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A Interaçãoda Alma como Corpo


Da interação da alma com o corpo, que se acredita fazer-
se ou pelo influxo espiritual ou por uma harmonia
preestabelecida

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Emanuel Swedenborg
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Publicado em latim no ano de 1769, em Londres, e intitulado
De Commercio Animae et Corporis quod creditur fieri vel per
Influxum Spiritualem, vel per Harmoniam Praestabilitam
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Tradução por C. R. Nobre

Edições das Doutrinas Celestes para a Nova Jerusalém


Brasil, 2009
2 Emanuel Swedenborg

A Interação da Alma com o Corpo

Do latim
De Commercio Animae et Corporis, quod creditur fieri vel per
Influxum Spiritualem, vel per Harmoniam Praestabilitam

Obra de Emanuel Swedenborg

Tradução:
Cristóvão Rabelo Nobre

Revisão:

Direitos desta edição reservados a:


Edições das Doutrinas Celestes para a Nova Jerusalém
Brasil, 2009

Swedenborg, Emanuel

Interação da Alma com o Corpo – Da interação da alma com o corpo, que se


acredita fazer-se ou pelo influxo espiritual ou por uma harmonia
preestabelecida. – Edições das Doutrinas Celestes para a Nova Jerusalém,
Brasil, 2009
ISBN
Interação da Alma com o Corpo 3
4 Emanuel Swedenborg

Da interação da alma com o corpo, que se acredita fazer-


se ou pelo influxo espiritual ou por uma harmonia
preestabelecida

1. A respeito da interação da alma com o corpo, ou da operação


de um no outro e de um com o outro, há três opiniões e tradições, que
são hipóteses: a primeira é chamada influxo físico; a segunda, influxo
espiritual; e a terceira, harmonia preestabelecida. A primeira, que se
chama influxo físico, vem das aparências dos sentidos e, assim, de
falácias, porque parece que os objetos vistos, os quais afetam os olhos,
influem no pensamento e o produzem, do mesmo modo que a
linguagem, que atua nos ouvidos, influi na mente e ali produz as
idéias; assim também ocorrendo com o olfato, o paladar e o tato. Uma
vez que os órgãos desses sentidos recebem em primeiro lugar as
influências que chegam do mundo e a mente parece pensar e querer
segundo as afeições dessas influências, por isso os antigos filósofos e
escolásticos creram que o influxo desses órgãos era passado à alma, e
assim formularam a hipótese do influxo físico ou natural.
[2] A segunda, que se chama influxo espiritual, por alguma ação
ocasional desse influxo, vem da ordem e de suas leis, porquanto a
alma é uma substância espiritual e, assim, mais pura, anterior e
interior, enquanto o corpo é material e, assim, mais grosseiro, posterior
e exterior, e é segundo a ordem que o mais puro influa no mais
grosseiro, o anterior no posterior e o interior no exterior, por
conseguinte, o espiritual no material e não vice-versa; por conseguinte,
a mente cogitativa influindo na visão segundo o estado induzido nos
olhos pelos objetos, estado esse que a mente também dispõe à sua
vontade; assim também, a mente perceptiva influindo na audição
segundo o estado induzido nos ouvidos pela linguagem.
Interação da Alma com o Corpo 5

[3] A terceira, que se chama harmonia preestabelecida, vem das


aparências e falácias da razão, uma vez que a mente nessa operação
age em união com o corpo e juntamente com este. Como, porém, toda
operação é primeiro sucessiva e em seguida simultânea, a operação
sucessiva é o influxo e a operação simultânea é a harmonia, assim
como quando a mente pensa e em seguida fala, ou quando quer e em
seguida age. Por isso, é uma falácia da razão estabelecer o simultâneo e
excluir o sucessivo. Além dessas três opiniões sobre a interação da
alma com o corpo, uma quarta não é possível, pois ou a alma opera no
corpo, ou o corpo na alma ou uma e outro juntos continuamente.
2. Porquanto o influxo espiritual vem da ordem e de suas leis,
como se disse, por isso esse influxo, mais do que os dois restantes, foi
reconhecido e recebido pelos sábios no mundo erudito. Tudo o que
vem da ordem é a verdade, e a verdade mesma se manifesta pela luz
nela ínsita, como também na sombra da razão, na qual estão as
hipóteses. Mas, há três coisas que envolvem de sombra essa hipótese:
ignorância sobre o que é a alma, ignorância sobre o que é o espiritual e
ignorância sobre a natureza do influxo; por isso, essas três coisas
devem ser desvendadas antes que a razão veja a verdade mesma, pois
a verdade hipotética não é a verdade mesma, mas conjectura da
verdade; é como uma pintura na parede vista sob a luz das estrelas à
noite, na qual a mente induz uma forma variada segundo a fantasias. É
diferente quando a luz do sol a ilumina, após a aurora, e descobre não
somente suas coisas gerais, mas também suas singulares e as apresenta
à vista. Assim é que, da sombra da verdade em que esta hipótese se
acha, a verdade é aberta quando se conhece o que é o espiritual e a sua
natureza relativamente ao natural; depois, o que é a alma humana e a
sua natureza, como também a natureza do influxo nela e, por ela, na
mente perceptiva e cogitativa, e desta no corpo.
[2] Todavia, ninguém pode relatar estas coisas senão aquele a
quem foi concedida pelo Senhor a consociação com os anjos no mundo
espiritual e, ao mesmo tempo, com os homens no mundo natural; e
como isto me foi concedido, pude descrever o que são um e outro, e a
sua natureza, o que foi feito na obra sobre o Amor Conjugal, a saber,
sobre os espirituais, no memorável que está nos ns. 326 a 329 daquela
obra; sobre a alma humana, no n. 315; sobre o influxo, no n. 380 e, mais
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plenamente, nos ns. 415 a 422. Quem não sabe, ou não pode saber, que
o bem do amor e o vero da fé influem de Deus no homem, e que
influem em sua alma e são sentidos na sua mente, emanando do
pensamento na linguagem e da vontade nas ações?
[3] Que daí exista um influxo espiritual, bem como sua origem e
derivação, é o que será manifesto na seguinte ordem:
I. Há dois mundos: o mundo espiritual, onde estão os espíritos
e anjos, e o mundo natural, onde estão os homens.
II. O mundo espiritual tem existido e subsistido pelo seu Sol, e
o mundo natural pelo seu.
III. O Sol do mundo espiritual é puro amor proveniente de
JEHOVAH Deus, que está no meio desse Sol.
IV. Desse Sol procedem calor e luz; o calor que dele procede é
em sua essência o amor, e a luz que daí procede é em sua essência a
sabedoria.
V. Tanto esse calor quanto essa luz influem no homem; o calor
em sua vontade, produzindo aí o bem do amor, e a luz em seu
entendimento, produzindo aí o vero da sabedoria.
VI. Esses dois, o calor e a luz, ou o amor e a sabedoria, influem
conjuntamente de Deus na alma do homem e, por esta, na mente, em
suas afeições e pensamentos, e desses nos sentido do corpo, na
linguagem e nas ações.
VII. O sol do mundo natural é puro fogo, e por esse sol a
natureza do mundo tem existido e subsistido.
VIII. Daí, tudo o que procede desse sol é morto, considerado
em si mesmo.
IX. O espiritual se reveste do natural, assim como o homem se
veste.
X. As coisas espirituais, assim revestidas no homem, fazem com
que ele possa viver racional e moral, por conseguinte, espiritualmente
no natural.
XI. A recepção desse influxo é segundo o estado de amor e de
sabedoria no homem.
Interação da Alma com o Corpo 7

XII. O entendimento no homem pode ser elevado na luz, isto é,


na sabedoria em que estão os anjos do céu segundo o cultivo da razão,
e sua vontade pode ser elevada no calor, isto é, no amor,
semelhantemente, segundo os feitos da vida. Mas o amor da vontade
não é elevado senão na medida que o homem quer e pratica as coisas
que a sabedoria do entendimento ensina.
XIII. É inteiramente diferente com as bestas.
XIV. Há três graus no mundo spiritual e três graus no mundo
natural segundo os quais se faz todo influxo.
XV. Os fins estão no primeiro grau, as causas no segundo e os
efeitos no terceiro.
XVI. Por aí é evidente qual é o influxo do espiritual por sua origem
até os efeitos. Cada um desses pontos será agora ilustrado em poucas
palavras.

I. Há dois mundos: o mundo espiritual, onde estão os


espíritos e anjos, e o mundo natural, onde estão os
homens.

