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5/26/2020 Indígenas guarani protestam contra construção de condomíno no Jaraguá

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Agência de Jornalismo Investigativo

ENTREVISTA

“Será um monte de brancos olhando para nós


de cima de prédio”, protesta liderança
Guarani do Jaraguá
Derrubada de 500 árvores pela Construtora Tenda levou a ocupação da
área por indígenas que fazem fronteira com a futura obra; liminar de juíza
pode levar a despejo a qualquer momento

7 de fevereiro de 2020 Julia Dolce, Rafael Oliveira


17:17

Cerca de 300 metros separam o novo empreendimento imobiliário da construtora


Tenda S.A da aldeia Tekoa Pyau, que faz parte da menor Terra Indígena do Brasil,
localizada próxima ao Pico do Jaraguá, na capital paulista. Em outro ponto do
empreendimento, o território dos Guarani Mbya faz fronteira direta com a área
onde a empresa pretende construir um condomínio de seis prédios para cerca de
800 moradores, e onde derrubou pelo menos 500 árvores no dia 30 de janeiro.

Os Guarani Mbya alegam que a Tenda S.A não realizou nenhum estudo de impacto
socioambiental do empreendimento na comunidade indígena de sete aldeias e
cerca de 500 moradores, o que contraria um decreto do Ibama. Em protesto, os

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indígenas
 ocupam a área comprada pela empresa — que obteve na justiça liminar
para a reintegração de posse que pode ocorrer a qualquer momento.

“Nós já avaliamos que vai ser um impacto definitivo, vai colocar em risco, significar
a extinção de um dos nossos núcleos, do nosso modo de vida tradicional. Não
existe compensação para isso, você vai acabar com famílias, com a nossa
ancestralidade”, afirma Thiago Henrique Karai Jekupe, líder guarani no Jaraguá.

Na liminar de reintegração, a juíza questiona o objetivo inicial da ocupação, que de


acordo com os indígenas, seria a realização de uma cerimônia fúnebre em
homenagem à natureza destruída e a vivência do luto da comunidade diante do
acontecimento. “Há de se considerar que já houve tempo mais do que suficiente
para a realização da cerimônia”, afirma a magistrada.

De acordo com Thiago Jekupe, o luto Guarani Mbya dura tempos indeterminados,
seguindo orientações espirituais e outros sinais vindos do próprio meio ambiente.
“Nós viemos rezar por diversas árvores caídas. Observamos a lua, o tempo de
chuva, são questões tradicionais nossas”, defende o indígena.

Em sua ação de reintegração de posse, a Tenda S.A afirma que a derrubada das
árvores foi aprovada pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Cidade de
São Paulo (SVMA) e que representa um “baixo impacto ambiental”, e portanto não
estaria sujeita a licenciamento ambiental.

A área de mais de 8 mil metros quadrados adquirida pela Tenda S.A está
abandonada há cerca de 15 anos. A Tenda S.A respondeu, em nota, ter adotado
todos os procedimentos necessários para a legalização do empreendimento. Para
os guarani, no entanto, a empresa está se embasando na legislação municipal e
estadual de São Paulo, e ignorando as leis federais que protegem os direitos
indígenas.

Após uma reunião no Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) na última
quinta-feira, os guarani alegaram que há representantes da Tenda e da Prefeitura
Municipal de São Paulo que não entrarão em nenhum acordo com a empresa, que,
segundo as lideranças Guarani, chegou a considerar abrir mão de até 50% da área
adquirida.
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Para os indígenas a única possibilidade que visualizam para a empresa, além de


um contrato com a Prefeitura para a transferência do condomínio para outra
região, seria o que consideram o cumprimento da legislação, por meio da
realização de um relatório de impacto socioambiental.

O povo Guarani Mbya tomou conhecimento da obra apenas no final de dezembro e


alegam que a Tenda S.A descumpriu a lei ao tentar negociar diretamente com eles
medidas compensatórias para o impacto social. De acordo com Thiago Jekupe, a
empresa tentou trocar a aceitação dos indígenas por regalias como um patrocínio
para um time de futebol indígena feminino. Caso a Tenda S.A não garanta a
realização do estudo de impacto, os guarani pretendem judicializar uma denúncia
contra a empresa.

