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O CREPUSCULO DA DIALETICA. FOUCAULT CONTRA GRAMSCT Emiliano Alessadroni” Resumo: Qual ¢ a relagao entre o pensamento de Michel Foucault ¢ aquele de Antonio Gramsci? As teorias do {il6sofd frances podem ser consideradas una evolucéo ou uma involucio cultural para aquele que tem ent conta ‘0s processos de emancipacio? © presente artigo analisa, de maneira comparada, as principais categarias dos dois intelectuais. A diferenga maior entre eles, no dizrespeito aperas ao modo de pensar a trans formgao da realidade, mas a ideia mestna de realcade. Se em Gramsci podemos observaro esforgo de pensar de riodo dialético, o juizo de Foucault, ao contrario, parece caracterizado por um modo pré-dialétieo de conceber o rmundo ea sums cestruturas. O pensamento de Foucault nio corresponde aqueta constelarao de ideias que emerge apés 2 Revolucao de Outubro, parecendo frequentemente colocar-se em oposigao a esta. Categorias como “impcrialismo”, “capitalistno”, “Iuta de classe” desaparecem, na verdade, em suaperspectiva. Diversamente das teorias de Gramsci, aquelas esposadas por Michel Foueauk mostram uma maior aproximagae com o liberalisme ¢ a revolupao ‘comervadora do que como rarxismo, Palavras chave; hegemonia, panéptico, imperialism, luta de classe, progsesso histérico. THE CREPUSCULE OF DIALECTICS. FOUCAULT AGAINST GRAMSCI Abstract: Which is the relationship between Michel Foucault and Antonio Gramsci’s thoughts? Can the French, philosopher's theories be considered cultural progyess or rather than a cultural recession, as far as the emancipation processes are concerned? The following article analyzes, in a comparative way, the main categories of both intellectuals, The biggest difference is not only in the way to change reality, but also in the idea of reality itself. If in Gramsei, we can see an effort to think ina dialectical way, Foucault judgment is characterized by apre-dialectic way of thinking the world and its structures. Foucault's thought doesn’t agree with the arising of ideas that appeared after October's revolution. It is, actually, the apposite. Infact categories like “imperialism”, “capitalist”, “class strugale” vanish in his view. In conclusion, unlike Gramsci, Michel Foucault's theories seem to be much more similar to those of liberalism or conservative revolution then to those of Marxism. ‘Key Words: hegemony, panopticon, imperialism, contradiction, class struggle, historical progress, 1. Ceticismo ou dialtica? No arco da produgio intelectual gramsciana encontramos desenvolvida, com eadéncia muitas vezes regular, uma critica em relagdo a toda forma de ceticismo, suscetivel de impedir que este modo de ver o mundo possa atrastar o senso comum ¢ hegemonizar a esfera do dissenso. Se trata de uma perspectiva iluséria e nociva que reaparece fequentemente no curso dos processos histérieos ¢ que, podemos dizer, encontramos também no nosso presente: * Doutor em Estudos Interculturais Europeus pela Universita deali Studi di Urbino, Italia Autor, entre outros, de ideologia e Strutture Letterarie (Atache, 2014) ¢ Potenza ed Bclissi di un sistema: Hegel e i fondanenti della trasformazione (Mimesi, 2016). Artigo publicado originalmente em Gramsciana, mn’ 3, 2016, pp. 171-184 ‘Trudugge de Marcos Aurelio da Silva, professor do Programa de Pés-graduagao em Geografia da UFSC, com doutorado em Geografia Humana na FFLCH-USP ¢ estigio de pés-doutorado em Filosofia Politica na Universita degli Studi di Urbino, Ilia, Mas 0 qué distingue exatamente o comportamento do eético? No interior de tal categoria. esti, segundo o intelectual sardo, o comportamento daquele que “tende a suprimir dos fatos econdmicos todo o valor do desenvolvimento ¢ do progresso” (GRAMSCI, 1977, Q.4, § 60, p. 505)'; ou de todos aqueles que amam “falar da faléncia dos ideais, des programas definitivamente decaidos e de outras amenidades”, seguindo a viver “no seu