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48 OS ORIXAS NA EDUCAGAO FISICA ANTIRRACISTA: educando no combate a intolerancia religiosa Carolina Cristina dos Santos Nobrega' Resumo: Esse artigo com- preende a relevancia da cultura negra na educacao fisica esco- lar, valorizando e desenvolven- do a negritude por meio do re- conhecimento da resisténcia e existéncia negra em_ praticas socioculturais e politicas. As- sim sendo, 0 objetivo desse es- tudo foi verificar como a educa- co fisica antirracista pode (por meio da cultura corporal) contri- buir no combate & intolerancia religiosa e, desse modo, cons- truir a identidade afro-brasilei- ra das criancas. Diante disso, a estratégia de ensino foi delinea- da pelo planejamento, replane- jamentos, saberes identitérios, politicos, estéticos/corpéreos e a inser¢&o do tema orixés, no qual os(as) educandos(as) percebe- ram 0 corpo como texto na cul- tura negra por meio das diversas formas de expressdo e comuni- cacao, produzindo, assim, 0 co- nhecimento no combate a into- lerancia religiosa. A metodologia utilizada foi de natureza quali- tativa, com base na pesquisa-a- cdo e envolveu a participacao de criangas do ensino fundamental I do Ciclo interdisciplinar (espe- cificamente, 0 5° ano), de uma 13 Nesiels en Edie pel Une Fecal de ‘io Pal (GES, Epecata om Geto Pitta Prlesu eEdrso Fac Peon de SSoPasa Escola Municipal de Ensino Fun- damental (EMEF) localizada na cidade de Sao Paulo. A vista dis- so, esse estudo foi efetivado conforme a proposta pedagégi- ca de resist€ncia, num plano de aco interdisciplinar, delineando aS aprendizagens significativas no rompimento do silenciamen- to e promovendo, assim, a ree- ducacao para a aceitagao das re- ligides de matriz africana. Palavras-chave: Educacio fisica antirracista. Identidade afro-brasileira, Intolerancia reli- giosa, Orixés. Representativida- de negra: ORIXAS IN ANTIRACIST PHYSICAL EDUCATION: Educating in the fight intolerance Abstract: This article com- prehends the relevance of black culture in school physical edu- cation, valuing and developing blackness through the recogni- tion of resistance and black ex- istence in sociocultural and po- litical practices. Therefore, this study aimed to verify how anti- racist physical education can (through corporal culture) con- tribute to the fight against reli- gious intolerance and thus build the afro-brazilian identity of the children. For this reason, the teaching strategy was outlined by planning, redesigning, identi- ty knowledge, political, aesthet- ic/corporeal and the insertion of the orixas theme, in which the students perceived the body as a text in black culture through the various forms of expression and communication, and then producing knowledge in the fight against religious intolerance. The methodology used was qualita- tive, based on action research and involved the participation of children from a Municipal El- ementary School of the interdis- ciplinary cycle (specifically, the Sth grade), located in the city of Sao Paulo. In this context, this study was accomplished accord- ing to the pedagogical proposal of resistance, in an interdiscip! nary action plan, outlining signif- icant learning experiences that break this silence and promot- ing, as a consequence, a reedu- cation for the acceptance of reli- gions of african origin. Keywords: Antiracist phys- ical education. —Afro-brazilian identity. Religious intolerance. Orixas. Black representation. Introducdo Esse artigo compreende a re- levancia da cultura negra na edu- caco fisica escolar, construindo a proposta pedagdgica de resis- téncia; desse modo, ha a valo- rizago e o desenvolvimento da negritude, por meio do reconhe- cimento da existéncia negra em Rex Bras. Educ Fi, Escolar Ano VF 2—Now. 2019 REBESCOLAR ————————— 49 praticas socioculturais e pol cas. Essa perspectiva reivindica a intelectualidade negra na cons- trugd e producao do conheci- mento na drea; assim sendo, apresenta-se a criagdo de