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A Interação Da Alma Com o Corpo
A Interação Da Alma Com o Corpo
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Emanuel Swedenborg
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Publicado em latim no ano de 1769, em Londres, e intitulado
De Commercio Animae et Corporis quod creditur fieri vel per
Influxum Spiritualem, vel per Harmoniam Praestabilitam
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Tradução por C. R. Nobre
Do latim
De Commercio Animae et Corporis, quod creditur fieri vel per
Influxum Spiritualem, vel per Harmoniam Praestabilitam
Tradução:
Cristóvão Rabelo Nobre
Revisão:
Swedenborg, Emanuel
plenamente, nos ns. 415 a 422. Quem não sabe, ou não pode saber, que
o bem do amor e o vero da fé influem de Deus no homem, e que
influem em sua alma e são sentidos na sua mente, emanando do
pensamento na linguagem e da vontade nas ações?
[3] Que daí exista um influxo espiritual, bem como sua origem e
derivação, é o que será manifesto na seguinte ordem:
I. Há dois mundos: o mundo espiritual, onde estão os espíritos
e anjos, e o mundo natural, onde estão os homens.
II. O mundo espiritual tem existido e subsistido pelo seu Sol, e
o mundo natural pelo seu.
III. O Sol do mundo espiritual é puro amor proveniente de
JEHOVAH Deus, que está no meio desse Sol.
IV. Desse Sol procedem calor e luz; o calor que dele procede é
em sua essência o amor, e a luz que daí procede é em sua essência a
sabedoria.
V. Tanto esse calor quanto essa luz influem no homem; o calor
em sua vontade, produzindo aí o bem do amor, e a luz em seu
entendimento, produzindo aí o vero da sabedoria.
VI. Esses dois, o calor e a luz, ou o amor e a sabedoria, influem
conjuntamente de Deus na alma do homem e, por esta, na mente, em
suas afeições e pensamentos, e desses nos sentido do corpo, na
linguagem e nas ações.
VII. O sol do mundo natural é puro fogo, e por esse sol a
natureza do mundo tem existido e subsistido.
VIII. Daí, tudo o que procede desse sol é morto, considerado
em si mesmo.
IX. O espiritual se reveste do natural, assim como o homem se
veste.
X. As coisas espirituais, assim revestidas no homem, fazem com
que ele possa viver racional e moral, por conseguinte, espiritualmente
no natural.
XI. A recepção desse influxo é segundo o estado de amor e de
sabedoria no homem.
Interação da Alma com o Corpo 7
[3] Ora, visto que todo influxo pertence à vida, e esta opera por
meio de seus receptáculos, e o íntimo ou primeiro dos receptáculos no
homem é a sua alma, por isso, para que o influxo seja corretamente
percebido, deve ser iniciado de Deus e não de uma estação
intermediária. Se o fosse por esta, a doutrina do influxo seria como um
carro sem as rodas ou como um navio sem as velas. Porquanto é assim,
por isso nas premissas se tratou do Sol do mundo espiritual, em cujo
meio JEHOVAH Deus está, n. 5, e do influxo do amor e da sabedoria dali,
assim, da vida, ns. 6 e 7.
[4] Que a vida de Deus influa no homem pela alma e, por ela, em
sua mente, isto é, em suas afeições e pensamentos, e destas nos
sentidos do corpo, na linguagem e nas ações é porque essas coisas
pertencem à vida em ordem sucessiva. Porque a mente é subordinada
à alma, e o corpo é subordinado à mente, e a mente tem duas vidas,
uma da vontade e a outra do entendimento. A vida da vontade é o
bem do amor, cujas derivações se chamam afeições, e a vida do
entendimento é o vero da sabedoria, cujas derivações se chamam
pensamentos; por estas e aquelas é que a mente vive. Mas a vida do
corpo são os sentidos, a linguagem e as ações. Que estas sejam
provenientes da alma por meio da mente é o que se segue da ordem
em que estão, e por aí se manifestam perante o sábio, sem
investigação.
[5] A alma humana, por ser uma substância espiritual superior,
recebe o influxo imediatamente de Deus, enquanto a mente humana,
por ser uma substância espiritual inferior, recebe o influxo de Deus
mediatamente, por meio do mundo espiritual; e o corpo, por ser
constituído de substâncias da natureza que se chamam matérias,
recebe o influxo de Deus mediatamente, por meio do mundo natural.