ceticismo” (GRAMSCI, 1967, p. 48) privado de responsabilidade. Contra o enredamento das intengdes que uma simile perspectiva determina, 0s Cadernos do cdrcere afirmam a exigéneia de promover o nascimento eo desenvolvimento de uma vontade ravional, de uma vontade destinada a surgir quando se compreende que “a liberdade coincide com a necessidade” (GRAMSCI, 1977, Q 7, § 4, p. 855), on quando o valor torna-se “conseigneia operosa da necessidade histérica” (GRAMSCI, 1977, Q. 8 § 21, p. 952) A racionalidade acima mencionada, todavia, ¢ dada apenas pela estrutura dialética do seal, pelo fito de que este constitui no um manto uniforme, privado de fraturas internas, mas antes “uma relagiio de forgas em continua mudanga de equilibrio” (GRAMSCI, 1977, Q. 8, § 84, p, 990), © comeeito de dialética percotre e distingue todo © compe dos Cademos. A propria categoria de hegemonia esta estritamente ligada a este conceito. Hegemonia (cultural) significa na verdade que o universo ideal e sentimental de uma das forgas que compée a realidade, ocupa a maior parte do espago total. O que niio equivale sustentar que o espago total seja ooupado por uma destas forgas (ou pelo seu poder) em toda a sua extenstio. Resta, porém, sempre uma superficie residua, quase que reduzida, recoberta pela antitese, que escapa a submisszio, e que quanto mais esti em condigdes de dar vida, segundo um diregdo racional e consciente, a uma atividade organizada, tanto mais modifica o equilibrio e torna a contradigao ardente, até o ponto em que se determina, no longo prazo, um salto quatitativo, a partir do qual inicia uma nova époea historica, Ocome recordar que para Gramsci, “o assédie é reciproco, mio obstante todas as aparéncias ¢ sé 0 fato de que o dominante deva expor todos os seus recursos demonstra qual 0 cileulo ele faz do adversirio” (GRAMSCI, 1977, Q. 6, § 138, p. 802). Esta reciprovidade do assédio parece remeter 20 principio da acdo reciproca que encontramos formulido na Cééneia da Logica de Hegel, onde os termos em conflito exercitam, embora de maneira niio equivalente, una influéneia e uma pressio sobre o outro, apenas pelo fato de existit. Uma influéneia que remete, portanto, ao plano ontoldgico, antes ainda do que aquele pragmatico. As citagoes aos Cademos do Carcere de Gramsci a partir de agora seguirao esta notagao: @. referindo-se ao Caderno citado, § referindo-se ao pardarafo citado (N. do T.) Tudo isso se liga também ao coneeito de militéneia (partigianeria), expresso no escrito Indiferentes: “Acredito que viver significa tomar partido ... Vivo, sou militante (partigiano). Por isso odeio quem niio toma partido” (GRAMSCI, 1967, p. 47-49). Se viver quer dizer ser partigiani, isso ¢ ainda uma vez possivel apenas na medida em que a realidade ¢ dialética, na medida em que a realidade constitui um campo de forgas no eqnivalentes em luta entre eles. Viver signifiea enfio, para Gramsci, individuar, no interior do proprio tempo, as forgas de resisténcia pelas quais passam processos de emaneipago ou exiggncias universais, e apoid-las com os meios e as capacidades de que cada existéncia individual disp6e significa, substancialmente, individuar a “forga em movimento progressive para fazé-la triunfar” (GRAMSCT, 1977, Q. 8 § 84, p. 990), O que inevitavelmente equivale, como é explicado nos Cadernos, a sustentar um determinado tipo de conformismo contra urn ‘outro, um nove tipo de universo disciplinar contra um outro”, 2. Panéptico ou conflito por hegemonia Nao ha divida alguma, portanto, que para o intelectual sardo “a realidade” é “luta ¢ contradigio”, & dialética e “a dialética constitui “o devir histérico” (GRAMSCI, 1977, Q. 10, § Al, p. 1320) Contrariamente & perspectiva gramsciana, a vistio de Foucault tende a determinar uma evastio do mundo, da sua estrutura conflituesa, mostrando um total ceticismo diante das “contradigdes reais da vida historiea” (GRAMSCL, 1977, Q. 11, § 62, p. 1488). Se para Gramsci, na