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HISTÓRIA DA ARTE ORATÓRIA

Embora este livro tenha como objetivo básico a apresentação de elementos práticos para o
aprendizado da oratória, julgamos importante discorrer algumas linhas sobre a história desta arte,
por causa da influência que recebemos dos estudiosos pertencentes às diferentes épocas e porque
desejamos atender à freqüente curiosidade das pessoas sobre as origens e o desenvolvimento das
técnicas utilizadas para falar.

E impossível precisar quando e como nasceu a oratória. Alguns historiadores exercitaram sua
imaginação e levantaram diferentes hipóteses, entre as quais a de que ela nasceu quando o homem
primitivo desenvolveu a fala para a preservação da vida grupal. Não nos cabe, entretanto, aqui,
polemizar esse assunto; interessa-nos mais abordar a origem e o desenvolvimento da teorização da
arte de falar.

O PRIMEIRO PASSO

A arte oratória, fundamentada em princípios disciplinados de conduta, teve origem na Sicília, no


século V a.C., através do siracusano Corax e seu discípulo Tísias. Existe uma anedota sobre o
aprendizado de Tísias. Quando Corax lhe cobrou as aulas ministradas, Tísias recusou-se a pagar,
alegando que, se fora bem instruído pelo mestre, estava apto a convencê-lo de não cobrar, e, se
este não ficasse convencido, era porque o discípulo ainda não estava devidamente preparado, fato
que o desobrigava de qualquer pagamento.

Eles publicaram um tratado, ou technê, que não chegou aos nossos dias, mas sobre o qual vários
autores se referiram. O próprio Aristóteles atribuiu-lhes o mérito de iniciar a retórica.

Corax escreveu esta obra para orientar os advogados que se propunham a defender as causas das
pessoas que desejavam reaver seus bens e propriedades tomados pelos tiranos. Era um tratado
prático, cujos ensinamentos se restringiam à aplicação nos tribunais. Segundo Corax, o discurso
deveria ser dividido em cinco partes: o exórdio, a narração, a argumentação, a digressão e o epílogo.

OS GREGOS

Foi em Atenas, entretanto, que a arte oratória encontrou campo fértil para o seu desenvolvimento.
Os sofistas foram os primeiros a dominar com facilidade a palavra; entre os objetivos que possuíam
visando a uma completa formação, três eram procurados com maior intensidade: adestrarem-se para
julgar, falar e agir. Os sofistas desenvolviam seu aprendizado na arte de falar, praticando leituras em
público, fazendo comentários sobre os poetas, treinando improvisações e promovendo debates.

Górgias, importante retor grego, transmitiu seus conhecimentos a muitos oradores, e um de seus
discípulos, Isócrates, que viveu de 436 a 338 a.C., implantou a disciplina da retórica no currículo
escolar dos estudantes atenienses. Isócrates ampliou o campo de estudo da oratória, não se
limitando apenas à retórica, pois associou a ela boa parte da filosofia socrática, assimilada na época
em que foi discípulo de Sócrates.

Com todo esse mérito que a História lhe creditou, Isócrates apresenta uma interessante
singularidade: nunca proferiu um só discurso, apenas estudou sua técnica e os escreveu. Isto porque
sua voz era deficiente para a oratória e alimentava pavor incontrolado pela tribuna.
Nesta mesma época, século IV a.C., encontramos outro estudioso da retórica, Anaxímenes de
Lãmpsaco, que apresentou grandes contribuições para a compreensão desta arte, principalmente
quanto a sua divisão. Suas observações levaram-no a classificar a retórica em três gêneros:
deliberativo, demonstrativo e judiciário. Esta classificação foi aproveitada e estruturada
objetivamente por Aristóteles.

Aristóteles, discípulo de Platão, dele recebeu ensinamentos por largo período, cerca de vinte anos.
Platão guardava grande admiração pelo discípulo, tanto que, quando este não compareceu a uma
das reuniões que se faziam na Academia, o mestre afirmou: "A inteligência está ausente".