novas possibilidades inseridas no con- texto da linguagem corporal Parte este artigo da prética pedagégica realizada, em 2017, que envolveu a participacdo de criangas do ensino fundamental I do ciclo de alfabetizagao (19, 2° e 3° anos), de uma Escola Municipal de Ensino Fundamen- tal (EMEF) localizada na cidade de S&o Paulo (NOBREGA, 2017). Nesse proceso, a estratégia de ensino foi delineada pelo ma- peamento inicial, 0 planejamen- to, replanejamento e a escolha dos(as) educandos(as) na inser- cdo do assunto super-herdi, su- per-heroina, contrariando a con cepcdo norte-americana nos desenhos animados, perceben- do 0 corpo como texto nas diver- sas formas de expressdo e co- municaco entre as diferentes culturas (NOBREGA, 2017). Ca- be destacar aqui a continuidade dessa pratica pedagégica de re- sisténcia no ciclo interdisciplinar (49, 5° e 6° anos), pois no ciclo da alfabetizacao as criancas des- construiram a imagem do super- -heréi, super-heroina derivada do padr&o branco, e no ciclo in- terdisciplinar aprofundaram seus saberes na construgao da repre- sentatividade negra. Nesse pensamento, a repre- sentatividade negra mobiliza o processo de transformacao da educacéo fisica, pois questiona sO © papel da populacao negra no Ambito escolar e, desse modo, chama-se a atenco para o de- safio da mudanca; ou melhor, a area precisa se reinventar, reali- zar de um novo modo o processo de legitimacao no ambito escolar. Em razdo disso, o ato pedagéai- co extrapola a letra da lei, bus- cando a legitimidade na flexibi: lidade da acdo pedagégica, pois os(as) professores(as) que com- preendem a necessidade da mu- danga consideram a conquista da Lei n° 10.639/2003 (reflexo legal do processo de emancipa- 0, politico e epistemolégico), a construgao da prépria identidade afro-brasileira (dentro e fora da escola), para repensar sua pré- tica pedagégica, selecionando as praticas corporais, os temas de estudo e o planejamento das si- tuacées didaticas a partir da cul- tura negra (NOBREGA, 2019) Sabe-se que a construgao das identidades 6 uma questo que pertence a todas as dreas do co- nhecimento na educagio basica, porém, a instituico escolar nao esta totalmente aberta as aces pedagégicas no contexto da di- versidade étnico-racial; assim, ainda depende de docentes sen- siveis 4 questo racial, étnico-ra- cial que tentam centralizar essa temética no curriculo da educa- co (GOMES et al., 2010). A vista disso, defende-se a diversidade étnico-racial como eixo orienta- dor do curriculo da educagao fis ca escolar, com base na pedago- gia da diversidade, fundamentada nas teorias criticas da educac3o (NOBREGA, 2019). Outra questdo relevante é a interpretacéo das relacdes ét- nico-raciais, das relagées ra- ciais no contexto da drea. Hd de se entender que o termo étni- co, nas relagées étnico-raciais apresenta-se para aprofun- dar as relagdes entre as matri- zes (europeia, asiatica, indige- na) a partir da matriz africana (com enfoque na ancestralidade africana), conforme o Parecer CNE/CP n° 3/2004. Isso signifi- ca que a educacdo das relacdes étnico-raciais se constitul na ne- cessidade da predomindncia da cultura negra (que se da na con- juntura da populagao negra), na qual a diversidade é valoriza- da nas peculiaridades que dis- tinguem a populacao negra dos outros grupos étnicos. As relacdes raciais, étnico-ra- ciais apresentam a importancia da centralidade na categoria ra- ¢a, em concordancia com a res- significagéo do termo, superan- do 0 significado do século XVIII (racismo biolégico), tal como as teorias racistas. Porém, interpre- tam-se nas relacées raciais “[...] os conflitos, tensées nas dispu- tas identitdrias, epistémicas € politicas, as praticas discursivas raciais entre os termos ‘negros’ e ‘brancos’, bem como as tenta- tivas de racializar as diferencas” (NOBREGA, 2019, p. 182). Nesse ‘contexto, entende- -se que na educacao em geral e, especificamente, nas aulas de educacao fisica, 0 trato pe- dagégico a respeito das relagoes