Reprodução

Mapa disponibilizado na ação de reintegração de posse da Tenda S.A

Jekupe afirmou ainda que durante a reunião a Funai negou ter autorizado a obra,
como escrito na ação de reintegração de posse, e afirma apenas ter sido consultada
sobre a localização do terreno em relação à T.I Jaraguá.

Também a Defensoria Pública da União (DPU) pediu a federalização do conflito


nesta quarta-feira (5). No documento, o defensor público João Paulo Dorini requer
a revogação da liminar pela reintegração de posse da Tenda S.A, garantida pela
juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Maria Cláudia Bedotti.

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No
 final da reunião do MPF, o procurador Matheus Baraldi Magnani afirmou que
vai pedir pronunciamento formal do Ibama sobre a necessidade do estudo de
impacto socioambiental antes de tomar qualquer decisão.
Julia
Dolce/Agência
Pública

Thiago Jekupe repassa informações da reunião com o MPF em assembleia com os demais indígenas
e apoiadores da ocupação

Em assembleia realizada no final da tarde, as lideranças guarani mbya repassaram


as informações para todos os indígenas e apoiadores que formam a ocupação,
dormindo sob barracas de lona entre os troncos cortados. Os indígenas decidiram
que caso a reintegração de posse aconteça, não irão resistir na ocupação, para não
colocar em risco as dezenas de crianças guarani que circulam livremente pelo
acampamento.

Independentemente do cumprimento do despejo, a continuação da construção do


condomínio está embargada pela Prefeitura até a próxima terça-feira, dia 11 de
fevereiro. A seguir, os principais trechos da entrevista com Thiago Jekupe.

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Thiago Henrique Karai Jekupe, liderança Guarani Mbya

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Na
 reunião com o MPF as lideranças guarani mencionaram terem duas 
propostas para a Tenda S.A: o estudo de impacto socioambiental e a
negociação com a Prefeitura para a transposição da obra. Vocês
acreditam que a Tenda S.A aceitaria a opção de realizar o estudo?

A Tenda negou, lá na frente do procurador, que tinha mandado funcionários na


aldeia para tentar fazer qualquer tentativa de corrupção com a comunidade. Mas
nós gravamos todas as visitas dos funcionários da Tenda na comunidade para
tentar fazer algum tipo de negociação. E esse desespero deles, tanto de negociar
antes, como de tentar fazer algum tipo de negócio com a comunidade indígena
agora, mostra que eles estão errados, sim, e sabem que têm que respeitar a
legislação federal.

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Na
 verdade, se forem fazer um estudo hoje, conforme a lei manda, a comunidade 
iria participar, para avaliarmos o impacto da obra na comunidade. Nós já
avaliamos que vai ter um impacto definitivo, vai nos colocar em risco, significar a
extinção de um dos nossos núcleos, do nosso modo de vida tradicional. Não existe
compensação para isso, você vai acabar com famílias, com a ancestralidade.

Você diz que eles fizeram uma conversa corrupta, por que isso? Por
que passaria por cima do estudo ambiental?

Porque isso é crime, a legislação é clara: eles têm que fazer o estudo de impacto. Se
fosse para tentarem qualquer tipo de negociação, eles teriam que acionar o
Ministério Público e a Funai e fazer esse trabalho junto a eles. Nós poderíamos,
sim, ter uma tentativa de acordo, mas tem que ser legítimo, não pode
simplesmente a empresa tentar fazer a comunidade aceitar um crime ambiental.
Quando vieram falar com a gente disseram que seriam 4 mil árvores “isoladas”
derrubadas, falaram que seriam cinco torres construídas, falaram que não tinham
animais silvestres, que tinham todas as licenças e que tinham uma autorização da
Funai. Eles bateram o pé nisso e a gente tem prova que falaram. E agora eles
negam, porque a Funai cobrou eles. Hoje isso caiu por terra, porque a Funai exigiu
do MPF e da Tenda que ela não use mais esse argumento, porque o que eles têm é
o mapa que pediram à Funai para ver se a área fazia parte da TI.
Julia
Dolce/Agência
Pública

Após derrubada das árvores, comunidade Guarani Mbya realizou o plantio de mudas na área
adquirida pela Tenda S.A

Então, na prática, vocês estão colocando apenas a opção da negociação


com a Prefeitura para a Tenda construir em outro lugar?

