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ANO V - Nº 04 - MARÇO/ABRIL/MAIO 2019

QUANTOS
AUTISTAS
HÁ NO
BRASIL? PG 20

MINICÉREBROS:
UM NOVO
MODELO
DE ESTUDO
DO TEA PG 44
00004

GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
053005
ISSN 2596-0539

UM PERSONAGEM AUTISTA
9 772596

NA TURMA DA MÔNICA
PG 07
São Paulo
San Diego
Miami
Coimbra

Somos especialistas
em exames genéticos
para Autismo
TISMOO é uma empresa de biotecnologia de
relevância global, comprometida em melhorar a
qualidade de vida de pacientes e famílias afetadas
por transtornos neurológicos como TEA - Transtorno
do Espectro do Autismo - e outros transtornos
neurológicos de origem genética relacionados ao
TEA. Como primeiro laboratório do mundo
exclusivamente dedicado à Medicina Personalizada
para o Autismo, buscamos oferecer tecnologias
verdadeiramente inovadoras e que tenham o
potencial de mudar efetivamente a qualidade de vida
de nossos pacientes.

Quer entender por que os exames


genéticos são importantes?

Acesse:

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Transforming genetic data into better decisions


Cursos de
Pós-graduação
e Cursos avançados
presenciais em
todo Brasil.
EDITORIAL
A Revista Autismo voltou!
EXPEDIENTE Após cinco anos sem publicarmos, estamos de volta. Não mais como
um projeto social numa ONG, mantendo-se apenas por doações e sem
Revista Autismo
anúncios publicitários. Infelizmente, aquele modelo de negócio se mostrou
Ano V — número 4 — volume 4
insustentável. Agora somos uma social startup, uma empresa privada,
Março de 2019 para fazer a revista de uma forma profissional, como qualquer negócio
ISSN: 2596-0539 comercial. Porém, com o mesmo propósito social que nos move desde o
Distribuição gratuita início: disseminar informação de qualidade a respeito de autismo, inclusive
Periodicidade: trimestral mantendo a revista gratuita, como sempre foi. Nossa missão.
Tiragem: 20.000 exemplares Pra chegar até aqui, muitas pessoas acreditaram e colaboraram para este
Revista Autismo é uma publicação de projeto tornar-se real. Não posso deixar de agradecer ao pai e publicitário
circulação nacional com o objetivo de levar Martim Fanucchi, que fundou a Revista Autismo junto comigo, em 2010.
informação de qualidade, isenta e imparcial.
A respeito de autismo, é a primeira revista Só nós dois sabemos o quão difícil foi. Muito obrigado, Martim, que esteve
periódica da América Latina, além de ser a comigo neste projeto até dezembro de 2018. Não esqueço também do pai
primeira do mundo em língua portuguesa. Zinho Casagrande, que doou toda a impressão da primeira revista, o
Editor-chefe e jornalista número zero. E à Associação Areópago Atibaiense, que patrocinou toda
responsável:
uma edição da revista. Eles fizeram justo o que seria perfeito para aquele
Francisco Paiva Junior
MTb: 33.245 início de história: acreditaram. Sou grato também à nossa revisora oficial até
editor@RevistaAutismo.com.br hoje, a mãe Marcia Lombo.
Direção de arte e design E não posso me furtar de agradecer à ONG Consciência Solidária, de
Alexandre Beraldo
xberaldo@gmail.com Atibaia (SP), que abraçou nosso projeto sem medir esforços, em 2011,
principalmente à eterna presidente Lucila Mari Hashimoto e sua escudeira,
Revisão
Márcia F. Lombo Machado Sonia Andrade Guedes. Vocês duas não têm ideia de quantas famílias
Consultores científicos ajudaram mantendo este projeto vivo.
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato Agora seguimos nossa estrada, por um novo rumo. Mas sem perder
Colaboradores deste número jamais a essência. E já sendo gratos a parceiros que estão acreditando
Adriana Gledys Zink, Alysson Muotri,
Celso Goyos, Graciela Pignatari, Eduardo
nesta nossa nova fase, além dos anunciantes, à Sociedade Brasileira de
Ribeiro, Eric Hamblen, Erica Matos, Lucelmo Pediatria, que tem uma coluna aqui, e às empresas que levam a revista
Lacerda, Luís Fernando Vianna, Marcelo para chegar gratuitamente a mais de 50 cidades em todos os estados do
Vitoriano, Maria Elisa Granchi Fonseca,
Marie Dorion, Nicolas Brito, Soraia Vieira,
Brasil: pelas rodovias, à Jamef Transportadora, e via aérea, à Azul Cargo. E
Tatiana Ksenhuk, Tatiana Takeda, Vera um agradecimento especial a ninguém menos que Maurício de Sousa, que
Juhlin, Wagner Yamuto, Beatriz Raposo terá uma página em todo número da Revista Autismo, uma parceria com a
Impressão: Interfill Gráfica Turma da Mônica falando de autismo.
Ilustrações: Alexandre Beraldo e Neste número, temos vários artigos, reportagens e colunas, de pais e de
Beatriz Raposo
autistas, pois a ideia é também dar voz a autistas adultos, muitas vezes
Foto da capa: Deposit Photos negligenciados na sociedade. Em resumo: aqui tem muita informação
Fundadores: Martim Fanucchi e — a mais eficaz arma contra o preconceito.
Francisco Paiva Junior
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Vem comigo devorar esta revista!
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Redação: redacao@RevistaAutismo.
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Francisco Paiva Junior, NOTA DO EDITOR
Versão em PDF editor-chefe da Revista Autismo, Você pode reproduzir nossos textos e artigos
Issuu: issuu.com/revistaautismo
é jornalista, pós-graduado em sem prévia autorização, livremente, desde
Editado por: Paiva Junior jornalismo e segmentação editorial, que cite a fonte (Revista Autismo) e o autor
R. Bela Cintra, 336 - sala 74 bloco A, — em sites, faça um link para a versão online
Consolação autor do livro “Autismo —
do conteúdo. Apenas para uso comercial, é
São Paulo (SP), CEP 01415-000 Não espere, aja logo!” (editora necessário solicitar autorização, escrevendo
CNPJ: 30.894.955/0001-09 M.Books) e pai do Giovani, de 11 para redacao@RevistaAutismo.com.br
anos, que tem autismo e é muito Para sugerir pautas e temas de reportagens,
Os artigos assinados não representam rápido para fazer contas de cabeça, envie mensagem para o mesmo email
necessariamente a opinião da Revista e da Samanta, de 9 anos, que tem citado acima.
Autismo e seus editores. chulé e é exímia desenhista.
04
ÍN-
DICE
16 20
Bullying Quantos Autistas?
TATIANA TAKEDA FRANCISCO PAIVA JR.

