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‘er of ollars, 3)22- “A DESPENSA DA VIDA” THE PANTRY OF LIFE RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar 4 metodologianarrana que foi desenvolida @ partir da exprinciacnica com pessoas portado- as de doencas cronies, denominaca “A Despen- sada Vida" Apercepeao de que a pera da qual dade de vida esta mais associada ao entendimento Crdnico de imitagao sobre a vida do que a patolo- gia em si amplou a utiizagao desta metodologia para qualquer pessoa que vive uma siuacao de ‘grande adversdade, De forma lev eldica, busca resgatar a autora dessas pessoas que sontem-se refens do problema, Coniém seis momentos rete xivos que gradativamente promovem novos enn. dimenios, ampiam conwersas evaldam as abi ‘dades © 05 recursos dessas. pessoas, que ‘eadquirem assim sua iberdade, no vivndo mals fm fungdo do problema, mas convivendo com a siuagao numa nova perspectiva, PALAVRAS-CHAVE: adversidade, doenga crOni- a, trap narativa, eautoria,reséncia, Em nossa atividade prot SUMMARY: This paper aims to present th narra- tive methodology that was developed from clinical experience with persons with chronic diseases, called "The Pantry of Life." The perception thatthe loss of quay of ite is more associated with the chionic understanding of initation about fe than the disease itself has expanded the use ofthis me- ‘thodology to any person who sina state of areat adversity In a light and playful way, it seeks to rescue the authorship of these people who fee hostage to the problem. Contains sx reflexive mo ‘ments that gradually promote new understani gs, expand conversations and validate the skils and resources of these people, who thereby re gain their freedom, no longer living forthe pro lem, but living withthe situation in a new pers pectve KEYWORDS: adversity, chronic disease, narrative therapy, re-authrship resilience, somos confrontados por nossos clientes e suas familias vivendo situagdes de intenso estresse, causadas por acon. teci nentos inesperados, que invadem suas vidas e promovem grande desorgani- e necessirio entdo buscar um novo olhar que crie um caminho alternati- vo, transformando adversidade em possibilidades. Observamos que as situagdes de adversidade que permanecem por longo tem- po, ou até mesmo pela vida toda, representam desatfios clr se enquadra nesse aspecto a pessoa que recebe um diagn: cos maiores. Em geral, portadora tico de de uma doenga crénica, ou que enfrenta uma situagao de adversidade extrema, como incapacidade, limitacio permanente, perda de um ente querido, faléncia financeira, entre outras. Ela € sua familia sdo levadas a dar conta de uma nova da autonomia nesse contexto, lidade que promove grande inseguranca, medo e raiva, d ultando a prética Muitas vezes o profissional de satde se sente tolhido e completamente refém da situagao. E muito comum ficarmos presos & historia do problema ¢ as narrativas que rotulam a vida de uma pesso nam de entendimentos restritos, que confundes néstico. Tais narrativas origi © individuo com 0 seu problema. ARTIGO ANA LUIZA NOVIS Pricdloga once, espeiasta em said mental infant javenit terepeuta de fila analiza @lerapanarata cambr LUCIA HELENA ASSIS ABDALLA Psicologa chica, espeiasta em sade mental nfanto- joven e erapeuta de faa | @terapianarratv. Recebido em 28/07/2012. Aprovado em 11/12/2012, 26 es 6 | ann 2013 Nova Perspectiva Sistémiea, Rio de Janeiro, n. 45, p. 2 Para trabalharmos esses entendi- mentos, precisamos mudar nossos pa radigmas e nossas crengas, questionar nossas certezas ¢ refletir sobre possibi- lidades. A Terapia Narrativa, criada por Mi- chael White e David Epston, oferece um modo particular ¢ criativo de se formular as questdes, no qual uma pergunta é sempre um “convite’, um tim 0°, que pode nos levar a lugares