É o que é mais viável para a Tenda fazer. Se quiserem seguir os trâmites legais
agora, o que seria necessário, o embasamento legal que tem que ser feito, não tem
como nós fugirmos disso, se a legislação for cumprida, nós teremos que respeitar.

O mais viável para eles é conseguir outro terreno, com a Prefeitura. Se não querem
fazer isso, vamos continuar lutando para que a legislação seja colocada em prática,
e se tentarem forçar a barra se abraçando nas leis municipais e estaduais, podemos

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judicializar
 essa situação e levar para frente na justiça. 
Julia
Dolce/Agência
Pública

Cerca de 500 árvores foram derrubadas em um dia pela Tenda S.A

Caso a Prefeitura acorde com a empresa a transferência da obra para


outro terreno, o que vocês gostariam que fosse feito com esta área?

Um parque, um centro ecológico para se fazer bioconstrução, agrofloresta,


permacultura, tudo que envolve a questão ambiental. Mas queremos que a
Prefeitura também cumpra com a palavra dela que é de fazer um memorial
indígena [acordo feito em reunião entre lideranças Guarani e o prefeito Bruno
Covas em março de 2019] e estamos pensando que ele pode ser feito aqui. A
intenção é que aqui seja um parque ecológico para a população.

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 

Crianças Guarani Mbya percorrem livremente a ocupação na área comprada pela Tenda S.A, e estão em r

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E
 sobre a situação do despejo? O que vocês discutiram com a Tenda? 

Quando estávamos saindo a diretora da Tenda estava lá com o advogado deles. Eu


disse que estamos em luto ainda, e que nosso luto acaba no próximo sábado [15 de
fevereiro]. Então eu disse que nós íamos permanecer aqui e essa reintegração de
posse traz um risco à nossa comunidade. A integridade física das nossas crianças
está em risco, e não existe nenhuma possibilidade de diálogo com a Tenda quando
eles colocam a gente em risco. O mais viável, o mais correto, seria a Tenda retirar
essa reintegração. Mas se não quiserem, nossos advogados também estão entrando
com procurações para derrubar essa liminar, porque ela é totalmente arbitrária.

Pode explicar mais sobre o processo e significado desse luto?

Que o nosso luto termina no outro sábado, isso é certo. Porém, a decisão de sair
vem em coletivo e por uma decisão espiritual também, a gente vai fazer uma última
reza e o Xeramõí (guia espiritual) vai receber dos Tupã Kuery, do nosso Deus (em
todas suas evoluções), o que a gente deve fazer a partir desse momento. É um luto
tradicional. Nós viemos para rezar por diversas árvores caídas.

Indígenas Guarani-Mbya ficaram


sabendo do empreendimento da
Tenda por meio da placa da Empresa promete construção de
empresa no terreno vizinho a Terra moradias para classes de menor
Indígena renda

Quais seriam os impactos diretos da construção desse condomínio


para vocês, tendo em conta a dificuldade que já existe em se manter a
cultura e a tradição nessa proximidade com São Paulo e com os
brancos?

Algumas crianças já passam a não falar mais a língua guarani, isso vai acontecendo
aos poucos, e isso com a especulação imobiliária afastada da gente. Agora imagina
mais de 300 apartamentos grudados na nossa aldeia, um monte de brancos
olhando para nós de cima de prédios, 24 horas, o trânsito de pessoas, o contato que
vamos ter, porque serão nossos vizinhos. Como eles vão nos tratar? No próprio

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Facebook
 já tem pessoas que nos tratam com racismo muito grande depois desse 
acampamento, falando absurdos para a gente. Não tem como a gente aceitar.
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