esteira de Hegel, “o real é racional” (GRAMSCI, Q. 11, § 18, p. 1417) ¢ existe uma tendencial irreversibilidade, ¢ um tendeneial progresso nos processos histéricos, ao contrario para Foucault “a histéria nao tem “sentido” e “a “dialgtica’” outra coisa 2 Bscreve Gramsci no Cademo 7, § 12, pp. 862-863: “Sobre o ‘conformismo” social ocorre nolar que a questio no nova e que o alarme langado por certos intelectuais & apenas e6rnico. O confortnismo sempre exist: se trata hoje da tuta entre “dois conformistnos’, ou seja, de uma hua de hegemonia, de uma crise da sociedade civil. Os velhos dirigentes infelectuais e morais da sociedlade sentem faltar-Ihes o terreno sob os pés, se do conta de que as suas ‘prédicas" tomaramn-se apenas “prédicas", ou seja, coisas estantas a realidade, pura forma sem conteddo, Jarva set esp ito; e assim também o seu desespero e as suas tendéncias reaciondrias € conservadoras: uma vez ‘que a particular forma de civilizacaa, de cultwa, de moralidade que eles haviam represertado se decompe. eles syitam a morte de toda civilizagao, de toda cultura, de toda moralidade © pedem medidas repressivas ao Estado ou se cotstituern ern grupo de resistencia apartado do process histérico real, aurnentando sobremaneira a duragio da crise, uma vez que 0 desaparecimento de um modo de viver e de pensar no pode verifiear-se sem crise. Os representantes da nova ordem en gestacdo, par outre lado, por édio ‘racionalista* ao velho, difimdem utopias e panos cerebrais. Qual o ponto de referéncia para o novo mundo em gestago? O mundo da produeao, o trabalho. (0 maximo utilitarisme deve estar na base de toda andlise dos institutos moras intelectuais a criar e des prin pios 1 difundir: a vida coletiva e individual deve ser organizada para o maximo rendimento do aparato prodtivo. O desenvolvimento das forgas econémicas sob novas bases ea instauragio progressiva da nova estrutura ir sanear as contradigoes que nao podern Laltar¢ tendo eriado um nove “conformismno’ a partir de baixo permmitirdo novas possibilidades de autodiselin, isto é de liverdade também individual”. nfio é que “um modo de se esquivar a reslidade sempre aleatéria e aberta, curvando-a a0 esqueleto hegeliano” (FOUCAULT, 1977, p. 9). © mundo, mais do que um campo de forgas €m luta ¢ movimento, assemelha-se antes a uma priséio, Este constitui de fato, para Foucault, 0 Jocus do poder, © poder “nio é qualquer coisa que se divide entre aqueles que © possuem ¢ @ detém exclusivamente ¢ aqueles que nao o tém e © sofrem”, mas algo disseminado por toda parte, capaz de ostentar uma “distribuigéo infinitesimal” (FOUCAULT, 2014, p. 235) ¢ “se exercita através de uma organizagio reticular”, de maneira anGnima, de modo que “nas suas malhas 0s individuos nio s6 circulam, mas estio sempre em posigdo de softer e de exercitar este poder” (FOUCAULT, 1977, p. 184). A categoria mais adaptada a explicar 0 mundo contemporineo, nao é pata Foucault aquela de dialética, mas de panoptimo. Coneeito que, como se sabe, Foucault retoma do nome do carcere projetado por Jeremy Bentham em 1791 ¢ que serve a ideia da “vigilancia generalizada” (FOUCAULT, 2014, p. 228) a qual esto submetides todos os individuos nas soviedades disciplinares, onde assistimos a continues “processos de sujeigaio das forgas e dos corpos” (FOUCAULT, 2014, p. 241). Se para Gramsci a dialética hegeliana constitui “a forma do pensamento historicamente conereto” (GRAMSCI, 1996, p. 249) e entre os mérites da filosofia da priixis esti o fato de que “a lei de casualidade das cigncias naturais ¢ depurada do seu mecanicismo ¢ torna-se sinteticamente identificada com o tacioeinio dialético do hegelianismo” (GRAMSCT, 1996, p. 582), ao contririo, para Foucault, “a dialética hegeliana — e com ela todas aquelas que Ihe seguiram — deve ser compreendida como a colonizagio e a pacificagao autoritaria, por parts da filosofia ¢ do diteito, de um diseurso histérico-politico que foi a um tempo, uma