originais, saindo do que é Sbvio, bus cando revestir © que € comum de en: canto e magia. Essa abordagem entende que os problemas vividos pelas pessoas de- correm dos signi >buem aos fatos da vida e do modo pelo qual organ deles. Ao considerarmos este paradig- ‘ma, torna-se fundamental refletirmos sobre como o problema influencia a vida das pessoas e de suas familias, € jcados que elas atri am suas vidas em torno como elas, por sua vez, influenciam a vida do problema, Na pratica clinica, 6 essencial para um terapeuta narrativo falar do pro- blema de modo a situé-lo separada: mente da pessoa ¢ de sua identidade, baseado na premissa de que “o proble ma é 0 problema” em oposi¢io a pes- soa sendo vista como “o problen © uso de metaforas para nomear os fio de problemas potencializa a expres sentimentos da pessoa em relagio a eles, ajudando-a a se perceber na rela 20 com “o problema” ao invés de “ser 6 problema’: Este modo original de es tabelecer um didlogo & denominado de conversa de externalizagio (Mor gan, 2007). Outro recurso de grande relevancia nesta abordagem sio as conversas de reautoria, que convidam as pessoas a continuar a desenvolver e contar his- torias sobre suas vidas (White, 2012), Sio baseadas na suposigio de que ne- nhuma histéria pode expressar a tota~ lidade da experiéncia vivida pelas pes- soas e que, em todo relato, sempre ha ligenciados, in- consisténcias e contradigdes que favo- eventos que sto ne, recem novos entendimentos que con- tradizem a historia que esta sendo contada, Esses sio os chamados mo- mentos extraordinérios, onde os en tendimentos construidos se situam fora do territério das histérias-proble- ‘ma (Russel & Carey, 2007) Nas conversas de remembranga, as pessoas sio convidadas a falar sobre as ativas em suas vidas, e crengas e que moldam sua identida- de. A partir desse relembrar, cria-se a possibilidade de reconhecer as hist6- rias dessas relagdes que contém as ha- bilidades e competéncias da pessoa, pois, geralmente, quando a pessoa se reconhece como um problema, tem a tendéncia de valorizar as historias que confirmam essa perspectiva (Russel & Carey, 2007) Nos trabalhos de priticas narrativas coletivas de David Denborough e 1 White junto a comunidades que sofreram grandes. adversid observamos claramente os beneficios que as metodologias narrativas pro- porcionam em curto espaco de tempo. Ao final de cada processo reflexivo com um determinado grupo, sio cons. truidos documentos coletivos que reti- nem as muitas vozes das pessoas dese grupo, reconhecendo-as como espe- cialistas em lidar com adversidades, es, ap propagar suas experiéncias para outras comunidades que vivem situagdes de semelhante adversidade. Cc péuticas que este modo particular de conversar pode msiderando as vantagens tera proporcionar as pes soas que convivem com situagdes de extrema adversidade e seu sistema fa miliar, € que elaboramos a metodolo- 33, abril 2013, ido in ham be. has feas as, hou bres ida sea isto sha- ‘soa, nase ma sque sel & tivas ne dades lades, fcios pro- mpo. lexivo fon ereii- desse expe- iades, éncias vivem, inde. tera- thr de 's pes bes de ma fa- odolo- gia narrativa chamada “A Despensa da Vida’, que tem por objetivo estimular a ia na vida dessas pessoas. Através do entendimento de que “o conhecimento é sempre de quem vive o problema’; busca validar os que enfren- tam a adversidade como especialis reconhecer em suas hist6rias os recur~ sos, as habilidades ¢ as competén necessirias para enfrentarem a adversi- dade. Pretende, com a construgio de novas histérias, transforn ur narrativas 10 em narrativas de possibil dades, encontrando caminhos que pos- sam mudar a forma através da qual as pessoas se relacionam com seus pro- blemas. Consequentemente, os proble- mas deixam de definir quem elas sio, resgatando a sua autoria