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Para alcancar 0 objetivo a que se destina essa publicacao é indispensavel tecer algumas consideragées a tespeito do que se esta designando como _ “questao social”. Essa tarefa se faré sob dois Angulos necessariamente asso-— ciados, mas nem por isso idénticos. Trata-se dos planos histérico e conceitual que se cruzam ao longo dessa breve exposicao mostrando, a partir de um determinado ponto de vista, 0 surgimento da chamada “questao social’. Para ser mais clara: este capitulo aborda alguns dos aspectos mais significativos. da “questao social” em sua génese, considerando-se uma determinada con- cepcao sobre o processo de sua produgao e reproducao, baseada nos apor da teoria social de Marx. Embora nao seja homogénea a concepgao de tao social” entre os assistentes sociais, boa parte dos autores filiados a t ¢ao marxista considera que ela [...] nao é senao as expressdes do processo de formagao e desenivol classe operaria e de seu ingresso no cenario politico 4 sociedade reconhecimento como classe por parte do empresariado e do nifestacao, no cotidiano da vida social, da contradigao ent _ burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de in dade e da repressao. (lamamoto; Carvalho, sede seus escritos de tabilizor ' i sistontes socials, conferindo-Ihe densidade ap : da economia politica contida em O capital. ' es com reensao das determinagdes inerentes ao debate da _ social” nessa nee éimpensavel, portanto, sem os oe da economia politica marxiana, ela tem seu niicleo eee — z ei geral da acumulacao capitalista”. Isso significa eae q “questao social” é explicada pelo processo de acumulagao ou is capital. Esse processo reme! See er icas Be capitalistas, tendo em vista o aumento Gudvidade do trabalho social e a diminuigao do tempo de trabalhols mente necess4rio 4 producao de mercadorias. Essa tendencia} por sua produz um movimento simultaneo de aumento do capital constante ed nuigao do capital varidvel, que corresponde a forca de trabalho. Essa reducio relativa da parte varidvel do capital, acelerada com o aumento capital global, e que é mais répida do que este aumento, assume, por outro aaparéncia de um crescimento absoluto da populacao trabalhadora muitom rapido que o do capital varidvel ou dos meios de ocupacao dessa populat Mas a verdade 6 que a acumulacao capitalista sempre produz, e na proporgat de sua energia e de sua extensao, uma populacao trabalhadora supérflia tivamente, isto é, que ultrapassa as necessidades médias de expansao do tal, tornando-se, desse modo, excedente. (Marx, 2001, p. 733), Antes de prosseguir uma adverténcia, originalmente formula Netto e Braz (2006), que é absolutamente pertinente nesse caso: nao é plesmente a incorporacao do progresso técnico a geradora da pop! trabalhadora excedente, ou desempregada, acima referida. Isso pode! a eronea interpretacao de que a incorporagao de novas tecnologias a PE ‘sao seja necessariamente negativa por substituir o trabalho humano. Ve adiante como os préprios trabalhadores foram levados, num id que compdem a “primeira parte” ‘Jaquelamamoto toma aconceito’ a ueira Filho (1982),realizandoumaampla “tanto, qui esse o objetivode, c nao se satisfaz.com o tempo de balls, Zit as respostas as necessidades humanas, 1 deste, a busca da valorizagao do f ‘© processo de : roduzir val produzir mais-valia (valor excedente).( E ae (Marx, 2001, p. 228) O desenvolvimento tecnol6gico se tora determinante do desemprego, portanto, em face de sua utilizacao no interior das leis de reprodugao do capitalismo onde a produgao de respostas as necessidades humanas esta inteiramente subordinada ao processo de valorizacao do capital. Ou seja, quem permanece trabalhando é mais explorado na intensidade de horas trabalhadas e torna “dispensdveis” outros tantos trabalhadores. Em outra légica — que nao fosse a do processo de valorizacao — o progresso tecnol6- gico poderia beneficiar a todos que permaneceriam trabalhando, porém num tempo que tenderia a encurtar, dado o aumento da produtividade por ele proporcionado. Desse modo, nao preocupa aos capitalistas que o tempo de trabalho socialmente necessario seja diminufdo em fungao de que os homens tenham tempo para usufruir de outras dimensoes da vida social. Preocupa aeles que a diminuicao deste tempo de trabalho socialmente nea seja, por um le maximizar a extracao de trabalho nao pago dos tra uma forma de produzir o chamado “exército indus oo de reserva” como aquele contingente de trabalhadores “excedentes”, I ao trabalho, mas “condenados a ociosidade socialmente forgada |... 1a s trabalhadores — a oferta e a pro lado, uma forma di lhadores e, por outro, ~ Cada dia se torna mais claro que a burguesia nao tém caréter unitario, 1esa, isto Ga riqueza ros que integram €s52 ior. (Marx, 2001, P namesma medida em que se capitalista, ou seja, aquele aa vigencia e capilaridade d tariado cada vez mal Esses processos 5° intensificam ye omodo de producao especificamente 0 formato da grande industria, aprofund: ncn leis fazendo emergir, nO século XIX, 0 ae . ne ae fn histérico do conjunto de fendmenos que, incluin: a op ae , ny bém se reproduzindo para além dele, se consi ee gi “questao social”. De acordo com Netto (2001, p. 42-43), ade entre as varias camadas sociais, se Vi 9s ricos e os pobres, se era antiquissin era radicalmente novaad se nao era inédita a desiguald: muito de longe a polarizagao entre diferente apropriagao e fruicao dos bens socials, nova mica da pobreza que ento se generalizava, Pela primeira vez na histéria trada, a pobreza crescia na razao direta em que aumentaya a capacidade soci } Se, nas formas de sociedade precedentes & soci de produzir riquezas. [ tava ligada a um quadro geral de escassez ((...] dete burguesa, a pobreza nado pelo nivel de desenvolvimento di agora ela se mostrava conectada a um quadro geral tendente a reduzis forca a situagao da escassez. Numa palavra, a pobreza acentuada e geneta da no primeiro terco do século XIX — 0 pauperismo — aparecia como ROW precisamente porque ela se produzia pelas mesmas condiges que propiciavat as forcas produtivas materiais eso 0 supostos, no plano imediato, da sua redugao, ¢, no limite, da sua sup’ E importante destacar aqui duas questées. A primeira delas € qué se esté designando como “questao social” a desigualdade e a pobrezaii tintamente e sim aquelas que tém sua existéncia fundada pelo m producao capitalista. Isso tem por suposto o reconhecimento de outras mas de ser” (Marx) desses fendmenos que antecedem 0 capitalismo, sravismo, eno sistema feudal, existiam diferenciaces entre classes, dade privada e exploragao do trabalho* e, portanto, reproduzia-sead By “Aexploracaonao éum tracodistintivodoregimedo capital (sabe-se, de fat, assentadasna exploracao precedem largamente a ordem burguesa)” (Netto, 2001, industria e a agricultura, a navegacao a vapor, as estradas elétrico, a exploracao de continentes inteiros, acanalicaeas dos: inteiras brotando na terra como por encanto — que século te peitado que semelhantes forcas produtivas estivessem adormecidas no Sei | trabalho social? a Dito de outro modo: a pobreza existente antes do capitalismo era minada socialmente pela divisao entre classes, mas se devia, princi ao baixo desenvolvimento das forcas produtivas que deixavam, por exemplo, a produgao agricola inteiramente vulnerdvel as pragas que acometiam plantac6es ou outras catastrofes naturais, produtoras de longos periodos de fome e epidemias nos paises do “velho mundo”. & Isso nao significa dizer, porém, que no século XIX, em pleno desenvol- vimento da Revolucdo Industrial, nao ocorressem mais esses fen6menos. “Grande Depressao” ocorrida em toda a Europa Ocidental ante 0 fracasso na colheita de batatas. O autor afirma que i ninguém sabe, ou jamais saberé precisamente, o custo humano [desta] que | de longe, a maior catastrofe humana da historia europeia no periodo qu | lizamos [1789-1848]. Estimativas grosseiras permitem supor que pel milhao de pessoas morreu de fome e que outro tanto emigrou dailha e 1851. (2005, p. 232) Sob um Angulo diferente, mas relacionado icone anteri ignorar que mesmo com as precdrias condigdes de Revolugao Industrial as taxas de mortalidade lll. Dados de registro da maternidade de | que, ao longo do desenv ‘essenciais no desvendamento de propriedades/ ni o da natureza. Seu uso servindo, primeiramente, produtiva para ampliar a rentabilidade do capital também portantes conquistas em todos os setores da vida social, ma que Marx e Engels (apud Netto, 1994) vao denominar como “recuoe reiras naturais”. O segundo destaque a fazer ¢ que além de socialmente prod escassez que gera o pauperismo nao expressa sozinha a “questao social Outra caracteristica que a particulariza como tal no ambito da socieda burguesa relaciona-se diretamente aos seus desdobramentos sociopoliticos. D acordo com Netto (2001), a escassez que se reproduz nos marcos do talismo resulta da forma como esto estabelecidas as relagdes sociais de producao, podendo ser superada caso sejam superadas as formas de ploracao do trabalho que garantem a apropriacao privada do que é social” mente produzido. Assim & que as lutas de classe sao ineliminavelmente constitutivas da “questao social”. Elas atingem o cerne do proceso de sua produgao: as re lagGes sociais contraditorias e antag6nicas entre capitalistas e trabalhadores que tornam cada vez mais socializado o processo de producao de riquezae, com a mesma intensidade, privatizado o seu resultado final. Tendo presentes essas premissas teéricas preliminares, avancarei entao na diregao dos prin= 7 cipais aspectos historicos presentes na génese da “questao social”. 