constatagdo, uma proclamagiio e uma pratica da guerra social” (FOUCAULT, 2019, p. 50). © panopticon provoca a asfixia, © aniqnilamento da diferenga, a qual deve ser reivindicada através de uma convicta rejeigiio da dialética: “para liberar a diferenga”, Foucault afirma em uma referéncia simpatica a Deleuze, “é necessirio um pensamento sem contradig0, sem dialética, sem negagio, um pensamento que diga sim & divergéncia... um pensamento miltiplo” (FOUCAULT, 1997, p. 67), A esta rejeigio da dialética e elogio da diferenga corresponde um deslocamento da atengtio analitica ¢ critica do macrocosmo ao microcosmo, dos paises, mas também dos estratos soviais, aos individuos particulares. Recorde-se Edward W. Said, o qual revelou come, enquanto a “obra de Fanon” “busca pragmaticamente analisar no seu conjunto a sociedade colonial e aquela metropolitana, como entidades discordantes, mas correlatas”, a0 contrario, “o trabalho de Foucautt se afasta sempre mais de tomar seriamente em consideragio os conjuntos sociais, focando, a0 contrério, no individuo como dilnido em uma ‘microfisica do poder’ que avanga inehutavelmente e & qual é& inutil procurar resistir” (SAID, 1998, p. 305-6) Segundo o ‘iltime Said, hoje nem mesmo os préprios admiradores de Foucault podem eximir-se de “poupar criticas ¢ objegdes 4 dimenstc indiferenciada e totalizante por ele atribuida ao poder modemo”. O filésofo francés da de fato “amitide a impressio de confundir o efétivo poder das instituigdes de sujeitar individuos com 0 fato de que o comportamento social dos individues seja no mais das vezes uma questio de regras e convengdes”, ¢ assim em geral e afinal de contas, uma vez trans figurado tal poder em uma acepgiio “andnima e impessoal”, “a imaginagiio foucaultiana” termina por revelar-se “muito mais com do que contra o poder (SAID, 2000a, p. 286-88)” A esta imagem de um poder onipresente que Foucault abstratamente esboga expurgando-Ihe a dialética interna, Said contrapde aquela que emerge das paginas de Gramsci Como mais tarde Foucault, também Gramsci € seduzido pela hegemonia e pelo poder, ‘mas umn tal interesse © conduz a una interpretagio do poder muito mais suil do que aquela foucaltiana, porque o poder nao se torna nunca abstrato, nem é diseutido: abstraindo-se uma especifica totalidade social: ao contrario, a sua nogao de poder nao 6 nunca oculta nem iresistivel ou em tltima instancia unidirecional. O conilito social de fundo ¢ aquele pela hegemonia (SAID, 2000b, p. $20). 3. Progresso ou divergéncia O ariter onipresente da repressio social invade em Foucault sobretudo o saber, sempre submetido aos mecanismos de controle e manipulagiio, Neste sentido para o filésofo francés saber ¢ ideologia coincidem e a ser condenado é 0 uso que os marxistas “fazem das nogdes de conhecimento ¢ de ideologia como opostas a ciéncia” (FOUCAULT, 2013, p. 39). Mais que de verdade se deveria falar, de fato, de “efeites da verdade” (FOUCAULT, 2013, p. 39), produzides pelas dindmicas sociais, de maneira que observando “e modo como se desenvolveu © conhecimento tipico europeu”, tornado depois “mundial ¢ universal”, no se pode de maneira alguma afirmar que “houve qualquer crescimento”, “tratou-se amitide de uma transformagao" no curso da histéria vernos em ago, para Foucault, “um prineipio de divergineia, mais que um movimento de crescimento” (FOUCAULT, 2013, p. 53-4). Gramsci, ao contrario, sublinha nesse sentido que “se os fatos sio sempre determinados e mutiveis no fluxo do desenvolvimento histérico, os coneeitos podem ser teorizados; de outro modo niio se poderia nem mesmo saber que coisa ¢ 0 movimento ou a dialética ¢ se cairia em uma nova forma de nominalismo” (GRAMSCI, 1977, Q. 11, § 26, p. 1433). Evidentements o inteleetual sardo tem aris de si as ligdes de Hegel o qual, se também sustentava que as filosofias eram filhas do seu tempo, fazia porém a tal propésito a distingdio entre expressiio © eonceito (leorizando