Nascido em 384 a.C., em Estagira, antiga colônia jônica da Calcídica de Trácia, Aristóteles foi para
Atenas com dezessete anos, a fim de completar seus estudos. Considerado o mais importante
filósofo da Antiguidade, abraçou praticamente todas as matérias, destacando-se como político,
moralista, metafísico, além de ter penetrado com profundidade nos estudos das Ciências Naturais,
da Psicologia e da história da Filosofia.

Os Tópicos, um dos tratados reunidos com os trabalhos lógicos na sua obra Organon, serviu-lhe de
alicerce para escrever a Arte Retórica, composta de três livros, a mais antiga que chegou aos nossos
dias. O livro primeiro contém quinze capítulos e é destinado à compreensão daquele que fala.
Refere-se à linha de argumentação utilizada pelo orador de acordo com a receptividade do ouvinte.
O livro segundo contém vinte e seis capítulos e é destinado à compreensão daquele que ouve.
Refere-se aos aspectos emocionais, e aborda a linha de argumentação sob a ótica do ouvinte. O
livro terceiro contém dezenove capítulos e é destinado à compreensão da mensagem. Refere-se ao
estilo e à disposição das partes do discurso.

A retórica de Aristóteles é uma obra do verossímil, aplicando não aquilo que é, mas aquilo que o
público supõe possível.

Segundo seu pensamento, a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode
ser capaz de gerar a persuasão. Também Aristóteles não foi orador, dedicando-se apenas ao estudo
e ao ensino da oratória, sem proferir discursos.

Outro grego que não possuía o dom da palavra foi Demóstenes, mas ele não se conformou com as
barreiras impostas pela natureza e à custa de muita dedicação eliminou suas deficiências e se
transformou no maior orador que a Grécia conheceu (leia ainda sobre Demóstenes quando
abordarmos uma importante qualidade do orador, a determinação).

Assim tivemos em Demóstenes um aplicador das regras estabelecidas para a arte de falar, iniciada
pela praticidade de Corax, ampliada pela engenhosidade artística de Isócrates, e aprimorada pela
inteligência de Aristóteles, que soube associar a prática do primeiro com a elevação do pensamento
deste último, transformando as duas disciplinas, oratória e retórica, numa arte admirável.

OS ROMANOS

Os romanos sofreram extraordinária influência cultural dos gregos no século II a.C., inclusive na arte
oratória. Houve resistência em diferentes períodos a que isto ocorresse, chegando ao ponto de um
censor, Crasso, decretar o fechamento de todas as escolas que ensinavam a arte de falar. Essa
atitude drástica não arrefeceu o interesse daquele povo, que passara a gostar muito do estudo e da
prática da oratória; assim que Crasso partiu, as escolas foram reabertas e freqüentadas com
entusiasmo.

Cícero foi o maior orador romano. Nascido no ano 106 a.C., preparou-se desde muito cedo para a
arte da palavra. Com apenas dez anos de idade, seu pai o deixou aos cuidados de dois mestres da
arte oratória. Aos quatorze anos iniciou seu aprendizado retórico na escola do retor Plócio e já aos
dezesseis anos abraçou a prática da arte de falar, observando os grandes oradores da sua época,
que se defrontavam nas assembléias do fórum. Sua produção literária sobre a oratória foi
abundante, destacando-se: De Oratore, obra em três livros em forma de diálogo, onde define o
orador e faz uma revisão da retórica tradicional; Orator, páginas destinadas a determinar uma
espécie de perfil do orador ideal; Brutus, um diálogo sobre a história da arte oratória e dos oradores
de Roma; Oratoriae Partitiones, uma obra didática que cuida da divisão sistemática e da
classificação da retórica e aborda a invenção, que é a ação de achar argumentos e razões para
convencer e persuadir; Tópicos, escrito sem consultas, de memória, no prazo de oito dias, durante
uma viagem que fez à Grécia. Trata-se de uma compilação dos Tópicos de Aristóteles.

