que este o amesquinhe: porque
assim parece demonstrar que
223
Numa nota à segunda edição da Religião nos limites da razão (13 10-11), Kant,
respondendo às observações de Schiller, afirmava que se é impossível que a
graça surja acompanhada do conceito de dever, em virtude da dignidade deste
últim03 não é impossível todavia que aquela surja acompanhada da virtude, ou
seja: da intenção de cumprir fielmente o dever. A graça, segundo Kant, pode
ser uma das felizes consequências da virtude que transmite sobretudo a
força da razão e acaba até por arrastar no seu jogo a própria.
imaginação.
GOETHE
224
sua realidade física e social. Schiller ilustra os vá. rios aspectos deste
contraste. A razão exige a unidade, a natureza exige a variedade; e o homem é
chamado a obedecer a ambas as leis, uma sugerida pela consciência e a outra
pelo sentimento (Cartas,
4). No homem, o eu é imutável e permanente, mas os estados singulares sofrem
mutações. O eu é fruto da liberdade, os estados singulares são produto da
acção das coisas exteriores. Por isso existem no homem duas tendências que
constituem as duas leis fundamentais da sua dupla natureza racional e
sensível. A primeira exige a absoluta realidade.- o homem deve tomar sensível
tudo o que é pura forma e manifestar exteriormente todas as suas atitudes. A
segunda exige a absoluta formalidade: o homem deve extirpar tudo o que nele
existe de exterior e
criar a harmonia entre os seus sentimentos (1b., 11). Estas duas tendências
são também chamadas por Schiller instintos: o instinto sensível deriva do seu
ser físico e liga o homem à matéria e ao tempo, o instinto da forma aparece no
homem por virtude da sua existência racional e procura torná-lo livre. Se o
homem sacrifica o instinto racional ao sensível, deixará de ser um eu,
permanecendo disperso na matéria e no tempo; se sacrifica o instinto sensível
ao formal será uma pura forma sem realidade, ou seja: uni puro nada (lb., 13).
Deve portanto conciliar os dois instintos de modo a um limitar o outro e dar
lugar ao instinto do jogo que levará a forma à matéria e a realidade à pura
forma rwiOnal (1b.,
14). Se o objecto do instinto sensível é a vida no sentido mais lato e o
objecto do instinto formal é a
225
forma, o objecto do instinto do jogo será a forma viva ou seja: a beleza (lb.,
15). Por meio da beleza, o homem sensível é guiado para a forma e para o
pensamento, o homem espiritual é reconduzido à matéria e restituído ao mundo
dos sentidos. A presença dos dois instintos é condição fundamental da
liberdade. Enquanto o homem se mantiver submetido ao instinto sensível que é o
primeiro a surgir, não existe liberdade; só quando o outro instinto se afirma,
ambos acabam por perder a sua força constritiva e a posição entre ambos dará
origem à liberdade (1b.,
19). Para Schiller a liberdade não é como para Kant o produto da pura razão; é
antes um estado de indeterminação no qual o homem não se sente constrangido
nem física nem moralmente, se bera que possa ser actuante num modo como no
outro. Ora se o estado de determinação sensível se chama físico e o de
determinação racional, moral, o estado de determinabilidade real e activa deve
chamar-se estético (lb., 20). O estado estético é um estado de pura
problematicidade, no qual o homem pode ser tudo o que quiser, embora nada
sendo de determinado. Neste sentido se afirma que a beleza não oferece
qualquer resultado, seja moral seja intelectual; no
226
227
vida é que o Deus-natureza se lhe revele", afirma. A natureza não é senão "a
roupagem viva da divindade" . Não se pode alcançar Deus senão através da
natureza, como não se pode alcançar a alma senão através do corpo. Se Goethe é
contrário aos materialistas que fazem da natureza um puro sistema de forças
mecânicas, é também contrário a Jacobi que coloca Deus, de forma absoluta,
para além da natureza. "Quem quer o ser supremo deve querer o todo; quem se
interessa pelo espírito deve pressupor * natureza, quem fala da natureza deve
pressupor * espírito. O pensamento não se deixa separar daquilo que é pensado,
a vontade não se deixa separar de tudo o que é movido. A existência de Deus,
como a de uma força espiritual, de uma razão, que domina todo o universo, não
precisa de demonstração. A existência de Deus é o próprio Deus" afirma ele
numa carta a Jacobi (datada de 9 de Junho de 1785). Deus é uma força impessoal
e suprapessoal que actua
228
nos homens através da razão e determina o seu destino. A um tal destino, que é
ao mesmo tempo ordem providencial, não se furta nem mesmo Prometeu que, na sua
titânica revolta contra o Olimpo, encontra na consciência de si o auxilio e a
força para tal. - Nestas concepções panteístas se inspiram as investigações e
as hipóteses naturalistas de Goethe, que pretendem investigar na natureza o
fenómeno originário (Urphãnomenon) em que se manifesta e
se concretiza, num determinado tipo ou forma, a força divina que tudo rege.