na vida. Buscando reproduzir uma ordem orgs fe em seis momentos relle- de fraca natural, que con xivos: “A chegada da Visita Inespera da’, “Dando nome a Visita’, “Lidando coma Visita’, “Vasculhando a Despen: sa da Vida’, “Conversando com a Dra. Eureka” e "Construindo um Livro de Receitas’. Os exercicios convidam a pessoa € sua familia a imaginarem € descreverem o aparecimento do pro- blema em suas vidas. Nomeamos a adversidade como uma “visita inesperada” que chega & sua casa sem avisar, anunciar-s ser convidada, e sequer fala o seu idio ma. Essa metaifora nos parece bastante adequada por se tratar de uma expe- rigncia comum, vivida por qualquer pessoa, independente da cultura, etnia ou idade. Quando recebemos uma visita ines- perada em nossas casas, frequente- mente, vamos & despensa buscar algo para oferecer. O nome “A Des Vida" busca reforgar a ideia de que to dos nés temos recursos em nossas pré- amos uma sequéncia yensa da prias historias de vida para lidar com um problema, ‘A METODOLOGIA NARRATIVA DESPENSA DA VIDA" Para auxiliar a compreensio de como as reflexd cionamos 0 caso de um casal, a0 qual chamaremos de Marcos e Renata*. Ele buscou a terapia por se sentir sobre- carregado em seu casamento, incapa citado de fazer sua esposa reagit aos ocorrem na pritica, sele- acontecimentos trigicos que viveram nos iiltimos cinco anos. I-A CHEGADA DA VISITA Num primeiro momento, quando a fa- millia vem nos procurar, temos 0 cui- dado de conhecer como foi vivida “a chegada dessa visita” Por meio dessa primeira conversa construimos uma h t6ria da chegada dessa visita no tempo € no espago, procurando avaliar se as pessoas tém mantido sentem sem voz, dominadas pela situ- ago. Entramos em contato com as narrativas desse cenatio, onde a agao a identidade andam juntas, comparti: Ihando desde o inicio a compreensao ¢ as crengas, que, dependendo da rela- 20 estabelecida, podem comprometer sobremaneira a qualidade de vida des tha da vida onde evidenciamosa his- autoria ou se sas pessoas. Nesse momento obtemos informa. ‘des importantes como 0 tipo de “v ta” eo tempo que ela pode vir a ficar “hospedada’, se & por um periodo cur- to, longo, ou pela vida toda. Tamb temos a possibilidade de perceber se 0 {que tem causado maior dificuldade é a “visita” em si, ou os sentimentos as reagdes Essa percepgio nos orienta sobre 0 que & mais importante a ser externalizado, Desde o inicio dessa conversa busc mos evidenciar os diferentes impa que a chegada dessa sgeradas a partir dessa situasao. Visita provocou no "a desponsa dai atta hee a aso es et * 0s names wizados neste trabalho para eompifcar © caractecar paints sao ‘itis. E08 deserhas 3 0 ‘laos einicos apesenatos foram deviamere auido els meses, Nova Perspectiva Sistémica, Rio de Janeiro, n. 45, p. 25-38, abril 2013. 28 i. | ann 2013 sistema familiar, trabalhando com 0 entendimento de que a “visita” atinge a todos da familia, e ndo somente quem intimamente com ela No caso de Marcos e Renata, ele ini ciou 0 nosso encontro nos dizendo que sua mulher estava muito diferente, nio tinha vontade de fazer nad vva sempre triste, mostrava-se extrema mente dependente, exigindo dele ma sta atengio, onde muitas vezes ele tinha qu mais basicos, 0 que 0 deixava muito irritado, Ao indagarmos sobre 0 que poderia ter contribuido para essa mu danga seguinte historia lembra-la dos seus compromissos vida deles, ele nos contou a Tudo comecou ha cinco anos quando estdvanios muito felizes com a noticia de que a Renata estava grivida e na primeira ultrassonografia descobrimos que ela tinka placenta prévia total, um caso raro em que a placenta fica embai- xo do titero enquanto deveria ficar por cima. A Renata comegou a ter alguns sangramentos e, por recomendagio mi dica, parou de trabalhar ¢ ficou em re pouso absoluto, Essa crianca era