raciais atua na esfera das reso- luges de conflitos; assim sen- do, 0 aprofundamento das re- lagdes étnico-raciais é o “ainda no", que pode ser construido com a insercdo dos saberes dos movimentos sociais, Em funcao disso, reitera-se a relevancia da diversidade étnico-racial como eixo orientador desse compo- nente curricular para afastar-se desse estado de superficialidade no trato das questdes étnico-ra- ciais, raciais (ainda tao depen- dentes de trabalhos pedagé: gicos pontuais) e promover os conhecimentos, saberes e prati- cas docentes que desenvolvem a intervencéo pedagégica_na perspectiva antirracista, Para as autoras Bernardo e Maciel (2015), Nobrega (2017, 2019), a nao implementacao da Lei n° 10.639/2003 confirma a necessidade da contribuicdo das praticas culturais emancipatorias exigindo a perspectiva critica pa- ra debater e combater 0 racismo no processo de ensino e apren- dizagem. Por isso, a pratica do- cente na educagio fisica precisa produzir e comunicar os seguin- tes aspectos: a construgdéo de uma imagem positiva da popu- lao negra; a insercdo da his- toria, da meméria negra nas au- las eno curriculo; a oposigéo ao modelo eurocéntrico. TE Untarre da "sdloga ds aust, lato pre sralers pedupa do que easier exerts 24 sa, ged pela aad w dectoia ped @ no exits, consdrada que a mesra rap cabe ne si arpe Ine unin dhrsae legen camo mentees do marcus rand, C. SANTOS, Brora de Sosa (rg). Conhecimentoprents para um id decent Sao Palo: Cre, 2008 Rex Bras. Educ Fi, Escolar Ano VF 2—Now 2019 REBESCOLAR ————————— Nesse sentido, o ciclo interdis- inar; os orixas e a intoleran- cia religiosa sdo as categorias de abordagem construidas na produc&o € comunicacao desse relato de experiéncia. Assim, as categorias de abordagem dia~ logam com a problematizacao referente ao tema na seguinte questo: de que maneira as au- las de educacao fisica tém con- tribuido com a promocéo da educaco antirracista? Portanto, 0 objetivo desse es- tudo foi verificar como a educa- cao fisica antirracista pode (por meio da cultura corporal) contri- buir no combate & intolerdncia religiosa e, desse modo, cons- truir a identidade afro-brasilei ra das criangas, insistindo, as- sim, na implementacao da Lei n° 10.639/2003. ‘A metodologia utilizada foi de natureza qualitativa, com base na pesquisa-acio e envolveu a participagao de criangas do ensi- no fundamental I do ciclo inter- disciplinar (especificamente, 0 5° ano), de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) loca- lizada na cidade de Sao Paulo. Para a realizacdo desse estu- do foi elaborado o planejamento e os replanejamentos nas aulas de educacao fisica, com a dura- cdo de dez meses; sendo assim, dois encontros semanais com a respectiva turma: 5°C. Em con- cordancia com o projeto politico- -pedagégico da instituicao, prin- cipalmente no atendimento a diversidade, e a proposta peda- gégica dos(as) professores(as) Tegentes que teve como tema $2 central o “empoderamento femi- nino” para o processo de mobili zacao das praticas pluriculturais. Segundo Nobrega (2019), va- le destacar que 0 desenvolvi- mento da tematica étnico-racial, racial nao acontece sem a intera- ¢&o com o contexto institucional, © contexto da unidade escolar em que 0 exercicio da docéncia se insere; no entanto, o discur- so da pluralidade cultural se per- de em praticas pedagégicas iso- ladas ou em algumas parcerias, consequentemente, nado é su- ficiente para a introducio, de- senvolvimento, transformacdo e permanéncia da tematica no co- tidiano escolar, sobretudo no que diz respeito ao combate dos dis- cursos e atitudes racistas, pois a diversidade é interpretada na lé- gica universalista de educacdo. Em oposicéo a esse propésito, defende-se a proposta pedagéai- ca de resisténcia que busca des- colonizar pensamentos, exigindo mudangas que provocam e ultra- passam a mera inclusao, proble- matizando as relagées sociais ¢ pedagégicas, as condicdes reais do proceso de ensino e apren- dizagem, repensando o objeti- vo