3. Que haja um mundo espiritual em que estão os espíritos e


anjos, distinto do mundo natural em que estão os homens, é um fato
até aqui completamente oculto ao mundo, mesmo o cristão. A razão
disso é que nenhum anjo desceu e o ensinou pessoalmente, nem
homem algum subiu e viu. Assim, para que o homem, por ignorância
a respeito daquele mundo e, portanto, pela incerteza da fé sobre o céu
e o inferno, não fosse insensato a ponto de se tornar ateu naturalista,
aprouve ao Senhor abrir a visão de meu espírito e elevá-la ao céu, e
também descê-la ao inferno, e exibir ao vivo o que são um e outro.
[2] Daí tornou-se-me evidente que há dois mundos e que eles são
distintos entre si; um, no qual todas as coisas são espirituais e, daí, é
chamado mundo espiritual, e o outro no qual todas as coisas são
naturais e, daí, é chamado mundo natural; e que os espíritos e anjos
vivem em seu mundo e os homens no seu; depois, que cada homem é,
pela morte, transferido de seu mundo ao outro e nesse vive na
8 Emanuel Swedenborg

eternidade. O conhecimento a respeito de ambos os mundos deve ser


dado primeiro para que o influxo seja desvendado desde seu
princípio, a cujo respeito se trata aqui. Pois o mundo espiritual influi
no mundo natural e atua neste em cada uma de suas coisas, tanto nos
homens quanto nas bestas, e também produz o vegetativo nas árvores
e nas ervas.

II. O mundo espiritual tem existido e subsistido pelo seu


Sol, e o mundo natural pelo seu.

4. Que haja um Sol do mundo espiritual e um sol do mundo


natural é porque esses mundos são completamente distintos, e um
mundo tira sua origem do sol, pois o mundo em que todas as coisas
são espirituais não poderia se originar do sol do qual todas as coisas
que procedem são naturais, porque assim haveria um influxo físico
que, todavia, é contra a ordem. Que o mundo exista pelo sol e não
vice-versa, vê-se pelo efeito da causa, ou seja, que o mundo em todas e
cada uma de suas coisas subsiste pelo sol, e a subsistência demonstra a
existência, pelo que se diz que a subsistência é a perpétua existência.
Por aí é evidente que, se o sol fosse removido, o mundo cairia no caos
e este no nada.
[2] Que no mundo espiritual haja outro Sol, diferente do que há no
mundo natural,é o que posso testificar, porque o vi. Ele aparece ígneo
como o nosso sol, de magnitude quase semelhante, distando dos anjos
assim como o nosso sol dista dos homens. Todavia, não nasce nem se
põe, mas fica imóvel à meia altura, entre o zênite e o horizonte, donde
há para os anjos perpétua luz e perpétua primavera.
[3] Um homem de razão que não conhece coisa alguma a respeito
do sol espiritual delira facilmente em sua idéia sobre a criação do
universo, na qual, quando a examina profundamente, não percebe
outra coisa senão que vem da natureza; e como a origem da natureza é
o sol, a idéia que tem é a do sol como seu criador. Além disso,
ninguém pode perceber o influxo espiritual a menos que também
conheça a sua origem, pois todo influxo é proveniente do Sol: o influxo
espiritual do seu e o influxo natural do seu. A visão interna do
homem, que é a de sua mente, recebe o influxo do Sol espiritual,
Interação da Alma com o Corpo 9

enquanto a visão externa, que é a do corpo, recebe o influxo do sol


natural, e elas se conjuntam na operação, semelhantemente ao que
ocorre entre a alma e o corpo.
[4] Por aí é evidente em que cegueira, escuridão e insensatez
podem incidir os que nada sabem a respeito do mundo espiritual e de
seu Sol. Na cegueira, porque a mente que depende apenas da visão do
olho se torna em seus raciocínios como um morcego que na noite voa
de um lado para outro para uma roupa pendurada; na escuridão,
porque a visão da mente, quando nela influi do interior a visão do
olho, é privada de todo lúmen espiritual e se torna semelhante à da
coruja; em insensatez, porque não obstante o homem pensa nas coisas
espirituais mas pelas naturais, e não vice-versa, por conseguinte, louca,
estulta e insensatamente.

III. O Sol do mundo espiritual é puro amor proveniente


de JEHOVAH Deus, que está no meio desse Sol.

5. As coisas espirituais não podem proceder de outra parte senão


do amor, e o amor não procede de outra parte senão de JEHOVAH Deus,
que é o Amor mesmo. Por isso o Sol do mundo espiritual, do qual
todas as coisas espirituais brotam como de sua fonte, é puro amor
procedente de JEHOVAH Deus, que está no meio desse Sol. Esse Sol
mesmo não é Deus, mas vem de Deus; é a esfera mais próxima ao
redor d’Ele e vindo d’Ele. Por meio desse Sol vindo de JEHOVAH Deus
foi criado o universo, pelo qual se entendem todos os mundos em
conjunto, que são tantos quantos são as estrelas na expansão de nosso
céu.
[2] Que a criação tenha sido feita por meio desse Sol, que é puro
amor, assim, por JEHOVAH Deus, é porque o amor é o Ser mesmo da
vida, e a sabedoria é o existir da vida daí, e todas as coisas foram
criadas pelo amor por meio da sabedoria. Isto é o que se entende por
estas palavras em João:
“A Palavra [Verbum] era Deus, e Deus era a Palavra. Todas as
coisas foram feitas por Ela e sem ela nada do que foi feito se fez; e o
mundo foi feito por Ela” (Jo. 1:1, 3, 10);
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a ‘Palavra’ aí é o Divino Vero, assim, também a Divina Sabedoria, pelo


que a Palavra aí é também chamada
“Luz que ilumina todo homem” (Jo. 1:9),
Assim como faz a Divina Sabedoria por meio do Divino Vero.
[3] Aqueles que atribuem a origem dos mundos a outra causa que
não o Divino Amor por meio da Divina Sabedoria alucinam como os
loucos que vêem espectros como homens, fantasmas como luzes e
seres de razão como efígies reais. Com efeito, o universo criado é uma
obra coerente do amor por meio da aabedoria. Verás isto se puderes
examinar a conexão em ordem, dos primeiros aos últimos.
[4] Assim como Deus é um, assim também o Sol espiritual é um,
pois às coisas espirituais, que são suas derivações, não é aplicável a
extensão do espaço, e a Essência e a Existência sem espaço estão em
toda parte nos espaços sem espaço; assim o Divino Amor vai do
princípio do universo a todos os seus fins. Que o Divino preencha
todas as coisas e pela implecção no estado criado conserve todas as
coisas a razão vê de longe, e vê de perto na medida que conhece o
amor tal como é em si, sua conjunção com a aabedoria, para que sejam
percebidos os fins, seu influxo na aabedoria para que se apresentem as
causas, e sua operação por meio da sabedoria, para que se produzam
os efeitos. (**)

IV. Desse Sol procedem calor e luz; o calor que dele


procede é em sua essência o amor, e a luz que daí
procede é em sua essência a sabedoria.

6. É notório que na Palavra e, daí, na linguagem comum dos


pregadores, o Divino Amor é expresso pelo fogo, como, por exemplo,
que o fogo celeste encha o coração e acenda um santo desejo de se
adorar a Deus. A razão disso é que o fogo corresponde ao amor e
assim o significa. Por isso é que JEHOVAH Deus foi visto como fogo na
sarça perante Moisés, do mesmo modo que sobre o monte Sinai
perante os filhos de Israel, e também por isso foi ordenado que se
conservasse o fogo perpétuo sobre o altar e em cada tarde se
acendessem as lâmpadas do castiçal no tabernáculo. Isto era assim
porque o fogo significava o amor.
Interação da Alma com o Corpo 11

[2] Que haja um calor proveniente desse fogo vê-se claramente


pelos efeitos do amor, porque o homem se abrasa, aquece e inflama
conforme seu amor se exalta em zelo ou na inflamação da ira. O calor
do sangue ou o calor vital dos homens e, em geral, dos animais, não
vem de outra parte senão do amor, que faz a vida deles. Tampouco o
fogo infernal vem de outra parte senão do amor oposto ao amor
celeste. Assim é, pois, que o Divino Amor aparece aos anjos como Sol
no mundo deles e ígneo, tal como nosso sol, como foi dito acima, e que
os anjos estão no calor segundo a recepção do amor proveniente de
JEHOVAH Deus por meio daquele Sol.
[3] Disso decorre que a luz ali é em sua essência a sabedoria, pois o
amor e a sabedoria são indivisíveis, assim como Ser e o Existir,
porquanto o amor existe pela sabedoria e segundo a sabedoria. Isto é
semelhante ao que ocorre em nosso mundo, em que o calor na estação
da primavera se une com a luz e produz as germinações e enfim as
frutificações. Além do mais, qualquer um sabe que o calor espiritual é
o amor e a luz espiritual é a sabedoria, pois o homem se aquece
conforme ama, e seu entendimento está na luz segundo ele sabe.
[4] Vi muitas vezes essa luz espiritual, que excede imensamente a
luz natural em brancura e também em esplendor, pois é como a
brancura mesma e o esplendor mesmo em si e aparece como neve
resplandecente e fulgurante, tal como foram vistas as vestes do Senhor
quando foi transfigurado (Mc. 9:3; Lc. 9:29). Visto que a luz é a
sabedoria, por isso o Senhor Se chama
“Luz que ilumina todo homem” (Jo. 1:9),
e, em outra passagem, diz que Ele é a
“Luz mesma” (Jo. 3:19; 8:12; 12:35, 36 e 46),
isto é, que Ele é o Divino Vero mesmo, que é a Palavra, por
conseguinte, a Sabedoria mesma.
[5] Acredita-se que o lúmen natural, que também é racional, seja
proveniente da luz de nosso mundo, mas provém da luz do Sol do
mundo espiritual, pois a visão da mente influi na visão do olho, como
também nas luzes, e não o contrário. Se fosse o contrário haveria o
influxo físico e não um influxo espiritual.
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V. Tanto esse calor quanto essa luz influem no homem; o


calor em sua vontade, produzindo aí o bem do amor, e a
luz em seu entendimento, produzindo aí o vero da
sabedoria.