Ações devem ser contínuas e Sem estudos estatísticos, país


alcançar toda a comunidade não sabem quantas pessoas
escolar, inclusive os familiares têm autismo, muito menos
dos alunos quantas já têm diagnóstico

26
ABA Colunas
CELSO GOYOS Matraquinha
13
Com evidências científicas,
Tudo o que podemos ser
15
ABA é ferramenta útil no
ensino da fala como linguagem
Sociedade Brasileira de Pediatria
28
natural Trabalho no espectro
33
Liga dos Autistas
43

30
A Liga dos Autistas Turma da Mônica

07
FRANCISCO PAIVA JR. MAURÍCIO DE SOUZA

Por meio de redes sociais, André é o


grupos de debate e planos para personagem
um livro, a Liga ajuda e dá voz a autista da turma
autistas adultos

44 50
Minicérebros Espectro Artista
ALYSSON MUOTRI CAMILA ALLI CHAIR

Principal uso é para a busca Diagnosticada com Síndrome


de novos medicamentos em de Asperger, a ilustradora de 29
plataformas miniaturizadas anos tem desenhos divulgados
dentro e fora do Brasil
COLA- ERIC MARCELO CLAUDIA
BORA-
HAMBLEN VITORIANO MORAES
Terapeuta Psicólogo Pedagoga

DORES
LIUBIANA
WAGNER ALYSSON ARAÚJO
YAMUTO MUOTRI Neurologista
Fundador do Neurocientista
MAURÍCIO Adoção Brasil
ÉRICA
DE SOUZA LUCELMO MATTOS
Desenhista
LACERDA Turismóloga
BIA Professor e
ANDRÉA RAPOSO escritor
CLÉTO LUIZ Artista NICOLAS
Pedagoga BRITTO
VIANNA
Jornalista Fotógrafo

EDUARDO
RIBEIRO
Economista

CAMILA
TATIANA CHAIR
TAKETA Ilustradora
Advogada
GRACIELA
SORAIA PIGNATARI
VIEIRA Bióloga
Fonoaudióloga molecular

MARIA Nossos Canais twitter.com/


RevistaAutismo
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06
07
As informações a seguir não dispensam
O QUE É AUTISMO a consulta a um médico especialista
para o diagnóstico

O QUE É AUTISMO? Saiba a definição do Transtorno do Espectro do Autismo


O autismo — nome técnico oficial: Americana de Psiquiatria, é a tera-
Veja alguns sinais de autismo.
Transtorno do Espectro do Autis- pia de intervenção comportamen- Apenas três deles numa crian-
mo (TEA) — é uma condição de tal. O tratamento para autismo é ça de um ano e meio já justifi-
saúde caracterizada por déficit na personalizado e interdisciplinar, cam uma consulta a um médico
interação social, comunicação e além da psicologia, pacientes po- neuropediatra ou a um psiquia-
comportamento. Não há só um, dem se beneficiar com fonoaudio- tra da infância e da juventude.
mas muitos subtipos do transtorno. logia, terapia ocupacional, entre
Testes como o M-CHAT (com
versão em português) estão
Tão abrangente que se usa o termo outros, conforme a necessidade disponíveis na internet para
“espectro”, pelos vários níveis de de cada autista. Na escola, um serem aplicados por profissio-
comprometimento — há desde mediador pode trazer grandes nais.
pessoas com condições associadas benefícios no aprendizado e na in-
Não manter contato visual
(comorbidades), como deficiência teração social por mais de 2 segundos;
intelectual e epilepsia, até pessoas
independentes, que levam uma Alguns sintomas como irritabili- Não atender quando chama-
vida comum. Algumas nem sabem dade, agitação, autoagressividade, do pelo nome;
que são autistas, pois jamais tive- hiperatividade, impulsividade, de-
ram diagnóstico. satenção, insônia e outros podem
Isolar-se ou não se interessar
por outras crianças;
Não é conhecida completamente ser tratados com medicamentos,
a causa do autismo ainda, por ser que devem ser prescritos por um Alinhar objetos;
um transtorno multifatorial. Po- médico. Dentre os medicamentos
rém, estudos recentes têm demons- indicados a risperidona, que é da Ser muito preso a rotinas a
trado que fatores genéticos são os classe dos antipsicóticos atípicos, é ponto de entrar em crise;
mais importantes na determinação o mais comum deles.
Não usar brinquedos de for-
de suas causas (estimados entre ma convencional;
70% a 90% — e ligados a mais de Em 2007, a ONU declarou todo
mil genes), além de fatores ambien- 2 de abril como o Dia Mundial Fazer movimentos repetiti-
tais, ainda controversos, poderem de Conscientização do Autismo, vos sem função aparente;
estar associados. quando cartões-postais do mundo
todo se iluminam de azul (cor es- Não falar ou não fazer gestos
para mostrar algo;
Tratamento e sinais colhida por haver, em média, 4 ho-
Alguns sinais de autismo já podem mens para cada mulher com TEA). Repetir frases ou palavras em
aparecer a partir de um ano e meio momentos inadequados, sem
de idade, e mesmo antes em casos O símbolo do autismo é o quebra- a devida função (ecolalia);
mais graves. Há uma grande im- -cabeça, que denota sua diversidade
portância em iniciar o tratamento e complexidade. Não compartilhar interesse.
Girar objetos sem uma fun-
o quanto antes — mesmo que seja ção aparente;
apenas uma suspeita clínica, ainda
sem diagnóstico fechado —, pois Apresentar interesse restrito
quanto mais cedo começarem as ou hiperfoco;
intervenções, maiores serão as pos-
sibilidades de melhorar a qualida- Não imitar;
de de vida da pessoa. O tratamento
psicológico com maior evidência Não brincar de faz-de-conta.
de eficácia, segundo a Associação
08
FAKENEWS Verdades ou notícias falsas envolvendo o autismo?