1.1 Aacumulacao primitiva do capital e a “pré-historia” da “questao social” Torna-se sempre dificil demarcar com exatidao a periodicidade d fenémenos da vida social, cuja processualidade requer cuidados, s reiterados, a fim de evitar simplificagdes esquematicas. Consid« portanto, tais dificuldades, mas sem abrir mao da nece ida: historicamente a “questao social” é praticamente uma" aa toria das migragé Quanto geogréficas, e ainda na historia das artes ¢ No entanto é preciso retroa; gir alguns séculos para localizar, co! nese do préprio capitalismo, os fatores que levaram a esse processo de p perizagao acentuada no século XIX. Refiro-me ao seguinte: tratar do paupe- rismo € das lutas sociais do século XIX requer uma compreensio minima do perfodo chamado por Marx de “acumulacao primitiva do capital”, respon- savel por criar o “trabalhador livre”. Esse processo que configura a “préshis- | toria do capitalismo” (Marx) se inicia na Inglaterra, entre o tltimo tergo do século XV ¢ 0 inicio do século XVI, consistindo na pura e simples expropria- sao dos camponeses de suas terras, objetivando transformé-las, majoritaria- mente, em pastagens para ovelhas. | Como o preco da 1a subira (a 1a era a principal exportagao da Inglaterra) mi | senhores viram uma oportunidade de ganhar mais dinheiro da terra trat mando-a de terra cultivada em pasto de ovelhas. [...] Enquanto isso si 3. Obviamente que uma exposicao mais circunstanciada do movimento his sua vez, a fase da acumulacao primitiva est inteiramente fora dos proposites do. importante saber, no entanto, que esté vinculado ao processamento da transig ‘apitalismo, tendo muiltiplascausalidades relacionadas dinamicamercanti 4 emergéncia de uma nova classe social, cujos valores questionam c das castas. Sobre o tema podem ser consultados, além do proprio Hobsbawm (2005). uma trabalho adequada as neces: e an explorar a forga de trabalho. a de desemprego atuais chega a ser dificil imaginar que algum forga de trabalho tenha sido um problema para 0s capitalistas. No ‘ devemos lembrar que, nesse momento, 0 acesso a oe por parte do poneses supria suas necessidades de modo que era preciso aparta-los « meios de produgao para que estivessem dispostos a trabalhar em troca um salario. Os cercamentos enfrentaram, inicialmente, algum nivel de oposi¢ao| parte dos governantes que promulgavam, em vao, legislagoes com: condicionantes, tentando coibir o excesso dessas praticas. Algumas das pri cipais razGes que levavam a existéncia desse tipo de legislagao devem § atribuidas nao a preocupages dos monarcas com justica social e sim a q dana arrecadacao de impostos dos camponeses pela Coroa € ao “risco eminente com a ocorréncia de incéndios e motins promovidos por gruy de desempregados (Huberman, 1976). neses na medida em que “o direito legalmente explicito dos lavrado empobrecidos a uma parte dos dizimos da Igreja foi confiscado tacitamente! (Marx, 2001, p. 835). Esse processo se estende ao longo do século ; quando se pode afirmar que desaparecem os tiltimos tracos do regime munal de propriedade e a politica dos cercamentos ganha, definitivament © Parlamento como aliado. E importante ter em vista as relagdes que apoio parlamentar tem com a ocorréncia das revolugoes politicas i (1640) e Francesa (1789), responsaveis Por reestruturar o Estado em te liberais conforme aspirag6es da burguesia que se tornara, classe dominante. Huberman (1976) apresenta uma analogia ent situacao de um pinto dentro do ovo quando cl tando maior que 0 espaco disponivel, Pp Voltando aos cercamentos, 0 transito ao século meiras décadas, marca 0 seu ay : ge eis ipogeu com a “limpeza” (2001, p. 842) consistiu em [..] varrer [das propriedades] os seres humanos. Conforme vin te,ao descrever as condicdes modernas em que nao hé mais camp pendentes para enxotar, a limpeza prossegue para demolir as modo que os trabalhadores agricolas nao encontram maisna terra © espaco para sua propria habitagao. Mas a “limpeza das prop seu verdadeiro sentido, vamos encontrar mesmo na [.«] Escécia operagao la se destaca pelo cardter sistematico, pela magnitude di a ita de um s6 golpe (na Irlanda, houve proprietarios que dem varias aldeias ao mesmo tempo; na Escécia, houve casos de areas do t de ducados alemies) que se exe Do ponto de vista produtivo, enquanto se realizava 0 movimento « “libertacao” dos trabalhadores em relacao aos meios de produgao, 0 lismo desenvolveu-se sob duas formas histéricas. A primeira delas foi cooperagao com “atuagao simultanea de grande numero de trabalhadore no mesmo local, ou, se se quiser, no mesmo campo de atividade, para j duzir a mesma espécie de mercadoria sob 0 comando do mesmo capitaliste (Marx, 2001, p. . Esse processo criou uma forga coletiva de trabalho ait mentando a produtividade, embora subjetivamente 0 trabalhador vesse dominio do processo produtivo, mas nao mais do produto. A segunda forma histérica do capitalismo no periodo da século XVIII) consistindo numa forma de cooperagao que versas operacoes de origem artesanal. A manufatura esta, na divisao do trabalho, mas sua base técnica nao r relacao a primeira forma historica capitalista, uma ved are, 2001, P. 393). Entretanto, neste momento, dada apenas @ ae Ei Iho ao capital (Marx, 2001), a transformagao do nee in dores expropriados em trabalhadores assalaria i MautomAtico”. Entre otitras razdes, por tracos da cultura que/tet@ ritmos e disciplinas bastante diferentes entre © trabalho agricola e nufaturas nascentes. Assim sendo, as “escolhas” que se colocavanty 10 zonte desses sujeitos incluiam, além do assalariamento, a mendica “vadiagem” ou mesmo a ladroagem, largamente utilizadas como fo resisténcia as novas relacGes sociais emergentes. Quanto a isso, desdeo: XV foram sendo promulgadas leis, nao casualmente chamadas por Marx (20 de “sanguinarias”, que coibiam tais fendmenos, impelindo os desempreg ao trabalho assalariado com a utilizagao de instrumentos de tortura cot punigées aqueles que resistissem as necessidades do capital. Outro conjunto de leis foi necessario nesse momento para, de mx coercitivo, dar inicio a intensa exploracao do trabalho a que esses assalariado foram submetidos. Tratam-se das leis que mantinham baixos os salari estendiam a jornada de trabalho, originando a mais-valia absoluta com\ importante condicao para a chamada acumulagao primitiva e também p a fase manufatureira do capital, de um modo geral. Sio exemplos dessal Bislacao 0s estatutos dos aprendizes eos trabalhadores que puniam a ques pagasse salarios acima da tarifa legal estabelecida, além de medidas proibiam a organizacao politica dos trabalhadores (Marx, 2001). Outro exer plo dessa legislacao foi a que se promulgou como assisténcia publica, moldes da lei dos pobres (1834), cujo recrutamento ao trabalho fora plicava na perda dos direitos civis e econémicos. Dessa breve exposigao acerca dos antecedentes 0u, se quisermos pl; Marx, da “pré-hist6ria” da “questao social”, é fundamental reter o nada no processo que a originou pode ser classificado como “4 os fendmenos que comparecem em sua génese e reprod: des sociais, embora tenham sido aparentemente imentos. que por educacao, tradicao e costume, ac Pproducdo como leis naturais evidentes. Aor capitalista, em seu pleno desenvolvimento, G0 continua de uma superpopulacio rel lativa mant Procura de trabalho e, portanto, 0 salario em harmonia com: expansao do capital e a coagao surda das relacdes econdmicas minio do capitalista sobre o trabalhador. Ainda se empregaré a ta, a margem das leis econémicas, mas doravante apenas em cardter € nal. (Marx, 2001, p. 851) O tear e a maquina a vapor constituem a base técnica da Pr Revolucao Industrial, que se estende até meados do século XIX. Hobsbawm (2005), entre 1815 e 1840, a maior expressao dessa revoluc justificam esse fato, sendo as mais importantes 0 volume bem maior trabalhadores empregado na industria téxtil e 0 peso econémico desta n economia inglesa. Ja nesse periodo é visivel 0 processo acentuado de pauperizacao classe trabalhadora na Inglaterra e fora dela. Veja-se, por exemplo, a 40 que se segue e traz dados da realidade norte-americana (apud Hub 1976, p. 127) Casas superlotadas, sujas e em mau estado, roupas esfarrapadas € frequentes sobre a comida insatisfatoria, tanto na qualidade cor dade caracterizam os lares pesquisados. Criangas de menos de 16 anos trabalhavam em 6 das 129° Metade delas tinha menos de 12 anos. Trinta e quatro tink e doze tinham menos de cinco anos. jo do Parlamento Inglésem =a ae ie Sempre nos batiam se adormeciamos. O capataz costumava pegar dobré-la e dar-lhe nés [...] Eu costume da grossura do meu polegar, n a fabrica um pouco antes das 6, por vezes as 5,e trabalhar até 9 da noite. Tr todaa noite certa vez, nds escolhiamos isso. Queriamos ter algum d gastar. Haviamos trabalhado desde as 6 da manha do dia anterior. Conti : trabalhando até as 9 da noite seguinte. [...] Meu irmao faz 0 turno comigo. tem 7 anos. Essa questo tinha uma explicacao: além de oferecerem menor res | cia a disciplina propria dos novos processos de trabalho, mulheres e cria eram titeis também as necessidades crescentes de superexploragao da forga de trabalho como forma de superar as pequenas crises que resultayam na queda da taxa de lucro. Segundo Hobsbawm, a partir de 1815, as vantagens | de produtividade comegam a diminuir com a sua universalizagao, dada a I6gica concorrencial predominante entre os intimeros capitais nesse momen: to hist6rico, provocando constantes quedas de preco. Para conter essa queda na taxa de lucros era preciso reduzir os custos. ¥ E de todos os custos, os salérios [...] eram os mais comprimtveis. Eles podiamy 0, pela substituicao de trabalhad qualificados, mais caros [predominantemente do sexo masculino por mt € criangas], e pela competigéo da maquina com a mao de obra. (Hobsba 2005, p. 68) ser comprimidos pela sirnples diminui Desse modo, em face das crescentes necessidades de valorizagao_ capital nao apenas a mao de obra infantil e feminina, mas todos os tre dores eram submetidos a extensas jornadas de trabalho. O maquii um investimento importante, mas apresentava uma tendéncia a ré solescéncia devido a velocidade das novas invengoes, além do que e valor quando é operado pelo trabalhador. Por isso,a $ era fazer as maquinas funcionarem diutu , 6 ae (Huberman, 1976, p. 190). trabalhadores que tinham sua energia vital rapidan fabricas através das extensas jornadas de trabalho, Aexperiéncia mostra geralmente ao capitalista que existe un cedente em relacio as necessidades momentaneas do capital valor. Essa superpopulacao, entretanto, se compie de geragdes hum: fiadas, de vida curta, revezando-se rapidamente, por assim dizer, mente colhidas. (Marx, 2001, p. 310-311) ‘ ___Esse paracloxo deve ser sublinhado exatamente pelo despropésito que significa ter altas taxas de mortalidade por exaustao de trabalho quando a condigGes materiais do progresso cientifico colocam, pela primeira vez na historia da humanidade, a possibilidade de ciminuir 0 tempo de trabalho socialmente necessario e, ao mesm 1 os i 10. temp, aumentar o volume da produgea 4 ‘acao da produgao, reunindo os trabalhadores na linha montagem das fabricas e intensificando a divisao social do trabalho, leva a concentracao da populagao operaria que, residindo nos seus arredores, incrementar 0 processo de urbanizagao. Era flagrante a auséncia de invi mentos em infraestrutura urbana, o desprezo pelas condig6es de vida 6 raria, significativos niveis de morbidade, mortalidade da populagao i e adulta, habitacGes em locais insalubres, doengas, fome, baixos salario: As cidades e as Areas industriais cresciam rapidamente, sem planejan supervisdo, e os servicos mais elementares da vida da cidade fracassay. tentativa de manter o mesmo passo: a limpeza das ruas, o fornecimet 08 servicos sanitarios, para nao mencionarmos as condicoes habil classe trabalhadora |...] cortigos onde se misturavam 0 frio e a im extensos complexos de aldeias industriais de pequena escala.. es empurrava os novos trabalhadores pobres para 2 grand miséria alijadas dos centros de governo e dos negocio denciais da burguesia. A consequéncia mais patente de By - jnento e uma reconstrucao urbana sis A Para completar um breve quadro das mais significativas expr “questao social” no periodo de sua genese, nao se pode deixar de que a precariedade dessas condicdes de moradia ¢ trabalho repe plamente nos valores estruturantes de sua sociabilidade, o que pret aos filantropos, mas também ao movimento