7. Sabe-se que todas as coisas se referem universalmente ao bem e


ao vero, e que não existe uma única entidade em que não haja um
relativo a esses dois. Assim é que no homem há dois receptáculos de
vida, um que é o receptáculo do bem e que se chama vontade, e o
outro que é o receptáculo do vero e que se chama entendimento. E
como o bem pertence ao amor e o vero pertence à sabedoria, a vontade
é o receptáculo do amor e o entendimento é o receptáculo da
sabedoria. Que o bem pertença ao amor é porque aquilo que o homem
ama, isso ele quer, e quando o pratica ele o chama bem. E que o vero
pertença à sabedoria é porque toda sabedoria vem dos veros. De fato,
o bem em que o sábio pensa é o vero, e este se torna bem quando ele o
quer e pratica.
[2] Quem não distingue corretamente esses dois receptáculos da
vida que são a vontade e o entendimento e não forma para si uma
noção clara a respeito deles em vão se esforça para conhecer o influxo
espiritual, pois há um influxo na vontade e um influxo no
entendimento. Na vontade do homem há o influxo do bem do amor, e
no seu entendimento há o influxo do vero da sabedoria, um e outro
provenientes imediatamente de JEHOVAH Deus por meio do Sol em cujo
meio Ele está, e mediatamente por meio dos anjos do céu angélico.
Esses dois receptáculos, a vontade e o entendimento, são tão distintos
como o são o calor e a luz, porque a vontade recebe o calor do céu, a
qual é em sua essência o amor, e o entendimento recebe a luz do céu, a
qual é em sua essência a sabedoria, como foi dito acima.
[3] Existe um influxo da mente humana na linguagem e existe um
nas ações. O influxo na linguagem se faz da vontade por meio do
entendimento, enquanto o influxo nas ações se faz do entendimento
por meio da vontade. Aqueles que conhecem somente o influxo no
entendimento e não ao mesmo tempo na vontade, e por ele raciocinam
e tiram conclusões, são como caolhos, que vêem os objetos de um lado
só e não ao mesmo tempo do outro; ou são como manetas, que
Interação da Alma com o Corpo 13

trabalham estouvadamente com uma mão só; ou são como mancos,


que andam aos pulos com uma muleta. Por essas poucas palavras fica
explicado que o calor espiritual influi na vontade do homem e produz
o bem do amor, e a luz espiritual influi no seu entendimento e produz
o vero da sabedoria.

VI. Esses dois, a saber, o calor e a luz, ou o amor e a


sabedoria, influem conjuntamente de Deus na alma do
homem e, por esta, na mente, em suas afeições e
pensamentos, e desses nos sentido do corpo, na
linguagem e nas ações.

8. O influxo espiritual até aqui tratado por pessoas de talento


aguçado é o que vai da alma até o corpo, e não algum influxo na alma
e, por ela, no corpo, ainda que se saiba que todo bem do amor e todo
vero da fé influem de Deus no homem e que nada disso vem do
homem. E as coisas que influem de Deus influem mais proximamente
na alma do homem, pela alma na mente racional e por esta nas coisas
que fazem o corpo. Se alguém investiga de outro modo a respeito do
influxo espiritual faz como aquele que tapa o veio da fonte e mesmo
assim busca ali perenes águas; ou como aquele que conclui que o
nascimento da árvore vem da raiz e não da semente; ou como aquele
que examina as derivações sem um princípio.
[2] Com efeito, a alma não é a vida em si, mas um recipiente da
vida que vem de Deus, que é a Vida em si, e todo influxo é da vida,
assim, de Deus. Isto se entende por
“JEHOVAH Deus inspirou nas narinas do homem a alma de vidas, e o
homem se tornou alma vivente” (Gn. 2:7);
’inspirar nas narinas a alma de vidas’ significa incutir a percepção do
bem e do vero. E, também, o Senhor disse a respeito de Si mesmo:
“Assim como o Pai tem a vida em Si, também deu ao Filho ter a
vida em Si” (Jo. 5:26);
a Vida em Si é Deus, e a vida da alma é a vida que influi de Deus.
14 Emanuel Swedenborg

[3] Ora, visto que todo influxo pertence à vida, e esta opera por
meio de seus receptáculos, e o íntimo ou primeiro dos receptáculos no
homem é a sua alma, por isso, para que o influxo seja corretamente
percebido, deve ser iniciado de Deus e não de uma estação
intermediária. Se o fosse por esta, a doutrina do influxo seria como um
carro sem as rodas ou como um navio sem as velas. Porquanto é assim,
por isso nas premissas se tratou do Sol do mundo espiritual, em cujo
meio JEHOVAH Deus está, n. 5, e do influxo do amor e da sabedoria dali,
assim, da vida, ns. 6 e 7.
[4] Que a vida de Deus influa no homem pela alma e, por ela, em
sua mente, isto é, em suas afeições e pensamentos, e destas nos
sentidos do corpo, na linguagem e nas ações é porque essas coisas
pertencem à vida em ordem sucessiva. Porque a mente é subordinada
à alma, e o corpo é subordinado à mente, e a mente tem duas vidas,
uma da vontade e a outra do entendimento. A vida da vontade é o
bem do amor, cujas derivações se chamam afeições, e a vida do
entendimento é o vero da sabedoria, cujas derivações se chamam
pensamentos; por estas e aquelas é que a mente vive. Mas a vida do
corpo são os sentidos, a linguagem e as ações. Que estas sejam
provenientes da alma por meio da mente é o que se segue da ordem
em que estão, e por aí se manifestam perante o sábio, sem
investigação.
[5] A alma humana, por ser uma substância espiritual superior,
recebe o influxo imediatamente de Deus, enquanto a mente humana,
por ser uma substância espiritual inferior, recebe o influxo de Deus
mediatamente, por meio do mundo espiritual; e o corpo, por ser
constituído de substâncias da natureza que se chamam matérias,
recebe o influxo de Deus mediatamente, por meio do mundo natural.
Na seqüência se verá que o bem do amor e o vero da sabedoria
conjuntamente, isto é, unidos como um, influem na alma do homem,
mas, na progressão, são divididos pelo homem e conjuntos nas pessoas
na medida em que se deixam conduzir por Deus.

VII. O sol do mundo natural é puro fogo, e por esse sol a


natureza do mundo tem existido e subsistido.
Interação da Alma com o Corpo 15

9. A natureza e seu mundo, pelos quais se entendem as


atmosferas e as terras que se chamam planetas, entre as quais está o
globo terráqueo sobre o qual habitamos, e também todas e cada uma
das coisas que adornam a sua superfície todos os anos, subsistem,
todas elas, unicamente pelo sol que faz o seu centro, pelos raios de sua
luz e pelas tempéries de seu calor em toda parte onde está presente.
Isto qualquer um sabe com certeza pelo exame pessoal, pela noção dos
sentidos e pelos escritos a respeito de sua habitação. E visto que a
perpétua subsistência vem daí, a razão pode concluir também com
certeza que a existência também vem daí, pois o perpétuo subsistir é o
perpétuo existir tal como existe. Disto se segue que o mundo natural
foi criado por JEHOVAH Deus por meio desse sol secundário.
[2] Que as coisas espirituais e as naturais sejam inteiramente
distintas entre si, e que a origem e a sustentação espiritual venham do
Sol que é puro amor, em cujo meio está JEHOVAH Deus, o Criador e
Sustentador do universo, é o que foi demonstrado até aqui. Que,
porém, a origem e a sustentação das coisas naturais seja o sol que é
puro fogo, e que esse sol venha daquele, e ambos de Deus, segue-se
por si, como o posterior segue do anterior e o anterior** do Primeiro.
[3] Que o sol da natureza e de seus mundos seja puro fogo, todos
os seus efeitos demonstram, como a concentração de seus raios no foco
de um artefato óptico, do qual o fogo se produz com ardente
veemência e também a chama. A qualidade de seu calor é semelhante
ao calor do fogo elementar, e a graduação desse calor é segundo a
incidência, donde procedem os climas e também as quatro estações do
ano, além de muitas outras coisas pelas quais a razão por confirmar
por meio dos sentidos do seu corpo que o sol do mundo natural é
mero fogo, e também que é o fogo em sua pureza mesma.
[4] Aqueles que nada sabem a respeito da origem das coisas
espirituais de seu Sol, mas somente a respeito da origem das naturais
do seu, dificilmente podem deixar de confundir as coisas espirituais
com as naturais e concluir ,pelas falácias dos sentidos e pelos
raciocínios daí, que as espirituais não passam de naturais mais puras, e
que da atividade delas excitada pela luz e pelo calor surgem a
sabedoria e o amor. Esses, porque não vêem com os olhos outra coisa,
nem percebem com as narinas outra coisas, nem respiram com o peito
16 Emanuel Swedenborg