UM AUTISTA NO FILME
‘AMARGO PESADELO’
Fotos: Royalte free

TUDO MENTIRA
Na verdade, o jovem Billy Red-
den — nascido em 1956, em Ra-
bun County, na época tinha 16
anos — teria sido escolhido em
sua escola, Clayton Elementary
Billy Ridden em cena do filme Amargo Pesadelo
Há muitos anos circula na internet School, para fazer uma partici-
um boato que sempre reaparece e pação no filme por conta de sua
se relaciona a um duelo musical en- “aparência exótica”, mas não é
tre um banjo e um violão, no filme autista e não tem qualquer de-
“Amargo Pesadelo” (“Deliverance”, ficiência ou síndrome.
no título original, em inglês), de Sua extrema habilidade com o
1972. Dirigido por John Boorman, banjo também é fake. Um mú-
a película é baseada no romance sico profissional fica por trás
de mesmo nome, escrito por James dele, vestindo uma camisa de
Dickey, que aparece no filme, no pa- quatro mangas, e faz parecer
pel de um xerife. que o garoto é um gênio do
banjo. Depois deste filme, o ator
Billy Ridden atualmente
fez “Peixe Grande” (“Big Fish”,
O boato original: em 2003) e “Outrage: Born in
Consta ser uma cena verídica. O garo- Terror” (2009). Para o filme de
AUTISMO to da cena não é ator, apenas um au- 2003 ele teria sido “descoberto”
NÃO ESPERE, tista e cego que residia no local onde pelo diretor Tim Burton, num
A JA LOGO! estavam sendo feitas as filmagens. A minúsculo estabelecimento, o
EDITORA M.BOOKS
equipe parou num posto de gasolina “Cookie Jar Café”, lavando pra-
NAS MELHORES LIVRARIAS para abastecer e aconteceu a cena mais tos e servindo mesas, na cidade
marcante que o diretor teve a felicida- de sua infância: Clayton, Geor-
de de encaixar no filme. No início está gia (EUA).
distante, mas à medida que toca seu Em 2012, 40 anos após o emble-
banjo ele cresce com a música e vai se mático filme, ele teria dito para
deixando levar por ela, até transformar um documentário: “Eu gostaria
sua expressão num sorriso contagian- de ter todo o dinheiro que pen-
te, transmitindo a todos sua alegria. A sei que ganharia após aquele
alegria de um autista que é resgatada filme. Eu não estaria trabalhan-
por alguns momentos, graças a um vio- do no Walmart agora. E me es-
lão forasteiro. O garoto brilha, cresce e forçando para sobreviver.”
exibe o sorriso preso nas dobras da sua Na versão online deste texto
deficiência, que a magia da música traz você pode ver a cena do due-
à superfície. Depois, ele volta para den- lo musical, o trailer do filme e
tro de si, deixando sua parcela de beleza trechos do documentário com o
eternizada “por acaso” no filme “Amargo ator em 2012.
Pesadelo” (Ano: 1972).
autismo.paivajunior.com.br
09
MARIA ELISA GRANCHI FONSECA

é psicóloga, em didática do na área dos TEA e


arteterapeuta, ensino superior, educação, professora
mestre em coordenadora geral universitária, gestora de
educação do Centro de Autismo cursos na área e TEACCH
especial, (Cedap) da APAE de certified professional
especialista em Pirassununga (SP) pela University of North
saúde mental desde 1992, diretora Carolina, nos EUA, e-mail:
com ênfase nos do grupo falando de falandodeautismo@
TEA, especialista autismo, consultora gmail.com.

MINHAS
PERCEPÇÕES SOBRE
A TRAJETÓRIA DO
AUTISMO NO BRASIL
Leis que já existem e
devem sair do papel
para a prática, por um
aprender eficiente

costumo dizer que sou da velha ge-


ração do autismo no Brasil.
Daquela geração que no final dos
anos 1980, não tinha livros para ler,
internet para consultar, professores
para orientar, mas tinha crianças
para atender. Pois é. Elas sempre
existiram. Eu sou da geração 80 que
colocava na porta a plaquinha “Em
atendimento”, entrava na sala com
a criança e não sabia o que fazer. Eu
não tenho vergonha de contar essa
passagem da minha vida, pois foi
dali que eu passei a entender que
Fotos: Deposit Photos

algo precisava ser feito. Eu realmen-


te não sabia o que fazer com aquela
criança que ali estava e não tinha
ninguém que pudesse me orientar
com precisão naquele momento.
10
“Acompanhei a evolução
dos conceitos, o advento
das teorias e como isso
se refletiu nas práticas”

