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JOSÉ PAULO Aula 2 07.09.

2002

... ressalvando que nas mais de seis décadas em que ele produziu, ele se
transformou. Mas há um grande corte na sua produção que é aquele assinalado em 1918
pela sua adesão ao comunismo ao qual ele permaneceu absolutamente fiel até a sua
morte.
Para nossos efeitos vamos nos deter hoje naquele que é chamado de ÚLTIMO
LUKÁCS (...) Estamos pensando no Lukács de pós 1956, ou seja, do Lukács que
retorna do exílio na seqüência da Insurreição Húngara de setembro/outubro/novemtro de
1956.
Lukács retorna em 1957. Tem uma posição que eu tentei sinalizar aqui com a
expressão latina otium cum dignitatem . Ou seja, dado o seu renome internacional, o
núcleo do Governo Húngaro, dirigido por Iarroka faz com ele um acordo: você pode
voltar, não há nenhum ônus pela sua participação nos eventos de 56, mas em
compensação você não vai ter nenhuma atividade pública.
Quero insistir que nesse retorno de L. continua de pé a opção original dele. Ele
poderia ter tranqüilamente arrumado as malas e ter ido para o Ocidente; ele poderia ter
“preferido a !liberdade” (atenção para as aspas). Toda a .......... onde ele .......... até sua
morte. E, é claro, num primeiro momento ele negociou admitindo não intervir
publicamente. Mas logo que há a chamada “normalização da Hungria” ele começa a ter
intervenção pública e conquista a sua inserção no Partido. O pedido ocorre formalmente
em 1969 (...) Ele morre nas fileiras do PC da Hungria.
É esse o lugar a que se chama o ÚLTIMO LUKACS. Ele vai viver 15 anos depois da
Insurreição Húngara. Serão anos extremamente produtivos. Independentemente de
pequenos ensaios, pequenos textos, sobretudo um trabalho muito grande na reedição de
sua obra. É a partir de 1960 que uma editora alemã da Alemanha Ocidental, começa um
projeto de edição da sua obra completa, inclusive a sua obra de juventude. Então ele se
dedica a recolher esse material, a escrever novos Prefácios, novas apresentações. Ele
não se furta ao debate político nos anos 60. Ele vai escrever toda uma série de textos
políticos em 61. Por exemplo: na Itália se publica um material extremamente
importante chamado CARTAS AO STALINISMO. Numa entrevista que ele dá ao
editor de um periódico italiano é onde elabora sua primeira interpretação do stalinismo,
depois da chamada denúncia do “culto da personalidade”. Esse é um momento profícuo
na vida de L. Mas não há dúvida de que ele se vai dedicar desde então a um projeto
central, que é o projeto da ESTÉTICA, ao qual nos referidos antes. Lembremo-nos dele
lá em 1913, em Heidelberg. Ele estava no projeto de uma ESTÉTICA. Ele chegou a
produzir muito, perdeu esses materiais que foram publicados pos mortem com o título
de ESTÉTICA DE HEIDELBERG. Aqui no pós 56 ele resolveu sistematizar as suas
idéias acerca da Estética.
Foi dito antes que ele programou uma ESTÉTICA em três partes, sendo que ele
preparou e publicou ... apenas a ESTÉTICA I. Porque ele não foi adiante ? Também
sinalizei anteriormente que ele estava preocupado com a elaboração simultânea de uma
ÉTICA sistemática. E para enfrentar os problemas da ÉTICA ele se viu compelido a
tratar da ONTOLOGIA e aí abandonou a ÉSTÉTICA e se dedicou à ONTOLOGIA.
Enfatize-se o passo que ele dá: da sistematização da ESTÉTICA ele visualiza a ÉTICA
e é isso que vai leva-lo à ONTOLOGIA. De se notar que a Estética não é uma
preocupação nova de L. Ela está escrita no coração mesmo do seu universo, do seu
horizonte intelectual pré-marxista. Antes de 1918 ele já tinha jogado todas as suas fichas
lá em Heidelberg na elaboração de uma ESTÉTICA. Depois de 1918 ele vai continuar
vinculado à análise do fenômeno estético.
Lembro que o refluxo político de Lukács depois de 1920, quando as TESES DE
BLUM são derrotadas no Congresso do Partido Húngaro, onde Lukács se refugia ? Nos
estudos literários, na crítica literária, ou seja, a Estética, além de ser uma antiga
preocupação, ......... vinculado à crítica literária da qual ele nunca se afastou depois de
1929. A partir do momento em que ele é compelido a fazer autocrítica, após a derrota
das Teses de Blum, ele não se vai afastar nunca da crítica literária. De fato, o essencial
de sua produção de 30 em diante é a crítica literária. Mas (atenção !) aqui o trabalho
dele é fundamentalmente ensaístico. Não foi por acaso que quando eu mencionava
obras do período pré-marxista – A TEORIA DO ROMANCE, A ALMA E AS
FORMAS como uma espécie de intersecção entre arte, ciência e filosofia.
Lukács foi fundamentalmente um grande ensaísta no domínio da crítica literária. Ele foi
antes de tudo um prolífero ensaísta, salvo um momento da sua trajetória posterior a
1918. Trata-se de um livro sistemático. Não se trata de uma reunião de ensaios. Trata-
se de uma obra intitulada O ROMANCE HISTÓRICO. Esse é um texto sistemático,
não é um conjunto de ensaios. De se notar que esta é uma exceção no conjunto da
produção estético-literária de Lukács.
Recordem-se que a plataforma política que Lukács defendia no Partido Húngaro em
1928 não era a plataforma política que estava sendo implementada pela política da III
Internacional naquele momento. Naquele momento a III Internacional estava
implementando a estratégia e a tática da chamada “classe contra classe”, segundo a qual
não havia a menor possibilidade de acordo entre os comunistas e os social-democratas
na luta contra o fascismo.Os ........ da III Internacional pensavam os social-democratas
como social-fascistas ou social-imperialistas, numa divisão que evidentemente não é
apenas responsabilidade dos comunistas mas também responsabilidade das lideranças
social-democratas, numa divisão de forças que enfraqueceu o campo democrático e
facilitou a chegada, na Alemanha, de Hitler ao poder.
L. defendia para a Hungria uma plataforma revolucionária que não era a ditadura do
proletariado. Era o que ele chamava, sob o nome de guerra de Blum, de ditadura
democrática de operários e camponeses. Chamei a atenção de vocês para uma ironia da
História. È que Lukács, marginalizado e derrotado em 28/29, estava antecipando a
concepção tático-política que ia ser adotada pela III Internacional no seu VII Congresso,
em 1935, quando já instaurado o fascismo na Alemanha, sob a inspiração de Dmitrov, o
grande revolucionário búlgaro é quem propõe a tese das Frentes Populares.