da educacao para modificar © imaginario social e pedagégi- co (a respeito da representacao simbélica da populacéo negra). E preciso ter clareza do signi- ficado de se empoderar na acao curricular, na disputa epistémi- ca, politica, cultural e identitdria no cotidiano escolar, nas aulas de educacao fisica, reafirmando © enegrecimento na ocupacao do espaco da educacdo, no projeto politico-pedagégico que, obvia~ mente, ndo acontece de imedia- to, demanda paciéncia histérica, conflitos e muitas manifestagées pedagégicas de resisténcia, re- criagdo e ressignificagéo da cul- ture negra Diante disso, o primeiro pas- so foi identificar as representa- ges socioculturais das criancas através da avaliagdo diagnés- tica, reconhecendo o reperté- rio ¢ a bagagem cultural dos(as) educandos(as) e, posteriormen- te, apresentando as possibilida- des de intervencdo, em concor- dancia com 0 pensamento negro em educacéo (GOMES, 1997); assim, os saberes e as prati- cas educacionais sao interpreta- dos enquanto resisténcia polit ca, pois criam as condigées e os conflitos em oposicao & superva- lorizagéo da cultura euro-esta- dunidense, 0 modelo eurocéntri- co € as consequéncias de ambos no imaginario social brasileiro. Ha, nesse processo, a urgéncia de reparar, corrigir as desigual- dades raciais, educacionais ¢ so- ciais e, desse modo, reconhecer, valorizar a histéria, cultura e a identidade afro-brasileira De acordo com a perspectiva da educagio antirracista, bem como a politica de equidade de género, os eixos tematicos fo- ram: a luta (capoeira), os jo- gos (jogos de Mocambique), as dangas (exercicios ritmicos e a danca afro), em diferentes fa- ses (apresentacao, desenvolvi- mento e aprofundamento). As estratégias usadas para dialo- gar com os eixos sdo: as aulas historiadas e as rodas de con- versa. Os principios metodo- Iégicos que dialogam com os eixos e as estratégias sao: in- clusdo, diversidade, complex dade, adequacao do(a) educan- do(a) (BETTI; ZULIANI, 2002). E necessario destacar que a avaliago formativa orientou o processo de ensino e aprendi- zagem, 0 planejamento, os re- planejamentos para responder as necessidades e os dominios cognitivo, afetivo, social e motor dos(as) educandos(as) (BETTI; ZULIANI, 2002), Nesse proces- so, interpreta-se as dificuldades @ 0s avancos apresentados pe- los(as) educandos(as) do ciclo interdisciplinar (5° ano C), em concordancia com as interven- Bes pedagégicas na realizacao das praticas sociais e de estudo a respeito da cultura negra. Sen do assim, a avaliagéo diagnés- tica, cumulativa e formativa, os instrumentos de avaliaggo dire- cionaram as praticas sociais e de estudo nas diferentes experién- clas de apreciagéo, execucao, criagao e reflexdo a respeito do combate a intolerdncia reli no contexto das relagées étnico- ~raciais, raciais e de género. Segundo a atual Proposta Cur- ricular da Secretaria. Municipal de Educacgéo de So Paulo®, en- tende-se que ciclo interdiscipli- nar (4° ao 6° ano) estd integra- do com os saberes construidos no 1S Para mare womapes str o sus eu de ree murcbal de Seo Pal, caf en: ipa. Captsl sp gocbrnatcalprmeo-ucul-cevede- runcalde-sa-paulora aust ce sreyrararac> Doses em 3 an 200. Rex Bras. Educ Fi, Escolar Ano VF 2Now. 2019 REBESCOLAR ———————— 3 ciclo de alfabetizagao (1° ao 3° ano), considerando 0 didlogo e a articulacao entre as dreas do co- nhecimento para assegurar o sig- nificado as aprendizagens, inte~ grando linguagens e favorecendo a criagéo, a apropriagio de co- nhecimentos (SAO PAULO, 2019). Desse modo, com enfoque nos saberes produzidos e sistema- tizados pelo movimento negro educador (identitérios, politicos e estéticos/corpéreos) valoriza- -se a cultura negra na constru- cdo da identidade afro-brasile a das criancas, a partir do tema super-herdi e super-heroina que foi escolhido pelos(as) educan- dos(as), destacando os olhares negros nas histérias, dindmicas dos movimentos e no protago- nismo negro dos personagens. Nesse sentido, o