em algum outro. Segui o caminhar


da evolução genética, a aproximação
do canabidiol e o avanço dos recur-
sos tecnológicos em nossas terapias,
Em 1988 estava eu estudando para escolas e residências.
ser psicóloga, só com o livro de Ch- Sofri com a falta de artigos para ler,
ristian Gauderer na mão, uma teoria livros para comprar e lugares para
na cabeça e uma inquietação inspi- visitar. Os materiais chegavam pelo
radora que me fez procurar pessoas correio ou mediados por alguém
por este país imenso, na busca de al- que fosse para o “estrangeiro”. Com
guma resposta: “o que eu faço?”. a globalização e nesses últimos 15
Louvada foi a minha inquietação anos, aprendemos a produzir nos-
inspiradora! sas pesquisas, nossas obras foram
Sem ela eu não teria ido explorar aparecendo e profissionais foram
meus estudos e seguir as pessoas surgindo. Historicamente vivemos
que me ajudaram naquele começo. a falta de políticas públicas e ne-
E então, a partir daqui, começamos nhuma legislação aplicada ao autis-
a analisar as minhas percepções so- mo como categoria. Isso veio como
bre a trajetória do autismo no Brasil. conquista a não mais que alguns
Acompanhei a evolução dos con- poucos anos.
ceitos, o advento das teorias e como Com o passar do tempo, entramos na
isso se refletiu nas práticas. Faláva- mídia e nas redes sociais; demos voz
mos em autismo infantil no DSM- aos protagonistas e forma às nossas
3 e nem sequer pensávamos em intenções. O Brasil buscou acompa-
espectro tal qual o temos hoje. Vi, nhar o irreversível movimento mun-
nessa trajetória, as crianças irem dial de praticar as experiências técni-
dos hospitais para as instituições; cas e científicas. Houve uma rápida
das instituições para as escolas es- e crescente cinesia em trazer moder-
peciais; das escolas especiais para nidade às intervenções, mas descui-
as regulares e agora, uma tentativa do na projeção dessas às condições
de irem destas para o ensino domi- culturais, políticas, geográficas, eco-
ciliar. Já vi também crianças voltan- nômicas e plurais continentais perti-
do para as escolas especiais após nentes ao país.
fracasso na inclusão – o que não me O mundo moderno que incorpora o
cabe analisar neste momento, mas autismo, especialmente este no qual
cabe analisar em algum outro. eu me insiro, transita hoje na impor-
Passei pelos modismos e períodos tação de técnicas por vezes tenden-
das terapias sem embasamento e ne- ciosas, modelos fundamentados em
nhuma evidência científica. Acom- culturas não-nossas, sem adaptação
panhei o apelo das vacinas, o adven- ao sujeito, apelos a “métodos” e não
to das dietas; mas também assisti a princípios e muitas vezes, modelos
aos debates das pílulas milagrosas, passageiros. Nessa realidade, já ex-
das técnicas holísticas e alternativas, perimentei contextos corporativistas,
cada uma com sua contribuição – o reserva de mercado e grupos que,
que também não me cabe analisar infelizmente, se embatem mais em
neste momento, mas cabe analisar “briga” do que em “luta”.
11
Se há alguns anos falávamos “Falo como
em “mães geladeira“, causas psi-
cológicas e maternagem, hoje alguém que se
falamos em empoderamento fa- dedica ao ensino,
miliar e incorporação dos pais
no tratamento. pesquisa e clínica
Se não fazíamos diagnóstico an- desde o final dos
tes dos 5 anos, hoje temos essa
chance antes dos 18 meses. Se a anos 1980”
intervenção era especialista, hoje
é generalista e multifocada.
Se há 25 anos a nossa escola era, inclusão, o que inclui recursos
basicamente, assistencialista, hoje para sala de aula e AEE, mate-
temos currículo adaptado, ma- riais e tecnologia assistiva;
teriais com estrutura e a preocu-
pação em cobrar tais recursos. Se Programas de capacitação
não tínhamos professor em sala e treinamento em serviço;
de aula, hoje temos acompanhan-
te individualizado. Serviços de orientação a pais.
Se não tínhamos capacitação de
profissionais, treinamentos, cur- Eu tenho várias percepções sobre
sos e eventos, hoje temos um es- a trajetória do autismo no Brasil e
parramo de opções que me cau- falo como alguém que se dedica ao
sam mais preocupação que alívio. ensino, pesquisa e clínica desde o
E se não tínhamos mentes preo- final dos anos 1980. As mudanças
cupadas com tudo isso, hoje a rea- nos atendimentos acompanha-
lidade é crítica a ponto de tornar ram as tendências nas concepções
crítica também a população que de autismo, as ideias que fomos
convive com o autismo. incorporando se construíram a
Hoje é possível escolher onde ir, partir das teorias subjacentes e o
com quem ir, o que aprender, onde cenário brasileiro se desenhou em
não ir, com quem não aprender, o cores diferentes década a década.
que questionar, o que não pagar, a Foi isso que me inquietou lá atrás
quem questionar, por que fazer e e que ainda encanta todos os dias.
por que continuar fazendo. Em pouquíssimo tempo uma
A minha experiência em todos nova geração de profissionais
esses anos sugere várias coisas ocupará o meu lugar e escreverá
que podem contribuir com essa uma nova história, com uma nova
nova história, podendo citar: população de pessoas autistas,
suas famílias e suas trajetórias.
O fortalecimento das práticas Que vocês, jovens, continuem
baseadas em evidências e seu contando a nossa história.
esclarecimento sobre o que são Louvada seja a inquietação inspi-
e como se aplicam; radora dessa nova geração!

Mais investimento em pesqui-


sas e publicações nacionais;

Implantação intensiva de polí-


ticas públicas em todos os âmbi-
tos com a participação democráti-
ca na definição de metas;

Criação de estratégias didáti-


co-metodológicas para a efetiva
12
C O L U N A

PALAVRA MÁGICA
- Você quer dar um oi? – Me desculpe pelo susto, mas ele
é especial!
Esta é a frase mágica que uti-
Matraquinha lizamos quando o Gabriel ten- – Filho, você quer dar um oi?
ta uma interação social com
outras pessoas. Logo em seguida perguntam o
nome dele e todo orgulhoso ele
As terapias fazem parte de nos- responde (ele só consegue pro-
sas vidas desde 2011 e, de vez em nunciar o próprio nome de for-
quando, ele tenta interagir com o ma silábica):
mundo que está à sua volta. Por
outro lado, ele não sabe muito – GA – BI – NEL
por Wagner Yamuto bem como fazer esta aproxima-
ção e, na maior parte das vezes, a Pronto, fez-se a interação!
reação da outra parte acaba não
Wagner Yamuto é pai do Gabriel (que sendo tão amigável. Com essa simples frase, tivemos
tem autismo) e da Thata, casado com a a oportunidade de conhecer pes-
Grazy Yamuto, fundador do “Adoção Não culpo as pessoas, pois o soas incríveis com histórias fan-
Brasil”, criador do app Matraquinha e susto realmente é grande. Cer- tásticas, o que não aconteceria,
um grande sonhador. ta vez na cidade de Embu das não fosse pela interação de um
Artes em São Paulo, ele agar- garotinho com autismo.
rou o braço de uma senhora
que deu um grito de horror e Você tem alguma frase mágica?
puxou a bolsa como se estives-
se sendo assaltada. “Nós nos
desculpamos”, explicamos e só
depois percebemos que ela era
estrangeira. E ficamos apenas
no sorry.

Normalmente, as reações nega-


tivas desaparecem como num
Ilustração: Bia Raposo

passe de mágica após a frase:

– Você quer dar um oi?