Lukács, quando reflui em 30, ainda que fazendo autocrítica de suas posições teóricas e
políticas, ele vai trabalhar a literatura, vai fazer a crítica literária ... Boa parte dos
ensaios literários de Lukács do período que vai de 30 a 40 é a continuação de sua
proposta de frente ampla anti-fascista no domínio da literatura, enquanto a esquerda,
especialmente a esquerda terceirista, a esquerda da Internacional Comunista via os
autores democratas burgueses como inimigos.
Lukács insistia em que nesse campo havia um enorme potencial de resistência ao
Nazismo e ao Fascismo. Alguns autores (lembro especificamente de ........) sustentam
que as teses de Lukács no âmbito da literatura são a transposição para a literatura da sua
política de frente popular ou de frente única anti-fascista.
Onde é que se percebe isso claramente ? Justamente naquela obra mencionada – O
ROMANCE HISTÓRICO, onde ele está interessado em investigar a emergência do
romance como gênero, aliás, velha preocupação dele. Lembrem-se de que antes eu
assinalei que o jovem Lukács compreendia o romance como a forma moderna da
Epopéia do mundo burguês, enquanto a Epopéia foi o romance do mundo clássico.
Lukács está interessado em precisar agora o nascimento do romance como gênero. Uma
parte desse livro é uma sofisticadíssima análise estético-crítica do surgimento do
romance. Mas ele vai-se dedicar especialmente a uma forma de romance – o romance
histórico, que surge na Inglaterra na transição do século XVIII para o século XIX. E ele
vai privilegiar, especialmente, a obra de Walter Scott. Há ali uma preocupação
imanentemente estético-literária. Lukács não se está valendo da literatura e da arte para
fazer política, mas informa essa tematização uma clara visão política. E porquê ?
Porque no limite ele vai valorizar a obra de Thomas Mann, vai valorizar todo o ciclo de
José no Egito, que é uma tetralogia monumental elaborada por Thomas Mann.
A cabeça de Lukács estava funcionando da seguinte maneira: a cultura do comunismo
não pode ser uma ruptura pura e simples com a cultura do passado da humanidade. A
cultura do comunismo significa a continuidade com as grandes tradições que a
humanidade produziu. Nesse sentido O Romance Histórico é uma obra que escapa ao
conjunto do ensaísmo lukásciano, não é apenas um conjunto de ensaios (a produção pós
30, como foi dito, é marcada pela produção de ensaios). É muito mais do que isso, é
uma obra onde ele elabora uma teoria dos gêneros literários, com ênfase específica no
romance.
Ele vai continuar isso até os anos 50 (Eu vou me poupar aqui de assinalar alguns dos
textos de crítica literária de Lukács. Eles são inúmeros. Perpassam desde o classicismo
alemão – onde ele se dedica ao estudo de Sheller, até o estudo de Goeth, ele atravessa a
cultura alemã. Em 45 ele reúne vários ensaios num volume intitulado PRÉ HISTÓRIA
DA LITERATURA ALEMÃ. Ele está com o olhar lá na cultura francesa, onde ele
valoriza amplamente a figura de Balzac, que para ele é um grande representante do
realismo do século XIX. Mas ele está de olho também em Stendall, ele presta uma
atenção bastante pertinente ao romance russo. Lembrem-se de que Dostoievsky já
estava no horizonte lá na TEORIA DO ROMANCE. Ele agora vai se dedicar ao estudo
de ............. de Dostoiewsky, ou seja, esse ensaísmo lukasciano vai continuar
subsidiando aquela antiga preocupação com uma estética sistemática, vai dar a ele um
contacto com a obra de arte, fundamentalmente com a literatura.
Dois pontos são importantes se se avalia esse percurso lukasciano. É que nesse
ensaísmo para além da crítica de obras particulares há em L uma contínua pesquisa
estética, ou seja, desde os tempos de Heidelberg, onde ele se propunha a elaborar uma
estética, ele trabalhou os os pirncipais pensadores do Ocidente para localizar o seu
pensamento estético ou o ........ eles traziam como fundamento para uma estética. Não
há, por exemplo, num pensador como Rousseau uma estética, mas há na obra dele
fundamentos para uma estética. L trabalhou toda a cultura ocidental.
Enfatize-se mais que ele pesquisou inclusive o pensamento medieval. E
vasculhoua da Grécia clássica até 0 900, até a entrada do nono século, seja no âmbito da
filosofia do .... – ele foi até Aristóteles, passou pela Poética, claro, se deliciou no Hegel
– porque este tem uma estética sistemática, mas ele também ....... dos marxistas que o
precederam, e dos marxistas seus contemporâneos porque estavam discutindo arte.
Insisto nisso porque ao contrário de todo um conjunto de marxistas de setores ......
propostas estéticas em L, esse é o resultado de uma pesquisa específica ....
Em 53 um importante filósofo francês – Henri Lefebvre escreveu um livro
intitulado CONTRIBUIÇÃO Á ESTÉTICA. Ele não tem uma formação específica para
o debate estético, é um livro extremamente interessante mas muito pobre do ponto de
vista do adensamento do seu julgamento.
Outro exemplo é daquele que tenha sido, talvez, o mais brilhante ensaísta
marxista inglês – Cristophe ........., autor de uma obra-prima intitulada ILUSÃO E
REALIDADE, uma das grandes obras da Estética marxista. Ele morreu aos 37 anos, foi
uma das figuras mais fantásticas da tradição marxista, .,ele .... nasceu Cristoph Saint
Jonnnes, não tinha curso de nada. Aos 16 anos se apaixonou por mecânica de aviões e
começou a estudar em 1916 mecânica de aviões. Escreveu obras sem qualquer
relevância científica (era mecânico). Depois ele se apaixonou por novelas policiais,
escreveu dois ou e livros. Já estava com 22 anos quando descobriu/conheceu Marx.
Estava na Inglaterra, onde o impacto das novas idéias da física era muito grande. Ele
escreveu um livro sobre física. Começou a estudar a literatura inglesa, tornou-se então
crítico literário. Há no Brasil uma pequena coletânea dos seus textos que foram
traduzidos por volta dos anos 6-/70, pela Saraiva. Até que em 1933 ele publica o livro
ILUSÃO E REALIDADE, onde procura saber o que é a poesia. Faz uma análise da
poesia inglesa a partir de uma ótica marxiata. Em 36 arrebenta aquilo que é a pré-
apresentação da II Guerra Mundial – a Guerra Civil Espanhola. Ele vai para a Espanha
como voluntário e antes de completar 37 anos morre na batalha de ........ É uma pessoa
que vem de camadas trabalhadoras que rapidamente se desenvolve do ponto de vista
intelectual, escreve dois ou três livros no domínio da Estética extremamente
significativos e morre no tranco contra Franco, nas Brigadas Internacionais. .