muito importante para nos recuperando da perda repentina do mew sogro, uma pessoa maravilliosa, sempre muito saudével, que veio a fale cer durante um exame de rotina no co- ragdo, No segundo més de gestacao, fi camos sabendo que a mae da Renata stdvamos pois estava com cdncer de mama. Ela fez uma cirurgia para retirada parcial de unt seio e glandulas na axila direita, ea Renata ficou mais abalada ainda, pois a mae dela mora longe ¢ ela estava int possiblitada de estar perto da sua mae No quinto més, ela teve wm sangramen- to muito grande, cont risco de perder 0 bebé. Ficou internada num hospital ¢ ao completar seis meses de gestagao, a bolsa rompew e 0 parto foi antecipado. Felizmente, apesar do nosso fitho ter nascido muito pequeno, pesando menos de um quilo, ele nasceu saudiivel. A Re- nata teve complicagoes no parto e 36 conhecen 0 nosso filho quatro dias de pois, quando saiu da UTI para visité-lo na UTI Neonatal. Nosso filho ficou quase trés meses na UTI, & enquanto o a Renata teve muitos problemas. seis cirurgias. Dentre elas uma na qual foi feita a retirada do titero (histe rectomia) e nesta cirurgia ela teve duas paradas cardiacas. Aos poucas fomos entando nos recuperar de tudo isso. Parecia que Fez taviamos vivido um pesa- delo sem fimn, Potico mais de um ano depois, quando tudo parecia estar mais tranquilo, 0 irmao da Renata, que era ‘mais proximo a ela, sofre um acidente de moto e vem a falecer Enquanto ele contava a histéria, Re- nata chorava muito e, quando tentava falar sobre os acontecimentos, sua vor ficava embargada. Ao final do encontro, os convida- mos a refletic sobre as “visitas” que ha viam recebido nesses iiltimos anos. “Visita namente trazendo consigo perdas irre pariveis. Pedimos que respond individualmente algumas_ perguntas para a sesso seguinte, que tinham por objetivo iniciar as conversas de exter nalizagio. ‘que haviam chegado repent Segue abaixo o exercicio reflexivo enviado ao casa “A chegada de uma Visita Inespe- rada” Imagine que voce receba wm visitante inconveniente e inesperado, com o qual nao tem qualquer intimidade. Um com. pleto desconhecido que chega causando uma grande confusao ent sua vida Pense nessa “visita inesperada” que chegou d sua casa, @ sua vide + Como foi essa chegada? + Como é a “visita”? Nova Perspectiva Sistémiea, Rio de Janeiro, n. 45, p, 25-33, abril 2013, + Descreva todas as caracteristicas presentes nel + De prefers papel e desenke... + Como vocé se relaciona com ela? voce estd em contato com como ela costuma agir com voce? E com os outros da sua familia? icia, coloque em um I1— DANDO NOME A VISITA Nesse momento convidamos a familia a nomear sua “visita’, buscando reco- al de cada um com ela, validando as diferengas que passam a enrique mais antagonismos, pois sao entendi- das como novas perspectivas. Além de pedir para nomearem a “visita, tam- bém pedimos que desenhem o perso: nhecer a relacio pest endo a gerar nagem, pois a0 darmos corpo, possibi- litamos uma reflexio original que revela os sentimentos que cada pessoa tem por aquela visita, criando um: maneira de falar de assuntos muito de- licados com mais facilidade. Bles per cebem que convivern com um proble- ‘ma, 0 que é bem diferente de serem um problema. Marcos ¢ Renata, por meio das re- flexdes produzidas pelas perguntas, puderam perceber que o impacto da foi vivido por cada um de eterminada maneira. Marcos a bia como uma nuvem sombria e desorganizadora, pois havia introdu vido uma mudanga na rotina de vida dos dois, e Renata se sentia totalmen- te tolhida, paralisada, permanente ameagada, nomeou a “visita” a sua_maneira Marcos a nomeou de “Nuvem Negra’, compartilhando que “além de acasio nar sombra em um dia frio, ela suga as nossas energias vitais, inclusive do nosso filo’ ‘ada um representou e Nova Perspectiva