Na seqüência se verá que o bem do amor e o vero da sabedoria
conjuntamente, isto é, unidos como um, influem na alma do homem,
mas, na progressão, são divididos pelo homem e conjuntos nas pessoas
na medida em que se deixam conduzir por Deus.
outra coisa senão a natureza, por isso a ela atribuem todas as coisas,
mesmo as racionais, e assim se imbuem do naturalismo tal como a
esponja absorve a água. Mas eles podem ser comparados a carroceiros
que atrelam parelhas de cavalos atrás e não na frente do carro.
[5] É diferente com aqueles que fazem distinção entre as coisas
espirituais e as naturais, e estas deduzem daqueles. Esses também
percebem que o influxo da alma no corpo é espiritual, e que as coisas
naturais, que pertencem ao corpo, servem à alma de veículos e meios
para produzir no mundo natural os seus efeitos. Se tu concluis
diferentemente, podes ser assemelhado ao caranguejo, que anda
avançando pela cauda gradativamente e volta os olhos para trás
segundo a progressão. E tua visão racional pode ser comparada à visão
dos olhos de Argos, no occipício, estando dormentes os olhos do rosto.
Esses até se crêem Argos quando raciocinam, pois dizem: “Quem não
vê a origem do universo na natureza? E, então, o que é Deus senão a
extensão íntima da natureza?” E semelhantes irracionalidades, com as
quais se gloriam mais do que os sábios com as coisas racionais.
adaptadas para a recepção. Essas formas são todas e cada uma das
coisas no universo criado.
[5] Muitos acreditam que a alma é a vida e que, daí, o homem,
porque vive da alma, vive por sua vida, assim, por si mesmo e, por
conseguinte, não pelo influxo da vida proveniente de Deus. Mas esses
não podem deixar de formar uma espécie de nó górdio pelas falácias e,
daí, emaranhar nele todos os julgamentos de sua mente, donde
procedem meras insanidades espirituais; ou construir um labirinto do
qual a mente, por algum fio de razão, não pode jamais encontrar o
caminho de saída e escapar. Na realidade, até se precipitam em
cavernas sob a terra, onde vivem em eternas trevas.
[6] Porque daí brotam inumeráveis as falácias e cada uma delas é
horrenda, como que Deus Se transfundiu e Se transferiu nos homens e,
assim, cada homem é alguma deidade que vive por si e, daí, que o bem
que o homem faz e sabe vem de si; de igual modo, que o homem
possui a fé e a caridade em si e, portanto, as produz de si e não de
Deus, além de muitas outras enormidades quais as que estão com
aqueles no inferno, os quais, quando estavam no mundo, acreditaram
que a natureza vivia ou que sua atividade produzia vida. Esses,
quando olham para o céu, vêem a luz do céu como mera escuridão.
Certa vez ouvi uma voz do céu dizendo que, se no homem houvesse
uma centelha de vida sua, e não de Deus nele, não haveria o céu nem
coisa alguma ali, e, por conseguinte, não haveria igreja alguma nas
terras e, daí, não haveria a vida eterna. Outras coisas sobre este
assunto podem ser consultadas no memorável inserido na obra sobre o
Amor Conjugal, ns. 132 a 136.
13. Que o homem não seja a vida, mas um órgão recipiente da vida
de Deus, e que o amor unido à sabedoria seja a vida e também Deus
seja o Amor mesmo e a Sabedoria mesma, e, assim, a Vida mesma, é o
que foi demonstrado acima. Segue-se daí que quanto mais o homem
ama a sabedoria, ou quanto mais a sabedoria no seio do amor está
nele, mais ele é imagem de Deus, isto é, receptáculo da vida de Deus.
E, ao contrário, quanto mais está no amor oposto e, daí, na insanidade,
menos recebe a vida de Deus, mas a do inferno, vida essa que se
chama morte.
[2] O amor mesmo e a sabedoria mesma não são a vida, mas o ser
da vida, e os prazeres do amor e as amenidades da sabedoria, que são
as afeições, fazem a vida, pois o ser da vida existe por elas. O influxo
da vida de Deus traz consigo esses prazeres e amenidades, assim como
o influxo da luz e do calor na estação da primavera nas mentes
humanas e também em todo gênero de aves e bestas, até mesmo nos
vegetais, que então germinam e proliferam. É porque os prazeres do
amor e as amenidades da sabedoria expandem os ânimos e os
adaptam para a recepção, assim como o regozijo e a alegria expandem
as faces e as adaptam para o influxo contente da alma.