Algumas vezes é preciso mais


uma frase:
13
a discriminar, formar frases, usar
A R T I G O modificadores/atributos, responder
perguntas e fazer comentários.
geral da Pyramid O PECS foi desenvolvido há 33 anos,
Consultoria Educacional
nos EUA. O protocolo que está asso-
do Brasil, tem uma
sólida experiência de ciado com o PECS é de propriedade
trabalho com crianças intelectual de seus criadores, Andy
SORAIA VIEIRA e adultos com ampla Bondy e Lori Frost, fundadores
é fonoaudióloga, gama de dificuldades da Pyramid Educational Consul-
mestre em estudos de comunicação por tants, nos EUA, e donos da empresa
linguísticos pela razões variadas: físicas,
Universidade mentais, sociais e
Pyramid Consultoria Educational,
de Londres, tem emocionais. O primeiro no Brasil.
curso avançado de curso PECS que Várias instituições, clínicas, famí-
autismo credenciado frequentou foi em 2002 lias e escolas no Brasil já adotaram o
pela Universidade e desde então PECS método PECS, que está se tornando
de Cambridge, na tornou-se parte de sua
popular por ser baseado em evidên-
Inglaterra. Diretora prática diária.
cia, bem estabelecido, manualizado

PECS
e de baixo custo para implementar.
Sistema por A eficácia do método é atestada por
150 publicações.
figuras é boa Para o aluno aprender a usar o
ferramenta PECS, é preciso ser ensinado por
de comunicação alguém treinado no método. Pes-
para autistas quisas mostraram que são obtidos
maiores benefícios quando o PECS
O Transtorno do Espectro Autista Nós não compartilhamos vozes, é implementado com fidelidade.
(TEA) abarca um amplo universo de então os alunos não devem com- Pais e profissionais de várias áreas
alunos com quadro clínico de déficit, partilhar as pastas de comunicação. podem fazer o curso para aprender
em maior ou menor grau, nas áreas O aluno será ensinado a carregar a a utilizar este sistema.
de interação social, comportamento pasta para todos os lugares. Convido a assistirem ao vídeo “Uma
e comunicação. Aqui darei foco na Para o sucesso no sistema, o elemen- Imagem Clara: O uso e benefício
área da comunicação. to mais importante é a identificação do PECS”, no site www.pecs-brazil.
Para ensinar comunicação, precisa- de um poderoso conjunto de refor- com/videos.php, apresentado pela
mos entendê-la melhor: o que é co- çadores. A equipe deve identificar cocriadora do PECS, Lori Frost. Esse
municação? É um comportamento itens e atividades que o aluno gos- vídeo não é um substituto para o
que exige duas pessoas. Uma pessoa te ao longo do dia. Oportunidades treinamento do PECS, ele fornece
identificada como “falante” (que en- de comunicação devem ser planeja- apenas uma boa visão geral sobre
trega a mensagem) e a outra como das e monitoradas cuidadosamente o protocolo.
“ouvinte” (que recebe esta mensa- para que o acesso aos reforçadores Acredito que ensinando uma co-
gem e responde adequadamente). O identificados seja limitado. municação funcional ao aluno, este
método de comunicação mais difun- As figuras deverão ser feitas antes conseguirá expressar-se em rela-
dido e usado com alunos com TEA da primeira lição do PECS. Reco- ção ao mundo ao seu redor e uma
é o PECS. mendamos que seja identificado vez que essa comunicação passe a
O PECS — Sistema de Comunica- um conjunto de figuras, fácil para ser compreendida, ele irá interagir
ção por Troca de Figuras (Picture reproduzir e manter. O aluno pode- melhor com as pessoas com quem
Exchange Communication System) rá pedir vários itens diferentes du- convive. Desta forma, ensinando
— é um sistema para ajudar pessoas rante uma atividade. Cada vez que comunicação estamos melhorando
de várias idades que não conseguem o reforçador muda, a figura corres- a qualidade de vida dos alunos e de
se fazer entender através da fala, ou pondente é colocada diretamente seus familiares.
que têm uma fala muito limitada. na frente do aluno. Para maiores informações so-
Ou seja, o PECS é uma comunicação Durante as fases iniciais, a figu- bre Pyramid Consultoria Educa-
aumentativa e alternativa. ra funciona como um ticket que o cional do Brasil e PECS, acesse
É equivalente à voz do aluno. Cada aluno deve trocar com um parcei- www.pecs-brazil.com ou entre em
um precisará ter sua própria voz, ro de comunicação. Nas fases mais contato com soraia@pecs.com.
sua pasta de comunicação PECS. avançadas, os alunos aprendem
14
C O L U N A