a existéneia de uma transcedentalidade formal diante de uma intranseedentalidade temporal, vale dizer, a possibilidade de uma transcedSneia légica aflorada por uma imanéncia histériea) Distingaio mais que nunca oportuna e que coineidird, mais tarde, com aquela de Marx entre ideologia ¢ ciéncia, # também em virtude desta nile completa exaustio do saber na ideologia, do conceito na expressiio, da trancedentalidade logica na intrancedentalidade temporal, que no devir é identificavel para Gramsci um progresso cognocivel ¢ histérico, nao uma simples transformagiio: © nascimento ¢ 0 desenvolvimento da ideia de progresso comresponde @ consciéncia difisa de que fi aleangada uma certa relagdo entre a sociedade e a natureza (ncluindo-se no conceito de natureza aquele de acaso ¢ de ‘irracionalidade”) pela qual os homens, na sua totalidade, esto mais seguros do seu futuro, podem conceber racionalmente planos abrangentes para a sua vida, Para combater a idéia de progresso Leopardi deve recorrer as emipedes vuleanicas, ou seja, aqueles fentomenos naturais que sto ainda “irresistiveis’ e sem reméiio. Mas no pasado existiram forgas inresistiveis bem mais numerosas: carestias, epidemias, etc., que dentro de certos lites foram dominadas. Que o proaresso tena sido uma ideolosia demoeratica nao ha davida; que tenha servido politicamente a formagao des modemos Estados constitucfonais etc. também. Que hoje nio esteja mais no auge, também. Mas em que sentido? Nao naquele em que se tenba perdido a na possibilidade de dorninar racionalmente a natureza © o acaso, mas no semtido ‘demoeratico”; ou seja, que os portadores oficiais do progresso tomaramese incapazes deste dominio, uma vez que suscitaram forgas destrutivas atuais mais perigosas ¢ angustiantes do que aquelas do passado (ja esquecidas ‘socialmente’, enbora por todos os elementos sociats, jt que ‘08 camponeses continuam 2 nao compreender o ‘progresso”, isto, acteditam estar, ¢ esto ainda, muito empoder das foreas naturais edo acaso, conservando portanto ume, mentalidade ‘mégica’, medieval, ‘religiosa’), como as “crises, 0 desemprego ete. A crise da ideia de progresso no ¢, pois, crise da iia mestna, mas erise dos portadores dessa idéin, que se tomaram, eles mesmos, ‘natureza? que deve ser dominada. Os assaltos & idéta de progresso, nesta situaglo, so muito inkeressados e tendenciosos. Pode-se distinguir a idgia de progresso daquela de devir? Nao me parece. Elas estao claramente associadas, como politica (Franga), como filosofia (na Alemanha, depois desenvolvida na Italia), No ‘éevir” se buscou salvar o que hii de mais concreto no ‘progresso”, © movimento ¢ aliés o movimento dialetico (portanto também um aprofimndamento, ji que o progresso esta ligado a concepgae vulgar de evohgio) (GRAMSCT, 1977, 0.10, p. $48, p. 1335), Onde Gramsci vé dialética e, portanto, desenvolvimento (ainda que atormentado, entrelagado com elementos ou periedos inteiros de regressiio, milo unilinear), Foucault vé diferenga, portanto simples mudanga, ou melhor, translagéo. ‘Nao existe para Foucault um aumento do espago de liberdade que 0 homem possa conquistar, mas apenas a passagem de uma forma repressiva a outra, entre as quais subsiste uma diftrenga modal, que, todavia, niio conceme & taxa de opressio, destinada a permanecer totalmente invariével no tempo. 4. Panopticon global ou conflito entre os universos disciplinares Se para Foucault a ordem disciplinar qu falis, constitu sempre uma forma de viol&ncia adaptada a asfixiar a liberdade, para Gramsci ela resulta, ao contrario, sempre submetida a uma Gialética interna, que permite distinguir as ordens disciptinares opressoras das ordens disciplinares de liberagdo, ¢ assim intervir com os préptios meios em apoio as Uiltimas no curse a sua luta, Embora a disciplina possa assumir de fato conformagdes repressivas, esta constitu também o caminho que abre a estrada ao desenvolvimento humano, Para ¢ intelectual