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TRIBUNAL

DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ


COMARCA DE MACAPÁ
PLANTÃO - MACAPÁ
ANEXO DO FÓRUM DE MACAPÁ, RUA MANOEL EUDÓXIO PEREIRA, S/Nº, CENTRO - MACAPÁ

Nº do processo: 0001052-75.2020.8.03.0000

Magistrado: MATIAS PIRES NETO

Aportou no plantão judiciário ordinário desta data, ajuizado pelo MINISTÉRIO


PÚBLICO DO ESTADO DO AMAPÁ, subscrito pela Procuradora Geral de Justiça do Estado
do Amapá, o pedido nominado MEDIDA CAUTELAR INOMINADA visando a proteção da
saúde e incolumidade pública contra todos aqueles que estão divulgando e instigando
pelos meios de comunicação, a realização de carreatas, passeatas, reuniões coletivas ou
quaisquer outros eventos em que haja aglomeração social, bem como em face daqueles
que se fizerem presentes no movimento, do qual são chamados a participar empresários,
comerciantes, motoristas de aplicativo, profissionais liberais entre outros, com o objetivo
de que “o Brasil volte a funcionar”, CUMULADA COM PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
em face do ESTADO DO AMAPÁ e MUNICÍPIO DE MACAPÁ, representadas por seus
respectivos procuradores.

Registro que o presente pedido foi endereçado ao Tribunal de Justiça do Estado


do Amapá, o qual, por seu Presidente, entendeu não ser dele a competência para processar
e julgar a ação, pelo que declinou da competência para este grau de jurisdição.

Atento ao pedido, onde após extensa e detalhada descrição de todo o quadro


vivenciado no mundo pela pandemia do novo Corona Virus, que por ser assunto por
demais noticiado, comentado e de sabência de todos, poupo-me aqui de repetir, para
restringir-me aos pedidos cautelares que consistem:

1) no deferimento da proibição de realização da manifestação pelo


“MOVIMENTO VOLTA AO NORMAL”, noticiado pelas mídias sociais, para ocorrer no
sábado, dia 28/03/2020, às 14:00 horas, com saída da Praça do Forte, com vistas à
preservação da saúde pública, bem como de quaisquer outros atos, congêneres ou de
natureza diversa, que importem em descumprimento do isolamento determinado,
ordenando-se, ainda ao Estado do Amapá e ao Município de Macapá, que adotem as
medidas necessárias visando a não realização do movimento, com a identificação dos
responsáveis pela sua organização, acionamento dos órgãos de segurança, apreensão de
veículos e materiais eventualmente utilizados no evento, elaboração de relatório sobre os
danos causados, entre outras ações que coibam o risco de proliferação do COVID-19.

2) em caráter preventivo, a proibição da realização de eventos que resultem na


formação de aglomerações em espaços públicos em todo o território do Estado do Amapá,
de modo a preservar a saúde pública, ordenando-se ao Estado do Amapá que promova as
medidas necessárias visando a não realização desses movimentos, com a identificação dos
responsáveis pela sua organização, acionamento dos órgãos de segurança, apreensão de
veículo e materiais eventualmente utilizados nos eventos, elaboração e relatório sobre os
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Este documento foi assinado eletronicamente por MATIAS PIRES NETO em 29/03/2020 22:38.
O original deste documento pode ser consultado no site: http://www.tjap.jus.br. Hash: 468685780AM
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danos causados entre outras medidas.

3) em caso de não acolhida do pedido supracitado, caso se permita a


realização do “MOVIMENTO VOLTA AO NORMAL” marcada para o dia 28/03/2020, que
seja determinado aos seus organizadores e participantes que adotem as medidas
necessárias para eliminar o risco de contaminação pelo COVID-19, especialmente no que
tange às ações de distanciamento recomendadas pelo Ministério da Saúde, evitando, de
qualquer maneira, o contato próximo entre os seus participantes, ordenando-se ainda ao
Estado do Amapá e ao Município de Macapá, que exerçam a fiscalização efetiva do
evento, coibindo ações que ofereçam riscos à saúde pública, com o acionamento dos
órgãos de segurança, identificação dos responsáveis pela violação à recomendação
sanitária de distanciamento social e outras medidas cabíveis, aplicando-se tais
determinações a quaisquer eventos realizados no Estado do Amapá.

É o breve relato. Decido.