Lukács viaja não apenas pela grande filosofia mas viaja também pela tradição marxista.
Especialmente ele vai reler o jovem Marx. Recordem-se do encontro dele com .........
em 1930/31 em Moscou, quando ele vai ler os textos de Marx até então inéditos. Os
MANUSCRITOS e a IDEOLOGIA ALEMÃ. Ele vai lá no jovem Marx e vai sustentar,
desde então, uma tese fundamental. É que em Marx não há uma Estética, mas há os
fundamentos para a construção de uma Estética sistemática. Ele já defende essa tese
desde o princípio dos anos 30. É claro que o último L vai tentar dar uma forma orgânica
a essa tese.
A segunda observação fundamental a ser feita ........ da crítica literária de L é a polêmica
sobre ESTILO e ESCOLA. Tentarei mostrar a importância de L a partir de algo bem
banal, a partir da nossa formação. Quem teve uma boa formação de segundo grau, .......,
com o desdobramento das nossas Faculdades de Letras, aprendemos que a arte ocidental
se desenvolveu através de uma sucessão de Escolas ou de Movimentos. Quando a gente
tinha um bom professor ele relacionava a sucessão dessas Escolas e Movimentos ao
quadro social, ao elemento histórico e político etc.. Então se aprendia que na transição
do século XVIII para o XIX, de alguma maneira ....... a revolução burguesa ......, surge
uma escola como movimento, que é o Movimento Romântico. O que eu mencionei, o
individualismo ....... o próprio do Romantismo, é o caráter egocentrado do autor, são as
tendências subjetivistas, é o culto da originalidade, etc., o Romantismo, e depois do
Romantismo, o Realismo, e adiante o exagero do realismo, uma extremização dele, o
Naturalismo. Depois tudo isso explode nos movimentos vanguardistas da passagem do
século XIX para o século XX . É isso que está aí nos manuais. E é uma coisa
complicada porque indaga-se: onde está o limite entre o Realismo e o Naturalismo ?
Na literatura brasileira Aluisio de Azevedo é um naturalista ? E Júlio Ribeiro ? Qual é a
fronteira entre um e outro ? (o professor refere-se então ao polêmico romance A
CARNE). Mais grave que isso: Machado é um realista, mas quando eu penso em seu
contemporânco, Eça de Queiroz, este é um naturalista ou um realista ? Esse é um
problema insolúvel ......
Lukács corta esse nó distinguindo ESTILO e ESCOLA ...... Escola é um problema
menor da crítica, é uma fraseologia de natureza histórico-política. Para ele o problema
não está aí. Ele vai distinguir na história da literatura ocidental o escolo como o
MÉTODO de oposição (ou exposição ??). Dirá Lukács: cada grande autor encontra
suas própria soluções estilísticas, não há receita, modelo, ........ de estilos, em cada
época, ou se se quiser, em cada escola, os grandes autores encontram as soluções
estilísticas e quanto mais adequadas, mais ímpares .......... composição quando tem por
objetivo, independentemente da solução estilística, descrever a realidade, da Grécia até
hoje, uma polêmica central na construção da arte foi protagonizada por aqueles que
tinham ......... descrever o real. Diz Lukács que independentemente da solução estilística
ou da época histórica, até porque a descrição varia historicamente. Quem quer
descrever o século XIX descreve diferente daquele que vai para o século XX. Dirá L:
aqueles autores que querem descrever a realidade, o resultado estético a que eles
chegam é o Naturalismo. É a arte natural.
Há uma concepção metodológica na arte que é da descrição que leva ao
naturalismo. Lukács dirá: o quanto esse autor nos quer dar ? Ele nos quer dar uma
média da realidade, uma representação estatística da realidade, ele nos quer dar uma
representação da realidade pela arte que se aproxime o mais possível daquilo que é a
realidade empírica (menção ao livro e filme GERMINAL – Zola). Lukács entendia isso
como uma arte degradada e inferior. Dizia que cabia ao grande artista não tomar a
realidade como uma média estatística, não tomar a realidade e representá-la tal qual ela
é. Para L o importante não era descrever, era narrar o resultado do método compositivo
próprio da narração. É o que ele chama de ARTE REALISTA.
Notem que o Naturalismo e o Realismo em L nada tem a ver com a tradição dos
nossos livros de História e Crítica Literárias que situam o Naturalismo e o Realismo na
segunda metade do século XIX. Para Lukács Homero é um realista. Shakespeare é um
realista. Lukács dir´q que quem tem alguma abordagem séria do método em Marx vai
descobrir qual é a fonte do nosso L. Ele dirá: o grande autor é aquele que não trabalha
com a descrição, que não pretende refigurar a realidade tal como ela é empiricamente
mas que é capaz de apreender as tendências do movimento histórico e configura-los
com personagens que não são a média. O tipo é um tipo que não se encontra na vida,
não é encontrável na rua, não se parece com ninguém, mas é a expressão intensificada
porque é uma tendência levada ao limite de um tipo humano qualquer. O professor
menciona o Bentinho de Machado e diz: na vida não conhecemos ninguém igual a
Bentinho. A grandeza de Machado é que ele não descreveu para nós um ciumento, um
egocêntrico, um egoísta tal como aqueles que nós conhecemos. Para isso não é preciso
arte, basta fotografia. O que ele fez foi concentrar em Bentinho todas as tendências
constitutivas de um momento da história brasileira .......... Qual a profissão de
Bentinho ? Ele não trabalho. É um rentista, um grande parasita. O que Machado está
fazendo é reunir num tipo que não é a média o extremo dos limites de uma determinada
situação histórica. Tomemos agora Balzac. Eugenie Ramet era um sujeito
extremamente miserável,sovina, (o armário de cozinha dele tinha um cadeado). Nunca
ninguém viu um sovina dessa espécie. A grandeza de Balzac está em que ele não nos
deu o retrato de alguém que eu conheço. Ele intensificou, no limite, tendências
históricas pelas quais ............. eu olho, atenção, desde o início sabendo que ela é uma
mentira.