Sistemica, Rio de Janeiro, n Ji Renata nomeou sua “visita” de “Morte” e nos contou que a0 desenhar se deu conta de algo muito importante: m perceber, estava tentando ficar imével, pois cada vez que eu comecava 4 sair do buraco me sentia como se um ‘grande martelo viesse e me derrubasse. E assim, nao queria me sentir feliz, por- que cada ve tinha uma outra coisa horrivel aconte- cendo comigo ow com quem eu amo, que eu me sentia melhor, Como tenho medo de acontecer alguma coisa ruim novamente, me sinto obriga- daa ndo me sentir feliz” Durante nossa conversa construl jas mos o entendimento de que as {que representavam as perdas irrecupe- 45, p. 2! espns di" Jrausetoe etwas 08 3, abril 2013, 30 I) Nova Perspectiva Sistémica, Rio de Janeiro, n riveis haviam deixado um héspede muito limitador, 0 Medo, que esta contribuindo para a falta de liberdade dessa familia, mantendo-os reféns da- quela situagao. II—LIDANDO COM A VISITA Aqui a conversa ja se estabelece em uma nova posigio, onde as pessoas conse- guem falar sobre dores profundas, sobre 6s sentimentos de impoténcia e de fra- casso produzidos na tentativa de solu- cionar o problema, Ao mesmo tempo, & justamente a partir desses discursos que as habilidades © competéncias dessas pessoas sio reconhecidas, promovendo tum entendimento alternativo onde elas rndo so mais tao reféns do problema, Nascem as conversas de reautoria. € & um momento muito impor: tante, pois & a partir da construgio desses novos entendimentos que sur ‘gem as contra-historias. No caso apre sentado, foram formuladas as seguin- tes perguntas: iste algum momento em que voce consegue minimizar a presenca da visi: ta ent sua vida?” “Quais os recursos que vocé utilizou para dar conta da situagio? A partir delas, muitas percepgoes foram modificadas. A paralisagio de Renata ganhou um novo entendimen to e passou a ocupar a funcio de prote- i patia ¢ infelicidade funcionavam como es- cudos contra novas tragédias. O fato de se mostrar paralisada deixou de ser visto como um sintoma e passou a ser visto como atitude de preservagao pois ela acreditava que diante da adversidade. IV- VASCULHANDO A DESPENSA DA VIDA Em Vida’, nosso principal objetivo & pes- "Vasculhando a Despensa da quisar as historias de vida, a fim de identificar recursos titeis para ajudar nos a lidar com a adversidade, Nesta fase buscamos os “mantimentos” que cada “despensa individual ¢ familiar guarda’: importante, pois cada um ¢ legitimado Esse ¢ outro momento muito na posicao de especialista, onde reco- nhece e relembra, dentro de outras si tuagdes de adversidades vividas, os recu senvolvidos. As pessoas passam assim a ocupar o lugar de heréis, de protago- nistas, de codiretores de um filme cheio de surpresas ruins, mas também de surpresas boas, Neste momento damos especial atengio as hist6rias, aos acontecimen- tos e as pessoas significativas que favo- recem a realizagdo das conversas de remembranga. Os recursos e as habili dades reconhecidos nas relagdes fami- liares, sociais e culturais si0 valoriza- s € habilidades que foram dos ¢ resgatados. Essas_conversas tem legitimam que cada um de nds uuma “despensa” preciosa, que pode vir até de nossa ancestralidade, mas que sera muito itil para lidar com a “visita No caso em questao, a0 convidar mos Renata a falar sobre como se per~ cebia quando era mais jovem e que caracteristicas acreditava ter herdado das pessoas significativas de sua vida, nos contou: “Sabe, quando eu era mais nove tinha uma felicidade tao intensa que achava ‘que meu corpo era pequeno para aquilo tudo. Eu transbordava de bom humor ¢ contagiava a todos com a minha alegria € meu dinamismo, Nao conseguia ficar quieta, parada, Herdei 0 bom humor do meu pai e o dinamismo da minha mae. Quando conheci mew marido, ele se sen- tiu atraido por essa pessoa Através dessa