TODO SER HUMANO


É ÚNICO
Quando eu era pequeno, tinha um que eu concordo muito com isso.
autismo mais severo, pois não me Muitas pessoas conhecidas que
comunicava, me autolesionava, ti- têm filhos (ou qualquer outro pa-
nha muitos comportamentos rígi- rente) com autismo passam por
dos e muita dificuldade na escola. coisas parecidas e acabam sendo
Hoje, apesar dos meus 20 anos, criticadas. Nós temos que enten-
Tudo o que ainda enfrento muitas dificulda- der que se não for para o bem de-
podemos ser des e ainda tenho muitas coisas les, acaba piorando e estressando
para descobrir e para aprender. cada vez mais os filhos com autis-
Ainda hoje, tenho dificuldade de mo e, provavelmente, até os filhos
me comunicar, pegar transportes neurotípicos. E isso pode interfe-
públicos, esperar em filas longas, rir no comportamento deles.
etc. Acho que a maioria das pes- Em muitas ocasiões, nós não nos
soas que me conhecem sabe disso, sentimos bem em um lugar e,
mas isso é uma conversa para ou- como dizem os brasileiros neu-
por Nícolas Brito tra história, porque hoje eu quero rotípicos, nós nos sentimos como
falar sobre “obrigações”. um “peixe fora d’água”! E isso
Nicolas Brito Sales, tem 20 anos, Apesar de eu viajar o Brasil in- pode, sim, interferir no desenvol-
é fotógrafo, palestrante e escritor. teiro para fazer as minhas pales- vimento da pessoa com autismo.
Desde 2011, juntamente com sua tras, acreditem ou não, eu nunca Porém, isso não precisa acontecer
mãe, Nicolas percorre vários lugares
para dar palestras sobre como é ser gostei de viajar, mas esse é o meu para sempre, pois existem lugares
autista e estar inserido na sociedade. trabalho. E se eu tenho que viajar que seus filhos com autismo po-
Em janeiro de 2016, Nicolas deu início, a trabalho, eu não me importo. E dem acabar aceitando ir junto e
como freelancer, em seus trabalhos de é claro, existem outras coisas que isso, inclusive, faz muito bem para
fotógrafo, profissão que ele pretende
seguir. Em 2014, foi coautor do livro eu não gosto de fazer e que de vez estimular a vida deles, para que
“TEA e inclusão escolar – um sonho mais em quando eu até sou incentivado eles consigam ser mais indepen-
que possível”. Em 2017, Nicolas lançou pelos meus pais e amigos a fazer. dentes, pois todos nós já sabemos
seu próprio livro, “Tudo o que eu posso Mas tem coisas que eu não quero que, como diz minha mãe, “pais
ser”, no qual conta suas experiências, o
que pensa e como vive em sociedade. fazer de jeito nenhum! Por exem- não são eternos”!
Foi premiado como melhor fotógrafo plo, quando meus pais querem Então, meu conselho é vocês se
no ArtBrazil 2017, em Fort Lauderdale, viajar para o interior para descan- lembrarem de que somos seres
na Flórida.
sar, o que eu mais gosto de fazer humanos únicos, e isso serve para
nesse período é ficar sozinho em qualquer um. Incentivar seu filho
casa, porque isso me dá paz e sos- é uma coisa, forçá-lo a fazer o que
sego. Pois é, vocês não leram erra- você quer, é outra! Lembre-se de
do! Esses dias atrás até li uma fra- incentivar a pessoa com autismo
se na internet que me identifiquei aos poucos, vendo o que faz bem e
bastante que “para algumas pes- o que faz mal a ela. Autista é gente
soas ficar em casa sozinho signi- e merece ser respeitado em sua in-
fica solidão! Já para mim significa dividualidade. Todo ser humano
paz absoluta!” E devo confessar é único!
15
TATIANA TAKETA

advogada,
coordenadora
Ações devem ser contínuas e alcançar toda a comunidade
da Subcomissão escolar, inclusive os familiares dos alunos
de Defesa da
Pessoa Autista O bullying
da OAB/GO, Da década de 1980 para cá, o
vice-presidente bullying assumiu maior proje-
da Comissão de ção no cenário global e surgiu
Inclusão Social
a necessidade de elaboração
do IBDFAM/GO,
professora de de uma norma brasileira que
direito da PUC/ dispusesse sobre o assunto.
GO, blogger, Em fevereiro de 2016, entrou
palestrante, em vigor a Lei nº 13.185/2015
mestre em direito,
(Lei de Combate à Intimidação
especialista em
direito civil e Sistemática), que conceituou
processo civil e a intimidação sistemática, ou
ensino estruturado bullying como sendo “todo ato
para autistas de violência física ou psicológi-
(dentre outros),
ca, intencional e repetiti-
pós-graduanda em
direito educacional vo que ocorre sem
e autora da coleção motivação
de ebooks “Viva a
Diferença”.
Fotos: Deposit Photos

16
evidente, praticado por indivíduo na sociedade da forma adequada e
ou grupo, contra uma ou mais alicerçada no respeito às particula-
pessoas, com o objetivo de intimi- ridades que o espectro proporciona
dá-la ou agredi-la, causando dor e em cada indivíduo nesta condição.
angústia à vítima, em uma relação Essas peculiaridades tornam o
de desequilíbrio de poder entre as autista a vítima perfeita para o
partes envolvidas”. bullying, em especial no ambiente
Em razão do aparecimento de novos escolar, local que frequenta e passa
formatos, tal lei dispôs que existem tempo substancial do dia.
oito tipos de bullying, a saber: verbal, Ocorre que, em razão de sua hiper-
moral, sexual, social, psicológico, físi- sensibilidade sensorial e da forma
co, material e virtual. como enxerga (ou sente) o mundo, o
Veja-se que o bullying assumiu uma autista, em regra, não é dado a con-
dimensão complexa e tal lei veio venções sociais e, por vezes, suas
dispor sobre o acometimento junto, ações destoam daquelas esperadas
principalmente, às escolas. pelos neurotípicos (não autistas). É
Mais tarde, a Lei nº 13.663/2018 al- comum que os autistas tenham es-
terou a Lei de Diretrizes e Bases da tereotipias, ou seja, ações gestuais,
Educação (Lei nº 9.394/1996) para es- Uma forma como por exemplo: balançar as
tabelecer que as escolas devem “pro- mãos (flapping), movimentar-se de
mover medidas de conscientização, de combate um lado para o outro (“pendular”)
de prevenção e de combate a todos e gostar de girar (a si ou a um obje-
os tipos de violência, especialmente a é incitar os to). Além disso, a maioria deles não
intimidação sistemática (bullying)” e costuma (há exceções) entender
“estabelecer ações destinadas a pro-
gestores a metáforas e possuem uma gran-
de dificuldade em compreender o
mover a cultura de paz”.
Desta forma, resta indiscutível que
providenciar que é abstrato.
a escola possui responsabilidade palestras e Com essas características, dentre
outras várias (tendo em vista a
sobre o bullying ocorrido em seu
espaço físico oferecido como educa- atividades diversidade do espectro), o autis-
cional e deve criar medidas preven- ta se destaca no meio acadêmico
tivas para o que se pode denominar pedagógicas. de modo a ser uma fácil vítima
“um dos maiores males do século”. de bullying, justamente por não
se enquadrar nas convenções so-
O Autista ciais, ou mesmo nas brincadeiras
O autista, de acordo com o art. 1º, dos colegas.
§ 2º, da Lei nº 12.764/2012 (Política
Nacional de Proteção aos Direi- O Combate
tos da Pessoa com TEA), é pessoa As ações devem ser contínuas, bem
com deficiência para todos os fins como devem alcançar toda a comu-
legais. Portanto, todas as normas nidade escolar, de modo a envolver,
que amparam as pessoas com de- inclusive, os familiares dos alunos.
ficiência, também acodem este Conseguir prevenir o bullying é
público cuja condição é tão um desafio para todas as escolas e
peculiar, dada sua diversida- combatê-lo se faz necessário na me-
de no espectro. Os graus de dida em que crianças e adolescen-
autismo podem estar dis- tes autistas podem ter suas vidas
tantes entre si, mas todos afetadas pela violência e por conse-
com suas distintas ne- quentes traumas.
cessidades para que o Não é simples conseguir fazer com
autista seja incluído que os alunos se interessem e se
17
candidatem a elos de uma Judiciário. Existem jurispru-
corrente “anti-bullying”. No dências (julgados) que con-
entanto, com as orientações denam os agressores ou seus
corretas e o incentivo da es- responsáveis legais a pagar
cola, é possível que muitos indenização por danos mo-
alunos possam contribuir e rais às vítimas (lembrando
detectar possíveis vítimas que a escola e a administra-
autistas, bem como des- ção pública também podem
cobrir se um colega nesta ser acionadas). Desde que
condição está prestes a se existam as provas necessá-
tornar uma. rias, dificilmente a vítima
É necessário convencer os perderia uma ação judicial
gestores escolares da impor- neste sentido.
tância de imprimir ações que Além disso, importante des-
vão ao encontro das Leis nº tacar que existe um liame
13.185/2015 e nº 13.663/2018, muito tênue entre o bullying
bem como é preciso con- e alguns crimes tipificados
seguir sensibilizar toda a no Código Penal, sendo que
comunidade escolar sobre cada caso deve ser analisado
a importância do combate à luz das fontes de direito
ao bullying. que o ordenamento jurídico
Por isso, uma forma de com- brasileiro dispõe.
bate é incitar os gestores Assim, com a sensibilização
a providenciar palestras e da comunidade escolar, in-
atividades pedagógicas que clusive dos familiares dos
façam os alunos e familiares alunos, será possível dimi-
refletirem sobre as conse- nuir e até mesmo extinguir
quências do bullying, inclu- as intimidações sistemáti-
sive nos âmbitos criminal cas dentro da escola e evitar
e civil. ações judiciais.
Com relação ao aluno au-
tista, que é uma potencial
vítima aos oito tipos de
bullying, há que se desta-
car a interferência do Poder
18
LUIZ FERNANDO VIANNA
é jornalista, pai de um
menino autista de 18 anos
e autor de “Meu Menino
Vadio – Histórias de um
Garoto Autista e Seu Pai
Estranho” (Intrínseca).

