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HISTORIAS A BRASILEIRA A DONZELA GUERREIRA E OUTRAS 4 Recontadas por Ana Maria Machado Ilustradas por Odilon Moraes Campania. an Liinhon A ONCA, 0 VEADO E 0 MACACO ERA UMA VEZ UMA ONCA quese achava mais esperta do que todos os bi- chos. Nao the bastava ser forte. Além disso, gostava sempre de mostrar que enganava qualquer um ¢ ria de todos. Um dia, convidou 0 veado para ir com ela a fazenda de um compadre que criava vacas: — Vamos 14, tomar leite grosso fresquinho, cheio de nata cremosa O veado aceitou © convite. Mas o que ela queria mesmo era se divertir as custas dele. No caminho, tinham de atravessar um riacho — Pode entrar na agua bem em frente dessa érvore, que é bem rasinho. Tem uma laje embaixo, e da para cruzar quase sem se molhar. Mentira, Eraum lugar fundo e cheio de correnteza. Ela sé queria era zom bar do veado. Ele quase se afogou, enquanto a onga, que tinha atravessado por onde dava pé, 0 esperava do outro lado do rio, dando gargalhadas Mais adiante encontraram um pomar, com uma mangueira enorme, carre gada de frutas. A onga sugerit: Vamos chupar umas mangas. Vocé, que é mais leve, suba na mangueira e coma as mangas verdes, que so as mais gostosas, Depois jogue as amarelas para mim, que eu ndo me incomodo de comer fruta assim, meio passada ¢ estragada. © bobo do veado fez 0 que ela disse. Atirou todas as frutas maduras para a onca e nao conseguiu comer nenhuma, de tanta cica que tinham as mangas verdes e duras que ficaram no pé. Em seguida, os dois passaram por uns trabalhadores que capinavam um terreno para fazer um rogado. Prendende o riso ao pensar na pega que ia pregar naquele bobalhao, a onca ensinou: Amigo veado, é bom cumprimentar os homens. Va até ld e diga a eles: ‘Que o diabo cassegue quem trabalha’ O veado foi. Levow uma surra tio grande que quase nao péde se levantar dizia Mas era muito bobinho e continuava acreditando em tudo 0 que a onga Por isso, dali a pouco fez outra bobagem, quando ela mostrou no chao: — Ole que linda pulseira! Por que voce nao leva para sua filha, compadre? Bonitinha era mesmo. Listrada de vermelho, amarelo e preto, Era uma cobra-coral. Quando o veado foi pegar, quase levou uma mordida —o que ia ser fa de venenosa. perigoso, porque a coral é uma cobra dana Finalmente, chegaram a casa do compadre. Jé era tarde, e s6 iam tomar 0 leite grosso e fresquinho na manha seguinte. O veado armou sua rede num canto e dormiu, exausto depois de um dia tao atrapalhado. No meio da noite, a onga ficou com fome. Foi até o curral ¢ matou um bezerto, Mas, antes de comer, aparou o sangue dele numa cuia e, na volta, derra- mou tudo em cima do veado, Quando de manha o compadte viu que faltava um bezerro, veio reclamar com a onga — Eu, compadre? Nio tenho culpa de nada. Se tivesse atacado um bezerro, estava suja de sangue. Nao vé que estou limpinha? Mas vocé jé deu uma olhada no veado? Ainda bem que o veado jé tinha acordado e ouviu aquilo, Bem que estava estranhando ter acordado todo sujo de sangue. Deu um pulo da rede e saiu correndo pelo mato. Nao voltou mais, Se voltasse, o compadre era capaz de acabar com ele. 38 Quando ia chegando em casa, encontrou o macaco, que perguntou — Compadre veado, o que aconteceu com voce? Por que esté correndo assim, todo ensanguentado? O veado Ihe contou tudo. O macaco ficou furioso: — Ess vocé, amigo de todo mundo. Deixe que eu vou dar uma boa ligao nela, onga no presta, Fazer uma coisa dessas com um sujeito bom como Dali a uns dias, 0 macaco procurou a onga, como quem nao queria nada, Conversa vai, conversa vem, comentow: — Se tem uma coisa que ew adoro ¢ leite Fresquinho e bem grosso, tirado na hora, numa fazenda, Mas néo conheco ninguém que tenha um curral com umas vaquinhas Ela achou que ia se divertir de novo. — Pois vamos comigo até a casa de um compadre meu... — convidou. Quando chegaram a beira do riacho ¢ ela indicou 0 lugar da travessia, 0 macaco respondeu: — De jeito nenhum, Eu