outra coisa senão a natureza, por isso a ela atribuem todas as coisas,
mesmo as racionais, e assim se imbuem do naturalismo tal como a
esponja absorve a água. Mas eles podem ser comparados a carroceiros
que atrelam parelhas de cavalos atrás e não na frente do carro.
[5] É diferente com aqueles que fazem distinção entre as coisas
espirituais e as naturais, e estas deduzem daqueles. Esses também
percebem que o influxo da alma no corpo é espiritual, e que as coisas
naturais, que pertencem ao corpo, servem à alma de veículos e meios
para produzir no mundo natural os seus efeitos. Se tu concluis
diferentemente, podes ser assemelhado ao caranguejo, que anda
avançando pela cauda gradativamente e volta os olhos para trás
segundo a progressão. E tua visão racional pode ser comparada à visão
dos olhos de Argos, no occipício, estando dormentes os olhos do rosto.
Esses até se crêem Argos quando raciocinam, pois dizem: “Quem não
vê a origem do universo na natureza? E, então, o que é Deus senão a
extensão íntima da natureza?” E semelhantes irracionalidades, com as
quais se gloriam mais do que os sábios com as coisas racionais.

VIII. Daí, tudo o que procede desse sol é morto,


considerado em si mesmo.

10. Quem é que não vê pela razão do entendimento, se este for um


pouco elevado acima das coisas dos sentidos do corpo, que o amor
considerado em si mesmo é vivo e que a aparência do seu fogo é a
vida? E, ao contrário, que o fogo elementar considerado em si mesmo é
relativamente morto? Conseqüentemente, que o Sol do mundo
espiritual, por ser puro amor, é vivo, e o sol do mundo natural, por ser
puro fogo, é morto? É semelhante com todas as coisas que procedem e
existem desses sóis.
[2] Há duas coisas que produzem todos os efeitos no universo, a
vida e a natureza, e os produzem segundo a ordem quando a vida do
interior atua na natureza. De outro modo acontece quando a natureza
do interior leva a vida a agir, o que acontece naqueles que põem a
natureza, que em si mesmo é morta, acima e dentro da vida, e daí
indulgem somente as volúpias dos sentidos e as concupiscências da
carne, e não estimam as coisas espirituais da alma nem as
Interação da Alma com o Corpo 17

verdadeiramente racionais da mente. Esses são que são chamados


mortos, por causa dessa inversão. Tais são todos os naturalistas ateus
no mundo e todos os satanases no inferno.
[3] São referidos como mortos também na Palavra, como em
David:
“Apegaram-se a Baalpeor e comeram os sacrifícios dos mortos” (Sl.
106:28);
“O inimigo perseguiu a minha alma; fez-me sentar nas trevas como
os mortos do mundo” (Sl. 143:3);
“Para ouvir o gemido dos presos, e para abrir aos filhos da morte”
(Sl. 102:21);
e no Apocalipse:
“Conheço as tuas obras; tens o nome de que vives, mas estás
morto. Sê vigilante e fortalece as restantes que estão para morrer”
(Ap. 3:1, 2).
[4] São chamados ‘mortos’ porque a morte espiritual é a danação, e
terão a danação aqueles que crêem que a vida vem da natureza e,
assim, que a luz da natureza é a luz da vida, e por esse modo
encerram, sufocam e extinguem toda idéia sobre Deus, o céu e a vida
eterna. Esses são, pois, como corujas, que vêem a luz nas trevas e as
trevas na luz, isto é, os falsos como veros e os males como bens. E
como os prazeres do mal são para eles os prazeres do coração, não são
diferentes das aves e das bestas que devoram os corpos dos mortos
como coisas deliciosas e sentem os fedores dos sepulcros como
bálsamo. Eles também não vêem outro influxo senão o influxo que é
físico ou natural; se, no entanto, afirmam o influxo espiritual, fazem-no
não por alguma idéia sua, mas pela boca dos mestres.

IX. O espiritual se reveste do natural, assim como o


homem se veste.

11. Sabe-se que em toda operação existe um ativo e um passivo, e


que nada existe do ativo somente nem coisa alguma do passivo
somente. É semelhante com o espiritual e o natural. O espiritual, por
ser a força viva, é o ativo, enquanto o natural, por ser a força morta, é o
passivo. Daí se segue que tudo o que neste mundo solar existiu desde
18 Emanuel Swedenborg

o princípio e daí em todo momento existe procede do espiritual por


meio do natural, e isto não somente nos sujeitos do reino animal mas
também nos sujeitos do reino vegetal.
[2] Algo semelhante que também se sabe é que em tudo o que se
efetua existe um principal e um instrumental, e que esses dois, quando
realizam alguma coisa, aparecem como um só, ainda que sejam
distintamente dois. Por esse motivo, entre os cânones da sabedoria se
acha também esta, que a causa principal e a causa instrumental fazem
juntamente uma só causa. Assim é também com o espiritual e o
natural. Que esses dois apareçam como um nos efeitos é porque o
espiritual está dentro do natural assim como a fibra dentro do músculo
e como o sangue nas artérias, ou como o pensamento na linguagem e a
afeição no som, e por estes se faz sentir no natural. É evidente que o
espiritual se reveste do natural, ainda que o seja como com uma fino
véu, assim como o homem se veste.
[3] O corpo orgânico de que a alma se reveste é assemelhado a essa
vestimenta, porque dela se reveste, e também a alma se despe dela e a
lança fora como despojo quando, pela morte, emigra do mundo
natural para o seu mundo espiritual. Como uma vestimenta, o corpo
também se desgasta, mas não a alma, pois esta é de substância
espiritual, que nada tem em comum com as mutações da natureza, as
quais progridem dos inícios para os fins e periodicamente se acabam.
[4] Aqueles que não consideram o corpo como vestimenta ou
indumentário da alma, e que o corpo em si mesmo é morto e está
adaptado somente para receber as forças influentes de Deus pela alma,
não pode deixar de concluir pelas falácias que a alma vive por si e o
corpo por si, e que entre um e outro a vida é a harmonia
preestabelecida. Ou, também, que a vida da alma influi na vida do
corpo ou a vida do corpo na vida da alma, e assim concebem o influxo
como sendo ou espiritual ou natural. Quando, todavia, por tudo o que
é criado fica provada a verdade de que o posterior não age por si, mas
por um anterior a si; e, também, tampouco esse age por si, mas por um
ainda mais anterior. Por conseguinte, não há coisa alguma que aja por
si, mas por um Primeiro, assim, por Deus. Além disso, a vida é única e
ela não é criável, mas sumamente influente em formas organicamente
Interação da Alma com o Corpo 19

adaptadas para a recepção. Essas formas são todas e cada uma das
coisas no universo criado.
[5] Muitos acreditam que a alma é a vida e que, daí, o homem,
porque vive da alma, vive por sua vida, assim, por si mesmo e, por
conseguinte, não pelo influxo da vida proveniente de Deus. Mas esses
não podem deixar de formar uma espécie de nó górdio pelas falácias e,
daí, emaranhar nele todos os julgamentos de sua mente, donde
procedem meras insanidades espirituais; ou construir um labirinto do
qual a mente, por algum fio de razão, não pode jamais encontrar o
caminho de saída e escapar. Na realidade, até se precipitam em
cavernas sob a terra, onde vivem em eternas trevas.
[6] Porque daí brotam inumeráveis as falácias e cada uma delas é
horrenda, como que Deus Se transfundiu e Se transferiu nos homens e,
assim, cada homem é alguma deidade que vive por si e, daí, que o bem
que o homem faz e sabe vem de si; de igual modo, que o homem
possui a fé e a caridade em si e, portanto, as produz de si e não de
Deus, além de muitas outras enormidades quais as que estão com
aqueles no inferno, os quais, quando estavam no mundo, acreditaram
que a natureza vivia ou que sua atividade produzia vida. Esses,
quando olham para o céu, vêem a luz do céu como mera escuridão.
Certa vez ouvi uma voz do céu dizendo que, se no homem houvesse
uma centelha de vida sua, e não de Deus nele, não haveria o céu nem
coisa alguma ali, e, por conseguinte, não haveria igreja alguma nas
terras e, daí, não haveria a vida eterna. Outras coisas sobre este
assunto podem ser consultadas no memorável inserido na obra sobre o
Amor Conjugal, ns. 132 a 136.

X. As coisas espirituais, assim revestidas no homem,


fazem com que ele possa viver racional e moral, por
conseguinte, espiritualmente no natural.

12. Isto se segue como conclusão do princípio acima estabelecido,


de que a alma se reveste do corpo assim como o homem se veste, pois
a alma influi na mente humana e, por ela, no corpo, e traz consigo a
vida que recebe continuamente do Senhor, transferindo-a assim
imediatamente no corpo, onde, por uma união muito próxima, faz com
20 Emanuel Swedenborg

que o corpo viva, por assim dizer. Assim, e pelo testemunho de


milhares de experiências, é evidente que o espiritual unido ao
material, como uma força viva com uma força morta, faz com que o
homem fale racionalmente e aja moralmente.
[2] Parece que a língua e os lábios falam por uma certa vida em si,
e que os braços e as mãos agem semelhantemente, mas é o
pensamento, que em si é espiritual, que fala, e a vontade, que é
igualmente espiritual, que age, ambos por meio de seus órgãos, que
são em si mesmos materiais, porque foram tomados do mundo
natural. Que isto seja assim é o que se mostra à luz do dia, contanto
que se preste atenção ao seguinte: remove o pensamento da
linguagem; acaso a boca não emudece num instante? Remove também
a vontade da ação; acaso as mãos não repousam no mesmo instante?
[3] A união das coisas espirituais com as naturais e, daí, a
aparência de vida nas materiais pode ser comparada a um vinho nobre
numa esponja limpa, ao mosto açucarado na uva, ao sumo saboroso na
fruta e também ao odor aromático na canela. As fibras continentes de
todos estes são materiais que por si mesmos não têm sabor nem
fragrância, mas, sim, pelos fluidos neles e dentro deles; por isso, se
espremeres os seus sucos, tornam-se filamentos mortos. Dá-se
semelhantemente com os órgãos próprios do corpo, se a vida lhes for
tirada.
[4] Que o homem seja racional pela união das coisas espirituais
com as naturais é evidente pelos seus pensamentos analíticos; e
também é moral pelas ações honestas e pela decência de seus gestos.
Estas ele tem pela faculdade de poder receber o influxo do Senhor por
meio do céu angélico, onde é o habitáculo mesmo da sabedoria e do
amor, por conseguinte, da racionalidade e da moralidade. Por aí se
percebe que o espiritual e o natural unidos no homem fazem com que
ele viva espiritualmente no natural. Que ele seja semelhante ou mesmo
dessemelhante após a morte é porque a sua alma está então revestida
de um corpo substancial, assim como no mundo natural foi revestida
de um corpo material.
[5] Muitos crêem que as percepções e os pensamentos da mente,
por serem espirituais, influem nus e não por meio de formas
organizadas. Mas assim sonham aqueles que não viram os interiores
Interação da Alma com o Corpo 21

da cabeça, onde as percepções e os pensamentos estão em seus


princípios, e ali estão os cérebros1, entretecidos e cobertos de
substâncias cinerícias e medulares, e também glândulas, cavidades,
septos, e todas elas envoltas pelas meninges e pela máter; e o homem
segundo o estado íntegro ou pervertido de todos esses pensa e quer de
forma sã ou insana, resultando que é racional e moral segundo a
formação orgânica de sua mente. Pois a visão racional do homem, a
qual pertence ao entendimento, sem as formas organizadas para a
recepção da luz espiritual não seria de atributo algum, assim como a
visão natural sem os olhos. E assim por diante.

XI. A recepção desse influxo é segundo o estado de amor


e de sabedoria no homem

13. Que o homem não seja a vida, mas um órgão recipiente da vida
de Deus, e que o amor unido à sabedoria seja a vida e também Deus
seja o Amor mesmo e a Sabedoria mesma, e, assim, a Vida mesma, é o
que foi demonstrado acima. Segue-se daí que quanto mais o homem
ama a sabedoria, ou quanto mais a sabedoria no seio do amor está
nele, mais ele é imagem de Deus, isto é, receptáculo da vida de Deus.
E, ao contrário, quanto mais está no amor oposto e, daí, na insanidade,
menos recebe a vida de Deus, mas a do inferno, vida essa que se
chama morte.
[2] O amor mesmo e a sabedoria mesma não são a vida, mas o ser
da vida, e os prazeres do amor e as amenidades da sabedoria, que são
as afeições, fazem a vida, pois o ser da vida existe por elas. O influxo
da vida de Deus traz consigo esses prazeres e amenidades, assim como
o influxo da luz e do calor na estação da primavera nas mentes
humanas e também em todo gênero de aves e bestas, até mesmo nos
vegetais, que então germinam e proliferam. É porque os prazeres do
amor e as amenidades da sabedoria expandem os ânimos e os
adaptam para a recepção, assim como o regozijo e a alegria expandem
as faces e as adaptam para o influxo contente da alma.
[3] O homem que é movido pelo amor da sabedoria é como o
jardim do Éden no qual há duas árvores, uma da vida e a outra da
1
No plural, referindo-se ao cérebro e ao cerebelo.
22 Emanuel Swedenborg

ciência do bem e do mal. A árvore da vida é a recepção do amor e da


sabedoria de Deus, e a árvore da ciência do bem e do mal é a recepção
destes de si mesmo, mas esta última torna-o insano e faz com que se
creia saber como Deus, enquanto pela primeira recepção ele
verdadeiramente sabe e crê que ninguém sabe senão Deus somente, e
que o homem, quanto mais crê nisso, mais sabe, e ainda mais quando
sente que quer isso. Todavia, muitas coisas a respeito deste assunto são
vistas no memorável inserido na obra sobre o Amor Conjugal, ns. 132 a
136.
[4] Acrescentarei aqui um arcano do céu que confirma isso. Todos
os anjos do céu voltam o rosto para o Senhor como Sol, e todos os
anjos do inferno voltam para Ele o occipício, e estes últimos recebem o
influxo nas afeições de sua vontade, as quais em si mesmas são
concupiscências e fazem com que o entendimento favoreça, enquanto
os primeiros recebem o influxo nas afeições de seu entendimento, e
fazem com que a vontade favoreça, pelo que estes estão na sabedoria
enquanto os outros na insanidade. Com efeito, o entendimento
humano habita no cérebro, que está sob o frontispício, e a vontade está
no cerebelo, que está no occipício.
[5] Quem não sabe que o homem que se torna insensato pelas
falsidades favorece os males de suas cobiças e os confirma pelas razões
do entendimento, e que o homem sábio vê pelos veros quais são as
cobiças de sua vontade e as refreia? Isto o sábio faz porque volta a face
para Deus, isto é, crê em Deus e não em si mesmo, mas aquilo faz o
insano, que desvia de Deus a face, isto é, crê em si mesmo e não em
Deus. Crer em si mesmo é crer que ama e sabe por si e não por Deus, e
isto é significado por comer da árvore da ciência do bem e do mal, mas
crer em Deus é crer que ama e sabe por Deus e não por si, e isto é
comer da árvore da vida (Ap. 2:7).
[6] Por aí se pode perceber – ainda que seja como no lúmen
noturno da lua – que a recepção do influxo da vida de Deus é segundo
o estado de amor e de sabedoria no homem. Esse influxo pode ser
ainda mais ilustrado pelo influxo de luz e de calor nos vegetais, os
quais florescem e frutificam segundo o enlace das fibras que os
formam, assim, segundo a recepção. E pode também ser ilustrado pelo
influxo dos raios de luz nas pedras preciosas que os modificam em
Interação da Alma com o Corpo 23

cores segundo a posição das partes que as compõem, assim, segundo a


recepção. Igualmente, pelas lentes ópticas e pelas águas da chuva, que
apresentam íris segundo as incidências, refrações e, assim, recepções
da luz. Dá-se de modo semelhante com as mentes humanas quanto a
luz espiritual que procede do Senhor como Sol, que influi
perpetuamente mas é recebida variadamente.

XII. O entendimento no homem pode ser elevado na luz,


isto é, na sabedoria em que estão os anjos do céu segundo
o cultivo da razão, e sua vontade pode ser elevada no
calor, isto é, no amor, semelhantemente, segundo os
feitos da vida.

14. Mas o amor da vontade não é elevado senão na medida que o


homem quer e pratica as coisas que a sabedoria do entendimento
ensina. Pelas mente humana se entendem as duas faculdades que se
chamam entendimento e vontade; o entendimento é o receptáculo da
luz do céu, que em sua essência é a sabedoria, e a vontade é o
receptáculo do calor do céu, que em sua essência é o amor, como acima
se mostrou. Estes dois, a sabedoria e o amor, procedem do Senhor
como Sol e influem universal e singularmente no céu, donde os anjos
têm sabedoria e amor, e influem também universal e singularmente no
mundo, donde os homens têm sabedoria e amor.
[2] Esses dois procedem unidos do Senhor e influem igualmente
unidos nas almas dos anjos e homens, mas não são recebidos unidos
nas mentes; aí é recebida primeiro a luz, que faz o entendimento, e
gradativamente é recebido o amor, que faz a vontade. Isto também foi
provido para que todo homem seja criado de novo, isto é, reformado, e
isto se faz pelo entendimento, pois desde a infância ele absorve as
cognições do vero e do bem que o ensinam a viver bem, isto é, a querer
e agir corretamente. Assim, a vontade é formada por meio do
entendimento.
[3] Por este propósito é que foi concedida ao homem a faculdade
de elevar o entendimento quase à luz em que estão os anjos do céu,
24 Emanuel Swedenborg

para que veja o que lhe importa querer e, daí, fazer, a fim de ser
próspero no mundo, no tempo, e bem-aventurado após a morte, na
eternidade. Faz-se próspero e bem-aventurado se adquire para si a
sabedoria e mantém sua vontade em obediência a ela, mas não
próspero e infeliz se põe o seu entendimento sob obediência da
vontade. A razão disso é que a vontade por nascimento se inclina para
os males, mesmo os enormes; por isso, se ela não for refreada pelo
entendimento, o homem se lança às coisas nefastas e, de fato, por sua
ínsita natureza ferina, devastaria por causa de si todos os que o não
favorecessem nem lhe fossem indulgentes.
[4] Além disso, se o entendimento não pudesse ser separadamente
aperfeiçoado e, por meio deste, a vontade, o homem não seria homem,
mas uma besta, pois, sem essa separação e sem a ascensão do
entendimento acima da vontade, não poderia pensar e, pelo
pensamento, falar, mas somente ressoar sua afeição. Tampouco
poderia agir pela razão, mas pelo instinto, e ainda menos poderia
conhecer as coisas que são de Deus e, por elas, conhecer a Deus e ser
assim conjunto a Ele e viver na eternidade. Pois o homem pensa e quer
como de si mesmo, e essa aparência de como de si mesmo é o
recíproco da conjunção, porquanto não existe a conjunção sem o
recíproco, assim como não existe a conjunção do ativo com o passivo
sem o reativo. Somente Deus age, e o homem se deixa agir, e age em
toda aparência por si, ainda que interiormente o seja por Deus.
[5] Por estas coisas corretamente percebidas pode-se ver a
qualidade do amor da vontade do homem, se é elevado pelo
entendimento, e, também, a qualidade desse amor se não é elevado;
conseqüentemente, a qualidade do homem. Mas essa qualidade do
homem, quando o amor não é elevado pelo entendimento, é ilustrada
por meio de comparações. É como a águia que voa no alto, mas, assim
que vê em baixo a comida que é de seu desejo, como as galinhas, os
pombinhos e mesmo os filhotes das ovelhas, num momento se projeta
e os devora. É semelhante também a um adúltero que esconde num
quarto inferior uma prostituta e ora aparece na região superior da casa
e ali fala sabiamente a respeito da castidade com os quais convive, ora
se furta de seus companheiros e sacia sua lascívia com a prostituta
embaixo.
Interação da Alma com o Corpo 25

[6] É semelhante, também, a um ladrão na torre, que simula estar


de vigia e que, tão logo vê abaixo um objeto de rapina, precipita-se
para baixo e o captura. Também pode ser assemelhado a moscas do
pântano que voam em coluna sobre a cabeça de um cavalo que corre,
as quais, parando o cavalo, descem e imergem em seu pântano. Tal é o
homem cuja vontade ou amor não é elevado pelo entendimento, pois
então embaixo, aos pés, permanece imerso nas coisas imundas da
natureza e libidinosas dos sentidos. É inteiramente diferente com os
que domam as atrações das cobiças da vontade pela sabedoria do
entendimento. Nesses, em seguida, o entendimento entra em aliança
conjugal com a vontade, por conseguinte, a sabedoria com o amor, e
coabitam em cima com delícias.

XIII. É inteiramente diferente com as bestas.

15. Aqueles que julgam somente pelas aparências que estão diante
dos sentidos do corpo concluem que as bestas têm igualmente uma
vontade e um entendimento, assim como os homens, e que, assim, a
única diferença que existe é que o homem pode falar e, portanto,
enunciar aquilo que pensa e deseja, enquanto a besta pode somente
ressoar isso. Todavia, as bestas não têm vontade e entendimento, mas
certa imagem de ambos, à qual os eruditos chamam de análogo.
[2] O homem é homem porque seu entendimento pode ser elevado
acima dos desejos de sua vontade, e assim, de cima, pode conhecê-los,
vê-los e também moderá-los, enquanto a besta é besta porque os
desejos a levam a fazer o que faz. Por isso o homem é homem pelo fato
de a sua vontade estar na obediência do entendimento, enquanto a
besta é besta pelo fato de seu entendimento estar na obediência de sua
vontade. Daí se segue esta conclusão, que o entendimento do homem é
vivo porque recebe a luz que influi do céu, a qual ele apreende e
percebe como sua, e por ela pensa analiticamente com toda variedade
inteiramente como por si mesmo, tendo, assim, o verdadeiro
entendimento; e a sua vontade é viva porque recebe o influxo do amor
do céu e por este age como por si mesmo, tendo, assim, a verdadeira
vontade. Mas é o contrário nas bestas.
26 Emanuel Swedenborg

[3] Por essa razão, aqueles que pensam pelas coisas libidinosas da
vontade são assemelhados às bestas e também, no mundo espiritual,
de longe aparecem como bestas. Também agem de modo semelhante,
com a única diferença de que podem agir diferentemente, se o
quiserem, enquanto aqueles que pelo entendimento reprimem as
coisas libidinosas de sua vontade e, daí, agem racional e sabiamente,
no mundo espiritual aparecem como homens e são anjos do céu.
[4] Em suma, a vontade e o entendimento nas bestas são sempre
coerentes; e como a vontade em si é cega, pois está no calor e não na
luz, o entendimento também se torna cego; daí, uma besta não sabe
nem entende o que o faz, e, no entanto, o faz, pois age pelo influxo do
mundo espiritual, e essa ação é o instinto.
[5] Acredita-se que uma besta pelo entendimento pensa no que
faz, mas não é assim. Ela é somente levada a agir pelo amor natural
que lhes é ínsito pela criação, com o auxílio dos sentidos do seu corpo.
O fato de o homem pensar e falar se deve unicamente a que seu
entendimento é separável da vontade, podendo ser elevado até à luz
do céu, pois o entendimento pensa e o pensamento fala.
[6] Que as bestas ajam segundo as leis da ordem inscritas em sua
natureza e, algumas, como se fosse moral e racionalmente,
diferentemente de muitos homens, é porque o entendimento delas está
em cega obediência aos desejos de sua vontade e, assim, não podem
pervertê-la por meio de raciocínios depravados, assim como fazem os
homens. Cumpre observar que, pela vontade e pelo entendimento das
bestas, no que foi anteriormente dito, entendem-se uma imagem e um
análogo de vontade e de entendimento; esses análogos são assim
chamados por causa das aparências.
[7] A vida das bestas pode ser comparada a um sonâmbulo, que
anda e age pela vontade tendo o entendimento adormecido; e também
a um cego que vai pelos caminhos conduzido por um cão; e ainda a
um estúpido que, pelo costume e, daí pelo hábito, faz seu trabalho
segundo as regras. É semelhante a alguém privado de memória e, daí,
estéril de entendimento que, todavia, sabe ou aprende a se vestir,
comer com elegância, amar o sexo, andar pelas ruas de casa em casa e
fazer coisas tais que são aprazíveis aos sentidos e indulgem a carne, às
Interação da Alma com o Corpo 27

quais é levado pelas atrações e volúpias, ainda que não pense e, daí,
não possa falar.
[8] Por aí é evidente o quanto se iludem os que acreditam que as
bestas desfrutam de racionalidade e só se diferenciam dos homens
pela figura externa e pelo fato de não poderem enunciar as coisas
racionais que interiormente encerram. Dessas falácias eles também
concluem muitas outras, a saber, que, se o homem vive após a morte,
também a besta deve viver; e, ao contrário, se a besta não vive após a
morte, tampouco o homem deve viver, além de muitas outras ilusões
oriundas da ignorância a respeito da vontade e do entendimento e
também a respeito dos graus pelos quais a mente do homem, como por
escadas, se eleva ao céu.

XIV. Há três graus no mundo spiritual e três graus no


mundo natural, até hoje desconhecidos, segundo os quais
se faz todo influxo.

16. Pela investigação das causas proveniente dos efeitos se


descobre que há graus de dois gêneros: um no qual estão os anteriores
e os posteriores, e o outro no qual estão os maiores e os menores. Os
graus que distinguem os anteriores dos posteriores devem ser
chamados de graus de altura e, também, discretos; mas os graus em
que os maiores e menores se distinguem entre si devem ser chamados
de graus de largura e, também, contínuos.
[2] Os graus de altura ou discreto são como gerações e
composições de um oriundo de outro, como, por exemplo, de algum
nervo , que é oriundo das fibras, e fibras sendo oriundas de fibrilas, ou
de alguma porção de madeira, pedra ou metal oriunda das partes e
essas partes sendo oriundas de partículas. Mas os graus de largura ou
contínuos são como os aumentos e diminuições do mesmo grau de
altura quanto a sua largura, altura e profundidade, tal como os
volumes de águas, ou de ar, ou do éter, maiores e menores, e como as
grandes e pequenas massas de madeira, pedra ou metal.
[3] Todas e cada uma das coisas em ambos os mundos, o espiritual
e o natural, por criação, estão nesses dois gêneros de graus. Todo o
reino animal neste mundo está nesses graus no geral e no particular;
28 Emanuel Swedenborg

todo o reino vegetal e todo reino mineral igualmente, e como a


expansão atmosférica desde o Sol até à Terra.
[4] Há, por conseguinte, três graus de atmosferas segundo os graus
de altura discretamente distintos, tanto no mundo espiritual quanto no
mundo natural, porque um e outro têm o seu sol. Mas, as atmosferas
do mundo espiritual derivam de sua origem o fato de serem
substanciais, enquanto as atmosferas do mundo natural derivam de
sua origem o fato de serem materiais. E visto que as atmosferas
descendem de suas origens segundo esses graus, e elas são continentes
da luz e do calor como se fosse veículos condutores **, segue-se que há
três graus de luz e de calor. E como a Luz no mundo espiritual é, em
sua essência, a sabedoria, e o Calor ali é, em sua essência, o amor,
conforme foi demonstrado num artigo próprio acima, segue-se
também que há três graus de sabedoria e três graus de amor; por
conseguinte, três graus de vida, pois são graduados pelas coisas pelas
quais passam.
[5] Daí é que há três céus: o supremo, que também se chama
terceiro, onde estão os anjos do grau supremo; o médio, que também
se chama segundo, onde estão os anjos do grau médio; e o mais
externo, que também se chama primeiro, onde estão os anjos do último
grau. Esses céus são também distintos segundo os graus de sabedoria e
de amor. Os que estão no céu mais externo estão no amor de conhecer
os veros e os bens; os que estão no céu médio, no amor de os
compreender; e os que estão no céu supremo, no amor de saber, isto é,
de viver segundo as coisas que conhecem e entendem.
[6] Porquanto os céus angélicos foram distintos em três graus, por
isso a mente humana é distinta em três graus, pois ela é uma imagem
do céu, isto é, um céu na mínima forma. Daí é que o homem pode se
tornar um anjo de um desses três céus, e isto se faz segundo a recepção
da sabedoria e do amor provenientes do Senhor. Torna-se anjo do céu
mais externo se apenas recebe o amor de conhecer os veros e bens; anjo
do céu médio se recebe o amor de compreendê-los; e anjo do céu
supremo se recebe o amor de saber, isto e, de viver segundo os veros e
bens. Que a mente humana seja distinta em três regiões segundo os
céus é o que se vê no memorável inserido na obra Amor Conjugal, n.
270. Por aí é evidente que todo influxo espiritual para o homem e no
Interação da Alma com o Corpo 29

homem a partir do Senhor desce por esses três graus, e é recebido pelo
homem segundo os graus de sabedoria e de amor em que se encontra.
[7] O conhecimento desses graus é hoje da maior utilidade,
porquanto muitos que não os conhecem permanecem no último grau e
neste se prendem, no qual estão os sentidos de seu corpo, e, pela
ignorância, que é a escuridão do entendimento, não podem ser
elevados à luz espiritual que está acima deles. Assim é que o
naturalismo invade como que espontaneamente assim que se esforçam
para explorar e esquadrinhar alguma coisa a respeito da alma e da
mente humana e sua racionalidade, e ainda mais se for a respeito do
céu e da vida após a morte. Daí se tornam, comparativamente, como
aqueles que se põem nas ruas com um telescópio nas mãos, olhando o
céu e fazendo vãs predições. E também como aqueles que, de todo
objeto que vêem e de toda coisa que ouvem, tagarelam e também
raciocinam, sem que haja nisso qualquer coisa racional do
entendimento. Mas estes são como açougueiros que se crêem peritos
em anatomia, porque examinaram as vísceras do boi e da ovelha
exteriormente e não interiormente.
[8] A verdade, porém, é que pensar pelo influxo do lúmen natural
não iluminado pelo influxo da luz espiritual não é outra coisa senão
sonhar e, pelo pensamento sobre isso, falar; assim, é fazer-se tolo. Mas,
a respeito desses graus, muitas coisas se vêem na obra Do Divino Amor
e da Divina Sabedoria [Sabedoria Angélica], publicada em Amsterdã no
ano de 1763, ns. 173 a 281.
17. Os fins estão no primeiro grau, as causas no segundo e os
efeitos no terceiro. Quem não vê que o fim não é a causa, mas produz a
causa, e que a causa não é o efeito, mas produz o efeito, e que,
conseqüentemente, são distintamente três que se seguem em ordem? O
fim com o homem é o amor de sua vontade, pois aquilo que o homem
ama, isso ele se propõe e tem em intenção. A causa com ele é a razão
de seu entendimento, pois por ela o fim procura as causas médias ou
eficientes. E o efeito é a operação do corpo por estes e segundo estes.
Há, assim, três coisas no homem que se seguem em ordem do mesmo
modo como se seguem os graus de altura. Quando esses três se
apresentam, então o fim está dentro da causa e, pela causa, o fim está
no efeito, pelo que esses três coexistem no efeito. Daí é que se diz na
30 Emanuel Swedenborg

Palavra que cada um deve ser julgado segundo as suas obras, pois o
fim ou amor de sua vontade, a causa ou a razão de seu entendimento,
e os efeitos, que são as obras de seu corpo, estão aí juntamente, bem
como a qualidade do homem todo.
[2] Aqueles que não conhecem essas coisas e não distinguem os
objetos da razão não podem deixar de terminar as idéias de seu
pensamento no átomo de Epicuro, ou nas mônadas de Leibnitz ou nas
substâncias simples de Wolff, fechando assim o seu entendimento com
um obstáculo, por assim dizer, de modo que nem mesmo pela razão
possa pensar sobre o influxo espiritual, pois não pode pensar em
progressão alguma, pois, como disse o autor a respeito de sua
substância simples, ela, ao ser dividida, cai no nada. Assim, pois, o
entendimento permanece em seu primeiro lúmen, que vem meramente
dos sentidos corpo, sem avançar a um grau além, donde sucede que
não se sabe outra coisa senão que o espiritual é um natural tênue e
também que as bestas tenham um racional assim como do homem,
que a alma seja um sopro do vento tal como o que se expira do peito
quando se morre, além de muitas outras coisas que não são da luz,
mas da escuridão.
[3] Visto que todas as coisas no mundo espiritual e todas as coisas
no mundo natural avançam segundo esses graus, como se disse no
artigo acima, é evidente que a inteligência propriamente é conhecê-los
e discernir entre eles, vendo-os na ordem. Por eles todo homem
também é conhecido quanto à sua qualidade, quando se conhece o seu
amor, porque, como foi dito, o fim que é da vontade, as causas que são
do entendimento e os efeitos que são do corpo seguem de seu amor,
assim como a árvore da semente e o fruto da árvore.
[4] Há três gêneros de amor: amor do céu, amor do mundo e amor
de si. O amor do céu é espiritual, o amor do mundo é material e o
amor de si é corporal. Quando o amor é espiritual, são espirituais
todas as coisas que dele seguem, como as formas de sua essência. De
modo semelhante, se o amor principal é o do mundo ou das riquezas,
por conseguinte, se é material, também são materiais todas as coisas
que dele seguem, como os derivativos seguem do princípio.
Igualmente, se o amor principal é o amor de si ou o de sua importância
acima todos os outros, por conseguinte, se é corporal, são também
Interação da Alma com o Corpo 31

corporais todas as coisas que dele seguem. A razão disso é porque


nesse amor só tem em vista a si mesmo e, assim, imerge no corpo os
pensamentos de sua mente. Por isso é que foi dito logo acima que
conhece o homem todo aquele que conhece algum amor reinante e, ao
mesmo tempo, as progressões dos fins para as causas e das causas para
os efeitos – os quais se seguem, os três, em ordem segundo os graus de
altura. Assim os anjos do céu conhecem cada um com quem falam;
percebem seu amor pelo som de sua linguagem, pela face vêem a sua
imagem e pelos gestos do corpo a sua forma [figuram].

XVI. Por aí é evidente qual é o influxo do espiritual por


sua origem até os efeitos.

18. Até hoje se deduziu que o influxo espiritual é proveniente da


alma no corpo, mas não de Deus na alma e, assim, no corpo. Isto
ocorreu porque ninguém ainda soubera a respeito do mundo espiritual
e do Sol ali, do qual todas as coisas espirituais se originam como de
sua fonte, e, assim, nada se soube a respeito do influxo das coisas
espirituais nas naturais.
[2] Ora, porquanto me foi concedido estar no mundo espiritual ao
mesmo tempo que no mundo natural, e, assim ver ambos os mundos e
ambos os Sóis, sou por minha consciência obrigado a manifestar tais
coisas. Pois o que adianta saber, a menos que aquilo que se sabe seja
sabido também por outrem? Sem isto, o que é saber senão coletar e
esconder num cofre as riquezas, e somente às vezes contemplá-las e
contá-las sem intenção alguma de se fazer uso delas? Não é outra coisa
a avareza espiritual.
[3] Mas, a fim de que se saiba plenamente o que é e qual é o
influxo espiritual, é necessário que se sabia o que é o espiritual em sua
essência e o que é o natural, como também o que é a alma humana. Por
isso, para que este pequeno tratado não fique incompleto por causa da
ignorância a respeito de tais coisas, importa consultar alguns
memoráveis inseridos na obra sobre o Amor Conjugal, a saber, sobre o
espiritual, no memorável nos ns. 326 a 329 ali; sobre alma humana, no
n. 315; sobre o influxo das coisas espirituais nas naturais, no n. 380 e,
mais amplamente, nos ns. 415 a 422.
32 Emanuel Swedenborg

Epílogo
19. Ao que foi exposto acrescentarei este memorável. Depois que
estas coisas foram escritas, orei ao Senhor para que me concedesse
falar com os discípulos de Aristóteles e, ao mesmo tempo, com os
discípulos de Descartes e com os discípulos de Leibnitz, a fim de obter
as opiniões de suas mentes a respeito da interação da alma com o
corpo. Depois da oração aproximaram-se nove varões: três
aristotelistas, três cartesianos e três leibnizianos, que ficaram ao meu
redor; ao lado esquerdo os adoradores de Aristóteles, ao direito os
seguidores de Descartes e atrás os sectários de Leibnitz. Ao longe, à
certa distância, e por intervalos entre si, viram-se três como que
laureados, e por uma percepção influída conheci que eles eram líderes
ou catedráticos [archididascali]. Atrás dos leibizianos estava um que
tinha na mão a orla de sua veste, e foi dito que era Wolff. Aqueles nove
varões, quando se notaram mutuamente, logo se saudaram com um
tom cordial e afável.

[2] Mas, logo depois, surgiu dos inferiores um espírito com uma
tocha na mão direita e vibrava diante das faces deles, pelo que daí se
tornaram inimigos, três contra três, e se olhavam com rosto turvado,
pois invadiu-lhes um desejo de altercar e de disputar. Então os
aristotelistas, que também eram escolásticos, começaram, dizendo:
“Quem não vê que os objetos influem na alma por meio dos sentidos,
tal como aquele que de fora entra numa câmara, e que a alma pensa
segundo o influxo? Quando um namorado vê uma virgem ou a noiva,
acaso seus olhos não cintilam e levam seu amor até a alma? Quando o
avaro vê bolsas em que há dinheiro, acaso não se abrasa por elas com
todo o seu sentido e, passando daí à alma, não excita sua cobiça de
possuí-las? Quando algum soberbo ouve de outrem louvores a seu
respeito, acaso não eriça as orelhas, e elas não os transmitem à alma? E
não são os sentidos do corpo como átrios pelos quais unicamente se dá
o acesso à alma? Quem é que, por estes e inúmeros exemplos
semelhantes, pode deixar de concluir que há um influxo da natureza
ou físico?”
[3] A estas palavras, os sectários de Descartes, que tinham mantido
os dedos na testa e, agora, retraindo-os, responderam dizendo: “Ah!
Interação da Alma com o Corpo 33

Falai pelas aparências. Não sabeis que o olho não ama a virgem ou
noiva por si mesmo, mas pela alma? Igualmente, que não é o sentido
do corpo que cobiça por si o dinheiro na bolsa, mas pela alma.
Semelhantemente, tampouco as orelhas se eriçam diferentemente com
os louvores dos bajuladores. Acaso não é a percepção que faz sentir? E
a percepção é da alma e não do órgão. Dizei, se podeis, que outra coisa
faz a língua e os lábios falarem senão o pensamento? E que outra coisa
faz a mão trabalhar senão a vontade? Ora, o pensamento e a vontade
pertencem à alma e não ao corpo. Assim, o que faz o olho ver, o
ouvido ouvir e os demais órgãos sentirem, senão a alma? Por estes e
por outros inumeráveis exemplos quem quer que conheça acima das
coisas dos sentidos do corpo conclui que não há influxo do corpo na
alma, mas da alma no corpo, ao qual nós chamamos de influxo
ocasional e, também, espiritual”.
[4] Ouvindo isto, os três varões que se puseram atrás dos
anteriores e que eram defensores de Leibnitz, levantaram a voz,
dizendo: “Ouvimos os argumentos de ambas as partes, e os
comparamos; e percebemos que em muitos pontos prevalecem estes
sobre aqueles, e em muitos aqueles sobre estes. Por isso, se for
permitido, componhamos a disputa”. E perguntados de que maneira,
disseram: “Não existe influxo algum da alma no corpo, nem do corpo
na alma, mas há, sim, uma operação unânime e instantânea de ambos
ao mesmo tempo, à qual um célebre autor distinguiu com um belo
nome, chamando-a de harmonia preestabelecida”.
[5] Passando-se isto, apareceu de novo o espírito, mas agora com a
tocha na mão esquerda, e a vibrou em direção ao occipício deles, de
sorte que se tornaram confusas as idéias de todos, que clamavam:
“Nem nossa alma nem nosso corpo sabe que partido tomarmos, por
isso decidamos essa disputa por sorte, e a sorte que primeiro sair,
favoreçamos”. E tomaram três cédulas, e numa escreveram: ‘Influxo
físico’; na outra: ‘Influxo espiritual’; e, na terceira: ‘Harmonia
preestabelecida’. E lançaram as três no côncavo de um chapéu.
Escolheram um que tiraria, e ele, metendo a mão, pegou aquela na
qual fora escrito: ‘Influxo espiritual’. Tendo visto e lido isso, todos
disseram – todavia, alguns num tom claro e fluente, outros num tom
apagado e para dentro: ** “Favoreçamos esta, porque saiu primeiro”.
34 Emanuel Swedenborg

[6] De súbito, então, um anjo se aproximou e disse: “Não creiais


que a cédula em favor do influxo espiritual saiu fortuitamente, mas
por provisão. Porque vós, por estarem em idéias confusas, não vedes a
sua verdade, mas a Verdade mesma se pôs naquela mão, para que a
favoreçais”.

Epílogo

20. Certa vez me perguntaram como de filósofo me tornei teólogo,


e respondi: “Do mesmo modo pelo qual os pescadores foram feitos
discípulos e apóstolos pelo Senhor”; e que eu também, desde a tenra
juventude, fora um pescador espiritual. Ouvindo isto, alguém me
perguntou: “O que é um pescador espiritual?” Respondi que o
pescador na Palavra, em seu sentido espiritual, significa o homem que
pesquisa e ensina as verdades naturais e, em seguida, racionalmente,
as espirituais.
[2] À pergunta de que maneira isso é demonstrado, disse: “Pelas
seguintes passagens na Palavra”:
“Então as águas faltarão ao mar, e o rio ficará seco e se esgotará,
pelo que lamentarão os pescadores, e ficarão tristes todos os que
lançam o anzol no mar” (Is. 19:5, 8).
Em outra passagem:
“Sobre o rio, cujas águas foram saradas, estavam os pescadores de
Engedi, para estender as redes se aproximaram; conforme [cada]
espécie era o peixe deles como o peixe do grande mar, em muito
grande quantidade” (**) (Ez. 47:9, 10).
E em outra passagem:
“Eis que Eu enviarei, dito de JEHOVAH, a muitos pescadores, que
pescarão os filhos de Israel” (Jr. 16:16).
Daí é evidente por que o Senhor escolheu pescadores para discípulos,
e disse:
“Vinde após Mim, e vos farei pescadores de homens” (Mt. 4:18-19;
Mc. 1:16-17);
E a Pedro, após ter apanhado uma multidão de peixes:
“De agora em diante pescarás homens” (Lc. 5:9, 10).
Interação da Alma com o Corpo 35

[3] Demonstrei em seguida a origem da significação dos


pescadores pelo Apocalipse Revelado, a saber, por que a água significa os
veros naturais (ns. 50 e 932), semelhantemente, o rio (ns. 409, 932); os
peixes são aqueles que estão nos veros naturais (n. 405); e, daí, os
pescadores são os pesquisam as verdades e as ensinam.
[4] Ouvindo isto, a pessoa que interrogava levantou a voz e disse:
“Agora posso entender por que o Senhor chamou e escolheu
pescadores para que fossem discípulos, e, por isso, não me admiro de
que também chamou a ti, visto que, como disseste, desde a tenra
juventude foste pescador no sentido espiritual, isto é, o que pesquisa
as verdades naturais. Que seja agora sobre as verdades espirituais é
porque estas se fundamentam naquelas”. A isto, acrescentei, por ser
ele um varão de razão, que somente o Senhor conhece quem é apto
para perceber e ensinar as coisas que são de Sua Nova Igreja, seja
alguém dentre os primazes ou alguém dentre os servos deles. Além
disso, qual é o teólogo entre os cristãos que não estudou as filosofias
na escola, antes de ser inaugurado teólogo? E de que outra parte tem
inteligência?
[5] Finalmente, ele disse: “Visto que és teólogo, mostra qual é a tua
teologia”. Respondi que estas duas coisas são os seus princípios: Que
há um só Deus, e que há uma conjunção da caridade da fé. Ao que ele
replicou: “E quem nega isto?” Respondi: “A teologia de hoje,
interiormente examinada”.

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