Quando eu começo a ler um romance eu sei que aquilo não é a vida, é uma
mentira. L dirá: o grande paradoxo da grande arte é que ela é o contrário da
religião – que é uma mentira que se apresenta como verdade. Lukács era
comunista. L. dirá: a arte é o contrário, é a realidade condensada e intensificada
que se apresenta como se fosse mentira
Maiores detalhes serão vistos no texto de 1945, o ensaio de Lukács que é uma de suas
obras-primas. A arte é realidade condensada da elaboração lukacsiana Chama-se
NARRAR OU DESCREVER. É onde Lukács faz uma daquelas suas perversidades
características de intelectual comunista e alemão. Ele toma duas passagens da literatura
da segunda metade do século XIX. Ele começa o ensaio comparando algumas páginas
de Zola com algumas partes de FAUSTO. Independentemente das posições políticas ele
começa a introduzir um ponto que é básico nessa interpretação estética. Ele recusa
qualquer psicologismo ou qualquer biografismo na interpretação da obra de arte. Não é
por acaso que a sua Estética tem como epígrafe: “Eles não sabem, porém o fazem”, de
Marx acerca dos homens na elaboração do seu mundo. L puxa isso como mote da sua
Estética, ele distingue claramente o eu empírico do artista, do eu criador do artista. Ele
não está preocupado com a personalidade do autor. Para L a obra de arte tem uma
objetividade própria e aí ........... é um prazer inaudito ...... para L isso não a menor
relevância.
Nós não sabemos quem foi W. Shakeaspeare, sequer sabemos com segurança se ele
existiu. Para L isso não é importante. Nós sabemos que Homero é um dos ..... gregos.
L toma uma das páginas de Zola – que como sabemos foi um homem politicamente
progressista, que pôs a nu toda a farsa do caso Dreiffus ......... Não está em discussão
aqui a posição política de uma figura como Zola. L chama a atenção para o método de
composição de Zola. Zola, antes de escrever GERMINAL agiu quase como um
etnólogo. Foi nas minas, tinha um diário onde anotava tudo. Estava ele confundido.
Arte não é isso. É outra coisa. L pega a descrição de uma corrida de cavalos de um
romance de Zola e vê que ele estudou ferraduras de cavalos para descrever a coisa.
Lukács tira o foco da obra de Zola e vai para ...

(nova fita)
Quantas pessoas que vivem no Rio de Janeiro pode assistir a uma boa temporada de
música clássica no Municipal ? ....... Quantas pessoas entraram no Teatro Municipal do
Rio ? Como é que eu posso gostar de uma boa música erudita se eu não tenho a menor
formação musical. Para L ..... a democratização dos grandes bens culturais da
humanidade. Era essa grande arte que para ele era aquela que constituía o popular,
pouco importando ... manipulação das consciências ... Para L a arte é a autoconsciência
da humanidade. É um tipo de conhecimento que permitem à humanidade superar a
alienação de si mesma. Permite transformar o objeto que era para si num objeto para
nós. Para L há um caráter anestético na ... do mundo social capitalista. Em primeiro
lugar .. porque ela transforma a obra de arte é uma mercadoria. Em segundo lugar
porque transforma o artista num mercador. ... L dirá: é cada vez mais difícil ser realista
nas condições da sociedade capitalista avançada. É cada vez mais difícil, porque a
divisão social e técnica do trabalho encapsula os homens de tal maneira que romper com
esses limites da própria vida do artista é uma luta brutal.
Aluna : ..... (menciona espetáculos culturais havidos na Quinta da Boa Vista e no
aterro a que as massas compareceram massivamente e apreciaram).
........ até PAVILHÃO DOS CANCEROSOS (menção à arte soviética)
....... (interrupção)

O Lukács de 1957 se dedica à elaboração da Estética. Ela foi planejada para ter três
partes mas ele só concluiu uma parte. Ao final saberemos a razão disso. ......... com 3
elementos centrais: 1º) (o professor vai ao quadro) aquilo que é peculiar ao estético.
Aquilo que constitui o estético, o que é o estético. L. está preocupado com questões
desse tipo: o que é a arte ? 2º) Relação do estético com a ciência. 3º) Qual é a gênese do
estético ? Só depois de equacionar estes três blocos de problemas que estão
intimamente relacionados é que ele passa à discussão na Estética I das expressões
particulares do estético. Ele vai discutir literatura, música, arquitetura, cinema,
escultura, cultura. Não vou me ater senão ao essencial, àquilo que nos vai levar à
discussão ontolótica. Mas insisto que L. vai tematizar as várias artes para sinalizar uma
questão essencial, que é a questão da ........ da crítica literária. A sua estética foi sempre
acusada de ser uma generalização indevida para as outras expressões artísticas da sua
peculiar interpretação da literatura. Em síntese, os críticos da estética lukasciana, além
de outros alvos no interior da elaboração sistemática de Lukács, sempre repisaram o
seguinte: estética de L. é anti-vanguardista (...), conservadora (ela leva em conta a arte
até o século XIX) e sobretudo é restritivamente literária. O grande conhecimento de L.
seria sobre a literatura e ele teria montado toda a sua concepção estética pensando no
fenômeno literário. Isto não é verdade. A parte final da Estética I é a tentativa de
concretizar as determinações do estético no domínio da literatura, da pintura, escultura,
arquitetura, música e cinema. É claro, e é preciso frisar, que L. foi sobretudo um crítico
literário. Mas ele não teve condições de desenvolver as indicações que deu para as
artes específicas além da literatura. Mas isso não legitima a crítica segundo a qual a sua
Estética é uma estética de formatação exclusivamente literária. Mas tais questões não
são relevantes num curso de caráter introdutório como o nosso, sobretudo porque não é
nosso objetivo discutir a Estética mas somente saber porquê no trato da Estética L. foi
levado a uma tematização explicitamente ontológica.