sou educado. Primeiro, as damas. Fago questo de deixar que vocé v4 na frente. Nio teve jeito, Ela foi obrigada a ir pelo lugar rasinho, e 0 macaco a seguiu. rindo consigo mesmo. Mais adiante encontraram umas bananciras bem carrega tosa dinhas. A onga veio com aquela conversa de que banana verde era mais gc Imagine, logo com 0 macaco! madu Ele subju nas bananeiras, jogou as frutas verdes para ela e comeu ras até se fartar, A onga no conseguit comer nenhuma ¢ foi ficando cada vez ‘mais furiosa. A toda hora dizia assim: migo macaco, amigo macaco... Mas de verdade estava pensando: “Deixa estar que vou acabar com voce” Quando passaram perto dos trabalhadores, a onga ainda tentou ver se ele se dava mal, mas nao deu certo. Antes que cla pudesse dizer qualquer coisa, 0 macaco ja estava cumprimentando: — Deus ajude a quem trabalha Os lavradores ficaram satisfeitos, sorriram, brincaram com ele. Mais adiante, quando passaram pela cobra-coral ¢ a onga sugeritt que ele levasse aquela bela pulseira para a filha, o macaco respondew — Entio leve para a sua, comadre. Vai ficar mais linda ainda Finalmente, quando ja estava quase escurecendo ¢ os dois chegaram a ca- sa do compadre da danada, ela s6 pensava no que ia aprontar com 0 macaco durante a ase vingar. E, quando todos dormiram, fez o mesmo que da noite pa outra vez: foi até o curral ¢ matou um bezerro. Mas, antes de comer, aparou 0 sangue dele numa cufa e, na volta, foi levando com cuidado, para jogar em cima do macaco, S6 que 0 macaco estava preparado. Assim que ela chegou perto, ele deu um chute na cuia e derramou tudo em cima da onga, Na mesma hora, comegou agritar © compadre veio la de dentro correndo, de espingarda na mao, Quando viu a onga toda suja de sangue, entendew tudo: ~ Toda vez que essa diaba vem aqui ew perco um bezerro! Deu um tiro nela. E era uma vez uma onea De manha o macaco tomou muito leite fresquinho e grosso, cheio de nata cremosa, bem como ele gostava. E ainda levou um boiao cheio para o veado. QUANDO [NDIO CONTA HISTORIA DE BICHO, quase sempre o esperto 0 macaco ou o jabuti. Esta é mais uma de jabuti. So que desta vez ele nio é muito esperto, nao. Dizem que um dia o jabuti fez uma flauta com 0 osso da canela de uma on- a. Ele tocava muito bem, e todos os bichos ficavam com inyeja. Principalmente © jacaré, que certa vez pediu — Amigo jabuti, sera que vocé me empresta um pouco a sua flauta para eu Num instante eu devolvo, experimentar € ver se consigo t O jabuti emprestou. O jacaré agarrou a flauta, pulou com ela dentro d'égua e sumiu. ra de volta, mas nem jabuti ficou muito zangado, cansou de pedir a fl sinal dela Dali a uns dias, ele resolveu dar um jeito. Procurou wma colmeia ¢ engo- liu muitas abelhas, Depois, foi para o lugar onde o jacaré costumava tomar sol Escondeu-se no meio das folhas, com 0 rabo para cima, ¢ lambuzou bem o tra- seiro de mel De vez em quando, soltava uma abetha: zzzzummm! Vendo aquilo, o jacaré achou que era uma colmeia e meteu o dedo para pogar mel. © jabuti disse: — Agora eu te peguei, seu ladrao, Vou apertar seu dedo ¢ s6 solto quando vocé me devolver a flauta. E foi apertando. © jacaré nao queria devolver a flauta, mas nao aguentou | € comegou a cantar bem alto: Oi, Gongalo, | | ‘meu fiho mats velo, tras a flauta do jabutt. Tango-leri, A flauta do Liri-sango Lilonge, o filho do jacaré perguntot — O qué, meu pai? A camisa que esti ali? jabuti apertava mais, ¢ 0 jacaré gritava: 4, Gongalo, neu filho mais velho, traz a flauta do jabuti, Tango l-ri A flauta do jabut. Liéritango-lir Mas seu filho estava longe, nao entendeu direito e berrou: — O qué, meu pai? A calga que esté ali? © jabuti apertava mais, o jacaré tornava a tepetir a cantiga. E s6 depois de muito tempo, quando 0 dedo dele ja estava quase quebrando, foi que o filo trouxe a flauta. E ai, sim, 0 jacaré devolveu a flauta a0 jabuti, 0 jabuti soltou 0 dedo do jacaré, e cada um foi para o seu lado.

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