[3] O homem que é movido pelo amor da sabedoria é como o
jardim do Éden no qual há duas árvores, uma da vida e a outra da
1
No plural, referindo-se ao cérebro e ao cerebelo.
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para que veja o que lhe importa querer e, daí, fazer, a fim de ser
próspero no mundo, no tempo, e bem-aventurado após a morte, na
eternidade. Faz-se próspero e bem-aventurado se adquire para si a
sabedoria e mantém sua vontade em obediência a ela, mas não
próspero e infeliz se põe o seu entendimento sob obediência da
vontade. A razão disso é que a vontade por nascimento se inclina para
os males, mesmo os enormes; por isso, se ela não for refreada pelo
entendimento, o homem se lança às coisas nefastas e, de fato, por sua
ínsita natureza ferina, devastaria por causa de si todos os que o não
favorecessem nem lhe fossem indulgentes.
[4] Além disso, se o entendimento não pudesse ser separadamente
aperfeiçoado e, por meio deste, a vontade, o homem não seria homem,
mas uma besta, pois, sem essa separação e sem a ascensão do
entendimento acima da vontade, não poderia pensar e, pelo
pensamento, falar, mas somente ressoar sua afeição. Tampouco
poderia agir pela razão, mas pelo instinto, e ainda menos poderia
conhecer as coisas que são de Deus e, por elas, conhecer a Deus e ser
assim conjunto a Ele e viver na eternidade. Pois o homem pensa e quer
como de si mesmo, e essa aparência de como de si mesmo é o
recíproco da conjunção, porquanto não existe a conjunção sem o
recíproco, assim como não existe a conjunção do ativo com o passivo
sem o reativo. Somente Deus age, e o homem se deixa agir, e age em
toda aparência por si, ainda que interiormente o seja por Deus.
[5] Por estas coisas corretamente percebidas pode-se ver a
qualidade do amor da vontade do homem, se é elevado pelo
entendimento, e, também, a qualidade desse amor se não é elevado;
conseqüentemente, a qualidade do homem. Mas essa qualidade do
homem, quando o amor não é elevado pelo entendimento, é ilustrada
por meio de comparações. É como a águia que voa no alto, mas, assim
que vê em baixo a comida que é de seu desejo, como as galinhas, os
pombinhos e mesmo os filhotes das ovelhas, num momento se projeta
e os devora. É semelhante também a um adúltero que esconde num
quarto inferior uma prostituta e ora aparece na região superior da casa
e ali fala sabiamente a respeito da castidade com os quais convive, ora
se furta de seus companheiros e sacia sua lascívia com a prostituta
embaixo.
Interação da Alma com o Corpo 25
15. Aqueles que julgam somente pelas aparências que estão diante
dos sentidos do corpo concluem que as bestas têm igualmente uma
vontade e um entendimento, assim como os homens, e que, assim, a
única diferença que existe é que o homem pode falar e, portanto,
enunciar aquilo que pensa e deseja, enquanto a besta pode somente
ressoar isso. Todavia, as bestas não têm vontade e entendimento, mas
certa imagem de ambos, à qual os eruditos chamam de análogo.
[2] O homem é homem porque seu entendimento pode ser elevado
acima dos desejos de sua vontade, e assim, de cima, pode conhecê-los,
vê-los e também moderá-los, enquanto a besta é besta porque os
desejos a levam a fazer o que faz. Por isso o homem é homem pelo fato
de a sua vontade estar na obediência do entendimento, enquanto a
besta é besta pelo fato de seu entendimento estar na obediência de sua
vontade. Daí se segue esta conclusão, que o entendimento do homem é
vivo porque recebe a luz que influi do céu, a qual ele apreende e
percebe como sua, e por ela pensa analiticamente com toda variedade
inteiramente como por si mesmo, tendo, assim, o verdadeiro
entendimento; e a sua vontade é viva porque recebe o influxo do amor
do céu e por este age como por si mesmo, tendo, assim, a verdadeira
vontade. Mas é o contrário nas bestas.