Lukács considera que o estético ... para o último L., dando continuidade ao seu trabalho
pós 30, a arte, sem prejuízo de outras dimensões (por exemplo, a dimensão do lúdico, do
prazer, da fruição), sem prejuízo disso, para L., a arte é uma FORMA DE
CONHECIMENTO. O que o artista nos dá é um conhecimento sobre o mundo. E essa
forma de conhecimento caracteriza o que ele vai chamar de reflexo estético .... Atenção
! O L. pós 30 incorpora decisivamente a teoria do reflexo leniniano. Como sabemos,
num texto tristemente célebre, extremamente problemático, um texto de 1908/9 -
MATERIALISMO E EMPIROCRITICISMO, Lênin desenvolve a tese da consciência
como reflexo do mundo. Em mãos pouco hábeis isso leva a uma teoria do
conhecimento extremamente espelhista, que eu me atreveria a dizer que supõe a
consciência como uma instância de natureza social puramente passiva ... Não é isso que
o conjunto da obra de Lênin vai desenvolver. Esse aí é o Lênin do MATERIALISMO E
EMPIROCRITICISMO, O Lênin que no exílio suíço, lá em 1916, leu Hegel
transcendeu largamente essa concepção espelhista. Lembrem-se que uma teoria do
conhecimento como teoria do reflexo já se encontra em Marx. L. incorporou a teoria do
reflexo de Lênin mas é perfeitamente sustentável chamar a atenção para o fato de que
em L. essa .... não tem nada de passiva, nada de espelhista. Pelo contrário, supõe um
papel extremamente ativo da consciência. L dirá que o que é específico do estético,
aquilo que é próprio da arte, é que ela constitui um reflexo peculiar em face de outros
reflexos que a consciência realiza, estabelece, em face da realidade. Dirá ele que a
ciência é também uma reflexo da realidade. Mas o que é específico do reflexo estético é
que, a diferença do reflexo científico, ele é essencialmente antropomorfizador.
Enquanto o reflexo científico é um conhecimento desantropomorfizador. Para L é
próprio do conhecimento científico nos apresentar o ser em si, tal como ele é. O objeto
de que trata a ciência deve ser processado pelo cientista enquanto um ser em si, com as
suas determinações imanentes, independentemente da volição ou da projeção do sujeito
que pesquisa. Enquanto o que é próprio da arte é que ela nos apresenta um objeto que
se põe não em-si mas para-nós.
Estão subjacentes aí duas idéias: 1ª) tanto a arte quanto a ciência, ou seja, tanto o reflexo
estético quanto o reflexo científico têm como ponto de partida a mesma realidade. Arte
e ciência têm como objeto a mesma realidade. Mas o processo pelo qual esta realidade
é elaborada em representações ideais, esse processo é radicalmente diferente. No
primeiro caso essa elaboração busca suspender quaisquer interveniências do sujeito
sobre o objeto; no segundo caso o objeto é refigurado sempre e necessariamente com
referência ao sujeito. Nesse sentido, enquanto a ciência nos dá uma consciência da
realidade à qual ela se remete, a obra de arte nos dá uma autoconsciência, me dá
autoconhecimento. L afirma claramente que no caso da Estética, e no caso exclusivo
da Estética, não existe um objeto sem sujeito, enquanto isso não é verdadeiro para o
trato científico. Em síntese: se o cientista trabalhar a estrutura atômica da matéria ou
não, a realidade da estrutura atômica da matéria independe do trato científico. No caso
da estética o objeto só existe pela interveniência e pela ação do sujeito. Arte e ciência
são reflexos diferentes, peculiares, da mesma realidade. A diferença está em que
conhecimento próprio do estatuto científico ele procura conhecer
desantropomorfizadoramente a realidade, a realidade tal qual ela é, o ser-em-si,
enquanto na arte o conhecimento está sempre referenciado ao sujeito .... Por isso dirá
Lukács: a categoria central do conhecimento científico, a categoria fundante do
conhecimento científico é a UNIVERSALIDADE. Isso não ocorre no domínio do
estético, no domínio da arte a categoria central é a PARTICULARIDADE.
Dizíamos que L insistia em que a grande arte opera no ...... A PARTICULARIDADE
não é a SINGULARIDADE. PARTICULARIDADE, SINGULARIDADE E
UNIVERSALIDADE são categorias que existem na realidade. O reflexo estético opera
ao nível da particularidade, não da singularidade . É por isso que a gente não acha um
Bentinho na rua. Essa concepção é perfeitamente compatível com a noção de tipo e de
narração (Sonia: narração explica, caracteriza; descrição espelha) presente nos estudos
literários anteriores de L. Para L. o tipo literário expressa a particularidade, não a
universalidade, e menos ainda a singularidade. O peculiar do estético é que ele é um
conhecimento antropomorfizador e o eixo em torno do qual ele gravita é o particular,
que para L. é um campo de mediações entre o universal e o singular.
Então há aqui um primeiro pressuposto: ciência e arte são reflexos distintos da mesma
realidade ... que suas funções histórico-sociais são completamente distintas. A função da
ciência, na medida em que ela me oferece o conhecimento do ser o mais aproximado
possível de tal como ele é em-si tem a função de permitir uma otimização do
metabolismo sociedade/natureza que, como sabemos, se realiza pelo TRABALHO. O
conhecimento científico tem a função de permitir um controle efetivo e otimizado da
natureza pela sociedade. É evidente que esse controle supõe certas relações sociais ,
certas relações inter-humanas. A arte tem uma função social diferente, pela sua
alusividade, pelo seu caráter autosimbólico, o objetivo da arte não é apenas oferecer
conhecimento mas autoconhecimento . Dirá L : a arte é o veículo da autoconsciência do
gênero humano.
Mas há ainda um outro elemento subjacente a essa concepção. Ciência e arte não são a
realidade. Ambas expressam através de reflexos peculiares expressam essa realidade,
me permitem conhecer essa realidade, mas não são essa realidade. E esse é um
elemento decisivo para nos levar à ONTOLOGIA de L. L. nessa fundamentação vai
mostrar que a realidade a que se refere ciência e arte é posta (não há aí nenhum
equalização), ela é posta pela VIDA COTIDIANA. Atenção ! A realidade não é a vida
cotidiana , se fosse L. estaria mergulhado num mar de empirismo. Para L. a vida
cotidiana é o alfa e o ômega de toda espécie ... e portanto o alfa e o ômega da ciência e
da arte. A vida cotidiana põe os problemas que o reflexo estético e o reflexo científico
elaboram. Não só põe os problemas. O reflexo científico e o reflexo estético partem da
realidade posta pela vida cotidiana (Atenção ! Não é a vida cotidiana que é a realidade.
A realidade é posta pela vida cotidiana), processa esses problemas com os seus modos
peculiares : um através de desantropomorfização, outro através de antropomorfização) e
quando redundam nos seus produtos (as leis e formulações científicas, num caso; as
obras de arte, no outro caso) retornam à vida cotidiana. O retorno no caso da ciência ....
pensem nas aplicações prático-tecnológicas dosconhecimentos científicos. O retorno
no caso das artes é mais complicado. L. reserva essa discussão para a ESTÉTICA 3, que
ele não elaborou. Mas não há dúvida que ele antecipou esses resultados: o retorno e dá
pelo enriquecimento do sujeito. Se a condição disto aqui ... é DESALIENAR – e essa
desalienação no mundo cortado pelos antagonismos de classe nunca é completa, sempre
é um processo inacabado, o que L. está dizendo é o seguinte: o sujeito que frui da obra
de arte quando retorna à vida cotidiana, ele retorna diferente. Que idéia é essa de
retorno ? Dirá L que esses dois tipos de reflexos peculiares (Onde está a peculiaridade ?
