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PERCURSOS E PERSPECTIVAS *
Dossiê
Resumo: o presente artigo busca refletir sobre a construção do campo de pesquisas acerca
do protestantismo na historiografia brasileira, a partir de uma discussão interdisciplinar e
enfocando as principais obras, autores e formas de abordagens sobre esse tema no Brasil.
A delimitação de um campo de abordagem do fenômeno protestante, especialmente do
neopentecostalismo, ainda é um desafio à história do tempo presente, sendo uma área
na qual diversos historiadores têm se inserido contribuindo com teses e dissertações.
Sendo incipiente, uma historiografia do protestantismo brasileiro é um caminho aberto
a muitos pesquisadores.
M
uitos estudos sobre o Protestantismo têm sido realizados no Brasil desde meados do século
XX. Em sua maior parte, essas pesquisas se deram no campo da Sociologia e da Antropolo-
gia. Apenas recentemente, os historiadores brasileiros vêm se voltando para essa temática,
lançando mão, sobretudo, de conceitos da História Cultural e da metodologia da História Oral. No
entanto, esses trabalhos são principalmente teses de doutorado e dissertações de mestrado, ainda não
Diferentemente do protestantismo, onde o fiel precisa ser para participar [...] no catolicismo, tal
como o povo brasileiro o vive e significa, há uma pluralidade de modos de ser que configuram
uma equivalente pluralidade de maneiras de participar.
Nesse sentido, este trabalho aproxima-se do enfoque acima por primar pela investigação da
formação e afirmação da identidade assembleiana em Imperatriz, no Maranhão, nosso atual foco de
investigação. Ao tratar da conversão e do testemunho, por exemplo, é possível perceber como a par-
ticipação do assembleiano nos cultos está intimamente vinculada ao seu “ser” pentecostal, ou seja, à
assimilação de um modo de agir e pensar peculiar ao grupo a que pertence. Isso é importante, pois
Seguindo a trilha deixada por diversas obras produzidas, sobretudo nas últimas duas décadas,
e propondo-se a construir uma abordagem renovada, é necessário que o historiador lance mão do
diálogo interdisciplinar e da oralidade, além do manejo com diversos tipos de fontes que possam
auxiliar a pesquisa: registros eclesiásticos, mensagens gravadas, documentos eletrônicos.
Desde a década de 1980, a contestação de um padrão historiográfico que prioriza a “visão
retrospectiva” dos fatos, isto é, o recuo no tempo em relação ao objeto investigado pelo historiador
para garantir a distância necessária ao melhor exercício de seu ofício, abriu espaço para a inclusão de
temas contemporâneos e sua incorporação à história, à valorização das experiências individuais e da
oralidade, pela sua importância no resgate dessa vivência (FERREIRA, 2002). Se, por muito tempo,
o contemporâneo esteve proscrito dos clássicos da historiografia4, por outro lado, a aceleração dos
acontecimentos na modernidade tardia e o paradigma proposto pela História Nova e a Nova História
Cultural abriram novos horizontes à pesquisa histórica, como o tempo presente. Um dos aspectos
positivos do debate historiográfico que vem sendo feito a partir dos Annales é a mudança paradig-
A expansão documental não diz respeito apenas a novos objetos ou à inclusão de personagens
comuns, mas ao próprio caráter holístico do trabalho. Assim, o documento escrito clássico passou
a ser somado ao documento arqueológico, à fonte iconográfica, ao relato oral (quando possível), a
análises seriais e a todo e qualquer mecanismo que possibilite uma interpretação. Não foi apenas
a noção de documento impresso que ficou ultrapassada; foi o próprio trabalho de um historiador
que apenas lia livros sobre um tema e ilustrava com fontes documentais.
Esta noção permite, com efeito, ligar estreitamente as posições e relações sociais com o modo
como os indivíduos e grupos se concebem e concebem os outros. As representações coletivas,
definidas à maneira da sociologia durkheimiana, incorporam nos indivíduos, sob a forma de
esquemas de classificação e juízo, as próprias divisões do mundo social. São elas que suportam as
diferentes modalidades de exibição de identidade social ou de força política, tal como os signos,
os comportamentos e os ritos os dão a ver e crer. Enfim, as representações coletivas e simbólicas
encontram na existência de representantes, individuais ou coletivos, concretos ou abstratos, as
garantias da sua estabilidade e da sua continuidade.