Flor isso Goethe não compartilha do ponto de vista de Kant, segundo o qual a
finalidade da natureza pertence a uma consideração puramente subjectiva do
mundo, e não tem valor objectivo. Para Goethe, a finalidade é a própria
estrutura dos fenómenos naturais e as ideias que a exprimem são os símbolos
dos mesmos. Arte e natureza distinguem-se apenas em grau e não em qualidade; o
fim que a arte e o artista prosseguem, actua sobre o mundo de forma menos
consciente, mas igualmente eficaz. - Uma outra expressão da unidade entre a
natureza e espírito, que é a fé de Goethe, é o equilíbrio, que ele defende
explicitamente e que constitui uma característica da sua personalidade, entre
sensibilidade e razão. A vida moral não é para ele, como é para, Kant, o
predomínio da razão sobre os impulsos sensíveis, mas a harmonia de todas as
actividades humanas, a relação equilibrada entre as forças contrastantes que
constituem o
229
§ 537. HUMBOLDT
tarefa dos historiadores (1821). As suas ideias sobre arte estão contidas nos
ensaios literários, especialmente no que se intitula Sobre o Armínio e
Doroleia de Goethe (1797-98), enquanto que as suas ideias políticas se
encontram expostas num vasto texto Ideia de uma investigação sobre os limites
da acção do estado (1792). O princípio fundamental de Humboldt é de que nos
mesmos homens e na sua história vive, age e se realiza gradualmente a forma ou
o espírito da humanidade, que vale como ideal e critério valorativo de toda a
individualidade e de toda a manifestação humana. Como Schiller e Herder,
Humboldt sustenta que o objectivo dos homens está nos próprios homens, na sua
formação progressiva,
230
231
232
HUMBOLDT
espirituais do homem. Como não existe nenhuma força da alma que não seja
activa, nada existe no íntimo do homem que não se transforme em linguagem ou
não se reconheça nela (Schriften, VII, 1, p. 86). Em razão destas raízes
humanas comuns, todas as linguagens têm na sua organização intelectual
qualquer coisa de semelhante. A diversidade intervém no que respeita a essa
organização, quer pelo ,grau em que a força criadora da linguagem se
233
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 532. K. L. Reinho@d, Leben und literarischcs Wirken nebst ciner Aus~I von
Briefen Kants, Fichtes, Jacobi8 und allen phil~phischen Zeitgenossen an ihn
(ao cuidado do seu filho Emst), Jena, 1925.
Sobre Reinháld: B. Kroner, Von Kant bis Hegel, Tübingen, 1821; Guéroult,
Llévolution et ta strwture de Ia Doetrine de Ia Se@ence chez Fichte, Paris,
1930,
1, pgs. 1, 153; V. Verra, Dopo Kant, Il criticisma ne,111~ pre-romantica,
Turim, 1957 (para esta obra se, remete tanibéni quanto aos autores seguintes).
234
§ 534. Ramman, Werke, 42d. Roth, Berlim, 1821-1843; ed. Gildmeister, Gota,
1857-73; ed, NaMer, Viena,
1949-53. - Escritos e fragmentos de estética, trad. itál., S, Lupi, Roma,
1938.
Sobre Herder: R. Havin, H., nach seinen Leben u*d seinen Werken dargesteAlt, 2
voIs., Berárn, 1954; A. Bo~rt, H., sa vie et son oeuvre, Paris, 1916; E.
KüImemann, H., 3.a ed. Munique, 1927; M. Rouche, La philosophie de L'Histoire,
de H., Paris, 1940; T.
235
Litt, Kant und H. al,& Deuter der geistigen Welt, H~Iberg, 1949; H. Salmony,
Die Philosophi.- des jungen H., Zurique, 1949; W. Dobbe@k, J. GG. H.s
Humanitãtsidec aIs Ausdruck seines WeltbiJdes und seiner Pers6nlichkeit,
Braunschweig, 19,49: R. T. Clark, H.: His life and Thought, Berkeley - Los
Angeles, 1955.
§ 535. De Jacobi: Werke, 6 vols. Leipsig, 1812-25; Aus J.s NachIass, ed.