operario. Sao exemplos d altas taxas de natalidade, associadas a diversas formas de promise! sextial, incluindo-se ai a prostituigao, o alcoolismo — segundo Hobsb (2005, p. 282) “a maneira mais rapida de sair de Manchester” —e os i ros renascimentos religiosos de fundamento mistico ou estimulados temor do “apocalipse”. Em todas essas manifestacoes registram-se form de resisténcia associadas a tentativa de aprender a conviver, individual é subjetivamente, com esse extremo nivel de barbarizagao da vida social. Aoassinalar esse fendmeno como uma necessidade do capital, Ma (1995) sublinha a contradicao de que é portador, proporcionando as condigoe para o surgimento da solidariedade entre os trabalhadores:! “vivendo e assumindo estratégias que configuram a sua forma de protesto, a sua a serem destruidos pela maquina, devorados pelo capitalismo” (p. 36-37) generalizar ou uniformizar os niveis desse fendmeno entre os pai Europa Ocidental é um fato que as mudangas nas formas de resisté ___ # Iambém Hobsbawm atesta que “os proletérios nao se mantinham unidos pi _ Serem pobres e estarem num mesmo lugar, mas pelo fato de que trabalharjunto een 0 andouns com os outros numa mesma tarefa eapoiando-semut e se 05, p.295). ttre a classe trabalhadora de patse as forcas produtivas especificamente capi is setenv mals iftundides ¢ eon demsig tee apresentavam esses indicadores até 1848, Hobsbawm, por volta de 1840 a Maioria dos habitantes da terra . er camponeses, embora a Inglaterra tenha registrado, ne eenéo de agricultura j4 no era a principal ocupacao oe populacio prestes a ser superada pela urbana, k : 18 Tevolucoes burguesas haviam, no entanto, Gena ettnean evicente que em vez da “liberdade” prometidaao povo qué lutou pela sa da burguesia, apenas esta havia verdadeiramente “lucrado” e, apés c quistar © que queria, essa classe consolidou novas estruturas de dominacao as quais submeteu a maioria da populacao. Mais importante qué isso, no _ entanto, foi que tais revolugées evidenciaram o cardter historico das relagoes sociais. | Gragas a elas,|“sabia-se agora que a revolugao social era posstvel, que as nagoes existiam independentemente dos Estados, os povos independente- | mente de seus governantes, e até mesmo que os pobres existiam indepen- | dentemente das classes governantes” (Hobsbawm, 2005, p. 133).lf 1.3 A dinamica politica inerente a“questao social” | As primeiras formas de oposicao organizada dos trabalhadores & expl racao capitalista se deram bem antes de 1830. Foram muitas manifes| espontaneas que podem ser mencionadas como parte do processo de téncia e luta social nas novas condigées que se estavam gestando. frequentes, até entao, os motins e protestos desesperados, a rebeliat deranga e a utilizagao de violéncia entre os proprios trabalhadores, duramente reprimidas, essas manifestagdes representavam, | dominantes, apenas desordem e ameagas episédicas, pois. colocar o sistema social em questao. a. joe demonstrat a da primeira década do século XIX a : “para si” j4 que era incapaz de mirar 0 alvo correto, ou seja, d atingindo as maquinas nao atingiam seu verdadeiro opositor: 0 Este tiltimo, tendo a seu lado o parlamento, instituiu penalidas riam chegar a pena de morte aos participantes desse tipo de pro Ao passo em que se intensificavam as condicoes de exploracio, emergindo e/ou se fortalecendo outras formas de organizagao e d lutas operdrias, como 0s sindicatos, manifestagdes ptiblicas, a imprensa\ rdria e as greves gerais. Huberman (1976, p. 202) assinala que que ocorrer porque a Revolucao Ind trabalhadores nas cidades, a melhoria dos transportes e comunicagoes, | talismo, que produziu a classe, o sentimento de clas peragao e comunicagao. A luta sindical de caréter classista foi combinada com a defesa da di mocracia politica nas instancias legislativas através do movimento, ocorti na Inglaterra, em favor da “Carta do Povo”. © “cartismo”, nome pelo qi ficou conhecido este movimento, ocorreu entre 1839 e 1847, realizando int meras manifestagoes de massa — entre as quais uma das mais important foi a greve geral de 1842 — e o recolhimento de mais de trés milhées de sinaturas de apoio a Carta do Povo. [...] tal carta, de natureza nitidamente politica, estabelecia os seis grandes tivos buscados pela classe trabalhadora. 1. Sufragio universal para todos os homens adultos, sios de espirito | condenados por crime; 2, Renovacao anual do Parlamento; 3. Fixacéo de uma remuneracao parlamentar, a fim de que os. Tecursos possam igualmente exercer um mandato; jornada de trabalho de 10 horas, embora nao tenha consegui a renovasao anual dos parlamentos. Em fungao da possibilid votarem, mas também de serem eleitos, Hobsbawm (2005) nos fala ¢ao crescente, Por parte dos militantes sindicais, de mandatos nos c municipais de alguns distritos ingleses. Sob todos os angulos, po visivel 0 avanco do movimento dos trabalhadores. : O quadro que emerge da “grande depressao”, a partir de meados dos _ anos 1840, acentua o clima de insatisfacao da grande maioria da populagio que passava pelas privacées decorrentes da baixa produtividade agricola: fome veio acompanhada do aumento do custo de vida em decorréncia da alta nos precos dos alimentos e também do desemprego. ‘ Asituacao dos trabalhadores pobres, e especialmente do proletariado industrial que formava seu nuicleo, era tal que a rebeliao era nao somente possivel, mas” virtualmente compulséria. Nada foi mais inevitavel na primeira metade do século XIX do que o aparecimento dos movimentos trabalhista e socialista, assim como a intranquilidade revolucionaria das massas. A revolugao de 1848 foi sua consequéncia direta. (Hobsbawm, 2005, p. 285) 24 Os acontecimentos dos seis primeiros meses de 1848 tiveram lugar Franca e foram precedidos pela fundagao da “Liga dos Comunistas”, € 1847. Tratava-se de uma associacdo internacional de trabalhadores cu 0 pro- grama, redigido por Marx e Engels — o Manifesto do Partido Com expressava, além de uma hicida andlise dos acontecimentos soci nos principais centros do capitalismo, também uma clara diregao mento que se materializou em 1848. 4 “OQ acontecimento de maior envergadura na historia dé Europa”, de acordo com Marx ({s.d.], p. 209), foi oc efercbilzacewabalnores ve no queriam Nera Tune plas objaivee que, nasuele momento, apontavam tar Cito pajcnde saved. Sodexo ent o rs dis de ihe Mars se era ene 23 26 jumbo de 1845 Trotzalos como desmont ora 9 movimento, “Arps barge infu. Ase ae icv astra fa stalgurssncteal a clase ma, a pues Pugs 0 Ieper onze Cor ste i Epes ab de ts ri nares erm avmicracs dope (juke ram depovidor om ulgamont. (or fn), p. 209: Ens do nto Junho de 1898, portato, ¢ um divisor de dguas na const squsto soci, Prineiamente porsueexpoo, tm sua radielidade, 0 le ie os citi ds das chawes fara Mest cir ceo qu a genese de odor ov problere dd ebal esiia na propriedode privada “ablida para nove décimos4 dalgamt (Marx (sd). p *3). impos iqueet pad alianga coma Pe ncndnpncerctnlnul pareestscon con thee ‘deepntse ascpce quer dey toed eet Specs Ocone Posi prurs eran nce scrgucracaene pa fepnves Devem xncrne epee] ne letencinate aie Feri New U1 chena see : ‘an dense prindo se dlewar niente Apin IB hauveumacopssee renee ‘que conbuia porn una eee opummaoeert neath trangia i ranpida pas Comers ace Ihadors conta o per police dae caste eta tl prclsmando o princi gourno prio datas Aaesaneen Esta maniestatopeatcamnt techs un conde ane oucpes”smportnt pornostar none eseaccnoe Mae tems ponder ques crater oven dain el pene Tinh peogramata dtd, fate ue cosh ae Bi ve po un elemeidade f ‘Nao ofstane as decotas ofsas consider indselinel que amas de protest dos traaihadorsvao ampli 0m pene e Cisse medida om que os evindicatespolase somata em delincanco um horizonte de superago da sodedade burgues, Nese ~onltont principal nto era ents pba Heo sim, entre trabalhsdores, operstics patie, xpitalsas em [beng do trbelbo pols coi ‘vo do mune? que eee procuraio” que svasintaeate a Fang, mas anbestosfancondsos peo ds Ant opal Roma Ges peotesonc om tals pe co minds Fem esti pe si pos primis mesesd> 1980 feb uma er ‘rasan voc dahon das panda aac ors adn lon ni tine mn ee oer oe Sec eccornespuncoomaean al a "sobre suas ruinas, os trabalhadores — na Franga, de - jistas — eram vistos de pé sobre elas, exigindo nao também uma nova sociedade e um novo Estado. (Hobsbawm, ‘A crise de superprodugio, desencadeada por volta de 1870 ¢ tende até 1930, contraditoriamente, vai levar 4 nova fase de e capital, conhecida como Capitalismo Monopolista, superando a fase rencial, hegeménica até entao. As estratégias buscadas para a super dessa crise consistiram, basicamente, além da exportagao de capitais paises como os Estados Unidos e a Alemanha, o investimento na indtist bélica em face das disputas por hegemonia mundial absorvidas pelos Est em guerra e o investimento no capital bancério, que redimensiona signi tivamente o peso do capital financeiro. Em todo 0 periodo dessa crise, como também ao longo dos “30 anos Ouro” (Hobsbawm) que a sucederam, marcados por altas taxas de cres to, a “questao social” continuou sendo produzida e reproduzida. Em meioa esse periodo, temos duas grandes guerras mundiais, a segunda Revoluga Industrial e a Revolucao Soviética de 1917 que, sendo fendmenos de grande impacto sociopolitico e econémico, singularizam essa quadra hist6rica e termos das varidveis que venho considerando para abordar a “questao social” Logicamente que sem abrir mao do mecanismo basico de produgao da “questao social’, as determinacdes presentes nesses momentos do capita mo mundial nao sao exatamente as mesmas que compareceram na sua nese, durante 0 século XIX. Tampouco se pode analis4-las adequadamel abstraindo as particularidades nacionais que foram se gestando, nao obs te o carater internacional, ou mesmo “globalizado” das relagoes de produt capitalista. Com essas tltimas afirmativas, gostaria de introduzir a mud aria para avangar nos objetivos do presente texto. de foco neces: Penso que para uma adequada compreensao da “questao social” Perspectiva tedrico-metodolégica aqui adotada, é preciso ter em conta particularidades de cada formacao social e, em seu interior, das forn constituicao do capitalismo. Conforme adverte Netto (2001) © problema te6rico consiste em determinar concretamente a expressoes emergentes e as modalidades imperantes de tem de considerar as : 2001, p. 48-49; destaques em Negrito mes) Para uma introduca, te, me foi suficiente ta considerando-se, pr século XIX, a Ingla cional do trabalho”, seri. a bastante fragil qualquer genericamente et fetuada, nos termos em que a re: } Assim sendo, penso ] voltar os esforgos Pi anillise da “questao alizei até aqui. ue uma contribuicao mais significativa ara entender a “questao social” no Brasil buscando | pear suas particularidades, determinadas pela constituicao do capi brasileiro. Objetiva-se, apés a identificacao dessas particularidades, com- | Preender as expresses contemporaneas da “questao social” como parcial- mente tributarias de caracteristicas histéricas da nossa formagao social. : Isso obviamente