Inicialmente verifico que o primeiro pedido resta prejudicado, pois tal feito me
veio à conclusão em plantão nesta data (29/03/2020 - domingo), às 18:19h, e o aludido
“MOVIMENTO VOLTA AO NORMAL”, pelo que consta no pedido, estava agendado para
acontecer a partir das 14:00h de 28/03/2020 - sábado, portanto a prestação jurisdicional
não foi requerida em tempo hábil, vez que o pedido foi protocolado em 28/03/2020 às
13:59h, logo com um minuto de antecedência da hora marcada para o início do evento, o
que tornaria impossível a autoridade judiciária, de qualquer grau de jurisdição, receber,
analisar e proferir decisão em tão curto espaço de tempo.

Resta então a análise do segundo pedido, que refere-se a proibição da


realização de eventos que resultem na formação de aglomerações em espaços públicos em
todo o território do Estado do Amapá, de modo a preservar a saúde pública.

A análise de tal pedido, remete-me a fatos que os meios de comunicação, as


mídias sociais, os grupos privados de comunicação e todas as outras formas de interação
tem tratado à exaustão nos tempos recentes, refiro-me ao novo Coronavírus, Covid 19, sua
rápida proliferação pelo mundo e seus efeitos fatais em um determinado grupo de pessoas,
bem assim das necessárias medidas de prevenção para a contenção do referido vírus,
considerando que a Ciência ainda não alcançou o exato tratamento para cura das
doenças causadas pelo mesmo.

Como sabido, o mal referido foi inicialmente identificado na China, e face sua
célere e incontida proliferação, alastrou-se pelo Mundo, daí a classificação de pandemia,
chegando então em nosso longínquo estado, considerando donde partiu.

Em que pese tratar-se de um problema mundial, importa para esta decisão a


chegada do vírus no Brasil, que sabendo do histórico de gravidade e mortandade que o tal
patógeno causou e está causando em outros países, o Estado Brasileiro, através de seus
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órgãos de governo federal (com reuniões diárias televisionadas), quanto os governos


estaduais e municipais, começou a tomar medidas sanitárias para evitar a disseminação
da doença, face a celeridade nas formas de transmissão.

Neste contexto, e por orientação das organizações de saúde, tanto mundiais


como nacionais, adotou dentre outras, a medida do isolamento social da população em
geral, para se evitar aglomerações de pessoas, levando a uma quase total paralisia das
atividades em geral, o que, sem nenhuma dúvida representa uma medida drástica, e que
afigura-se nada satisfatória para aqueles que precisam trabalhar e sair diariamente de
suas casas.

Alguns poucos setores foram isentos do isolamento, pela necessidade de manter


atividades essenciais, e tais setores foram catalogados de forma exaustiva em atos
normativos estaduais e municipais, sendo que estados e municípios obtiveram do Supremo
Tribunal Federal a concordância para assim procederem, como se extrai da medida
liminar prolatada na ADI 6341 MC/DF, que decidiu que os Estados e Municípios detém
“competência” para legislar, após a União, assim fazê-lo, sobre medidas de prevenção ao
Covid-19, nos exatos termos do art. 23, II da CF.

Ademais, todos os normativos estabelecidos nos Decretos Estaduais e


Municipais encontram substratos de validade na recém editada Lei Nacional 13.979/2020,
que dispõe sobre as medidas para enfrenamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do Coronavirus responsável pelo surto de 2019.

Porém, o isolamento social, em que pese ter o único escopo de evitar a


disseminação do vírus, acabou, logicamente por atingir a economia mundial e local, pois
fez parar o extrato produtivo e comercial do mundo, do país e por conseguinte deste
estado.

Depara-se então com um conflito entre diminuição da atividade econômica, que


já transparece efeitos negativos diretos nos postos de trabalho e renda, e disseminação da
doença Covid-19, a qual tem a demonstrada capacidade de se espalhar de forma efetiva e
célere.

Neste ambiente que surgem movimentos, como estes, contra os quais se


irresigna o autor, cabendo ao Poder Judiciário, enquanto garantidor de Direito, fazer a
justa pesagem entre os bens jurídicos em conflito (economia x saúde pública ou direito de
reunião x saúde pública), a fim de, no caso concreto, dar prevalência a um deles.