Zoppritz, 2 vols., Leipzig, 1869. Lettere sulla dottrina di Spinoza, trad.
itaj. F. Capra, Bari, 1914; Idealismo e realismo, trad. itaâ. N. Bobbio,
Turim, 1948 (contém: David Humie e Ia fede Lettere a Fichte, Cose divine e
outros escritos).
Unia escolha dos textos filosóficos de Goethe foi feita por M. Heynacher, G.s
Phiplosophie- a" seinem Werken, Leipzig, 1905. Em itaã~: Teoria della natura,
recolha de textos e tradução de M. Montinari, Turim, 1958.
Sobre Goethe: H. Siebeck, G., aIs Denker, Stuttgarda, 1902; G. Sinunel, G.,
L~ig, 1913; P. Carus, G., Chicago, 1915; A. Schweitzer, G., 1952.
236
237
O ROMANTISMO
239
em contradição com o próprio mundo e em luta com a realidade que tinha como
objectivo transformar.
O romantismo, pelo contrário, nasce quando este conceito de razão começa a ser
abandonado e se passa a entender por razão uma força infinita (omnipotente)
que habita o mundo e o domina, e por conseguinte constitui a própria
substância do mundo. Esta passagem surge com nitidez em Fichte que identificou
a razão com o Eu infinito ou Autoconsciência absoluta e que constitui a força
que deu origem ao
A segunda interpretação define o infinito como Razão Absoluta que se move com
uma necessidade rigorosa de uma determinação para outra, de forma que todas as
determinações podem ser deduzidas umas das outras necessariamente e a priori.
É esta interpretação que prevalece nas grandes figuras do idealismo romântico,
Fichte, Schelling e Hegel,ainda que Schelling tenha insistido na presença, no
Princípio Infinito, de um aspecto inconsciente, análogo ao que caracteriza a
experiência estética do homem.
241
242
243
HÕDERLIN
245
quando sonha, um mendigo quando pensa", diz Hõlderlin. Só a beleza lhe revela
o infinito; e a primeira filha da beleza é a arte, a segunda filha é a
religião, que é o amor da beleza. A filosofia nasce da poesia porque só
através da beleza está em relação com o
Uno infinito. "A poesia é o princípio e o fim da filosofia. Assim como Minerva
surge da cabeça de Júpiter, também a filosofia surge da poesia de um ser
infinito, divino". "Do simples intelecto não nasce nenhuma filosofia porque a
filosofia é mais do que o não limitado conhecimento do contingente. Da simples
razão não nasce nenhuma filosofia, porque a filosofia é mais do que a
exigência cega de um infinito progresso na síntese ou na análise de uma dada
matéria". Nestas palavras o princípio do infinito de Fíchte encontra já a sua
crítica e a sua correcção romântica. E em Hõlderlin se encontra também a outra
característica do espírito romântico: a exaltação da dor. "Não deve tudo
sofrer? Quanto mais elevado é o ser maior o sofrimento. Não sofre a sagrada
natureza?... A vontade que não sofre é sono, e sem morte não há vida".
Hiperion acaba por exaltar a sua própria dor: "õ alma, beleza do mundo,
indestrutível, enfeitiçante! Com a tua eterna juventude existes; mas o que é a
morte e toda a dor do homem? Muitas palavras vãs fizeram os homens estranhos.
Tudo nasce portanto da alegria e tudo termina na paz". Esta conciliação do
mundo que Hegel consegue através da dialéctica da ideia, consegue-a Hõlderlin
com o sentimento da beleza infinita.