planejamento do ciclo interdisciplinar foi estru- turado em trés blocos de contet- dos interligados que se articulam entre si - isto é, movimento e histéria, ritmo e danga, jogos ~ delineando a proposta pedagégi- ca de resisténcia. Por a vista essa realidade sig- nifica compreender que a educa- Go fisica nao tem a obrigatorie- dade de sistematizar o ensino da historia, cultura afro-brasileira e africana na educacao basica, pois essa funcéo compete as areas de histéria, artes e literatura’®. Porém, sabe-se que os docen- tes de educagio fisica buscam 16 | 0 cre extension de Hera e Cure Ao-Satera © Aare na Eovagio Bisca, ror tren 62 La WE382015, referees, a espe ‘a2 componertes cures de ago te Uteratva Hira go Bas (BRASIL, 2004, p.2, 4 © conhecimento e desenvolvi- mento da negritude no contex- to da histéria, cultura afro-bra- sileira, africana e trabalham, de maneira interdisciplinar, com es~ sas dreas"”. Nessa direcdo, res- salta-se 0 desenvolvimento so- bre a manifestacao do cabelo e a corporeidade negra; o proces- so de autodeclaracio; o resgate histérico, a valorizagao da popu- lago negra na cultura corporal; os estudos sobre os conceitos!® que dialogam com os saberes do Movimento Negro educador (NO- BREGA, 2019). “Nem todo livro foi feito pra livrar” A misica Pedagoginga nos lembra que “nem todo livro, ir- mao, foi feito pra livrar, depen- de da histéria contada e também de quem vai contar”, Nesse en- foque, entende-se a urgéncia de reescrever a histéria da educacao fisica escolar a partir dos olha- res negros, por isso, destaca-se © bloco de contetido movimento 7 Rasarapreseis xolosde ages ntedsciplnres, ‘a rlopo ene ils eavagso Face a Canaria pela acess gine de raga © htt d poplar raya na ecucani ca, ere 3 Herta ee eieapa fia || Pre Leta erteare ea etcao ca, coredear que anbes ‘So reas a Inguagon © eesenlem queer (WOaREGA 209.8 18 Actors apreserts oes de eso desercitoe palo doses regres de Rede Snel ge Enno Sin Palo si les: Represrtavdsce éa muer ga: Raia, Oisimnepso racial, Preceesio Til Debguleaderacl tod Peleg tren Hens regsa, Vidénca domtea. Mo de quate roca Eléca negra © Desgidéage de lose (NOBREGA, 20185. 19 Mesos Pdeasanga se Thiago ho. Dispel en: “hips iarletas ne bitvaposina}pedagenngs paesanedrnig eee er 28,28 e histéria, apresentando co- mo estratégia de ensino as au- las historiadas e as histérias em quadrinho (consideradas fon tes importantissimas para a for masao cultural), considerando o protagonismo negro, na qualida- de de sujeito da representacao. No atual contexto do ciclo in- terdisciplinar (5° ano C), 0 pri- meiro passo foi a capoeira, que corresponde a esse bloco de con- tetido, assim, utilizou-se como instrumento pedagégico 0 livro Zumbi dos Palmares em cordel, de Madu Costa (2013), ilustrado por Josias Marinho. Nesse pro- cesso, inspira-se na experién- cia pedagégica de Bruno Andra- de (2016), que faz referéncia a importéncia da capoeira na es- cola, tal como a ruptura com 0 aprisionamento do discurso cul- tural do corpo negro justificado no exotismo, na folclorizacdo. A vista disso, 0 respective autor usou como instrumento pedago- gico o livro de histéria em qua- drinhos Pastinha, 0 menino que virou mestre de capoeira, de Jo- sé de Jesus Barreto (2011), su- gerindo reflexdes _antirracistas para as criangas. Diante disso, observa-se a necessidade de co- nhecer e se apropriar da litera- tura afro-brasileira para desen- volver essa proposta pedagégica de resist€ncia. E notério que em ambas as experiéncias pedago- gicas ha a referéncia a Zumbi, li- der do Quilombo dos Palmares, interpretado na narrativa ficcio- nal como super-herdi, bem como a importancia de Dandara nesse contexto histérico, evidenciando, valorizando a_representativida- de da mulher negra como super- -heroina. Assim, os(as) educan- dos(as) vivenciaram a capoeira, na qualidade de luta, e com- preenderam que € uma mani- festacéo para a libertacio da populacdo negra (sem perder 0 sentido, significado e simbolos histéricos da