sardo, “disciplina é tornar-se independente e livre. Quem nio segue uma diseiplina politica é... matéria em estado gasoso, ou matéria manchada de elementos estranhos: portanto imitil e danosa”; segundo Gramsci nfo hi qualquer diivida: apenas “a disciplina politica faz precipitar estas sujeiras, e da ao espirito o seu melhor metal, daa vida um escopo sema qual a vida no veleria a pena ser vivida” (GRAMSCI, 1917, p. 16). A seu juizo, riio pode haver liberdade fora de qualquer normativa comportamental, uma réio pode ser pensada sem a outra: “ao coneeito de liberdade”, ele afirma, “se deveria fazer acompanhar aquele de responsabilidade que gera a disciplina” (GRAMSCI, 1977, Q. 6, § 11, p. 692). Por outro lado, na auséneia desta tiltima ndo teria ocorrido desenvolvimento ¢ historia da humanidade, uma vez que todo “o homem ¢ uma formagiio histériea obtida com a coergiio” (GRAMSCL, 1971, p. 310). Em particular A historia do industrialiso foi sempre... urra continua luta contra o elemento ‘animalidade’ do homem, um proceso ininterrupto, frequetitemente doloroso & sanguinério, de subjugago dos istintos (natura, isto €, animalescos e primitivos) a sempre nowas, mais complexas erigidas norma e hibitos de ordem, de exatidao, de precisdo que tornam possiveis as formas sempre mais complexas de vida coletiva que s20 a conseqiincia necessaria do desenvolvimento do industrialisme, Esta Inta € imposta do exterior e a agora os resullados obtidos, embora de grande valor prea imediato, séo em grande parte puramente mecdnicos, nao se tornaran uma ‘segunda talureza’. Mas todo modo novo de viver, no periodo em que se impae a lula contra 0 Velho, nao foi sempre por umn certo tempo o resuliado de uma pressao mecanica? (GRAMSCI, 197, Q. 22, §10, p. 2160-61), Para Gramsci, em geral, é profundamente errado pressupor “que toda coergiio estatal é escravidio”. Gramsci, segundo vimos, riio identifica mecanicamente disciplina ¢ coergiio com auséneia de liberdade. A ampliagiio ou a redugio desta tiltima dependem de fato da diregaio segundo a qual aquelis duas instaneias tendem ¢ transformar © homem, Ele retém que ¢ mode mais eficaz e concreto para lutar contra um determinado universo disciplinar e compulsério seja através de um outro, Nesse sentido, o vemos amitide exprimirse em favor de uma “disciplina revolucioniria” que saiba dar vida a uma “coergdo de novo tipo”: una coergdio tendencialmente “exercida pela elite de uma classe sobre a propria classe” suscetivel de tomar-se “uma antocoergii, isto é uma autodisciplina” (GRAMSCT, 1977, Q. 22, § 10, p. 2163). Sem esta no se pode realizar a superagio daquele complexo de imposigdes em que comsiste o sistema capitalista, Nao conseguindo distinguir nem as diversas tipologias constritivas nem os diversos ‘graus ¢ identificando mecanicamente eoergtio e anti-liberdade, Foucault riio pode serdio chegar .uma conclustio: naqueles experimentos sociais que tentavam, com dificuldade e no interior de relagdes de forge decididamente desfaveriveis, desenvolver umm superagtio de universo capitalista, ou “na Unido Soviética ¢ nas democracias populares... se reconstruiu um tipo de sociedade que no era outra coisa sendo a transposigao da sociedade burguesa do século XIX” (FOUCAULT, p. 2013, p. 82). No fildsof franeds é cancelado todo um desenvolvimento, presente em Gramsci, sobre a coineidéncia entre a conquista da liberdade e © emprego de determinadas priticas coativas, assim como esti ausente a anilise do cariter proficuo vantajoso de toda uma série de formas disciplines, bem como aparece ignorada a distingio fundamental entre as contrapostas formas de dirego e controle, tanto quanto entre “um cesarismo progressivo ¢ um cesarismo regressive” (GRAMSCI, 1977, Q. 9, § 133, p. 1194); em iiltime anilise, do seu horizonte hermenéutico resulta completamente expulsa a dialktica, Isto mio significa, todavia, que em Foucault, no exista tragos de conflito: a idéia de “uma repressio