nao nos eximira de abordar 0 movimento mundial do- capitalismo que, como 0 leitor vera a seguir, permeia o texto em sua totali- dade. Assim é que terei ocasiao de voltar a aspectos ja mencionados nesse capitulo com maior ou menor nivel de detalhamento, mas sempre tentan relaciond-los como mediag6es necessdrias ao estudo de nossas partic relacdes com os paises céntricos do capitalismo. Neste momento, cabe observar ainda que, diante das multiplas soes da “questao social” passiveis de estudo, sera conferida priori relacdo emprego/desemprego. Duas ordens de fatores justificam. tidade. Primeiramente, a impossibilidade de investigar todas a da “questao social” nos limites deste trabalho, sob pena de generalidade supraidentificada. Em segundo lugar, tendo. das expresses da “questao social” para essa abord < termos da “lei geral da acumulacao capitalist que a busca de fatores que particularizam o desem Jevou-me a discussao sobre as caracteristicas do regime de trabal pais e sua associagao com o padrao de desenvolvimento capitalista aq plementado, Em sintese, o percurso que adotarei a seguir pretende ofe bases para um processo de particularizacao da realidade brasileira ni no meu entender, a compreensao das expressdes da “questao social” no p is Sugestées bibliograficas Leia os livros: Sobre o debate conceitual da “questo social” existem diferent abordagens e boa parte das polémicas que pode ser encontrada na bibl grafia do Servico Social a respeito faz referéncias a elas. Tratam-se dos textos de: CASTEL, R. As metamorfoses da quesido social: uma cronica do | saldrio. Petrépolis: Vozes, 1998, e de ROSANVALLON, Pierre. A nova’ questao social. Brasilia: Ed. Instituto Teot6nio Vilela, 1998. As polémi do Servico Social com essas posicdes estao bem sumariadas no texto d PASTORINI, Alejandra. A categoria “quesiao social’ ent debate. Sao Pai Cortez, 2004; e no conjunto de textos das revistas Temporalis, Bras’ ABEPSS, n. 3, 2001, e Ser Social, Brasilia: UnB, 2000. Além disso, as sicas abordagens de: NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolistae s social. Sao Paulo: Cortez, 1992 e AMAMOTO, Marilda; CARVA\ Raul de. Relagées sociais e servico social no Brasil. S40 Paulo: Cortez, S40 indispensaveis a uma familiarizagao com as premissas da “qI social” como fator fundante da profissao. Para 0 tratamento tedrico dos fundamentos da concep¢ao: sta aqui € indispensavel a leitura do Livro I de O ca oS ria de Marx, 1848-1850. Sio Paulo: Alfa-Or Bonaparte. S40 Paulo: Alfa-Omega, [ Revolucao de 1848. Outras abordagens tribuem para entender esse Periodo sao a: A era das revolucdes 1789-1848. Sao Paulo: Huberman em: Histéria da riqueza dos homens. No campo do Servigo Social Maria Lticia Martinelli po texto a respeito do periodo que vai da acumulacao primith deécada de 1970 do século XIX nos dois primeiros capitulos dol social: identidade e alienagao. S40 Paulo: Cortez, 1995, Para tespostas da burguesia as lutas sociais e seu transito de classe ndria a classe dominante indico: MARX, K. O Manifes Comunista. Sao Paulo: Cortez, 1998; LUKACS, G. El asalto a la trayectoria del irracionalismo desde Schilling hasta Hitler, Mé Aires: Fondo de Cultura Econémica, 1959, COUTINHO, Ca O estruturalismo e a miséria da razdo. $40 Paulo: Expressao Pop’ Sugestées culturais Assista aos filmes: Deans. Stijn Corninx. EUA, 1992. La Commune. Paris, 1871. Peter Watkins. Danton, o proceso da Revolugao. Direcao: Ean Modo de produgao, formacao social e alguns marcos historicos sobre 0 Brasil © prsente capitulo cumpre uma fungSo bastante precisa no count dios supostos necesirce& particlarizagio da “questo socal” no Bras THata.ce de cferecer a0 letras bases para a compreensio desu particule ridadesem duas dress. rimeiramente apresntoas diferencas conceitis nt as xkegorias "mos de produto” “formagao soil” com 2 nena ‘Se mostrar a nsufclencia da ankle da “questo socal” eftuada sem a rtculagio de medacces nests dois ives dferenciados de analise D6 | ‘tro modo’ ¢ este pecurso que permite, noseyuimento da refle30 props: ta adennar a perspectva concetual da “questo socal” com nella da ‘elas apt taba, sm, no entanto, rstringilaa tas medias de critreovencilmente universal ‘Como consequéncia dessa abordagem, evidencio a necessidade de tt Presents 8 craters da forma social como “eonereto pensido" ¢ sistematizo, de modo panoramico, alguns dos marcos histriogricos fare ddamentas da consituigio do modo de produsSo capitalista na formag Social brasleira. Esse procesko completa o seu longo e tari ciclo me pei do.que vai do Bras! Colonia & citadura militar e, por isso, este & 0 ps ‘temporal rtomado no presente capitulo, Cabe advertir que, embora a et 221 Mado de produ capitan formas soi prtires Einhora oro aw de elaine um ants vies peso ue adeno no debate propo exge a0 meres de modo introduc, as ue hes enc qu sca, de role de Moraga oc bo itogaliaguc ata dies ouindintamenie dees caegoras «prt ck mate sana ou a adiguo mare comparecem es mals ‘irr nives de sproprache. No cnode tae mars, ese ee {trequentemante marado po spline « rds devin ones, sero pessivelobervar que on esgurmasdebase "arista lenin ale Cennparcom fortement, indica uma letra meine /evalutiva do todos de poi que minima véris medics nce papel daw ‘uton polos ogni mete tipo de anormal _Aspecto por demas vulgarzada ese debut to worzadatanscto| i eaptatism0 comunisme: rei eae, ¢ como 6 cnc foe nevestri inndvvelmenteo modode produc que uted captain [Na arguitetaradesse tipo de elborago, sparse as contades ene “fora prdativas eelagces de prodio" quae comaumimperativaser percoridoindistintmente, potas formagSes scan Tih eel fa” dos modos de product. Est ¢ um exempo pico de um problema ‘analsado por Lukdes (1979) ¢ muito comur nessa tendéncian da tacigbo ‘manta: tribuigo mprocedente de wma ileckga go procs histrc, Isso signa dizer que nenas concepyes ts presen ur expe de ‘xpetativaarepeito de um “rumo pré-terminad” que tenia ahs 4 humanidade, nese sso, nesessriamente a super do captain ‘rlosocaismo, Numa comparagiocomoque acort com teleologia como Privisideacio que os homens $80 lovades a operat antes de xcutar © s marxistas dessa linha de penga. teabalho © outras formas de praxis, alge syrdvia-ideagdo” no proceso historico. Neste caso, de mento envengam un acordo com Lukdes (1979, p. 81), sguinte: direta ou indiretamente, atribui-se carter wobretucto, ae [ou tratasse foleoligico a complexos evohutives que, em termos ontoldgicos, ndo tém tap as inteiramente imaginarias, inexistentes [.,] cardter, Essas posighes teleo séo elevadas a principios fundamentais, a partir dos quais se julga a existéncia ‘ou nio de um desenvolvimento e se examina como ¢ feita sua esséncia ontolg. mos aqui toda forma generalizada de te. giea, [.. Bastard sublinhar que ne} i 1 inorganica e organica, mas também na socie- Jeologia, nao apenas na nature dade: ¢ limitamos sua validade aos atos singulares do agir humano-social, cuja forma mais explicita e cujo modelo é o trabalho. Outra interpretagdo recorrente é a de tipo “economicista” em que se explica a constituigdo das formagdes sociais, transpondo-se, para este nivel do real, indicadores logico-gnosiolégicos referentes aos modos de produgio, Coutinho (1996, p. 15) fornece um exemplo ilustrativo quando, ao discutira teoria marxista do Estado, afirma o seguinte: Um pesquisador marxista pode, deliberadamente, se situar no nivel abstrato constituide pelo “modo de produgao” e dele derivar, nao apenas a teoria do Estado (definido abstratamente como o aparelho de dominacao da classe econo- micamente dominante), mas a propria estrutura de classes (indicada como uma contraposicao bipolar abstrata entre duas classes fundamentais do modo de produgio em pauta). Creio que nenhum marxista negaria o fato de que essa abordagem abstrata e preliminar, situada no nivel das leis mais gerais do modo de produgio, é um momento necessério da investigagao histérico-materialista do Estaclo; nem todos, porém, reconhecem que ela ¢ insuficiente para a apreensio. das multiplas determinagdes que caracterizam o fendmeno estatal em suas ma- nifestagdes coneretas. Poderiamos recordar que quando esta insuficiéneia nao é reconhecida — ou seja, quando os resultados da dedugao abstrata sao projetados sem mediages em niveis mais concretos da realidade social — o momento pat : cial (ainda que necessario) se coagula em fetiche e leva A deformagao e ao erro. Em ambas as interpretagdes, o que interessa sublinhar é que “modo de produgio” tende a aparecer como um conceito tedrico: uma representacae esquemitica, ideal, das diversas formas de organizacao da vida material © social, bem como das bases estruturais de sua transformacao. £ preciso dizet que, na génese de tais interpre 1 das contribuicées n to da historia social tacdes, encontra-se uma concepcao red: Marxianas no del que ficam, no mulagdes do campo d lucio- nista acerce ‘ bate sobre o desenvolvimen- linguajar “cientifico”, enquadradas a for- economia. Nas palavras de Lukacs: Nao é de surpreender, portanto, que |... a opinido publica cientifica julgue a economia de M farx como uma simples ci ticular que, na pratica d metodologicamente éncia particular, mas uma ciéncia par- ' “exata” divisdo do trabalho, termina por revelar-se inferior a0 modo “axiologicamente neutro” de apresentar 20 modo burgués. Nao muito tempo apés a morte de Marx jase encontra sob 0 influxo dessas corre seus seguidores declarados. (1979, aS coisas, OU seja, ntes também a esmagadora maioria dos p. 30) Mais precisamente, é a partir desse tipo de vulgarizagao da concepgao marxiana da hist6ria que se podem realizar debates como o da (mal) chama- da “crise de paradigmas”, que pretendeu nos anos 1990 forjar uma “crise do marxismo” a partir da crise do “socialismo real” Aoposicao a este tipo de concepgio vem ganhando forga, especialmen- te no interior de determinadas tendéncias no Serv igo Social, pautada numa perspectiva ontolégico-social de compreensio do marxismo. Nesta acepcao, as categorias sao tomadas em sua dupla dimensao (Pontes, 1995; Netto; Braz, 2006). A dimtensao ontolégica as caracteriza como “formas de ser, determinacdes da existéncia”, conforme deve ser concebido todo e qualquer objeto consti- tutivo do mundo social que existe independente do conhecimento que se tenha sobre ele. A segunda dimensao das categorias é a tebrica, ou “reflexiva”, Esta responde pela reprodugao, no nivel do intelecto, do movimento do meal, que pode ser considerado como 0 movimento das suas categoria ontologi- camente constitutivas. Nunca é demais ressaltar, nesse Faciocinio,aprimazia ontoldgica da realidade sobre o pensamento, Aa eqjaida dimensao ontologi- ca sobre a reflexiva, pois o conhecimento tedrico existe em decorréncia de uma substancia real sobre a qual a razao se debruga. : Apartir desses marcos, oe amano s islets Rao i mais que um 0” ou “instrume andlise’ : as si eecstnwel realidade social. Antes de sua exis- _téncia como categoria reflexiva,corresponde a uma tealidade or sien "cial, cujas relagdes com a praxis sao ineliminaveis. Assim o _ proprio Marx em A ideologia