Em Como se Escreve a História, Veyne (2008, p. 216) enfatiza que, para que possa ser completa,
a História deve incluir entre seus objetos os acontecimentos contemporâneos. Chartier (2005) vê as-
pectos positivos e promissores na história do tempo presente. Para este autor, o fato de um historiador
ser contemporâneo daqueles cujas vidas são narradas constitui um mérito, pois também pode ter um
amplo repertório de fontes à sua disponibilidade, ao passo que muitos questionamentos dos demais
historiadores podem ficar sem respostas devido a carências de documentos. Ele menciona ainda a
dificuldade que os “historiadores dos tempos consumados” têm de operar a tradução do período que
estudam em relação à superação do paradoxo existente entre a descontinuidade do “aparato intelectual,
afetivo e psíquico do historiador e dos homens e mulheres cuja história ele descreve” (CHARTIER,
2005, p. 216). Por outro lado, para os estudiosos do tempo presente, a quase inexistência dessa distância
lhes proporciona uma narrativa mais próxima das categorias e referências de seu objeto de estudo.
Chartier também enfatiza que a história do tempo presente não é menos criteriosa no tocante à ver-
dade e suas contribuições têm sido valiosas no debate entre escrita histórica e ficcional, no sentido de
corroborar a primeira como narrativa e saber contra aqueles a quem ele denominou de “falsificadores
e falsários” (CHARTIER, 2005, p. 217).
No que diz respeito ao protestantismo brasileiro, que tem se expandido de forma mais acelerada
a partir da década de 1950, sua incorporação como objeto de estudo da historiografia pode e tem enri-
quecido bastante a produção acadêmica, a partir da valorização da memória histórica desses grupos e
sua interação com os acontecimentos e as peculiaridades dos locais onde se estabeleceram. A amplia-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Reis (2006), um dos principais méritos da Escola dos Annales foi ter retirado a História do
isolamento e aproximá-la das demais ciências sociais. Durante algum tempo, os historiadores brasileiros
evitaram imiscuir-se no debate sobre o protestantismo, num contexto em que muitos pesquisadores es-
tavam voltados para as questões políticas e a militância contra a ditadura. Contudo, passado este período
e devido à ampla divulgação da História Cultural, as pesquisas históricas sobre esse tema têm vicejado
em vários departamentos de pós-graduação stricto-sensu de norte a sul do país.
Para Foucault (apud REIS, 2006, p. 79), “a história é a primeira das ciências humanas”,
fornecendo-lhes um chão, um pano de fundo e limites. Todas as pesquisas comentadas neste artigo
fizeram uma abordagem histórica do fenômeno protestante no Brasil, utilizando fontes e uma dimensão
temporal. Não pretendemos, com tal afirmação, invalidar os métodos e as contribuições das ciências
sociais, tais como a Sociologia ou a Antropologia, mas mostrar que o diálogo interdisciplinar não pode
prescindir de uma abordagem histórica e, para parafrasear Veyne (2008, p. 227), os historiadores por
muito tempo abandonaram à Sociologia tudo o que não é crônica política.
A História do Tempo Presente conclama os historiadores a mudarem essa forma de perceber
o tempo. Em decorrência disso, os historiadores que trabalham com formas de religiosidade ainda
atuantes (como os vários protestantismos) podem produzir trabalhos inovadores a partir de fontes
ainda inexploradas. Buscamos mostrar como a história oral pode ser importante nesse aspecto, como
os meios de comunicação, onde os pentecostais, por exemplo, tanto atuam, também podem ser meios
de produção de fontes para a pesquisa histórica. Portanto, investigar o protestantismo e suas rever-
berações na sociedade brasileira é, não apenas uma possibilidade, mas um dever dos historiadores.
Notas
2 “O culto protestante não inclui o gesto e a imagem, não oferece apoio ao sensível: ele é discursivo e racio-
nal, mais uma aula do que um encontro com o sagrado. O pequeno espaço reservado à emoção corre por
conta do cântico congregacional, mas os hinos também são discursos. De modo que a participação no culto
protestante exige significativo domínio da linguagem” (MENDONÇA, 2008, p. 226).
3 “[...] o fundamentalismo se define pela defesa da ortodoxia protestante a respeito da Bíblia como infalível e
acima de qualquer reinterpretação que parta da ciência moderna, especialmente o evolucionismo. O fun-
damentalismo institucionalizou-se como movimento internacional após a Segunda Guerra Mundial com
a fundação do Conselho Internacional de Igrejas Cristãs, em 1948, em Amsterdã, sob a liderança do pastor
presbiteriano norte-americano Carl McIntre (1906-2002). Voltando-se principalmente contra o movimento
ecumênico, que também se institucionalizava, O ICCC (International Council of Christian Churches), pela
voz de seu fundador, chamado pelos seus adversários de ‘apóstolo da discórdia’, promoveu crises internas
nas igrejas. As brasileiras [...] não ficaram imunes à pregação de McIntre, que esteve no Brasil ao menos
duas vezes [...]” (MENDONÇA, 2005, p. 58).
4 Ferreira (2002) chama a atenção para o fato de que, mesmo a Escola dos Annales, que priorizou o econômico
e o social em detrimento do político, manteve inalterada a relação do historiador com temas contemporâ-
neos; prova disso é que os temas medievais e modernos eram os principais objetos desses pesquisadores.
5 “Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural.
Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto
Referências