onipresente, ou de um poder reticular, designada pelo filésofo francés como a “hipotese de Reich”, é ladeada pela convicgdo segundo a qual “na base da relagiio de poder estatia @ conffonto belicoso das forgas”, que ele define a “hipétese de Nietzsche” (FOUCAULT, 2010, p. 28). Mas se notamos bem, este confionto, mais do que dizer respeito a agrupamentos ou estratos sociais parece interessar a individualidades partioulares, J4 que “se esti necessariamente “dentro” do poder”, ¢ “iio se pode escapar a ele”, na medida em que “niio ha, em relagio a ele, uma exterioridade”, a resisténcia “nao est nunca em posigao de exterioridade em relagiio a0 poder” (e, portanto, mio existe um centro de concentragiio e corganizagzio de antiteses) nem possui uma identidade social especifica: a sua ¢ uma conformagio do poder puntiforme. Se pode de fato falar de “pontos de resisténeia” que “esto presentes em toda parte na trama do poder” (FOUCAULT, 2011, p. 84-5), como em toda parte estilo presentes mentes ¢ compos, individualidades que no mestnissimo tempo exercitam ¢ sofrem o poder. Estiio banidos do universo reférencial de Foucault os coneeitos de eapitalismo, imperialismo e luta de classe, ¢ no seu ugar ganham espago aqueles de sociedade diseiplinar, poder ou (indetinidos) pontos de resisténeia. 5, Eliminagio das sinteses ¢ contradigdes de soma zero Mas algm de determinar uma fiagmentagio puntiforme e infinitesimal da contflitualidade que, diria o intelectual sardo, “tende a debilitar a antitese, a quebra-la em uma longa série de momentos” (GRAMSCI, 1977, Q. 10, § 41, p. 1328), até o ponto de Ihe enfiaquecer a capacidade transformativa, o conflito é também configurado por Fousault como privado de desenvolvimento e superagio, em Ultima instincia ineapaz de dar vida a um resultado que va além do zero. Em Foucault nfo temos uma resolugdo da contradigaio determinada, mas um eterno confronto entre forgas e contraforgas, entre serhhores e servos, em que cada um dos elementos se revela a um tempo, ¢ da mesma maneira, instrumento ¢ contrainstrumento do poder. Em Gramsei, a0 contriio, a conflitualidade resulta dialétiea enquanto di lugar a sinteses, a novas unidades, ou produz um resultado. Os Cademos teorizam a existéncia de uma “cadeia de sinteses que sio resultado do desenvolvimento dialético” (GRAMSCI, 1977, Q. 10, § 6, p. 1244), de outro lado, ele explica, “as Forgas historicas colidem entre elas pelo seu programa ‘extremo””, e “que entre estas forgas, uma assuma a fungio de ‘sintese” que supera os opostos extremismos é ura necessidade dialética, no um método aprioristico” (GRAMSCI, 1977, Q 15, §60, p. 1825). Evidentemente atras do intelectual sardo est ainda uma vez a ligdio de Hegel, para quem “aquilo que se contradiz nfo se resolve no zero, no nada abstrato, mas se resolve essencialmente apenas na negagio do seu contetido particular”, que sendo uma “negagio determinada” (HEGEL, 1974, p. 47), constitui ao mesmo tempo um positive, ou uma nova realidade, Em Foucault parece ao contrario agir, mais que a liglio de Hegel, aquela de Nietzsche, para quem o conflito possui umn natureza etema, privada de desenvolvimento e progresso Cuma etema luta entre senhores ¢ escravos, onde os senhores sio sempre os mesmos senhores @ 0s escravos Sempre os mesmos escravos). Segundo o filésofo francés parecem no existir, no caminho da humanidade, reais processos de emaneipagie, nem aunticas forgas revolucionarias. Chegado este ponto, se pode compreender como “a construgaio da sociedade pés-capitalista”, ou edificagdio da sociedade regulada para a qual s¢ inclinava Gramsci, tenha “se tornado ainda mais dificil para uma ‘microfisica do poder’ que denunciava 0 advento de novas formas de peder e de dominio na regulamentagio de qualquer relagtio ou instituigio, no ordenamento juridico enquanto tal” (LOSURDO, 2013, p. 78), e compreendemes também a razio pela qual em alguns lugares, como na Alemanha, a recepgtio de Foueauit “tora possivel, ‘nos casos favoraveis, uma despolitizagtio, e naqueles desfavoriveis... uma reabilitaglo das posigdes de direita” (DIEDERICHSEN, 1992, p. 82). Estas constatagdes trazem & ments as conelusdes de Said: uma vez transfigurado tal poder em uma acepedo “anGnima e impessoal”, “a imaginagio foucaultiana” termina por revelar-se “muito mais com do que contra o poder” (SAID, 2000a, p. 288). 