cultura negra) que constitui a comunidade de resis- téncia, rompendo com as prati: cas de silenciamento e apaga- mento da representatividade da mulher negra na histéria. Observa-se que a Liga da Jus- tica foi substituida pela histéria do Madiba (4° anos), Zumbi dos Pal- mares (5° ano C) para enaltecer as “Heroinas e herdis referencia- dos pela negritude que sao tao ne- cessdrios quanto a prépria escola 0 que nela se ensina e aprende” (RODRIGUES, 2015, p. 91). A relaco entre os contos afri- canos, afro-brasileiros e os eixos. tematicos resultou em proces- sos de desnaturalizacdo, ou se- ja, do ponto de vista do género © que sdo expressdes corporais de meninas e de meninos, 0 que sdo cores de meninos e cores de meninas, processos de desnatu- ralizagao da dominacao mascul na nas aulas, entao, so ques- tdes que ocorrem nas rodas de conversa, derivadas dos pro- blemas que acontecem nas au- las. Ao considerar esse contex- to, com enfoque na reeducagéo das questdes de género e das re- lagdes raciais, étnico-raciais, os discentes observaram a auséncia de mulheres negras e um peque- no numero de super-heroinas Rex Bras. Educ Fi, Escolar Ano VF 2—Now. 2019 RERESCOLAR ———————— ss nos desenhos animados e, em fungo disso, os mesmos perce- beram a necessidade de estudar a representatividade politica das mulheres, sobretudo, das mu- Iheres negras, Desse modo, hd reeducacio do olhar na histéria, pois ha a cons- truco da imagem positiva das Personagens negras da vida real, 0u seja, os familiares negros e ne- gras dos(as) educandos(as) que foram identificados(as) como su- per-herdis, super-heroinas, res- significando a trajetéria desses personagens no combate ao racis- mo, a luta por melhores condigées de vida e pelo reconhecimento da negritude. Nesse processo, ha a insergao da estética negra co- mo expressao da corporeidade, ou melhor, ser 0 corpo negro no mundo; assim, ha debates sobre a manipulacao do cabelo crespo e © uso dos turbantes. Na otica da centralidade da ra- a acontecem as rodas de con- Versa sobre a autodeclaracdo para a construg&o identitdria. Nessa perspectiva, as reflexdes e os debates nao sao interpretados na légica bivalente, isto &, ser ou nao ser verdadeiramente negro, ser ou n&o ser verdadeiramen- te branco. Do mesmo modo, ha a desnaturalizacéo do “moreno”, pois este esté mais proximo do status branco, no qual se nega as palavras “negro, negra” e nao se identifica enquanto negro(a). Em consequéncia, ha praticas discursivas raciais presentes no dia a dia que expdem as tenta- tivas de evitar a autodeclaracdo negra/preta, por exemplo, as 56 autodescrigdes, ou termos que se referem as pessoas, mas equivo- cadamente entendem que as pa- lavras negro(a) e preto(a) sao ofensas, utilizam outros termos que sao curiosos: “[...] (moreno, Moreninho, marrom bombom, de cor, queimado de praia, meio- -branco) e sinalizam [...] uma grande parte da populacio, so- bretudo as classes menos favo- recidas [...]” (HOFBAUER, 2003, p. 92). Portanto, existe também a necessidade de entender que a palavra “negro(a)/preto(a)” nao é uma ofensa. Inspira-se na contribuigio do autor Hofbauer (2003), para rea- firmar que a ideologia do “bran- queamento” esta presente, mo- ve-se, manifesta-se enquanto cenario ideolégico de fundo, no qual outras ideias, discursos de ser “negro(a)” e de ser “bran- co(a)” se concretizam. Dessa ma- neira, ha a tentativa de raciali zar as diferencas, hierarquizar as Mesmas e, assim, realizar a ma- nutengao das desigualdades. Tendo isso em vista, chama- ~se a atengdo para a insercao do tema orixds, enquanto super- -herdis (Ogum, Oxéssi, Xang6), super-heroinas (Ians, Oxum, Iemanjé) para aprofundar o de- bate sobre o combate a intole- rAncia religiosa. Os orixds no contexto da educacio fi antirracista E inegavel a importancia dos estudos de mitologia africana e afro-brasileira no contexto das aulas de educacao fisica, consi- derando esse espaco de forma- cdo identitdria para a superacao do preconceito racial, a