alemia: : Pode- ir os homens dos animais pela consciéncia, pela re 30 ou por tudo que se queira, Mas eles proprios tio omegam a se diferenciar dos animaig {0 Comecam a produzir seus meios de vida, passo este que é condicionadg por sua organizagao corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens pro. duzem, indiretamente, sua propria vida material O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida ja encontrados e que tém de reproduzir, Nao se deve considerar tal modo de producao de um tinico ponto de vista a saber: a reprodugao da existéncia fisica dos individuos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade dos individuos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. (1996, p. 27; grifos originais do autor) Opressuposto aqui micos, nitidamente assinalada quando se deduz que na categoria modo de o da unidade entre aspectos econdmicos e producao manifestam-se mediag6es nao s6 das instancias de organizagao da vida material, mas também da sociabilidade contemplando, simultaneamen- te, um determinado modo de organizar os aspectos politico-juridicos, morais, ideol6gicos, culturais etc. E 0 que Marx chamou, na citacao anterior, de modo de vida, Essa unidade, reconhecida por meio da praxis (, por consequéncia, do trabalho) como categoria social fundante do processo de “humanizagao do homem’, é algo radicalmente diferente das esquematizagées do marxis- mo-leninismo porque distante dos modelos formais tipicos desse raciocinio. Uma concep¢ao ontologico-social da categoria “modo de producao” tem, nas mediagoes proprias de sua génese, a incessante tarefa humana de responder as necessidades, criando, por sua vez, outras tantas necessidades e respostas. Esse processo, que transforma continuamente as potencialidades humanas, além das forcas produtivas/relacdes de produgao 6, portanto, repleto de mediac6es historico-concretas que devem estar no centro da constituigao das categorias. Logo, para entender nao s6 os modos de producio, mas suas “encarnacées reais”, ha que recorrer a uma outra categoria que, embora nao esteja originalmente formulada em Marx do ponto de vista reflexivo, 0 est do ponto de vista ontolégico: a de “formagao social’. © fato portanto € o seguinte: individuos determinados, que como produtores atuamde um modo também determinado, estabelecem entre si relagdes socials © politicas determinadas. E preciso que, em cada caso particular, a observaga® 8 empirica coloque necessariamente em relevo empiricamente e sem qualquer Agdo OU Mistificagdo a conexao entre a estrutura social e politica ea producto, (Marx, 1996, p, 35) Entendo que, nessa passagem, Marx esté chamando atengao para a dimensio histérico-coner ta do modo de produgao e, portanto, tratando ontologicamente a categoria de “formagao social”, Ou seja, o que esta em «liagdes que impossibilitam a existéncia da categoria “modo de produgao” num “estado puro”. questo, nesse momento, sdo as me {J ai nidade primitiva, havendo sempre um modo de produgao domtinante, ele su- bordina formas remanescentes de modos ja substituidos, formas que se apre- sentam como vestigios mais ou menos fortes do passado — podendo mesmo, em certos casos, ocorrer a combinacao de formas de mais de um modo de pro- dugdo numa sociedade determinada. Por isso, emprega-se a expressao formacdo ‘lise hist6rica demonstra que, nas sociedades que sucederam a comu- econdmico-social (ou, simplesmente, formagao social) para designar a estrutura econdmico-social especifica de uma sociedade determinada, em que um modo de produgao dominante pode coexistir com formas precedentes (e mesmo, com formas que prenunciam elementos a se desenvolverem posteriormente). (Netto; Braz, 2006, p. 62-63; grifos originais dos autores) E pelo processo de abstragao, ou seja, da andlise propriamente dita, que se torna possivel captar as mediagoes em tela, indicando as determinagGes que circunscrevem 0 modo de producao nas diferentes sociedades, conside- radas historicamente, 0 que, por sua vez, estabelece a unidade existente entre essas duas categorias. Respondendo por diferentes niveis de constitui- ao dos processos hist6rico-sociais, as categorias “modo de produgao” e I’ requerem, imperativamente, a mediacgao uma da outra “formagao so para uma adequada compreensao das relagGes sociais. Essas breves considerag6es pretenderam indicar — no mesmo espirito do exemplo antes citado de Coutinho (1996) ao discutir a teoria marxista do Estado —a insuficiéncia do tratamento da “questao social” a partir somente da categoria "modo de produgao”. Ou seja, néo é 0 bastante apenas remeter a “questao social” as relagdes de exploragao do trabalho pelo capital. Isso Porque estas categorias (trabalho, capital), sendo universais e abstratas = Posto que pertencem ao conjunto de mediag6es: do “modo de producto =niio sao capazes de elucidar, sozinhas, as demais caracterfsticas da “questao social”. +a postura metodotd; ca indi recomenda a “andl e conecreta, a andlise das tendéncias o é capas de mostrar as mediagdes por meio de suas relagdes com a univer. dea tornar concretas as andlises, eviden- agdes e contradigées, Ze que uma formagao social possa apre- modos de produgio, com um deles ten: nante, 6 uma premissa fundamental para JJeiro. Sabe-se, por exemplo, que “como modo de co do Mundo Antigo. A escravatura instaurada nas Américas, no processo de colonizagio que se seguiti A expansio maritima serd subordinada a formas sociais do modo de produgio capitalista” (Netto; Braz, 2006, p. 66), o que seri devidamente destacado a segui Assim sendo, mais que apresentar definigdes acerca das categorias “modo de produc3o” e “formacao social” objetivei, com essa breve passagem, tornar suficientemente explicita a indispensavel conjugagao de tais categorias quando se trata de conhecer os diversos aspectos da vida social, entre os quais se encontra a “questio social”. Com a mesma preocupagao passo a apresentar algumas informagoes relevantes sobre o processo de constituigao do capitalismo na formacao social brasileira que julgo indispensaveis para que as partjcularidades desse modo de produgao no caso brasileiro —a serem assinaladas no capitulo que segue — possam ser melhor compreendidas. 2.2 Breve retomada de marcos historicos da constituigao do capitalismo na formacao social brasileira 2.2.1 Brasil colénia (1500-1822) A origem da formagao social brasileira tem sua génese na condigio de Colénia de Portugal por ocasiao do Pperiodo conhecido como “expansao maritima”. Cabe lembrar que varios fatores levaram os pafses do “velho mundo” a essa empreitada. Dentre estes, Fausto (1997) destaca a necessidade biSw iL. de enfrentamento de see ie enfrentamento de uma crise econdmica na Europa Ocidental, que em meio assez de alimentos e epid tiva a “expansio da base geogratfic 9 guerras, jemias, colocava como tinica alterna ‘ae da populagao a ser explorada’ (p. 21) Portugal possuia uma loc ‘alizagdo Beografica estratégica, além de uma “ex- periéncia acumulada ao longo dos séculos XII ¢ : XIV, no comércio de longa distancia” (Idem, p. 21) ¢ estes f ‘atores, somados aos interesses econdmicos de diversas classes e grupos sociais, fizeram com que os lusos se lancassem as “Grandes Navegages”’ Prado Junior (2004) enfatiza, na abordagem da Colénia, as atividades econdmicas € as correspondentes politicas implementadas por Portugal para reguld-las e, neste sentido, uma caracteristica marcante é o fato da coloniza- ¢ao ter se realizado buscando atender aos interesses comerciais da metrépole, volta- dos para o mercado externo europeu. Nesses mercados, 0 capitalismo ja se en- contra em transigao de sua fase de cooperagao para a manufatura, que vai de meados do século XVI ao ultimo terco do século XVIII. Isso significa dizer que o Brasil foi sempre visto pela metropole como um fornecedor de artigos de exportacao, na forma de matéria-prima, uma vez que o desenvolvimento, mesmo incipiente, das manufaturas foi castrado no século XVII, tanto por medo da concorréncia que poderia representar para uma economia atrasa- dae entao em decadéncia como a portuguesa, quanto pela possibilidade de autonomia politica. Para entender melhor as caracteristicas do periodo, penso ser titil lem- brar a periodizacao sugerida por Fausto (1997, p. 41) onde co primeiro [momento] vai da chegada de Cabral a instalagio do Governo Geral, em 1549; 0 segundo é um longo lapso de tempo entre a instalagaio do Governo Geral e as tiltimas décadas do século XVIII; 0 terceiro vai dessa época a Independéncia, em 1822. [..] © primeiro periodo se caracteriza pelo reconheci- mento e posse da nova terra e um escasso comércio. Com a criagao do Governo Geral inicia-se a montagem da colonizagao que ira se consolidar SOtGnEe de mais de dois séculos, com marchas e contramarchas. As tiltimas décadas do século XVIII s40 uma referéncia para indicar um conjunto de transformagoes na ordem mundial e nas col6nias, que dao origem acrise do sistema colonial e aos movimentos pela independéncia. 0 povoamento da Colénia nao Desse rimeiro periodo citado, panna : anaoser quando passou estava no horizonte das preocupagoes portuguesas, a tornar-se compulsério por fatores imprevistos. Até 1530, a exploragaa dy pau-brasil deu conta de satisfazer os interesses extracionistas. Ap6s igs, ¢ que havia dessa madeira no litoral esgotou-se, obrigando a metrépole g pensar em algo para além de feitorias comerciais, tanto para explorar recy Sos, que nao estavam ao alcance da mao a primeira vista, quanto para defen der e ampliar as fronteiras do territério, entao em disputa com 08 espanhéis e depois os holandeses e franceses. Havia também a necessidade de criar ag bases para abastecimento e manutengao das feitorias criadas e de fiscalizar a costa para coibir o contrabando, frequentemente praticado por varios paj- ses que se recusavam a reconhecer a exclusividade de comércio entre a Colonia esua metropole portuguesa, como foi o caso inicialmente da Franga e depois da Inglaterra, entre outros. Esses foram os fatores basicos que levaram 4 passagem para o segundo momento, 0 de instalagiio do Governo Geral (1549) ea uma politica de ocupagao do territério. Desde 0 inicio de suas reflexdes, Prado Junior (2004) aborda as diferen- cas entre um tipo de colonizagao como esta — onde o que importava era a exploragao comercial extensiva das potencialidades do territ6rio — e a rea- lizada por emigrantes ingleses ao norte da América que objetivou a constru- cdo de um novo mundo, cuja semelhanca com as sociedades europeias iam para além de afinidades climiticas e fosse, para eles, mais seguro (tanto econémica quanto religiosamente) que suas sociedades de origem. No Brasil, a comecar pela repeléncia em relagao ao clima, os colonos portugueses vieram para ser dirigentes, empresdrios comerciais, mas nao trabalhadores. Os estimulos envolvidos em seu interesse de migrar para um lugar tao adverso foram as possibilidades de produzir, nestas condicGes to diferenciadas das europeias, géneros alimenticios e especiarias de que 2 Europa nao dispunha. Ainda diante de tao promissor negécio, acompanha- do de