248
SCHLEGEL
§ 540. SCHLEGEL
249
250
No mesmo Diálogo, o romântico é definido como "o que representa uma matéria
sentimental numa
251
amor, que é "uma substância infinita" e perante a mesma, tudo o que o poeta
pode abarcar "é apenas um sinal do que mais alto, infinito e hieroglífico
existe no único e eterno amor: a sagrada plenitude de vida da natureza
criadora". O sentimento implica, portanto, uma outra coisa que caracteriza a
tendência da poesia romântica: indistinção entre aparên- cia e verdade, entre
o sério e o jocoso. Numa palavra, implica e justifica a ironia. "A ironia,
afirma SchIegel (Ideen, 69), é a clara consciência da agilidade eterna, do
caos infinitamente pleno": palavras que implicam, nitidamente, o infinito como
indefinido e como movimento no indefinido. "Uma ideia é um conceito levado até
à ironia, uma síntese absoluta das sínteses absolutas, a contínua alternância
auto-geradora de dois pensamentos em conflito entre si". A ideia não permanece
confinada à esfera do ideal, mas implica o facto. No entanto, isso implica
também uma liberdade absoluta perante o facto, e esta absoluta liberdade é a
ironia. "Transferir-se arbitrariamente ora para esta, ora para aquela esfera,
como para um outro mundo, não apenas com o intelecto e com a imaginação, mas
com toda a alma; renunciar livremente ora a esta, ora àquela parte do próprio
ser, e limitar-se completamente a uma outra; aproximar-se e encontrar o
próprio uno e o todo, ora neste, ora naquele indivíduo, e olvidar
voluntariamente todos os outros: isto só pode ser conseguido por um espírito
que contenha em si como que uma pluralidade de espíritos e todo um sistema de
pessoas, e em cujo íntimo o universo, que como se diz, está em germe em todas
as mónadas, se desen252
253
afirma, o destino que rege o mundo. Os seres existem porque nós os pensamos; a
própria virtude é apenas um reflexo do meu sentimento interior (Werke, VI, p.
178). Esta concepção do homem como um mago invocador do mundo, criador e
254
e também do mundo (1b., p. 176). Com efeito, para Novalis o mundo é "um índice
enciclopédico e sistemático do nosso espírito, uma metáfora universal, uma
imagem simbólica daquele" (Ib., p. 142). O mundo tem, por conseguinte, uma
capacidade originária de ser vivificado pelo espírito. "0 mundo é vi,v~o por
num a priori, faz comigo uma só
de filosofia que deu em Halle e em Berlim, cursos que comprendem uma História
da filosofia, uma
Dialéctica, uma Ética, uma Estética, uma Doutrina do Estado e uma Doutrina da
Educação.
257
258
do homem, como faz a moral. A sua essência não é nem o pensamento nem a acção,
mas a intuição e o sentimento. A religião aspira a intuir o universo na forma
do sentimento. A filosofia e a moral, do universo não vêem senão o homem; a
religião no homem, como em todas as outras coisas particulares e finitas, não
vê senão o infinito (Reden, 11, trad. ital., p. 36). A religião não é mais que
o sentimento do infinito. Segundo este ponto de vista, Schleiermacher vê em
Espinosa a mais elevada expressão da religiosidade. "0 sublime espírito do
mundo penetrava nele, o infinito era o seu princípio e o seu fim, o universo o
seu único e eterno amor" (1b., p. 38-39). No entanto ele distingue-se de
Espinosa ao sustentar que a expressão necessária do infinito é apenas o
260
261
262
forma pessoal como fetiche ou numa forma impessoal como um destino cego. A
segunda é aquela em que o mundo surge representado na multiplicidade dos seus
elementos e das suas forças heterogéneas, e a divindade é concebida ou sob a
forma de politeísmo (religião greco-romana) ou como reconhecimento da
necessidade natural (Lucrécio). A terceira forma é aquela em que o ser surge
representado como totalidade e unidade do múltiplo, e a
263
264
SCHLEIERMACHER
1822) mostra, por um lado, uma subentendida intenção polémica contra a lógica
de Hegel, por outro uma tentativa de reconduzir esta disciplina ao seu
originário significado platónico. O estudo dedicado de Platão devia ter
sugerido a Schleiermacher esta tentativa, cujos pontos principais são os da
refutação do princípio hegeliano da identidade do pensamento e do ser. A
dialéctica surge definida por Schleiermacher como a "arte de conduzir um
discurso de forma a suscitar representações que sejam baseadas apenas na
verdade" (Dialektik, od. Oderbrecht, p.
48). Neste sentido, a dialéctica é mais extensa que a filosofia porque as suas
regras têm valor para qualquer objecto, independentemente do seu conteúdo
filosófico. Mas por outro lado, a filosofia, na medida em que se ocupa
imediatamente dos princípios e da coerência do saber, é necessária à
dialéctica e condiciona-a em todos os campos. O carácter que assinala a
dialéctica moderna perante a antiga é o da sua religiosidade. Para a
dialéctica moderna a unidade e a totalidade do saber só é possível em conexão
com a consciência religiosa de um ser absoluto (1b., p. 91). Uma tal
consciência é pressuposto originário da dialéctica, que deve partir de uma
situação de diversidade e de conflito das representações entre si
265
Com um tal fundamento a dialéctica tem como fim a construção de todo o saber
na sua coerência. Neste objectivo está implícita a eliminação de todo o
conflito e a unificação do saber fragmentário num todo coerente.