eSeFosseSeuFilho Familiares de pessoas com deficiência se unem


e ganham força
Estão no Youtube, e compartilhados dos nomes delas aqui. Também não
em redes sociais, vídeos como os rea- falei de casos envolvendo o meu
lizados pelas atrizes Mariana Lima, filho, um autista que está com 18
Betty Gofman, Isabela Garcia e pelo anos em 2019. A busca por empatia
ator João Vitti. Outra a gravar foi a pu- e pelo reconhecimento dos direitos
blicitária gaúcha Lau Patrón, autora do dos nossos filhos é individual, mas
livro “71 Leões”, diário da longa estada também – e sobretudo – coletiva.
no hospital de seu filho João Vicente. A formação de redes de apoio e luta
Ele sofreu um derrame por conta da é fundamental.
Síndrome Hemolítica Urêmica atípica
(SHUa), que afeta o sistema imunoló-
gico. Patrón se tornou conhecida ao
uita gente dirige aos nossos filhos realizar, no Tedx Talks, a conferência
olhares de compaixão. Seria bem me- “A solidão das mães especiais – Seja O grupo que gerou a campanha #eSe-
lhor que demonstrassem empatia. rede, seja aldeia”. FosseSeuFilho pode ser
Pôr-se no lugar de pessoas que têm O ponto de partida do Juntos foi o encontrado no Facebook (fb.com/
autismo ou outros transtornos é abaixo-assinado de pais para que JuntosPorUmMundoMaisHumano/)
tarefa difícil para os neurotípicos, uma criança especial saísse de uma e no Instagram (@juntos_grupo).
mas fundamental para quebrar escola. Esse caso de falta absoluta
a falsa barreira entre “normais” de empatia não é isolado, como nós
e “deficientes”. sabemos. O grupo protestou contra
Foi na batalha por empatia que a escola e passou a acompanhar ou-
mães se uniram, em 2016, num tras situações em que pessoas espe-
grupo de WhatsApp, o Juntos. A ciais são excluídas.
rede de familiares de pessoas com As histórias chegaram às pági-
deficiências cresceu e, entre outras nas do jornal O Globo na seção
ações, criou #eSeFosseSeuFilho. A Tô Dentro, sobre inclusão de pes-
hashtag ganhou alcance nacional a soas com deficiências. A hashtag
partir de 2018. Algumas das mães #eSeFosseSeuFilho se tornou mais
participaram do programa “En- conhecida e mostrou seu potencial
contro com Fátima Bernardes”. E de provocar empatia.
artistas foram convidados a gravar As mães que integram o movimen-
vídeos com relatos de quem acom- to preferem não falar em lideranças,
panhou os filhos sendo alvos de deixando a coletividade em primei-
preconceito e exclusão. ro plano. Por isso, não foram cita-
19
FRANCISCO PAIVA JR.

QUANTOS
AUTISTAS HÁ
NO BRASIL?
Sem estudos
estatísticos,
país não
sabe quantas
pessoas têm
autismo,
muito menos
quantas
já têm
diagnóstico

Dois milhões? Não.