regalias politicas oferecidas pela Coroa, poucos portugueses se dispu- seram a vir inicialmente para ocupar o nosso territorio, inclusive porque @ escassez populacional na Europa durante este periodo — devida a pestes — desfalcou os bragos de trabalho disponiveis. Aescassez de forga de trabalho, portanto, é que move Portugal na dire- cao do revigoramento da escravidao na era moderna, uma vez que explore vam a costa da Africa e passaram a comercializar negros. Além de solucionar 0 problema da mo de obra, esse foi um dos mais rentosos negocios lusitanos num periodo que cobre cerca de trés séculos. Essa informacao é fundamental para que se possa compreender que a excr tema ver com 0 modo de produg foi utilizada j. o 40 escravista: esse #no contexto do capitalismo de natureza nature; As principais atividades econémicas desenvol so de povoamento do vasto te i go do proc ritério brasileiro apresentam duas caracteris lions a serem. Gestacadas: (ima ai gniticativa divessidade wcinabe eiaea on, mais lucrativa no momento (Prado Jtinior, 2004), yess = oe aa acosta nordestina, destacando-se Bahia e Pernambu ; pelo clima favoravel 8 Plantagio de cana-de-agtcar eescoamento da producio pela proximidade dos portos. O auge da economia agucareira colonial foi no século XVI, quan- do por uma si érie de fatores — entre os quais Furtado (1969) destaca a con- corréncia da produgao acucareira nas Antilhas, organizada pelos holandeses, recém-expulsos do Brasil — entra em decadéncia, recuperando-se, espora- dicamente, a partir de crises no mercado externo. No século XVII, 0 foco produtivo passa 2 Minas Gerais pela descober- ta das jazidas auriferas e de diamantes, desenvolvendo, também em seu entorno, as cidades do Rio de Janeiro — que passa a capital nesse periodo — e Sao Paulo, entao capitania de Sao Vicente. Furtado (1969) discute as consequéncias da atividade mineradora para o retardo do desenvolvimento das manufaturas no Brasil. De acordo com ele, a primeira condicao para que 0 Brasil tivesse algum desenvolvimento manu- fatureiro, na segunda metade do século XVII, teria de ser 0 proprio desenvol- vimento manufatureiro de Portugal. Ora, cabe ao ouro do Brasil uma boa parte da responsabilidade pelo atraso relative que, no provesso de desenvolvi- mento econémico da Europa, teve Portugal naquele século. Em realidade, se 0 ouro criou condigées favoraveis ao desenvolvimento endégeno da colonia, nao é menos verdade que dificultou o aproveitamento dessas condigdes ao entor- pecer o desenvolvimento manufatureiro da Metrépole. (p. 87) urimento das minas, a agricultura voltaa ocupar.a cera\pro- pu aie 0 tabaco e oalgodao, embora do ponto de vista politico onordeste nao tenha jamais recuperado a importancia que tevena primeira fase da colonizagao em face da diversificacao das atividades produtivas no centro-sul. Além da agricultura, que também se expande nesta regio, — das favoraveis condicdes climaticas de desenvolvimento da pecuaria, espe- cialmente em Minas, Mato Grosso ¢ Rio Grande do Sul e de seus derivado, até os dias de hoje de baixa den sidade populacional, como o norte do pais, tém as causas disso no desinte (como leite, queijo € couro). Outras regi¢ resse econdmico das potencialidades regionais no periodo, restritas 4 caca, pesca ¢ extrag3o de madeiras, bem como em sua localizagao Reografica que dificultou a exploragao e 0 escoamento (restrito as vias fluviais), A abordagem dessa relagao entre ocupac¢ao do territério e exploragio econémica de suas potencialidades reforca a tese de uma colonizagao pre. datéria cujas atividades entravam em colapso por falta de investimentos ¢ melhoramentos técnicos — um contrassenso sem chances de competirnum mundo que descobre cada vez mais formas de controle da natureza pela ciéncia. A mentalidade estreita de metrépole que visava somente extrair vantagens de uma natureza abundante, “arranhando a costa como caran- guejos”, no dizer de um cronista da época, (apud Prado fiinior, 2004) legou também outras caracteristicas @ nossa formacio social, como as grandes proprie- dades territoriais agrdrias, fruto da agricultura de monocultura extensiva estimulada devido aos interesses comerciais; a questdo indigena jamais so- lucionada desde a catastrofica exploragao dessa mao de obra nativa que exterminou milhares desse povo ea tracos da sua cultura; o papel secundirio da agricultura de subsisténcia, que, estando fora do raio dos negécios lucra- tivos, fica relegada e provoca o disparate da fome e da subnutricéo num pais com a extensao territorial de terras agricultaveis como 0 nosso; 0 des- caso com a educacio, uma vez que um parco sistema de ensino concentrava-se apenas nas maiores cidades e foi criado apés 1776; ea corrupgio denotando, desde sempre, nenhuma fronteira entre interesses publicos e privados por parte da administragao da Coroa portuguesa e dos colonos que aqui se instalaram. Furtado (1969) assinala que na segunda metade do século XVII, a situa: ¢ao de Portugal como poténcia colonial sera mantida a custa de acordos econdémicos com a Inglaterra, alienando parte de sua soberania comercial com © Brasil, sua principal Colénia. Essa situagao decorreu das débeis circunstan- cias em que se encontrava 0 pais ap6s a reconquista de sua independéncia em relacdo a Espanha, mas revela, sobretudo, 0 premincio da nova divisao interma- cional do trabalho capitalista, em que Inglaterra e Franga iriam disputar hegemonia mercados coloniais em decadéncia. A partir desse momento, acentuando-se a a do século XVIIL, transita-se para 0 tiltimo dos perfodos do Brasil Sean 1 culmina com a independén x \ Metraips rae ne : Me nessa diregao foi a abertura dos portos, o qué ne uma atitude pragmatica (ima vez que o territério sestava invadido por Napolea 1 glaterra capitalista e 6 fim do ; exclusivo colonial! como a elevagio do statu: olitico do Brasil a Reino © Algarves, ; ; ime im do periodo colonial brasileiro context econémico mund queles moldes. Era ee se deve, principalmen: al que ja ndo comportay a transicao do capitalismo ¢ que colocava na ordem do dia s mercados mundiais para e mercial para a remogao das barreiras ao livre escoar sua crescente producao, revolu descobertas té ico-cientificas. Tanto que, para Prado Jtinior da era colonial é marcado pela vinda da familia real para o Brasil, possibilitando uma autonomia econémica ¢ politica que jo tinha ades de retrocesso. Ademais, Portugal estava em franca decadéncia da impossibilidade de adaptar suas forcas produtivas — dominadas supremacia da atividade comercial — a nova fase do capitalismo Este periodo, que antecede formalmente a independéncia, é de grande Ancia para o Brasil, que retoma a expansao de suas forcas produtivas na medida em que Portugal declina: “{revoga-se] a lei que proibe as L..] constroem-se estradas, [...] melhoram-se os portos, [...] omove-se a imigracao de colonos europeus, tenta-se aperfeicoar a minera: io ouro” (Prado Junior, 2004, p. 131), entre outras medidas. Ja nesse riodo, a produgao de café comega a tornar-se um importante fator econé co, beneficiando-se também dessas melhorias na infraestrutura, especial- mente de transportes. sriodo mondrquico (1822-1889) Podemos subdividir o periodo da monarquia brasileira em dois mo- s: o de sua instituigao, que vai de 1822 a 1850, eo de sua consolidagao, guie se inicia em 1850 e vai até a proclamagio da Republica, em 1889. O periodo que cobre os anos de 1822-1850 ¢ caracterizado por Prado Junior mer a independeéncia muda substantiy amente a forma da inse 3 : a fe a da insergdo do Brasil no. sistema econdmico mundial, E js ‘ i que estamos falando de economia, ne: al ni Panoram O primeiro deles foi um aspecto a instabilidade era g fatores destacam-se nesse 4 tinica monarquia das Américas, Dols 9 crise resultante dos déficits na balanga co: mercial, tendo em vista que a import ‘agao de bens industrializados superava ‘40 dos nos: ; <40 dos nossos produtos, O incipiente desenvolvimento das manufaturas nao tinha condices de tados, tanto no mercado inte: e muito, a exportag concorrer com 0s produtos impor TO quanto no externo, para onde 1 nvidvamos produtos agricolas. Neste particular, Prado Juinior (2004) ressalta que c nth nudvamos subsumidos, embora por efeito de outras circunsta Incias, ao sistema econdmico colonial | | Em lugar das restricdes do regime de colénia, operava agora a liberdade co mercial no sentido de resguardar e assegurar uma organizacio econdmica disposta unicamente para produzir alguns poucos géneros de: portacao. (p. 134-135; destaques em negrito meus) nados A ex. Esse era 0 nosso papel na divisao internacional do trabalho, Até a me tade do século XIX, 0 café assume, progressivamente, a importancia de principal produto de exportagao do pais, e sua expansao se constitui, de acordo com Furtado, a partir do reaproveitamento dos recursos investidos ma mineracao que entrara em decadéncia. Seus custos, posto que baseados no trabalho escravo, eram mais baixos que os da empresa agucareira. 0 inglesa O segundo fator do panorama econdmico a destacar foi a pre pela aboliciio do trdfico de escravos, que se fazia por meio diplomatico, mas também pela forca, quando foram decretadas leis que autorizavam a inspe- 40 em alto-mar de navios suspeitos de trafico, inclusive em mares brasilei ros. Deve-se ressaltar que, no Brasil, a aceitagao dessa medica seria qui equivalente a aboligdo da escravatura, posto que a cee de esctavos acontecia, macigamente, pela via do trafico, dadas as precarias condig6es de sobrevivéncia e reprodugao dos africanos eGo eeata vos: Base era um pro- blema econémico para os dois lados da questao. Para o Brasil; por ter arco radas no trabalho escravo todas as suas atividades produtivas, a excecao da ctiagdo de gado, e pequenas produgées de algodao. oe a ener! pace amanutengao do trabalho escravo retardava a EXpADEAG do mercat ‘ a midor internacional, baseada na universalizacao do trabalho assalariado. pela qual a Inglaterra se empenhou, no Nao foi outra que nd di Prado Junior (2004), “como palacing internacional” na luta contr, © trifico negreiro. Tal questo s6 foi solucionada em uando, depois de muitos des. gastes (que envolveram até ameagas de guerra por parte dos ingleses), mag terminou o fim do trifico e fé-lo cumprit com ndo sem precaugdes, o Brasil de fiscalizagdo de modo que em trés anos este estava definitiy “nao obstante a permanente expansao do setor de bra constitui © problema cen. ‘amente encerrado, A partir deste momento subsisténcia, a inadequada oferta de mao de ob tral da economia brasileira” (Furtado, 1969, p. 144) Do ponto de vista politico, a situagao também nao era menos complexa, constituigao, em 1824, outor- O periodo envolve a promulgagao da primei sada pelo monarca “de cima para baixo” em razio de desavencas quanto a limitagso de seu poder; a abdicacao de D. Pedro I, provocada por desconten- tamentos de varias ordens que iam do desequilibrio financeiro do Pais a atritos com 0 exército, insatisfeito com 0 comand dos portugueses em seus Principais postos; 0 tumultuado periodo regencial, quando Pedro Il ainda era considerado menor para assumir 0 governo e “o centro do debate poli- tico foi dominado pelos temas da centralizai cao ou descentralizacao do poder, do grau de autonomia das provincias e da organizacao das forgas armadas’, (Fausto, 1997, p. 161), e a ocorréncia, pelo menos até 1848, de revoltas sepa- ratistas' por todo o pais, que ameacavam sua unidade territorial ¢ politica. Segundo Furtado (1969, p. 106), “a inflagao acarretou um empobrecimento [das populagées urbanas] [...], 0 que explica o cardter principalmente urbano das revoltas da época e 0 acirramento do édio contra os portugueses, os quais sendo comerciantes eram responsabilizados pelos males que acabrunhavam 0 pov Os O Segundo Reinado se inicia em 1840, antecipando a maioridade de Pedro II, No inicio ainda sem uma base social de apoio, o Segundo Reinado vai obter estabilidade para a monarquia brasileira Por volta de 1850, quando se alternam no Conselho de Estado — rgao assessor do Poder Moderadot, exercido pelo monarca — representantes dos dois partidos: (Liberal e Conservador), que segundo Fausto (1997), nao tinham grandes divergencias Bee hain ; ee | i nordeste—principalmenteem Perma 1. Entre estas, destacamosas que tiveram origemno : Praieita: comoa Confederagio do Equador, a Guerra dos Cabanos, Balaiada, aSabinada,a Revolugio : si Pecialmente ndo tinham diy > de violin eréncias Nas priticas politicas CHS, favores © todo tipo avore athas do de clientelisme “na ; poder” (p. 181), stv perfodo € marcado, eeonomicamente transti Pela expansio da cultura do Sustentagio day 1a pela agroe inior (2004) ressalt solidagio da regio, ‘ormacdo no pilar de politica econdmica do Xportagio, Do ponte de vista 4 a luta abolicionista eo irreversivel pro- © continuard mareac ado polit cessed ae Aue hoje constitui o sudeste, como polo das Sua correspondente import lamente, decisdes politicas em face de 4 é " aNncia econdmica. os a estes marcos separad. se disse que ape adecadéncia da miner ‘ago No século XVI, o Brasil retoma a agricultura como atividade econdmica fundamental. Ainda nesta 4c0 — cultivados de maneira mais con- ada no nordeste do pais — desempenham um protagonismo significa- tivo, apesar da regio ir perdendo importncia retomada 0 acticar, o algodao e o tab. oe politica com a transferéncia da capital para o Rio de Janeiro. Esta decadéncia se acentua no século XIX tendo em vista a conjuntura internacional. [O desenvolvimento do capitalismo industrial © sua revolugio técni- co-cientifica era uma realidade que o Brasil nem sonhara em acompanhar, posto que permanecia vigorando aqui o mais rudimentar proceso produti- yo, © que impactou significativamente todos os setores mencionados. Em relagdo especificamente ao agticar, além desse fator das forgas produtivas, 0 seu principal mercado consumidor (0s paises europeus e os EUA) tornou-se produtor, por meio do cultivo da beterraba. Devemos mencionar ainda a extingdo do trafico de escravos, a partir de 1850 — golpeando a principal fonte de mao de obra — e o esgotamento das terras exploradas extensiva- mente ha séculos e nas quais, mesmo que se tentasse encontrar um cultivo substituto, seria dificil obter a mesma qualidade produtiva.> Contrastando com este decadente cenario, temos a regido, chamada por Prado Jtinior (2004), de centro-sul, onde, a comecar pelo vigor das terras, jo Junior (. ; 4 passando pelo clima — que favoreceu a atragao de ind a nape: on oe ir a mao de obra escrava (por ser menos quente) iciou um mercado consumidor em —até o contexto internacional que prop! Tecantocaipacteaindedo inh expansio para ele, o café se afirma progressi ane (ae — a do século XVIII, como uma alternativa agricola . Seu pl tem um ciclo de auge quando, a partir na bacia do Paraiba (Rio de Janeiro), wulista (de Campinas a Ribeirdo Preto), favo, terior pautista (de Ce eli Acompanha este 1 iticas € qualidade do solo, torna-se 0 centro movimento um deslocamento dy to da produgio que até entio se dava pelo Rio de Janciry de an ade de Sao Paulo um novo poly assa ao Porto de Santos, fazendo da cida -ada vez mais procurado. atrativo, dai por diante eixou também suas ma smica e politica d a8 vg a tal mudanga econdmica e poli ] Se yaa ay ndeiros do café, a tiltinia das trés gran estrutura de classes do pats que tem, nos faz Seats no dizer de Prado Junior (2004) (as demais foram og ‘austo (1997) prefere acen- onhores de engenho e os grandes mineradores). ee Bee dessa classe de produtores de café, especialmen. te os da regido de Sao Paulo, por apresentarem sinais de uma mentalidade compativel com o capitalismo, inclusive do ponto de oan de seus investi- mentos econémicos. Quanto a essa mentalidade capitalista, Furtado (1969, p- 162 e 171) acrescenta, com reservas, que os aumentos de produtividade da economia cafeeira refletiam principalmente as melhoras ocasionais de precos, ocorridas, via de regra, nas altas ciclicas, sendo minimas as melhorias de produtividade fisica logradas diretamente no processo produtivo. [...] A consequéncia pratica dessa situacao era que 0 em- presario estava sempre interessado em aplicar seu novo capital na expansao das plantac6es, ndo se formando nenhum incentivo a melhoria dos métodosde cultivo, Essa mentalidade tera importantes consequéncias, anos depois, uma vez que estard na raiz das crises de superprodugao e da alternativa encon- trada para minimizé-la: a politica de valorizacao do café. De qualquer ma- neira, era claro o deslocamento do eixo de poder para a regiao cafeeira e, nao por acaso, houve tantas revoltas regionalistas, especialmente no nordeste, que expressavam descontentamentos e bandeiras quase sempre relacionadas 4 perda de importancia politica da regio. Observa-se uma relativa concentragio de capitais, acumulados por meio da agricultura, entre as décadas de 1870-1880, segundo Prado Junior (2004) Esta afirmagao é também corroborada por Fausto (1997), que a sinaliza atra- vés dos investimentos crescentes em vias de transporte (especialmente © ferroviario, que implicava ademais, em manufaturas de beneficiamento 40 m fa d d « erro), bancos, comércio ¢. ferro), Mercio e, fundamentalmente, mercado de trabalho assalariado, No inicio da criagao de um Em decorréncia disso houve mM relativo cresciment facilitado com o fim do tr y jas manufaturas ‘Afico escravo e a elevada disponibilidade de mas ntros urbanos, o que revela outro traco da composicao declassés Socials: no perfodo, Nak valavragda Prado Juinior (2004, p. 198) de obra barata nos ce: a populaga margina Mm ocuy aco fixa e meio regular de ‘condmico dominado pel cravos. A populacao livre, mas pobre ma que se teduzia ao bindmio “se nao pudesse ser senhor, era um el vida, era numero- sa, fruto de um sistema e la lavoura trabalhada por es- Hao encontra lugar algum naquele siste- nhor € escravo". Quem nao fosse escravo e lemento desajustado, que ndo se podia entro- sar normalmente no organismo econémico e social do Pais. Isto que ja vinha dos tempos remotos da colonia, resultava em contingentes relativamente gran- des de individuos mais ou menos desocupados, de vida incerta e aleatéria, e que davam nos casos extremos nestes estados patolégicos da vida social: a vadiagem criminosa ¢ a prostituicdo. [..| E seré esta a origem do proletariado industrial brasileiro, o que explicard, no futuro, muito de suas caracteristicas & evolucao. Nao se deve, entretanto, superdimensionar a importancia da manufa- tura no conjunto das caracteristicas econdmicas do Brasil do perfodo, uma vez que tanto as forcas produtivas quanto as relacdes de produgao conspi- ravam contra ela. De um lado, 0 trabalho escravo, ainda predominante, nao permitia a criagao de um mercado amplo e em expansao; de outro, havia o atraso nas condigoes técnicas de produgao. Fausto (1997) indica que a eco- nomia brasileira de exportagao tinha, no café, o seu pea produto, segui- do, muito de longe, pelo agticar e, mais proximo a esse lt) pela borracha — que vinha se afirmando de maneira extrativa, principalmente na regio norte, como atividade econdmica ascendente pela Genenda: europea na fabricagao de diversos produtos industrializados a partir dessa matéria-pri- ma, inclusive pneus para os automéveis. i ~ Apesar de uma melhora consideravel nas ee ae 2s da exportagao do café, o pais nao obteve estabilidade eas sae riodo. Contribuem para isso os custos da ase Sects sce (1865-1870), da qual sairemos vencedores, mas total e eae mentariamente; o crescimento do volume da divida externa, i: ses deles derivado: de novos empréstimos quanto dos juros e amortizago Sa sia da escravidao e suas con. questao do trabalho, que envolve da decadéncia da * sequéncias econdmico-sociais. Vejamos este ultimo aspecto Yin Pouco maig detidamente. avoura do café — que, provisoriamente, se iente regia nordeste — foi se agravando ‘a vidvel a substituigao dessa mao de obra inicialmente, a convi- Aese fez comprando 0s escravos da d até que se afirmasse como alternativ: ; so posto que, pela de imigrantes assalariados. Digo isso posto que : inicialmente alemées e portugueses) nao ez de bragos para ala véncia © escravos e imigrantes (1 de fazendeiros, Ambos eram tratados praticamente da mesma forma, 0 que causou problemas e indisposicdes junto aos imigrantes, na situacao de tra. balhadores livres, Por tudo isso, a necessidade de uniformizar o regime de trabalho assalariado se impés para dar conta da produtividade crescente das lavouras de café, tornando a escravidao algo contraproducente do ponto de vista econémico. Assinale-se, ainda sobre isso, a ilustrativa observacao de Fausto (1997, p. 221): a aboligao da escravatura nao eliminou o problema do negro. A opgao pelo trabalhador imigrante, nas dreas mais dinamicas da economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras areas, resultaram em uma profunda desigualdade social da populacao negra. Fruto em parte do precon- ceito, essa desigualdade acabou por reforcar 0 proprio preconceito contra 0 negro. Sobretudo nas regides de forte imigracao, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime; mas titil quando subserviente. 1889 assinala o fim da monarquia e a proclamacao da Repuiblica no Brasil. E certo que a luta abolicionista e sua repercussao na politica econd- mica tiveram seu papel no desgaste do regime monérquico. Fausto (1997), entretanto, nao considera que este tenha sido o fator principal na corrosao da base social de apoio do Império e sim os atritos com 0 exército e coma burguesia do café paulista. Assim, o republicanismo, que jd tinha adeptos no Brasil desde fins do século XVI, ganha terreno como ideologia de forma de governo entre os mais diversos setores: da burguesia do café paulista a0s militares que © apoiavam (ao republicanismo) inspirados pela ideia de um Executivo forte, que modernizasse 0 pais, Ppassando pela Igreja, que também pretendia maior autonomia diante do Estado, Assim sendo, apesar do levante z 4 mil mo set m ce 2 a por Deodtoro da Fonseca, a Republica nao veio como um S popullares e sim como uma solucéo a descontentamen- \portantes para a economia e a politica no pais. destaca ainda que a escassa integragio territorial do Brasil Sua unidade tenha sido conservada e os investimentos no Porte a tenham impactado — é um fator que marca profunda- nica, funclamentalmente pela inexpressiva presenca do poder nes regides mais distantes do centro econdmico do pais 1889-1930) ica tem inicio no Brasil proclamando, na sua Constituicao @ estrutura de divisaio dos poderes comandada pelo presidencia- previa. em tese, tum equilibrio entre eles. Importante também. de separacao entre Estado e Igreja que, entre outras medidas, se para o Estado atribuigGes historicamente assumidas pela igreja, como confere liberdade de culto religioso com vistas a favorecer cul- ente a adaptacao dos imigrantes. Em seus primeiros anos, principalmente, a Republica traria ainda alguns jos de ordem financeira (provocados pela especulacao e a superpro- sucae do café). Os de ordem politica caracterizaram mais 0 periodo final da chamada Republica Velha, com os acordos e desacordos entre as oligarquias regionais de Sao Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul — que se reveza- no governo central — e os militares, principalmente do Exército, insa- Ssfeittos em relagdo a progressdes na carreira, mas também com a conducao alista da Republica. Do ponto de vista econémico, é um periodo importante para a consoli- dacSo do capitalismo no Brasil, pois sucede a abolicao do trabalho escravo, instituindo, efetivamente, o trabalho assalariado como regime de trabalho no pais. Ao analisar esse processo, Draibe (1985, p. 11) chama a atengao para aclassica definicao das “etapas percorridas pela constituicéo do capitalismo no Brasil, [...] a partir da introdugao do trabalho assalariado: a economia exportadora capitalista, a industrializacdo restringida e, finalmente, a indus ‘vializagao pesada”. Durante a Republica velha, pode-se afirmar a predomi- nancia da economia exportadora, que se constituiu numa fase de transicao, tanceiroinemacional no par don Sow QUE APN! Inblidade. oe sete, os eft do impeilismo fi ef seating ‘er quoi dr blengacomer do pls fii content com ge apie careritca qc, guards ts deren de cones Com nde neal pti ci rir ao dn teats. Fausto (197) alert para fatode que o eo de as ontescredoras slo's Progressvamen tErnesse pero, da Inglaterra para os Estos Unidos (0 dominio estrangeito nas decisis politicas do pais durant Repiblca Vln perceptive! quando anabsames2chamad “plica de ‘alrizagi do café ce sak” implementada,inicialmont; pl oven ocennale depois de 1924, pelos Eatadon provatoes,speilmete Sp ol, ara alvin senses desuperproducto do cate Item 22). Prado Finioe 200) acentunoimprovisn como marca desta pais, 60 ue ‘am nos diz algo sobre a catara predominante a condicio das deve scondmico- polices na histria do pais. A “politica de valonizaio" cons= them poucaspalavras,naeevacio arial do prego daca, aravénda compra de grandes quentidades que tnham o seu ingress raionado tercido,fazendo parecer que havieescases do produto quando, na rer ade, acumulavany se imencos estosues que a partir de 1825, foram sendo ‘tstematicamente destruidon [Na opinigo de Furtado (1985), 0 plano de defesa clsborado pelos ele cultores fora bem cnecbido, masdeinavo entetanto, um lad do problems ‘emaberto, Mantendo-eirmes cs pregos era evidene que os ucrosse mat tinham clevaion.Etambem era bvio que os negicios do cafe continuariam atrativos para os capita que nel se frmavar. Em otras palavras oi vestimentos nesse set $e manteriam em nivel elevedo, proiuzindo wa ‘oferta cada vee maior do produto. Des forma redugio arial da fe" twengendrava a expansio dessa mesma oferta ¢criava um problem: mit pare. futuro, Para ese auto, “teria sido nacessrio que se ofeeceser ‘empresiio outas oportunidades,iguslmente lcrativas, de aplicagto eri mena cn crs a et pheionalment. Coma pol mee de vabrizaghs, pasos cavcaphala pe Emnnte tonne“ tolalment ; impose eter iro enter inanaar2 rete de novon stages nk 90-86 rece rmdsima seria aleangads em 1933 Tanto Prado Jrior 2004) quanto Fats Siocon eee oo ee eee ee pees ee ee oe Se Ee ken Oaoa aa ee cia nomen om arene me aeae a tessa vo naermat p Se at opera scanner oe depois passaram a produzla ea comprarosterencs aguas. Ania no onto eaca também contribu para uma pequera revilsago da rede, a a nee do merle PC ier dec ‘ ‘Assim fica caractorizada que ninbagraio do Brasil an capitalism > temacional consolida-se, nessa fase, reafirmancdo steers (2004), ¢ também por Fausto (1997), como bastante conturbado, tanto econg, mica quanto politicamente Comecemos por onde as coisas pareceram mais tranquilas: 0 reconhe. cimento internacional da independéncia. Esse foi mediado pela Inglaterra, como grande interessada na consolidagao do novo mercado, e a quem o Brag 4 contrair um empréstimo destinado a inde. recorre, pela primeira vez, nizar a Coroa portuguesa pela perda da Col6nia, ponto originario da nogsq impagavel divida externa. Esta foi uma das condigdes impostas por Portugal para reconhecer a independéncia. C ontraditoriamente, apesar de mediadora do reconhecimento da independéncia brasileira, a Inglaterra tardou a fazé-lo extingado do trafico de negros, como formalmente por divergéncias relativas veremos a seguir. Apesar da tranquilidade nesse aspecto, Fausto (1997) sublinha 0 fato de a independéncia nao ter sido um momento pacifico da historia nacional, uma vez que as forgas que o defendiam enfrentaram conflitos militares, especial- mente com as tropas portuguesas presentes no pais desde a vinda da familia real, assim como movimentos de resisténcia autonomistas, como ocorrido no Para, que defendiam a uniao com Portugal. Nada pacifico também é considerar que as elites politicas que ascendem ao poder com a independén- cia tinham uma homogeneidade e um projeto claro para nagao. Pelo contra- rio, como bem o demonstra a criagao dos dois primeiros partidos em 1830 —oconservador e o liberal — as forgas politicas eram movidas por interes- ses econdmicos e vaidades pessoais que continuam dando félego 4 indife- renciagao entre puiblico e privado na politica brasileira. Em relagao as classes sociais, Furtado (1969, p. 103) afirma que nao existindo na colénia uma classe comerciante de importancia — 0 grande comércio era monopdlio da Metrépole — resultava que a dnica classe com expressao era a dos grandes senhores agricolas. Qualquer que fosse a forma como se processasse a independéncia, seria essa classe a que ocuparia o poder, como na verdade ocorreu, particularmente a partir de 1831. (Destaques em negrito meus) ‘pesar das visiveis continuidades que fizeram esta mudanga ocorter sem grandes abalos, alerta o mesmo autor que isso nao pode levar a supoT ‘que nada mudara, uma vez. que teriamos passado da dependéncia portugue_ sa. inglesa, uma das polémicas da historiografia critica. Segundo Furtado, que é mesmo reforgad: ‘ cria-se uma noyg divisdo internacional do trabalho, ade tria moderna, transformando uma parte do planeta em Areas de produc, outra parte primordialmente in da aos principais centros da indi. : predominantemente agricola, destinada a (Marx, 2001, p. 514). Esta posicao vai, a0 mesmo tempo, desenea dustria as contradigdes que o forcardo a mover-se em busca de um alargamento dag F suas bases produtivas diante da crise mundial que se instala em 1929, Iggy ij porque é bvio o refluxo da demanda pelos nossos produtos primatios dy. 1 rante o periodo da crise, ao mesmo tempo em que, também em face da crise, eram dificultadas as importagdes de manufaturados. A partir de ento, pas. sa a ser significativo 0 crescimento da produgdo tanto agricola quanto indus. trial para o mercado interno. Em se tratando da consolidacao da posi¢ao brasileira no mercado mun. dial como um pais agroexportador, é preciso lembrar que a grande proprie. dade agricola e as relacoes de trabalho que se consolidam em seu interior, pautadas na extrema exploracao da forca de trabalho, asseguravam baixos custos para a produgao dos artigos exportaveis. Em decorréncia disso, au- mentam 0s conflitos, especialmente urbanos, entre capital e trabalho no pais ¢€ bastante conhecida a andlise segundo a qual o tratamento oferecido pelos governos da Reptiblica Velha a tais conflitos, como manifestacdes da “ques tao social”, era baseado na maxima: “caso de policia”. Santos (1987) apesar de reconhecer a acao repressiva desse periodo em relacao a questao social, destaca uma certa permissividade na aprovacao de legislagGes, desde que nao alcangassem as relacdes de trabalho no campo. Voltarei a tratar desses temas mais adiante (Cap. 4). Em meio a essas primeiras medidas de regulagao social, muitos mani- festantes estrangeiros foram expulsos do pais e cassou-se, a Partir de entao, 0 direito de expressao, criminalizando qualquer ato que atentasse “contra a organizacao da sociedade”. Nesse espectro é preciso ainda mencionar a fin dagao do Partido Comunista, em 1922, que se autointitulava Tepresentante do proletariado e nascia de uma cisdo do anarcossindicalismo. Este sero ptt meiro partido nacional do Brasil, Posto que o predominio do regionalismo, estimulado pelo federalismo, dificultava a Nacionalizacao dos interesses, organizados até entao em partidos, ligas e grémios politicos de ambito 1 gional (Cerqueira Filho, 1982). Fs ¢ Como se pode facilmente deduzir, as bases sociais de apoio a uma Reptiblica de teor oligarquico, como era 0 caso da Republica brasileira? gas Grier’ 4 rescente processo de urbani adhacso econdmi. a mundial que era paulista ¢ in sucedélo, o ar NO Nas sucessies de lianga formada © por Minas Gerais, com apoio 4 paulista. A candidatur Oposicao a Julio Prestes representava, capitaneada por Getuilio Vargas no Brasil da época, um episédio a parte, posto pelas mais variadas formas de violéncia. Ni do recém-fundado Partido De a dessa alian- (a, que consistiria nur € a08 interesses que ele Perdeu as eleigdes, que sibo, que fraudadas e permeadas jo entanto, antes que o candida mpossado, articulou-se um movimento que além dos seto- res mencionados, compositores da alianca, ganha adesio dos tenentes e de alguns setores populares. Esse movimento entra para a histéria do Brasil como “Revolucao de 1930” e depde o ainda presidente Washington Luis, dando posse a Getilio Vargas. to eleito fosse er Weffort (1978) assinala que estes fatos traduzem o aproveitamento do panorama de crise econémica do café para expressar a insatisfagio crescen- te de setores da burguesia agréria em alianga com a classe média, personifi- cada nos tenentes, mas ndo s6. Havia também profissionais liberais, funcio- nirios puiblicos e toda uma gama populacional, cuja ascensio social estava ligada aos empregos criados com 0 processo de urbanizacio deeorrente da economia agroexportadora e do crescimento da burocracia estatal. Tal insa- tisfagdo jé vinha dando sinais de aparecimento nos movimentos militares de 1922, 1924 e 1926 e reivindicavam uma ampliagio democratica das decisées politicas de cunho elitista das oligarquias cafeeiras. ae Dae compuseram essa alianga ee ere" substitutivo da economia cafe- Ciel 2 “repaiblicaoligaquica” a5
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