e de outras historias em que Renata viveu desafios, como a mudanga para o Rio de Janeiro, vinda de uma cidade do interior, descobri- 25-33, abril 2013, ‘mos um poderoso aliado para comba ter 0 “Meda”, “Humor” Marcos lembrou-se do momento em que nao levava os estudos a sério na sua adolescéncia ¢ reconheceu 0 quanto foi importante se dar limites, para se tornar um profissional bem- sucedido, Descobrimos outro podero- so aliado, 0 “Limite’, a0 cuidar da Renata sem se dar limites, Hle percebeu que, estava descuidando de si mesmo, im: possibilitando-se de ter seu espaco, sentindo-se sobrecarregado. V-CONVERSANDO COM A DRA. EUREKA Essa personagem foi desenvolvida para auxiliar as pessoas e suas familias a mudarem os comportamentos que nao desejavam ter mais frente ao pro- blema, En Despensa” reconhecemos os recursos juanto em “Vasculhando a jd desenvolvidos em outras situagoes de adversidade, nese momento bus. camos desenvolver_ movimentos.ja- mais experimentados. A Dra, Eureka é uma grande espe cialista em descobrir recursos inimagi- naveis, O nome Eureka foi escolhido por significar um lampejo de id uma percepgao instantinea sobre um problema, uma forma exclamativa de falar “encontrei” Seu principal objetivo & gerar reflexdes inovadoras sobre o problema, uma grande estimuladora da resiliénc para o problema. Através de perguntas, a Dra, Eureka criadora de armadilhas tiva as pessoas a produzirem no: vos entendimentos sobre como lidar com a situagao, leva-as a refletir sobre movimentos, ideias e recursos origi- nais, fortalecendo o carter empreen dedor pela vida. Geralmente enviamos por e-mail ou por carta as perguntas reflexivas da Nova Perspecti Seguem abaixo alguns exemplos de perguntas r Voc’ ja conseguiu se imaginar como lizadas nesse momento: um problema para a “visita”? Se a “visita” te pedisse ajuda, como vocé iria se comportar? Na sua casa quem & mais VIP voc’ ou a “visita”? O que vocé acredita que a “visita” in vveja em voce? Como voce poderia imaginar driblar a “visita”? Gostaria de ouvir hist6rias de alguns dribles que conhego? Ao responder as perguntas da Dra. Eureka, Renata e Marcos perceberam que o maior drible sobre 0 “Medo” era se manterem numa conversa parceira, ‘onde ambos buscavam entender 0 ou- tro ao invés de tentar controlar a situa. io. Marcos pode expressar mais suas fragilidades e Renata passow a se posi- cionar mais. VI CONSTRUINDO UM LIVRO DE RECEITAS Em vista dos beneficios que a constru- Gio de um documento coletivo pro- porciona, adaptamos esta pritica para grupos familiares na clinica privada, Observamos que as pessoas se fortale- cem ainda mais quando, através da labor 10 de suas préprias “receitas’, dicas e truques de superagio contra a adversidade, se sentem titeis e impor- tantes, conectadas com um entendi- mento muito especial sobre sim mas, de serem especialistas na superagio de uma determinada adver- sidade. No caso apresentado de Marcos e Renata, durante esse ¢ obtive. ‘mos as seguintes “receitas” “Que receitas vocés poderiam deixar para outras familias que vivemt a mes- ‘ma adversiiade?” "A eins avid ict es Sistémica, Rio de Janeiro, n. 45, p. 25-33, abril 2013. “Temos que falar para 0 outro 0 que ‘nos incomoda e também o que nos agra da, O que nos aflige e principalmente 0 que é bom, No nosso caso foi primordial a ajuda teray tamos machucades, a conversa pode ir para um lugar que ndo queremos. Tal- vez pela falta de saber se expressar ou talvez pelo fato da outra pessoa, que também esté machucada, entender de sostaria de rutica, porque, quando es- forma diferente o que ve dizer, muitas vezes até divergente, Deste modo, 0 terapeuta é como um campo neutro, onde coloca as nossas palavras em um lugar saudavel. Dé wm outro en- tendimento questéo colocada. Dé um novo contorno ao que foi dito enquanto 0 