6. O quadro presente O que afirmamos até aqui néo parece privado de conseqiéncias para 0 nosso presente. Observando o mundo moderno notamos como o ceticismo tenha invadido a esfera da cultura ctitica, ¢ © fiseinio do qual goza ne interior do munde dissidente um autor como Fouleault exprime todo o esvanecimento que a dialética gramsciana softeu no curso dos anos, mesmo na retomada dos estutos dedicados ao intelectual sardo. Pensamos que confiontar 0 presente com as eategotias da micrafisica do poder ou do ‘panéptismo torna a operagio escorregadia e aporética. Em Foucault assistimos a uma critica do Todo que tende, como pudemos nolar, a dissolver este “em uma *microfisica do poder” que avanga inelutavelmente ¢ 4 qual ¢ imitil buscar resistir” (SAID, 1998, p. 305-6) Se trata de uma critica que subtrai o Objeto aquela categoria de contradigdo real que percorre os Cadernos e di suporte a idéia mesmo de hegemonia. Estamos ae contritio convencides que, ainda hoje, nfo se possa “evadir do terreno atual das contradigées” (GRAMSCL, 1977, Q. 4, § 45, p. 471), uma vez que estas constituem a estrutura da realidade, Uma reelidade composta por macto-forgas em tensio ou em contlito, ¢ cujo resultado determinard a vida dos homens, Pensamos que estas forgas, que compdem o atual quadro geopolitico, nic sio entre elas equivalentes, que existe “uma luta entre o velho ¢ o-nove, entre o progressivo ¢ 0 atrasado” (GRAMSCI, Q. 1, § 149, p. 131) e que a vitéria de uma ou de outta rio produz os mesmos resultados, Ao contritio: conforme a polaridade vencedora resultara situagSes muito diferentes. E ainda hoje, com Gramsci, consideramos que as forgas reais a sustentar no cendrio global sejam aquelas que, por uma razéio ou outra (ético-politica ou de mero interesse econdmico), estic defendendo de facto um principio universal, coneretamente um direito soberano contra tendéncias expansionistas e “universalmente repressivas” (GRAMSCI, 1977, Q. 23, § 36, p. 2232) Tais forgas constituem, mesmo no seu percurso tormentoso e pleno de contradigdes, una antitese real, um (contra) poder (em relagio aos projetos expansionistas) que deva ser sustentado, no condenado em nome da critica a sociedade diseiplinar, com automaticamente se é inclinado a fazer observando o mundo ea realidade com as lentes de Foueault, Deve ser sustentado, na medida em que consideramos ainda hoje, como nos tempos de Gramsci, que a realidade seja dialética que viver (no interior desta dialética) quer dizer ser milirante @artigicni). A militincia, por outro lado, para afirmar-se com todo o seu ardor, exige individuar a existéneia (ow a possibilidade real) de um pars consiruens, sem quel o proprio pars destruens ‘tornar-se-ia debilitado, ou a realidade, amarrada e contraida, mais que desenvolver-se terminaria por enredar-se e envolver-se finvilupparsi) em si mest Bibliografia DIEDERICHSEN, D. Spiritual Reactionaries afler German Reunification: Syberberg, Foucault and Others, in: October, vol. 62, Cambridge, MIT Press, 1992 FOUCAULT, M. Theatrum Philosophicum, Trad. it. di F. Polidori, in: Aut-Aut, 277-278, 1997, FOUCAULT, M. Mierofisiea del potere, a cura di A. Fontana ¢ P. Pasquino, Torino, Einaudi, 197, FOUCAULT, M. Difendere la societ’, Milano, Feltrinelli, 2010 FOUCAULT, M. La volonta di sapere, Milano, Feltrinelli, 2011 FOUCAULT, M. Sorvegtiare e punire, Torino, Einaudi, 2014 FOUCAULT. M. in: Chomsky-M. Foucault, La natura umana. Giustizia contro potere, Roma: Castelveechi, 2013, GRAMSCL, A. 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