Num caso na desantropomorfização, no outro a antropomorfização) a realização desses
reflexos depende, para L., da suspensão das exigências da vida cotidiana. L. afirma ( ...
e isso é extraordinário ... esse é um dos momentos mais felizes da elaboração
lukasciana) diz que a vida cotidiana é um nível da vida do qual ninguém escapa.
Ninguém suprime a vida cotidiana. Então na ESTÉTICA é dada uma base para a teoria
da vida cotidiana. A “falecida” Agnes Heller (eu digo falecida porque embora essa
cidadã clonada continua a circular pelos EEUU), aliás, desenvolveu brilhantemente esse
tema.
O que L. entende por vida cotidiana ? ... É aquele nível da existência humana onde o
indivíduo singular se reproduz enquanto tal num processo de reprodução social. Dirá
L : é por causa disso que ninguém pode cancelar a cotidianeidade. Ele é um nível
insuprimível, em toda e qualquer sociedade o que muda é a estrutura dessa vida
cotidiana ... (Nota: hoje ninguém mais faz análise. As pessoas olham. Um olhar
sociológico, antropológico etc. Não se analisa, olha-se. Eu já não agüento mais essa
idéia de cotidianeidade e de vida cotidiana paralisada e vulgarizada como o reino da
pura repetição cabotina. Isso não tem nada a ver com Lukács e com a Heller. L dirá:
toda a sociedade tem um nível insuprimível de cotidianeidade. O que muda é a
estrutura dessa vida cotidiana.
Pois bem. Dirá L: a vida cotidiana é o reino da heterogeneidade. Claro, quanto mais
complexas se tornam as sociedades, maior é essa heterogeneidade. Na vida cotidiana,
nesse domínio, nós, diz L., somos homens inteiros ... (Nota: homem aqui se refere a
homens e mulheres). O que isto significa ? ... Ontem eu entrei no meu carro, liguei o
rádio para saber se a Rosinha tinha ganho a eleição porque eu tinha apostado com
alguém uma garrafa de vinho, vim de lá, estou olhando o farol ali na frente, tinha
preparado essa aula, ligado na CBN, lembrei que tinha de abastecer o carro, minha
companheira estava falando sobre coisas .... Essa é a vida cotidiana. Nela eu estou
investindo todas as minhas energias, todas. ... A vida cotidiana é assim. Quando mais
complexa se torna a sociedade maior é essa heterogeneidade. A produção estética e a
produção científica implicam numa ruptura dessa heterogeneidade. Ela implica que o
sujeito, seja o sujeito estético, seja o sujeito científico, rompa com essa situação na qual
todas as suas energias estão mobilizadas, e entre numa ambiência tal que ele mobilize
toda a sua energia em face de um objeto. Toda a minha energia em face do objeto.
Cancela-se assim a heterogeneidade. É aquela idéia do artista meio obcecado pela .... a
do cientista que quando está pensando está ligado ali. Quem já escreveu uma boa tese
de doutorado, uma boa dissertação de mestrado, um belo texto ou artigo, ou pintou um
quadro ou tocou uma sinfonia sabe disso. É preciso cancelar momentaneamente essas
demandas heterogêneas ... num processo de homogeneização do próprio sujeito.
Implicam a suspensão da vida cotidiana. L. nos dá dois exemplos. ... Se há alguém aqui
pensando nas contas a pagar no fim do mês, no filho que tem de deixar na creche
etc. ... Se você não está mobilizado o tempo todo, você não participa da produção ... Se
eu aqui não me der um processo de suspensão ... L. é muito claro: essas categorias são
categorias que operam na vida. O que é a sua dedicação a um trabalho, a uma causa, o
que é uma paixão enloquecedora ? O que é fazer amor ? É uma forma de suspensão. L.
diz: nessas horas nós deixamos de ser homens inteiros e nos transformamos em
INTEIRAMENTE HOMENS. Essa não é uma distinção semântica. É um processo de
ascensão. No caso da arte é um processo pelo qual, rompendo os limites da alienação,
eu percebo as minhas dimensões de ser singular porém genérico. É uma suspensão da
vida cotidiana. É claro que o cientista e o artista voltam para a vida cotidiana . Essa
suspensão é temporária. Dirá L.: a fruição - e isso tem a ver com a questão anterior
quando tratamos de democracia e elitismo -, a recepção da obra de arte implica por parte
do sujeito que frui também um momento de suspensão, e por isso a vida cotidiana é o
alfa e ômega tanto do criador como do fruidor. Estou eu lá lendo Balzac, Tolstoi,
Goethe ... mas depois eu volto para a vida cotidiana. Eu não posso suprimi-la. Pensem
em Balzac. Ele está conversando com a irmã dele e ela diz: os agiotas foram na sua
casa, levaram a polícia, tiraram tudo o que tinha dentro, e você vai ter de pagar o que
deve senão você vai perder tudo. Ele ouve e diz: Está bem! Agora vamos tratar de
coisa séria, vamos tratar da realidade. O que vai acontecer com o Rodin (um
personagem dele). Ele estava com dificuldade de sair da suspensão. É claro que isso
transforma os sujeitos na vida cotidiana. Essa é uma das idéias mais ricas de L – a idéia
de suspensão. Não se trata de uma suspensão que cancela a vida cotidiana. No caso do
conhecimento científico é para que a relação sociedade/natureza seja otimizada. O
desenvolvimento das forças produtivas. No caso da arte, os indivíduos que fruem da
arte, e essa fruição implica suspensão, quando eles retornam à vida cotidiana, assumem
a sua cotidianeidade, eles já não são os mesmos. Ninguém passa impunemente por uma
obra de arte. Ninguém. É por isso que Lênin na casa de Gorki lá em Capri, quando
Gorki põe a 9ª Sinfonia num gramofone, Lênin quase rompe em pranto e diz: Tira isso
daí ! E Gorki pergunta porquê. Ele responde: “É porque isso me dá vontade de ir
abraçando todos os homens. E esse tempo ainda não chegou”. Não há grande
transformador do mundo que não tenha sido um apreciador da grande arte. Esse é um
processo de humanização, saturação de determinações genéricas, onde eu transcendo o
meu umbiguinho, a minha singularidade de mônada. Evidentemente, isso supõe
condições para essa suspensão. São tanto condições educacionais (eu só posso ler se
sou alfabetizado) quanto condições sociais. Isso implica em ócio, lazer, tempo .