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[3] Por essa razão, aqueles que pensam pelas coisas libidinosas da
vontade são assemelhados às bestas e também, no mundo espiritual,
de longe aparecem como bestas. Também agem de modo semelhante,
com a única diferença de que podem agir diferentemente, se o
quiserem, enquanto aqueles que pelo entendimento reprimem as
coisas libidinosas de sua vontade e, daí, agem racional e sabiamente,
no mundo espiritual aparecem como homens e são anjos do céu.
[4] Em suma, a vontade e o entendimento nas bestas são sempre
coerentes; e como a vontade em si é cega, pois está no calor e não na
luz, o entendimento também se torna cego; daí, uma besta não sabe
nem entende o que o faz, e, no entanto, o faz, pois age pelo influxo do
mundo espiritual, e essa ação é o instinto.
[5] Acredita-se que uma besta pelo entendimento pensa no que
faz, mas não é assim. Ela é somente levada a agir pelo amor natural
que lhes é ínsito pela criação, com o auxílio dos sentidos do seu corpo.
O fato de o homem pensar e falar se deve unicamente a que seu
entendimento é separável da vontade, podendo ser elevado até à luz
do céu, pois o entendimento pensa e o pensamento fala.
[6] Que as bestas ajam segundo as leis da ordem inscritas em sua
natureza e, algumas, como se fosse moral e racionalmente,
diferentemente de muitos homens, é porque o entendimento delas está
em cega obediência aos desejos de sua vontade e, assim, não podem
pervertê-la por meio de raciocínios depravados, assim como fazem os
homens. Cumpre observar que, pela vontade e pelo entendimento das
bestas, no que foi anteriormente dito, entendem-se uma imagem e um
análogo de vontade e de entendimento; esses análogos são assim
chamados por causa das aparências.
[7] A vida das bestas pode ser comparada a um sonâmbulo, que
anda e age pela vontade tendo o entendimento adormecido; e também
a um cego que vai pelos caminhos conduzido por um cão; e ainda a
um estúpido que, pelo costume e, daí pelo hábito, faz seu trabalho
segundo as regras. É semelhante a alguém privado de memória e, daí,
estéril de entendimento que, todavia, sabe ou aprende a se vestir,
comer com elegância, amar o sexo, andar pelas ruas de casa em casa e
fazer coisas tais que são aprazíveis aos sentidos e indulgem a carne, às
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quais é levado pelas atrações e volúpias, ainda que não pense e, daí,
não possa falar.
[8] Por aí é evidente o quanto se iludem os que acreditam que as
bestas desfrutam de racionalidade e só se diferenciam dos homens
pela figura externa e pelo fato de não poderem enunciar as coisas
racionais que interiormente encerram. Dessas falácias eles também
concluem muitas outras, a saber, que, se o homem vive após a morte,
também a besta deve viver; e, ao contrário, se a besta não vive após a
morte, tampouco o homem deve viver, além de muitas outras ilusões
oriundas da ignorância a respeito da vontade e do entendimento e
também a respeito dos graus pelos quais a mente do homem, como por
escadas, se eleva ao céu.
homem a partir do Senhor desce por esses três graus, e é recebido pelo
homem segundo os graus de sabedoria e de amor em que se encontra.
[7] O conhecimento desses graus é hoje da maior utilidade,
porquanto muitos que não os conhecem permanecem no último grau e
neste se prendem, no qual estão os sentidos de seu corpo, e, pela
ignorância, que é a escuridão do entendimento, não podem ser
elevados à luz espiritual que está acima deles. Assim é que o
naturalismo invade como que espontaneamente assim que se esforçam
para explorar e esquadrinhar alguma coisa a respeito da alma e da
mente humana e sua racionalidade, e ainda mais se for a respeito do
céu e da vida após a morte. Daí se tornam, comparativamente, como
aqueles que se põem nas ruas com um telescópio nas mãos, olhando o
céu e fazendo vãs predições. E também como aqueles que, de todo
objeto que vêem e de toda coisa que ouvem, tagarelam e também
raciocinam, sem que haja nisso qualquer coisa racional do
entendimento. Mas estes são como açougueiros que se crêem peritos
em anatomia, porque examinaram as vísceras do boi e da ovelha
exteriormente e não interiormente.
[8] A verdade, porém, é que pensar pelo influxo do lúmen natural
não iluminado pelo influxo da luz espiritual não é outra coisa senão
sonhar e, pelo pensamento sobre isso, falar; assim, é fazer-se tolo. Mas,
a respeito desses graus, muitas coisas se vêem na obra Do Divino Amor
e da Divina Sabedoria [Sabedoria Angélica], publicada em Amsterdã no
ano de 1763, ns. 173 a 281.
17. Os fins estão no primeiro grau, as causas no segundo e os
efeitos no terceiro. Quem não vê que o fim não é a causa, mas produz a
causa, e que a causa não é o efeito, mas produz o efeito, e que,
conseqüentemente, são distintamente três que se seguem em ordem? O
fim com o homem é o amor de sua vontade, pois aquilo que o homem
ama, isso ele se propõe e tem em intenção. A causa com ele é a razão
de seu entendimento, pois por ela o fim procura as causas médias ou
eficientes. E o efeito é a operação do corpo por estes e segundo estes.
Há, assim, três coisas no homem que se seguem em ordem do mesmo
modo como se seguem os graus de altura. Quando esses três se
apresentam, então o fim está dentro da causa e, pela causa, o fim está
no efeito, pelo que esses três coexistem no efeito. Daí é que se diz na
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Palavra que cada um deve ser julgado segundo as suas obras, pois o
fim ou amor de sua vontade, a causa ou a razão de seu entendimento,
e os efeitos, que são as obras de seu corpo, estão aí juntamente, bem
como a qualidade do homem todo.
[2] Aqueles que não conhecem essas coisas e não distinguem os
objetos da razão não podem deixar de terminar as idéias de seu
pensamento no átomo de Epicuro, ou nas mônadas de Leibnitz ou nas
substâncias simples de Wolff, fechando assim o seu entendimento com
um obstáculo, por assim dizer, de modo que nem mesmo pela razão
possa pensar sobre o influxo espiritual, pois não pode pensar em
progressão alguma, pois, como disse o autor a respeito de sua
substância simples, ela, ao ser dividida, cai no nada. Assim, pois, o
entendimento permanece em seu primeiro lúmen, que vem meramente
dos sentidos corpo, sem avançar a um grau além, donde sucede que
não se sabe outra coisa senão que o espiritual é um natural tênue e
também que as bestas tenham um racional assim como do homem,
que a alma seja um sopro do vento tal como o que se expira do peito
quando se morre, além de muitas outras coisas que não são da luz,
mas da escuridão.
[3] Visto que todas as coisas no mundo espiritual e todas as coisas
no mundo natural avançam segundo esses graus, como se disse no
artigo acima, é evidente que a inteligência propriamente é conhecê-los
e discernir entre eles, vendo-os na ordem. Por eles todo homem
também é conhecido quanto à sua qualidade, quando se conhece o seu
amor, porque, como foi dito, o fim que é da vontade, as causas que são
do entendimento e os efeitos que são do corpo seguem de seu amor,
assim como a árvore da semente e o fruto da árvore.
[4] Há três gêneros de amor: amor do céu, amor do mundo e amor
de si. O amor do céu é espiritual, o amor do mundo é material e o
amor de si é corporal. Quando o amor é espiritual, são espirituais
todas as coisas que dele seguem, como as formas de sua essência. De
modo semelhante, se o amor principal é o do mundo ou das riquezas,
por conseguinte, se é material, também são materiais todas as coisas
que dele seguem, como os derivativos seguem do princípio.
Igualmente, se o amor principal é o amor de si ou o de sua importância
acima todos os outros, por conseguinte, se é corporal, são também
Interação da Alma com o Corpo 31
Epílogo
19. Ao que foi exposto acrescentarei este memorável. Depois que
estas coisas foram escritas, orei ao Senhor para que me concedesse
falar com os discípulos de Aristóteles e, ao mesmo tempo, com os
discípulos de Descartes e com os discípulos de Leibnitz, a fim de obter
as opiniões de suas mentes a respeito da interação da alma com o
corpo. Depois da oração aproximaram-se nove varões: três
aristotelistas, três cartesianos e três leibnizianos, que ficaram ao meu
redor; ao lado esquerdo os adoradores de Aristóteles, ao direito os
seguidores de Descartes e atrás os sectários de Leibnitz. Ao longe, à
certa distância, e por intervalos entre si, viram-se três como que
laureados, e por uma percepção influída conheci que eles eram líderes
ou catedráticos [archididascali]. Atrás dos leibizianos estava um que
tinha na mão a orla de sua veste, e foi dito que era Wolff. Aqueles nove
varões, quando se notaram mutuamente, logo se saudaram com um
tom cordial e afável.
[2] Mas, logo depois, surgiu dos inferiores um espírito com uma
tocha na mão direita e vibrava diante das faces deles, pelo que daí se
tornaram inimigos, três contra três, e se olhavam com rosto turvado,
pois invadiu-lhes um desejo de altercar e de disputar. Então os
aristotelistas, que também eram escolásticos, começaram, dizendo:
“Quem não vê que os objetos influem na alma por meio dos sentidos,
tal como aquele que de fora entra numa câmara, e que a alma pensa
segundo o influxo? Quando um namorado vê uma virgem ou a noiva,
acaso seus olhos não cintilam e levam seu amor até a alma? Quando o
avaro vê bolsas em que há dinheiro, acaso não se abrasa por elas com
todo o seu sentido e, passando daí à alma, não excita sua cobiça de
possuí-las? Quando algum soberbo ouve de outrem louvores a seu
respeito, acaso não eriça as orelhas, e elas não os transmitem à alma? E
não são os sentidos do corpo como átrios pelos quais unicamente se dá
o acesso à alma? Quem é que, por estes e inúmeros exemplos
semelhantes, pode deixar de concluir que há um influxo da natureza
ou físico?”
[3] A estas palavras, os sectários de Descartes, que tinham mantido
os dedos na testa e, agora, retraindo-os, responderam dizendo: “Ah!
Interação da Alma com o Corpo 33
Falai pelas aparências. Não sabeis que o olho não ama a virgem ou
noiva por si mesmo, mas pela alma? Igualmente, que não é o sentido
do corpo que cobiça por si o dinheiro na bolsa, mas pela alma.
Semelhantemente, tampouco as orelhas se eriçam diferentemente com
os louvores dos bajuladores. Acaso não é a percepção que faz sentir? E
a percepção é da alma e não do órgão. Dizei, se podeis, que outra coisa
faz a língua e os lábios falarem senão o pensamento? E que outra coisa
faz a mão trabalhar senão a vontade? Ora, o pensamento e a vontade
pertencem à alma e não ao corpo. Assim, o que faz o olho ver, o
ouvido ouvir e os demais órgãos sentirem, senão a alma? Por estes e
por outros inumeráveis exemplos quem quer que conheça acima das
coisas dos sentidos do corpo conclui que não há influxo do corpo na
alma, mas da alma no corpo, ao qual nós chamamos de influxo
ocasional e, também, espiritual”.
[4] Ouvindo isto, os três varões que se puseram atrás dos
anteriores e que eram defensores de Leibnitz, levantaram a voz,
dizendo: “Ouvimos os argumentos de ambas as partes, e os
comparamos; e percebemos que em muitos pontos prevalecem estes
sobre aqueles, e em muitos aqueles sobre estes. Por isso, se for
permitido, componhamos a disputa”. E perguntados de que maneira,
disseram: “Não existe influxo algum da alma no corpo, nem do corpo
na alma, mas há, sim, uma operação unânime e instantânea de ambos
ao mesmo tempo, à qual um célebre autor distinguiu com um belo
nome, chamando-a de harmonia preestabelecida”.
[5] Passando-se isto, apareceu de novo o espírito, mas agora com a
tocha na mão esquerda, e a vibrou em direção ao occipício deles, de
sorte que se tornaram confusas as idéias de todos, que clamavam:
“Nem nossa alma nem nosso corpo sabe que partido tomarmos, por
isso decidamos essa disputa por sorte, e a sorte que primeiro sair,
favoreçamos”. E tomaram três cédulas, e numa escreveram: ‘Influxo
físico’; na outra: ‘Influxo espiritual’; e, na terceira: ‘Harmonia
preestabelecida’. E lançaram as três no côncavo de um chapéu.
Escolheram um que tiraria, e ele, metendo a mão, pegou aquela na
qual fora escrito: ‘Influxo espiritual’. Tendo visto e lido isso, todos
disseram – todavia, alguns num tom claro e fluente, outros num tom
apagado e para dentro: ** “Favoreçamos esta, porque saiu primeiro”.
34 Emanuel Swedenborg
Epílogo