Embora considerado um orador perfeito, escritor admirável, e dotado de inteligência invejável, Cícero
foi um homem sem caráter, arrogante, vaidoso e prepotente. Na política não se valia de escrúpulos
para estar ao lado do partido mais forte e mudava de ideal sempre que vislumbrava maior glória e
poder. O mais destacado orador latino da História teve morte horrível. Perseguido pelos homens de
Marco Antonio, foi morto e depois degolado. A mão direita e a cabeça ficaram expostas no fórum
romano e sua língua foi espetada e exibida ao povo.

Depois de Cícero, merece atenção especial na história da Arte Oratória romana Quintiliano. Nascido
na metade do primeiro século da nossa era, na Espanha, foi para Roma logo nos primeiros anos de
vida para estudar oratória. Seu pai e seu avô foram retores e o pai lhe ministrou as primeiras aulas
de retórica.

Quintiliano teve o grande mérito de reunir em sua obra, Instituições Oratórias, todo o conhecimento
desenvolvido pelos autores que viveram até sua época. Composta de doze livros, esta grande fonte
da oratória desenvolve a educação do orador desde a sua infância, dentro de um programa
detalhado para a formação pedagógica. O livro I trata da educação inicial a cargo do gramático e, em
seguida, do retor. O livro II cuida da definição da retórica e expõe sua utilidade. Os livros de III a VII
abordam os itens da invenção ou descoberta, e da disposição ou composição. Os livros de VIII a X,
da elocução ou enunciação. O livro XI trata da realização do discurso e focaliza os elementos
referentes à memória. Finalmente o livro XII orienta o orador na aquisição de cultura geral e
apresenta as qualidades morais exigidas daquele que se propõe a falar.

A partir de Quintiliano poucas obras de importância relevante foram apresentadas. Os autores


procuraram quase sempre orientar-se nas observações estabelecidas nos doze livros das
Instituições Oratórias e nos estudos anteriores. Os que procuraram ingressar em caminhos
diferentes daqueles percorridos pelos grandes mestres praticamente nada acrescentaram.

A ORATÓRIA NOS DIAS ATUAIS


Enganam-se aqueles que imaginam a extinção do estudo da oratória nos dias atuais. O que houve,
na verdade, foi uma grande transformação nas exigências dos ouvintes e conseqüentemente na
orientação do ensino da arte de falar. O auditório de hoje solicita uma fala mais natural e objetiva,
sem os adornos de linguagem e a rigidez da técnica empregada até o princípio do século. O uso da
palavra falada deixou de ser um privilégio dos religiosos, políticos e advogados, e alastrou-se para
todos os setores de atividades. Os empresários, executivos, técnicos, profissionais liberais
necessitam cada vez mais da boa comunicação. Todos precisam falar bem para enfrentar as mais
diferentes situações: comandar subordinados, dirigir ou participar de reuniões, apresentar relatórios,
presidir solenidades, vender ou apresentar produtos e serviços, negociar com grevistas e líderes
sindicais, dar entrevistas para emissoras de rádio e televisão, fazer palestras, ministrar cursos, fazer
e agradecer homenagens, desenvolver contatos sociais, representar a empresa, o clube ou entidade
a que pertence, nos mais diversos acontecimentos.

O aprendizado dessa antiga arte conta hoje com extraordinários recursos que facilitam a assimilação
e a prática das técnicas. Os modernos microfones dispensam o excesso de intensidade da voz dos
oradores, permitindo que se apresentem de maneira espontânea, sem exageros. Os aparelhos de
videoteipe permitem a visualização instantânea dos treinamentos, possibilitando a rápida correção
das distorções da fala e da imperfeição da postura e da gesticulação.

Muito mais do que em formar oradores profissionais, os cursos atuais se aplicam em formar
profissionais oradores, isto é, pessoas que possam expressar pela palavra seu conhecimento, de
maneira correta e segura. Esta linha de ensino, mais liberada, não exclui a contribuição dos antigos
retores, apenas promove uma adaptação ao gosto da platéia moderna, que deseja um orador que
converse com o ouvinte em vez de um orador que fale para ele. Este tem sido, modestamente, o
nosso trabalho, e esperamos cumpri-lo bem para melhorar o entendimento entre as pessoas e torná-
las mais aptas e felizes.

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