entendimento do outro esti compro metido e sendo diferente do esperado. Agora que estamos com as feridas cica- srizadas, também conversamos em casa e entendemos 0 que 0 outro quer di Se tems amor por alguém que vale a pena e esse amor é re proco, 0 entbasa- mento dessa unido é sélido” ~ Renata ‘O que me fez superar toda a dificul- dade que passei pelos iiltimos tempos com a minha esposa foi o amor que sito or ela, O espirito de unido, a dedicagao reciproca e a reflexado pessoal de cada um nos proporcionaram momentos de mais calma e felicidade CONSIDERACOES FINAIS Tem sido muito gratificante para nés trabalharmos com a metodologia nar- rativa “A. Desper cada viv sa da Vide", pois, a nos leva a despensas” © descobrir “mantimentos” que nem imaginavamos ter, 0 que nos é extre: mamente enriquecedor, A postura de estar sempre aberto a novos entendimentos, localizando os “tesouros” que as pessoas tém, a partir de suas préprias experiéncias de vida, “vasculhar 1ossas propria nem sempre é ficil. Muitas sdo as vezes que nos deparamos com pessoas que adotam valores e modelos de vida muito diferentes dos nossos. Manter~ mo-nos diante dessas pessoas isentos de preconceitos e curiosos sobre seus recursos exige de nés terapeutas um permanente exe O uso da metitiora da rada’, que em muitas situagées. se transforma em um “héspede perma- nente’, tem se mostrado, via de regra, muito positiva. Ela auxilia a introdu a0 das conver io ético, ta inespe- de externalizagao de forma leve e espontanea, no gerando nenhum tipo de estranheza para a pes. soa assistida, Apés esse momento, lesenham e carac- visita inesperada” em suas vidas, a percepgio de como elas se re- lacionam com o problema se apresenta de forma mais clara para el truindo até falas muito engragadas, Aprender a falar dos problemas com uma dose de humor é fundamental para a qualidade das reflexdes nos mo- mentos posteriores. O auge do exercicio € 0 momento “Conversando com a Dra. Eureka’ pois a ousadia das perguntas costuma promover conversas carregadas de en tendimentos otiginais. Essa persona- gem tem a fungao de favorecer o des- bravamento da identidade e nos relembrar que estamos em constante desenvolvimento. A ideia de compartilhar as b de regaste de autoria dessas pessoas, validando-as como especialistas em ajudar outras pessoas e famili storia que recebem “visitantes inesperados e in- desejados’, clinico privado é, por si sé, ousada e inovadora, Tem sido as veres surpreen- dente observar como as pessoas e suas familias se sentem de certa forma rea- lizadas a0 disponibilizarem suas “re- ceitas anti-adversidades” scendendo 0 espago Nova Perspectiva Sistémica, Rio de Janeiro, n. 45, p. 25-33, abril 2013. Essa metodologia foi e continua sendo aperfeicoada pelas pessoas que a praticam, E uma ferramenta que visa a promogio de saiide através da cons- trugao de entendimentos de liberdade e esperanca, pela qual, independente- mente da idade, origem e cultura, as pessoas se reafirmam como autoras de suas proprias hist6rias REFERENCIAS Denborough, D. (2008). Collective nar- rative practice. Adelaide: Dulwich Centre Publications. Nova Perspectiva Sistémica, Rio de Janeiro, n. 45, p. Morgan, A. (2007). O que € terapia nar- rativa?: uma introdugao de fécil Ie tura, Porto Alegre: Centro de Estu- dos e Praticas Narrativas. Rolland, J. (2000). Familias, enferme- dad y discapacidad. Barcelona: Edi torial Gedisa, White, M. (2007). Maps of narrative practice. New York: W. W. Norton. White, M., & Epston, D. (1990). Narra tive means to therapeutic ends. New York: W. W. Norton. Russel, S., & Carey, M. (2007). Terapia nnarrativa: respondendo as suas per- _guntas. Porto Alegre: Centro de Es tudos e Priticas Narrativas. “A dosnt vil rau ne 33 usa em es es 3, abril 2013.

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