discrimi- nagdo racial, o racismo, as repre- sentagées estereotipadas, de tal maneira que a religido se inse- re no processo de manifestacao e valorizago da cultura negra; *[..] ao entendermos a religiao como um conjunto de simbolos que sao transmitides por gera- Ges, dentro de um proceso his~ térico, é possivel aproximar esta ideia do conceito cultural” (VIET- RA; BIAZETTO, 2013, p. 66) Educar na diversidade étnico- racial tem sido um modo pro- missor de responder ao desa- fio de legitimar a educacao fisica no Ambito escolar, considerando a discussao sobre a intolerancia religiosa no processo de constru- go das identidades, principal- mente, a identidade afro-brasi- leira, enquanto direito dos(as) educandos(as) e dever da area. Pér a vista essa realidade signi- fica reafirmar que 4rea ndo pode ser/estar alienada aos processos de atualizacao e permanéncia do racismo a brasileira, naturalizan- do as expressées de viol€ncia, de feminicidio negro, genocidio dos poves indigenas e africanos, a es- cravizacéo dos povos africanos, pois sdo questées reeditadas no contexto do capitalismo que es- to nas quadras e nas salas de aulas, porém so silenciadas. Nesse enfoque, enegrecer a edu- cacao fisica exige uma mudanca significativa na estrutura, pois, é necessaria a percepcao social, cultural, histérica e politica numa leitura interdisciplinar (sem per- der a especificidade), com base no pensamento negro. A partir dessa conscientizago, no pode acontecer um descuido a respeito das falas dos(as) edu- candos(as), por exemplo, “chu- ta que é macumba”, “macumba 6 coisa ruim’, dentro e fora das aulas de capoeira. Entao, a se- gunda intervengao pedagégica se apresenta, por meio do mito dos orixas e, concomitantemente, no estudo a respeito do conceito in- tolerancia religiosa”. No que se refere as praticas de intolerancia religiosa, pode-se afirmar que é um crime, pois so atos de violéncia direcionados as jes de matrizes africanas (e todas as suas formas de ex- Presso) descumprindo, assim, 0s direitos fundamentais garanti- dos pela Constituic&o Federal. 0 Estado € considerado laico, de- mocratico e de direito, no entan- to, "[...] 0 trato discriminatério e Preconceituoso dessas religides e seus seguidores tem sido mo- vido por interesses privados de pessoas, autoridades, politicos, educadores adeptos a outras ma- trizes religiosas” (GOMES; FER- REIRA, 2013, p. 17). Em relacéo as religides de matrizes africanas, _percebe- -se que a intolerancia religiosa 6 acompanhada de discursos ra- cistas, pois o racismo se atua- liza, perpetua-se e se legitima nas relagdes sociais do cotidiano, inporaie deca |r pote asc ‘apt rpo ot ects de oso per causa foie renga eigen ORGES t 2, 20028, Rex Bras. Educ Fi, Escolar Ano VF 2—Now 2019 REBESCOLAR ——————_— 57 atuando em diferentes proces- sos identitdrios (cultura, raca/ etnia, género, sexualidade, de- ficiéncia, religiéo, regio, classe social, entre outros) desprezan- do a histéria e a heranca dei- xada pela ancestralidade africa- na (GOMES; FERREIRA, 2013). Cabe destacar que “[...] as reli: gides africanas foram nao sé su- Porte de manutencao da hist6- ria do negro na diaspora, como também a base de fortalecimen- to existencial da geragao escra- vizada e das posteriores” (VIEI- RAj BIAZETTO, 2013, p. 68). © que se prope, aqui, ndo é “evangelizar” os discentes. Trata- -se, na verdade, de promover 0 acesso cultura negra, apresen- tando um rico repertério de sa- beres sobre as leituras de mun- do trazidas da Africa para o Brasil e, diante dessas reflexes e dis- cussées, permitir a aproximacio, apreciagéo e apropriagao, co- nhecendo este universo comple- xo, dindmico, assim como os an- cestrais, “Iorubés (Nigéria), dos Ewe-fon (Benin) e dos Bantos (Angola), os quais ‘espalharam’ e ressignificaram sua cultura pe- las Américas, legando 0 Candom- blé no Brasil [...]” (FERNANDES; FERREIRA, 2009, p. 9). Inspira-se na pesquisa de Ba- kke (2011), para reafirmar que alguns trabalhos reproduzem a imagem dos