Schleiermacher divide por isso a dialéctica em duas partes: a parte
transcendental que diz respeito ao saber originário que é o guia e a norma da
construção do saber, e a parte formal que diz respeito a esta mesma
construção, ou seja, as operações de divisão e de unificação do pensamento.
266
unidade do ser (Id., p. 177). Tempo e espaço estão entre si como ideal e real:
o ser ideal é o próprio conceito do tempo concreto, tal como o ser real é o
conceito do espaço concreto.
Como se disse, o saber originário deve ser de qualquer modo a unidade destes
dois pólos. Esta unidade é o sentimento (Gefühl) como autoconsciência
imediata. Schleiermacher considera o sentimento como identidade do pensar e do
querer. Todo o pensamento, considerado como um acto ' se relaciona com
um querer porque é sempre vontade de discurso e de comunicação com outros; e
todo o querer, se é claro e determinado, tem na sua base um claro e
determinado pensamento (Ib., p. 126), Mas a identidade do pensar e do querer é
uma
267
268
mundo, como não há mundo sem Deus", diz ele (1b., p. 303). Lógicamente poder-
se-ia dizer que Deus é "unidade com exclusão de toda a oposição", mas
esta fórmula deixaria de fora o x porque o mundo não pode existir sem Deus e
Deus sem o mundo. Com efeito, se Deus tivesse preeminência sobre o mundo é
porque haveria nele algo que não concUdonaria o mundo; e se o mundo tivesse
preeminência sobre Deus é porque haveria naquele algo que não estava
condicionado por Deus. A conclusão é de que a
269
271
ética é física e a física é ética (1b., p. 6 1). Daqui não deriva no entanto
uma anti-razão, um antideus,
e a oposição entre o bem e o mal é sempre relativa. "0 bem e o mal, afirma
Schleiermacher (Ib., p.
63), não exprimem mais que os factores positivos e negativos no processo de
unificação entre a natureza
e a razão, e por isso não podem ser compreendidos senão através da pura e
completa representação desse processo".
272
§ 5,38. sobre o romantismo: R. Haym, Die romantische Schule, Berlim, 1870, 4.a
ed. ao cuidado de
O. Walzei, 1920; J. H. Schlege@l, Die Neuc RonwntW in ihreM Entstehen und
ihrem Beziehungen zur Fichtschen Philosophie, Rastatt, 1862-64; W. DiltheY,
Die Erlebnis und die Dichtung. Lessing, Goethe, Novalis, H61derlin, Leipzig,
19(>6, trad. iW. N. Accolti Gil VItale, Milão, 1947; O. WaJzel, Deutsche
Romantik, trad- ital. Sa,ntoli, Florença, s. d.; A. ParinClUi, II romant~O in
Germania, Bari, 1911; M. Deutschboin, Das Wesen des Romantischen, Gothen,
1921; G. stefansky, Das Wesmi der deutschen Romantik, Stuttgart 1923; N.
Hartn~, Di,e Philosophie des deutschen IrealiSMUS, Berlim, 19-23; A. Korff, in
"Studi germanici", 1937, fase. 4.'.
273
Dilthey, Die Erlebnis und die Dichtung, cit.; G. V. Amoretti H., Turim, 1926;
E. Fischer, H., Berlám, 1938; i. Hoffmeister, H. und die Philosophie, ~ig,
1912.
§ 543. Troeltseh, Titius, Natorp, Hensel, EcIr, Rade, Sch1. der Philosophe
des Glaubens, Rerlim, 1910.
275
í N D 1 C E
§ 504. WoafC ... ... ... ... ... ... 25 § 505. Precursores do
iluminismo ... ... 33 § 506. o iluminismo
Wolffiano ... ... 36 § 507. B=garten ... ... ... ...
... 42 § 508. O ilunúnisino religioso ... ... ... 46 § 509.
Lessing ... ... ... ... ... ... 50
§ 510. A Vida ... ... ... ... ... ... 57 § 511. os ~tos do
primeiro período- 61 § 512. os egeritos do segundo período,
64
277
278
SEXTA PARTE
§ 532. Reinhold ... ... ... ... ... ... 201 § 532. Prenúncio do
idealismo ... ... 205 § 534- A filosofia da fé ... ... ...
... 211 § 535. Jacobi ... ... ... ... ... ... 217 § 536. O
"Stunn und Drang". Schialer.
Religião ... ... ... ... ... ... 256 § 544. Schleiermacher: a
Dialéctica ... 263 § 545. Schleiermacher: a ]@tica ... ...
269
279