Sinto que o maior clamor social seja claramente pela saúde pública, pela
manutenção do isolamento, pelo direito a vida das pessoas, em qualquer faixa etária e
condição de saúde, entretanto não fecho os olhos ao debate social que circunda sobre os
efeitos negativos do isolamento social na economia, nos postos de trabalho e emprego e
renda, mas que também trará mais tarde consequências à saúde.
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A mim, porém, a saúde pública, a possibilidade de evitar óbitos, com a medida


de prevenção do isolamento, ganha maior relevância, e encontra alicerce, dentre outros,
nos princípios da Prevenção e Precaução, os quais são intimamente ligados ao Direito à
Saúde. Precaução relaciona-se com a associação respeitosa e funcional do homem com a
natureza. Trata-se das ações antecipatórias para proteger a saúde das pessoas e dos
ecossistemas. Precaução é um dos princípios que guia as atividades humanas e incorpora
parte de outros conceitos como justiça, equidade, respeito, senso comum e prevenção.

Logo, se o pano de fundo dos eventos combatidos, que é a questão da


economia, sucumbe ante a necessidade de preservar a saúde pública, menor relevo guarda
o direito de reunião, que sabemos também ter base constitucional (art. 5º, inciso XVI da
CF), mas que não tem caráter absoluto, pois sujeito a limitações interventivas quando em
confronto com outros direitos também com fundamento constitucional, neste caso a saúde
pública.

Então, estando os órgãos estatais (a quem cabe a atribuição de agir e criar


políticas públicas de enfrenamento da pandemia) em busca de medidas efetivas para
evitar e diminuir o contágio do Covid-19, em respeito aos princípios de prevenção e
precaução, a sociedade deve agir seguindo as regras por aqueles órgãos estabelecidas,
pois, em que pese as consequências ruins ou boas que possam advir, estão alicerçadas
num programa com o objetivo de salvaguardar a saúde pública, tudo para efetividade do
princípio da dignidade da pessoa humana.

É pois um sacrifício necessário, que se faz alimentado na esperança de que os


mesmos órgãos que impõe o isolamento, busquem formas efetivas de minimizar os efeitos
na economia e nos postos de trabalho, dando assistência aqueles que serão atingidos pelos
efeitos econômicos, a exemplo, de linhas de crédito especial aos empresários, programas
de renda aos informais, suspendendo financiamentos, entre outras medidas.

Certo de que neste momento, o que se deve fazer é mesmo evitar aglomerações
de pessoas e seguir as demais regras sanitárias estabelecidas tanto em âmbito mundial
(OMS), nacional (recomendações diárias do Ministério da Saúde), quanto em normativos
locais, mas que devem ser efetivamente observadas por toda a sociedade local, é que
convenço-me pelo deferimento do pedido.

Prefiro hoje, deferir e proibição de eventos que importem em aglomeração de


pessoas, para evitar o contágio do virus, a ter que daqui, há pouco tempo decidir quem
entrará na UTI, ou quem terá leito para internação, ou inúmeras outras tristes situações
que prefiro não cogitar.

Então nas diversas razões alegadas, é fácil extrair o fumus boni juris e o
periculum in mora, que são os requisitos necessários autorizadores do deferimento do
pedido liminar.

Processo nº 0001052-75.2020.8.03.0000 Página 4 de 5


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Pelo exposto, DEFIRO O PEDIDO, como tutela de urgência, nos temos do


art. 300 do CPC, para liminarmente, PROIBIR A REALIZAÇÃO DE QUAISQUER
EVENTOS QUE RESULTEM NA FORMAÇÃO DE AGLOMERAÇÕES DE
PESSOAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS, EM TODO O TERRITÓRIO DO
ESTADO DO AMAPÁ, de modo a preservar a saúde pública, e para tanto, ORDENO
que O ESTADO DO AMAPÁ E O MUNICÍPIO DE MACAPÁ promovam as
medidas necessárias visando a não realização desses movimentos, com a identificação dos
responsáveis pela sua organização, acionamento dos órgãos de segurança, apreensão de
veículo e materiais eventualmente utilizados nos eventos, elaboração e relatório sobre os
danos causados entre outras medidas.

Em cumprimento desta decisão, EXPEÇAM-SE, comunicações ao Ministério


Público Estadual, a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria Geral do Município de
Macapá, para ciência e adoção das medidas necessárias.

Publique-se.

MACAPÁ, 29/03/2020

MATIAS PIRES NETO

Juiz(a) de Direito

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