Implica em ócio, lazer e tempo não manipulados.
Aqui (quadro) estão várias pré-suposições de Lukács. Elas não aparecem como
pressupostos aqui, ele as desenvolve. Para Lukács a arte é um reflexo da realidade, é
uma forma de conhecimento, um conhecimento específico. E é claro que não é só a arte
que é conhecimento. Há um outro tipo de conhecimento ... Há algo mais
antromorfizador do que o monoteísmo cristão ? E Deus formatou o barro, soprou e fez o
homem. O cristianismo é profundamente antropomorfizador. Lukács dirá que a
Religião é também uma forma de conhecimento. Com uma diferença: vamos ver isso
melhor quando chegarmos à ONTOLOGIA e tratarmos da questão do carecimento
religioso. A diferença: a arte se apresenta como uma ilusão. A religião é uma ilusão
que se apresenta como realidade. Mas a diferença fundamental para Lukács é que esse
conhecimento aqui (quadro) é claramente (como sabemos L. era marxista e marxistas
são figuras muito pouco inventivas) ... A arte é radicalmente anti-utópica. Para L. a
arte não diz respeito ao al-di-lá. Ela sempre diz respeito ao al-di-qua, mesmo quando
ela está marcada por uma tutela religiosa. E L. chama a atenção claramente para as
obras do Renascimento italiano, cuja função catequética era a hóstia, mas, por favor,
não foi por acaso que o Gregório VIII .... Capela Sistina. Porque embora fazendo
alusão ao al-di-lá , a sua referencialidade era claramente ao homem. Não ao mais além,
mas ao aqui-aquém. Nesse sentido diz L: a arte não tem hoje ... ela é fundamentalmente
anti-religiosa na medida em que ela é anti-utópica. Eu diria que essas concepções
lukacscianas são absulutamente ricas. A falecida Agnes Heller, ao falar sobre a estética
lukasciana fez uma observação extremamente ... Ela chamou a atenção para a riqueza
categorial da estética lukasciana. ... Essa exposição não é mais do que uma pálida e
esquemática caricatura da grandeza da estética lukasciana.
(interrupção)
Aluno: ..
... só é possível num quadro de suspensão. Não há um paralelismo. Esse
trabalho científico só é possível quando se gestam condições para que o sujeito que
pesquisa se suspenda. Mas ali você tem o resultado da suspensão, não é a suspensão.
Aluna: ... Reportar-se a Roy Bhaskar: o conhecimento é um produto assim como um
livro, assim como uma mesa, é um produto do trabalho humano. Só que há uma relação
de transitividade entre o homem que produz através do trabalho a mesa, então a mesa é
o objeto direto do conhecimento, enquanto o conhecimento é um objeto intransitivo
(quem conhece, conhece alguma coisa sobre alguma coisa), ou seja, há uma mediação.
O objeto-resultado (conhecimento) , no caso, está mediado por um conjunto de
conhecimentos gerados por todas as gerações precedentes e que funciona como uma
ferramenta sobre a qual o trabalho do indivíduo atua. O importante parece ser destacar
o indivíduo do produto. ... Bhaskar, trazendo essa noção de objeto transitivo e
intransitivo de alguma maneira facilita, dá mais clarificação quanto à distinção entre
sujeito e objeto que em L. aparece de forma meio complicada. Uma coisa é o ser, outra é
o conhecimento a respeito do ser.
Professor: A mim me parece fundamental essa distinção. Isso vale inclusive para
sublinhar uma outra idéia absolutamente importante: quando L. destaca a obra do autor
... Reporto-me à noção de eu-empírico e eu-criador. A razão disso está na suspensão.
Vamos dar um exemplo. Ao tempo de Marx (e L. está buscando isso lá em Marx, e isso
é perfeito, mormente hoje, aqui no Brasil) Balzac, como figura, sujeito da sociedade
francesa, era católico, monarquista e legitimista. Em síntese: era um conservador dos
diabos na sua intervenção social. Contemporâneo de Balzac era Eugéne Sue, ligado aos
socialistas da época, ambos romancistas. Balzac escreveu AS ILUSÕES PERDIDAS,
aquele imenso painel que é a comédia humana .... Sue escreveu OS MISTÉRIOS DE
PARIS, onde ele tomava a defesa dos pobres, daquilo que hoje se chama de “os
excluídos”. Marx detestava literariamente Sue e adorava Balzac. É preciso distinguir o
produto do sujeito. L. nos dá esse gancho. Não importa o Balzac cidadão. Nesse
processo de suspensão o eu empírico, com suas vontades, preconceitos e pós-conceitos,
torna-se receptivo ao movimento da realidade. Isso que Bhaskar diz, L. em outra
freqüência insiste muito . Ele diz: Eu não posso pensar a obra do Balzac a partir de
figura de Balzac. Ele vai retomar uma tese de Engels. uma Sra. .... , uma socialista,
escreveu a Engels apresentando os seus romances, em defesa dos trabalhadores. Engels
respondeu: que bom que a senhora tem essas posições mas em arte e em literatura não
são bons os romances de tese, são bons os romances onde se opera (e a expressão que
segue é de Engels) “a vitória do realismo” , quando o realismo se impõe a pesar da
vontade do sujeito . É essa a suspensão. E a obra não tem a ver com o sujeito-
empírico. ... Carlos Drumond de Andrade: ele trabalhou com Gustavo Capanema, um
ministro do Estado Novo. Foi ele quem trouxe o Drumond lá de Minas. Ele, Drumond,
era funcionário do Estado Novo. Por mais que Drumond tenha dito: eu era funcionário
de Estado, não de Governo. O problema não está aí. Eu posso ter um militante
socialista, combativo, e posso ter um grande burguês ... que o produto não depende
dessa condição (e aqui não se trata de socialismo vulgar), o produto não depende dessa
condição. Thomas Mann era herdeiro de uma grande família burguesa alemã, e produziu
obras onde o realismo triunfou. O que parece genial nessa formulação de L. é que a
primazia é dada não aos processos psicológicos ou psico-sociais de construção da
ordem de arte, mas à objetividade do produto. Há aí uma enorme valorização da arte.