orixés para enfati: zar as qualidades e valores des- sas entidades. Por exemplo, a fala sobre os “[...] sentimentos que so associados as caracte- risticas dos orixds, como a rai: va e vontade de lutar de Ogum, 58 chorar como um rio de Oxum, ou gritar como o trovao de Xan- 96” (BAKKE, 2011, p. 128). Do mesmo modo, Iemanja a senho- ra das aguas; Ogum e Iansé, ori- xs guerreiros, que auxiliam no combate ao racismo e Oxéssi para representar o conhecimen- to sobre a cultura afro-brasilei- ra, a fartura dos alimentos ¢ 0 cuidado com a natureza (BAKKE, 2011), Diante do mesmo propé- sito, é importante enaltecer que 0s orixas citados (Ians8, Oxum, Ogum, Xang6, Oxéssi, Iemanja) foram escolhidos pelos(as) edu- candos(as) na fase de apresen- tacdo do tema. ‘A respeito do relato de ex- periéncia realizado em 2018, os(as) educandos(as) efetuaram uma pesquisa no contexto da re- presentatividade das mulheres negras com suas familias para saber a quantidade de pessoas que concluiram 0 ensino supe- rior. O resultado demonstrou que as maes e as tias dos discentes (4% anos) representam a maioria que concluiu o ensino superior, Diante do exposto, estudamos a pesquisa, as trajetérias de Vir- ginia Leone Bicudo, Neusa San- tos Souza e conversamos sobre a desigualdade social, educacio- nal e racial (NOBREGA, 2018). A partir disso, possivel dire- cionar e construir no atual con- texto, didlogos sobre a identifi- cacao, a representatividade, as expressdes, os sentimentos e os valores. Com base no exemplo do relato de experiéncia desen- volvido em 2018, pode-se afir- mar que a insercdo dos orixds expée um aprofundamento para 0 debate sobre a questao de gé- nero, por exemplo, Oxum, Eud que representam a mae prote- tora e seus filhos. Assim sendo, 0 orixd Eud é uma representa- co presente na realidade vivi- da dos(as) educandos(as), ex- pondo as familias que, em sua maioria, nas populacdes negras e pobres, séo dirigidas por mu- Iheres, “[...] mulheres como Eud, que muitas vezes nao tém com quem deixar os filhos para poder trabalhar, mulheres que as vezes se desesperam por ndo ter como dar comida aos filhos” (BAKKE, 2011, p. 113). © primeiro passo para inter- pretar os orixés na educagao fi- sica antirracista foi estudar o conhecimento sobre 0 corpo, através da_representatividade negra; ou seja, de acordo com os super-herdis e super-heroinas da histéria em quadrinho Con- tos dos orixas”, nés estudamos as habilidades motoras basicas e as capacidades fisicas. No que se refere ao segundo passo, es- se delineado no bloco de conteti- do ritmos e dancas, nds realiza- mos as atividades em circulo a partir da ideia “eu me vejo e vejo © outro”, assim, utiliza-se a dan- Ga afro e os exercicios ritmicos Abecedério” na_ interpretacao 2 Paw mame Wlemaréos, eh. , Poses et 218 22 0 exsica neo Absoesino cole em eta (lat sice que represeram quato verre, Pa 2 eecupe dese econ, dicer-se ees (uate smtls ro as do Acai (ests so (aanzaca em quae cauas ee uti) CE ‘ARTAXO, ns. Rime « movimento era ria ‘Sto Pau: Pa, 2018.80, de algumas misicas: do géne- ro musical samba, por exem- plo, Originais do Samba, com a misica Casca de coco”; canti- gas de Capoeira, cangdes inter- pretadas por Mariene De Castro, por exemplo, Abre Caminho**, A Deusa Dos Orixés®*, E D>oxum’*, a cangao interpretada por Mari sa Monte, Lenda das Sereias*’, a cang&o interpretada por Gil- berto Gil Jansa®*, Assim, “[...] © trabalho com os mitos perm te que nos conhecamos melhor, questiona nossas incoeréncias e preconceitos, expée nossas rai- zes, fragiliza 0 modus operan- di construtor da identidade na- cional_ brasileira” (FERNANDES; FERREIRA, 2009, p. 9). No decorrer desse estudo so- bre as qualidades e valores dos super-herdis e super-heroinas (divindades da natureza), bem como o desenvolvimento do did- logo a respeito dos sentimen- tos, da inter-relacéo com a na- tureza, do entendimento de comunidade (eu me vejo e ve- jo 0 outro); ou seja, as religides 23 Wises Casa de coco, Og o Sara. Depa em: