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O desenvolvimento do ciberespaco na iltima década do século XX é um produto legitimo ~ € avangado — da Terceira Revolueto Cientifico- ‘Teenologica. Fle ¢ um dos importantes progressos ‘no campo da comunicacio informatizada, ou telemitica, a partir dos anos 80, que contribuiu para impulsionar a mundializagio do capital, Na verdade, a Tntemet se constituiu no areabouo miditico de ‘uma nova etapa do expitalismo mundial, cuja principal catacteristica é 0 predominio da financeirizacio, ‘Uma de nossas hipsteses € de que existe uma “afinidade eletva” entre 0 avanco do ciberespaco 4 logiea da financeitizagio, principal caracteristea dda nova etapa do capitalismo mundial Ao dizermos financeirizagio estamos nos referindo A vigéneia da plutocracia cosmopolita, & dominagio dos mercados financeitos, com sua imensa massa de dinheiro volitil, eujo objetivo primordial & a rentabilidade imediata através de transacdes com papéis ‘Mas cabe salientar que a légiea do “capitalismo- cassino” no é meramente obra de capitalistas “parasitérios”, que administram fundos de investimentos e participages — “especuladores” distantes da esfera produtiva da economia capitalista =,mas dos préprios capitalistas “produsivos”, aqueles que organizam a producto de mercadorias — bens © servigos —, que tendem a se curvar 4 l6giea avassaladora da rentabilldade ficticia. Por isso, um_ dos maiores sinais da vigéncia da financeirizagio € dado pelo faro de que todas as corporacdes transnacionais—_mesmo as tipicamente industrais tém, em suas aplicagtes Financeiras de huceos retidos * Giovanni Alves € professor de sociologia da Unesp, campus de Mari INTERNET: ARCABOUGO © Se BIS MiDIATICN NA ERA DA arenes ~ Giovanni Aves" ‘ou de caixa, um elemento central do procesto, de acumulagio mundial de riqueza. Desse modo, os departamentos finaneeitos das corporagd nacionais vém adquirindo maior importincia estratégica que os de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), 4 ponto de assumirem o perfil de bancos ‘do-bancos, internos as empresas” Na verdade, surgiu nas tiltimas décadas do século XX um novo modo de definir, gerire realizar ique: regime de acumulagio do capital, denominado “regime de acumulagio sob a dominancia do capital Financeiro";’ ow ainda, denominado por Harvey, is no capitalismo, Desenvolveu-se um novo “regime de acumulagio flexivel” A clevagiio estrutural da financeirizagio como ‘© novo espirito do capitalismo tardio tende a promover o impétio universal do dinheiro, com impactos significativos no plano sociocultural Impéem-se, cada vez mais, como um trago da sociabilidade eapit cdo “capitalismo-cassino” sta, a logica usuriria, as regras Existem escassas analises sociolégicas a respeito dos impaetos do novo espirito do capitalismo tarcio = 0 espiito da financeirizaco — sobre a dimensio da cultura moderna (um dos mais brilhantes ~ ¢ raros — sio as andlises de Harvey que, no seu livro, A condizéo pés-moderna, vineulou as mudancas cculturais que oeorrem em nossa época a um novo regime de acumulacio ~ a acumulagao flexivel) (O que tentaremos apresentar, neste breve ensaio, meramente introdutério, € a vineulagio Wigica (€ estrutural) entre 0 novo regime de acumulacio ‘capitalista sob a dominincia do eapital financeiro € @ constituigio de um novo arcabouco midiitieo, a Internet, com impactos interessantes nia esfera da sociabilidade capitalist Novos Rumos @ Avo 15 + 16:32 + 2000 prineipais tragosda propria lbgica da forma-" E claro que, tendo em vista que 0 desenvol- vvimento do ciberespaco ocorre sob a vigéncia do capital financeiro, a sua estrurura mididtica tende a incorporar novos potenciais de Fetichizagao, intrin- seeos ii forma-dinheiro. A Internet incorpora, de ‘modo ofuscante, os complexos de estranhamentos vigentes sob as sociedades capitalistas. © fetichismo do virtual é, por isso, a expressi0 4a urtilizagaio dos recursos midiiticos pata a conso- lidacio ¢ aprofundamento do proprio fetichismo da mercadotia, 0 estranhamento real iatrinseco sociabilidade capitalsta, Ou melhor: 0 ciberespago podria expressa, refletir ¢, portanto, dar uma nova direcio & miriade de estsanhamentos vigentes na sociedade capiralista. 1a partir desse campo miditico contraditério que surgem, com a mesma intensidade, mas em dliregio contritia, ac lado dos otimistas utdipicos das novas tecnologias da comunieaeao cibemnética, os ‘riticos viscerais do ciberespago, tal como Baudillad, que salionta que “o mundo virtual no possui senso do outro, Nao hi espaco para originalidade. Vivemos ‘num consenso total”, Ou ainds: “Mais do que um espago de conhecimento, é um espaco de desapare- ‘imento, uma forma de perda por excesso que nos submerge.” Entretanto, enquanto mero arcabougo miditico, © ciberespago apenas traduritia, em sua estrutura ‘viemal, as misérias da sociabilidade capitalista. Nio 0 “mundo virtual” que no possuio senso do outro, € sim 0 “mundo real”, onde prolifera a sociabilidade capitalists. Nao é a Intemet que é “um espaco de desaparecimento”, mas é 0 cotidiano estranhado do mundo burgués, Desse modo, por que culpar o ciberespaco por “ttaduzir” algo que é apenas a natureza das sociedades em que domina o modo de produgio capialista? Na Mira da fos, Maes, certa vea, critcando Proudhon, que dizia que a linguagem de Ricarco cra cinica, observou: Certamente, a linguagem de Ricardo nio pode ser mais ciniea. Pér ax mesma linha os gastos de fabrieacio de chapéus ¢ os gastos de manutengio do homem significa trans formar © homem em cha: péu. Mas nfo gritemos fanto contsa 0 cinismo, O indo nas palavras que ex- primem as coisas.” Na verdade, 0 cinismo do ciberespago no & nada mais que 0 cinismo da socie- dade burguesa. Ela = a Internet — tenders a expres- sat, através do novo area- bougo midiético, © vazio spiritual e cultural do mun- do capitalista, Endo apenas espiritual cultural, mas um vazio politico, Por exemplo, nio seria a “brincadeira” inocente de internautas criativos que constroem “paises viruais", tal como o “Global State of Waveland”, 0 “Estado virtual” dos ecologistas do Greenpeace, com uma “cidadania virtual”, um sintoma do esva- viamento da democracia real sob as condicdes capitalistas modernas? Na verdade, a instaurago de um recurso midiatico tal como o ciberespaco, imagem € semelhanga do “sujeito” eapital-dinheiro, tender a Aro 15 + 32+ 2000 @ Novos Runos expor em toda a sua crueza as relagdes sociais vigentes sob capitalismo, Desvendari novos caminhos para a critica do estranhamento cotidiano, dando-nos pereepgdes de possbilidades negadas pelas elagdes capitalistas de produgio da vida material A Internet tender a anuneiar a6 promessas niio- cumpridas — e frustradas ~ pelo processo civiliza trio do capital, Portanto, ela ~ Internet -, parafraseando ainda Marx, na Critica a filosoia do dircito de Hegel (1843), no seria a “fantistica realizagio da esséncia humana”, uma esséncia humano-genérica que surge mistificada pela natureza virtual, exatamente “porque a esséncia humana nio possui ume verdadeira realidade”? Dizendo mais, poderiamos afiemar que a Internet nio seria, tal como Marx consideron a seligiio, a “teoria geal deste mundo, seu compéndio enciclopéslico, sua logiea sob forma popular” (ou dirlamos, sob forma tecnolégico-cibernética)? Ou ainda, no seria o suposto cinismo da Tatcenet, tal como a miséria relgiosa, a expressio do cinismo e da miséxa real e, de out, 0 protesto contra 0 cinismo e a miséria real? Marx salientou “A religiio é o suspio da criatura alta, o estado de {inimo de um mundo sem coacio, porque &0 spirit da situagio sem espiito [.” Nic poderfamos dizer o mesmo do ciberespago? Seo jovem Marx partu da critica da religito para «critica da economia politea, como um importante passo para o desvelamento do enigma do dinheiro e, portaato, dos mecanismos de acumulagio do eapital, tum importante passo para nés, hoje, em nossos dias, seria, a pati da critica da forma-mercadora, da qual ‘© proprio dinheiro € sua expressio universal, desenvolvermos. critica da cultura tecnol6gica, onde, rno caso da Internet, tende a incorporar © ser a materializacio da formadinheiro, nio apenas com todas as suas manifestagdes negativas de fetichizacdes, mas de realidades (€ possbilidades) de dentincia da miséria capitalista ¢ de scalizagio, mesmo que incompleta, da esséncia humano-genériea. Notas José Carlos de Sousa Brags, ita” A Finanedrzagio da siquezs 0 Fs cidad, Campinas, TE /Unicamp. [José Carlos de Sousa Braga, A Bnanecinizato da queza 90 capitalismo” it, 7.26. 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Pal So Palo, 19-2-1998 © Karl Mars Misa da fli (Lindos: Eaitora Escospio,s/@), pal ° Kast Mars, “Intredugio & Citea da ilosofia do dite de Hegel" em Tear eC ana, 2, Sto Paulo, Gralbo, 1977p Novos Romo @) Avo 15 #10 32 + 2000

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