Atenção ! Para L. a arte tem um diferencial com a vida. Não há que subsumir a arte à
vida. É a grande arte. Chamo a atenção para o seguinte: há progresso nas ciências , as
descobertas científicas são todas no campo da eletrônica. A física ptolomaica é um
atraso em face de Galileu, de Newton. Há progresso na ciência, diz Lukács. Mas na
arte, diz L., não se pode falar em progresso. Shakespeare não é mais avançado que
Homero. O que há é que exigências artísticas ...
Mas o que eu quero sublinhar aqui vai mais além . ... Lukács está interessado na gênese
do reflexo estético e científico. Ele dirá que a gênese de todos esses reflexos está na
MAGIA. A MAGIA é a primeira configuração de reflexo em que o processo de
hominização, de humanização, se desenvolveu. Ele chama a atenção, por exemplo, para
as pinturas rupestres das cavernas ... Ali não havia nem o reflexo estético nem o reflexo
científico, nem o reflexo religioso. Havia ali uma mélange (uma mescla) de tanto
indicações de conhecimento como de indicações de ações como de rituais. O bisão
perfurado pela seta era uma indicação para a ação, mas era também uma indicação de
como exercitar a ação, mas, em torno da pintura rupestre havia rituais. Segundo L. o
núcleo originário das formas de reflexo nós vamos encontrar na magia, e só ao longo de
um desenvolvimento multimilenar as possibilidades contidas na magia se
autonomizaram em esferas ideais (esferas de idéias) que só vieram a se realizar
plenamente por volta dos séculos XIV/XVI da nossa era. É claramente quando se
delimita os reflexos religiosos, científicos e artísticos. Uma supressão da tutela religiosa
sobre a ciência (ele vai dar a maior ênfase a Galileu e ao compromisso do Cardeal
Belarmino) na Ilustração, quando a teologia deixa de ser avassaladora da filosofia.
Daqui dessa espécie de magma se desenvolve o reflexo religioso, alienado, utópico; um
reflexo desantropomorfizador que me permite o conhecimento do ser tal como ele é; e a
autonomia da arte. Dirá L. que isso será resultado de uma longa luta, de um longo
combate. E mais: (aqui aparece o viés de quem dialogou com Weber) cada uma dessas
esferas ideais adquire uma legalidade própria, a legalidade (Atenção ! Legalidade não
enquanto um sistema jurídico formas, mas enquanto sistema de leis internas) da arte
supõe para L. uma inteira adequação entre forma e conteúdo. Essa legalidade inexiste na
ciência. Esse é um dos elementos absolutamente fundamentais distintivos da ciência.
Dirá L: a arte é necessariamente EVOCADORA. A CIÊNCIA é necessariamente
DENOTATIVA (Sonia: reveladora, que faz ver). Para L. a constituição, a gênese
dos .... é a mesma da ciência, é a mesma da religião, com um elemento de mediação
fundamental ... É que nessa diferenciação, operadas as exigências postas, pelo
TRABALHO. Mas L. não vai tematizar o trabalho no estético. Ele vai dar ...
Mas afinal qual é o problema de L ? Ele está montando todo esse quadro, depois vai
discutir formas específicas de arte. Mas ele tem dois problemas centrais: 1º) se a arte
reflete a mesma realidade que a refletida pela ciência, afinal qual é o status dessa
realidade ? É uma realidade natural ? É e não é. É uma realidade onde as zonas de
intersecção entre o natural e o histórico (se vocês quiserem, o social) tornam-se muito
difíceis de delimitar. O que é natural hoje em nós ? O que é natural na natureza ? Há
um problema subjacente aí. Essa realidade é o quê ? Qual o estatuto dessa realidade ?
Notem: a ciência nos deve apresentar o ser-em-si, tal como ele é. A arte nos deve
apresentar esse mesmo ser para-nós. Então, qual é a estrutura desse ser ? Isso para L. é
uma questão inadiável, depois que ele constrói esse quadro. A questão é a de saber
exatamente o seguinte: de que espécie ou de que espécies de ser ele está falando ? A
que níveis de ser ele faz menção.
Mas há um outro problema: insistir numa função desalienadora da arte, insistir em que a
arte desempenha um papel não de conhecimento mas de autoconhecimento, de
autoconsciência. Põe o problema daquilo que é a gênese da genericidade humana, e não
só o problema do que é ela, mas do que ela pode ser e do que deve ser. Notem que na
arte, se essas observações aqui mencionadas, ainda que esquematicamente, são
observações verdadeiras, na arte , mais do que na ciência, a relação entre ser e dever ser
é uma relação imperativa. Notem que relações imperativas no domínio do social
remetem necessariamente a uma Ética. L. sem discutir as dimensões éticas do reflexo
científico tem de enfrentá-las no reflexo estético. Quando ele chegou nesse ponto ele
disse: eu interrompo a estética porque eu tenho que clarificar as dimensões da Ética. Eu
vou ter de resolver o nó ético que está aí. Mas, exceto ao preço de um naturalismo
anacrônico, o problema do dever-ser não apenas como desdobramento de tendências
mas como possibilidade de escolhas são vistos como ilusões . Eu vou parar aqui porque
isso é fundamental.
Eu posso pensar o dever-ser sob duas óticas, não necessariamente excludentes e
colidentes. O dever-ser como possibilidades não infinitas, mas plurais, de
desenvolvimento de tendências. Mas, mais do que isso, eu posso pensar nesse
desenvolvimento de tendências a partir de uma perspectiva valorativa – aquelas que são
mais úteis ou menos úteis, aquelas que são melhores e aquelas que são menos
valorizadas. Essa dimensão do valor – que implica em escolha, só existe no mundo dos
homens, não existe na natureza. Tanto que L. tem dois problemas. Ele tem um
problema de determinação da ética, para prosseguir a Estética: Bem, agora eu vou dar
uma parada antes de prosseguir a Estética, eu vou sistematizar uma Ética. Mas para
sistematizar uma Ética ele tinha que determinar com clareza da peculiaridade não
dos .... mas a peculiaridade do ser que pode ter dimensões éticas. Em síntese: quando
ele chega à percepção dos imperativos éticos que se põem à sua construção ele tem de
fundar a natureza do ser que dispõe de dimensões éticas, que não é o ser natural. Ele
tem que fundar uma compreensão do ser social. Então L. resolve fazer o seguinte: eu
vou fazer a Ética mas antes eu vou escrever uma introdução à Ética.
E a introdução à Ética tem de ser o quê ? A fundamentação da especificidade daquele
ser que é passível de desenvolver escolhas éticas. Finalmente, ele não terminou a
Estética, não escreveu a Ética. E aquilo que é a introdução à Ética é a ONTOLOGIA.

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