Pelo menos não tem como respon-
der a esta pergunta categoricamente,
com precisão, sem ressalvas. E por
um motivo simples: o Brasil não tem
estudos de prevalência de autismo.
Não temos números oficiais.
O único trabalho brasileiro neste
sentido, foi um estudo-piloto, em
2011, no interior de São Paulo, na
cidade de Atibaia, que resultou
em 1 autista para cada 367 crian-
ças — a pesquisa foi feita num
bairro de apenas 20 mil habitan-
tes daquela cidade, coordenado
pelo médico Marcos Tomanik
Mercadante, psiquiatra da infân-
cia e adolescência, referência em
autismo no país, falecido em 2011.
A psicóloga Sabrina Bandini Ri-
beiro, doutora em psiquiatria
e psicologia médica, e uma das
autoras desse estudo pioneiro,

20
destacou a importância de pes- pesquisar pessoas nessa condição”.
Além do Brasil,
quisas como essa: “A impor- Há porém, um projeto de lei neste
tância maior é ajudar a pensar sentido tramitando no Legislativo na América
políticas públicas, pois conse- Federal. Aprovado na Câmara, o Latina, somente
guimos ter ideia de quem são projeto de lei 6.575/2016 foi enca- Argentina,
e onde estão nossos autistas”, minhado ao Senado no último dia Venezuela,
argumentou ela. 12 de dezembro, onde ainda aguarda
Sabrina participou ainda de sua apreciação, sob o nome de PLC
Aruba e México
um outro estudo-piloto no 139/18, na Comissão de Direitos Hu- têm estudos de
Brasil, este somente na cidade manos e Legislação Participativa. prevalência de
com maior PIB (produto inter- A proposta tornaria obrigatória a autismo: 1 em
no bruto) do país, São Paulo, coleta de dados e informações so-
em 2018, a respeito da idade bre autismo nos censos demográ-
cada país
média de diagnóstico de au- ficos realizados a partir de 2018 (o
tismo: chegou ao número de 4 próximo está previsto para 2020) Portugal
anos e 11 meses e meio (4,97), — para isso, a lei alteraria o Esta- O mais recente estudo português
mas com uma variação bem tuto da Pessoa com Deficiência (Lei de prevalência de autismo — lá
grande — por isso, mais es- 13.146/15), que já prevê que os cen- conhecido por Perturbação do Es-
tudos devem ser feitos. Para sos incluam dados sobre população pectro do Autismo (PEA) — é do
efeito de comparação, a idade com deficiências, mas sem especi- ano 2000, da professora da facul-
média de diagnóstico nos EUA ficar o autismo. Todavia, a Lei Be- dade de medicina da Universida-
é de 4 anos de idade, segundo renice Piana (Lei 12.764/12) já reco- de de Coimbra, Guiomar Gonçal-
bem mais abrangente estudo, nhece o autismo como deficiência ves de Oliveira, envolvendo mais
também em 2018, em 11 esta- para todos os efeitos legais. de 300 mil crianças em idade es-
dos americanos. O tema foi tratado no ano pas- colar. Naquela época, chegou-se
sado, em 18 de junho, no Senado ao número de aproximadamente
À espera de uma lei Federal, na sessão que celebrou 1 autista para cada mil crianças
O Instituto Brasileiro de Geo- o Dia do Orgulho Autista, com a entre 7 e 10 anos de idade, em
grafia e Estatística (IBGE) tam- participação do Moab (Movimen- Portugal continental e Açores.
bém não sabe quantos autistas to Orgulho Autista Brasil), que co- Associações portuguesas, dis-
há no Brasil. O órgão disse à bra esta medida há anos. Segundo seram à nossa reportagem que
Revista Autismo que “planeja César Martins, um dos coordena- “aceita-se aqui o número da as-
investigar o tema futuramente dores do Moab e pai de autista, o sociação Autism Europe, que é
em uma pesquisa específica censo vai ajudar a direcionar polí- de cerca de 1%”, segundo Eduar-
de saúde, mas ainda não há ticas públicas e fortalecerá a luta do Ribeiro, fundador e atual
previsão. Por razões técnicas, dos autistas. presidente da direção da AIA
o censo demográfico não vai (Associação para a Inclusão e
América do Sul Apoio ao Autista), desde 2010.
Além do brasileiro, na América Desta forma, com o país tendo
do Sul há somente dois trabalhos chegado à população de 10,3
Portugal pode científicos de prevalência de autis- milhões em julho de 2018 — se-
ter cerca de 100 mo: na Argentina, publicado em gundo projeções do World Po-
2008 (com dados coletados em San pulation Review e do Instituto
mil pessoas Isidro, de 2004 a 2005), e na Vene- Nacional de Estatísticas de lá —
com autismo zuela, também em 2008 (dados de estima-se que possa haver cerca
Maracaibo, entre 2005 e 2006). No de 100 mil autistas em Portugal.
restante da América Latina, tam-
bém só há estudos em dois países: Mundo
Aruba, em 2009, e México, em 2016. A ONU (Organização das Na-
Todos esses países da América La- ções Unidas) considera a esti-
tina têm apenas um estudo cada. mativa global de que aproxima-

21
damente 1% da população pode EUA, publicou um mapa online to que um mapa sobre câncer
ter autismo no mundo todo, nú- global, em novembro último: no ou doenças neurodegenerati-
mero que o então secretário-ge- site prevalence.spectrumnews.org vas seria muito diferente”, ar-
ral Ban Ki-moon anunciou em — com uma coleção dos principais gumentou ele.
2010, reafirmado pelo documen- estudos científicos publicados a
to do painel de discussão do Dia respeito da prevalência de autismo EUA
Mundial de Conscientização do em todo o mundo, que promete ser O país com mais estudo de pre-
Autismo de 2013. constantemente atualizado. E o es- valência são os Estados Unidos,
A OMS (Organização Mundial da tudo do Brasil está lá! de longe. São 26, publicados de
Saúde), subordinada à ONU, tem Explorando o mapa, que também 1970 a 2018. Portanto, são os nú-
um número diferente. Diz que tem uma linha do tempo, é possível meros norte-americanos que
estima-se que, em todo o mundo, encontrar pesquisas feitas desde a têm sido considerados como
uma em cada 160 crianças tem au- mais antiga publicada, de 1966, no base para muitas estimativas
tismo.”Essa estimativa representa Reino Unido — na região de Mid- mundo afora. O motivo, porém,
um valor médio e a prevalência dlesex —, até as mais atuais, como é a escassez de estudos nos de-
relatada varia substancialmente as quatro de 2018: duas nos Estados mais países, principalmente
entre os estudos. Algumas pes- Unidos, uma na Dinamarca e uma nos mais pobres, infelizmente.
quisas bem controladas têm, no na Índia. O governo dos Estados Unidos
entanto, relatado números que O neurocientista brasileiro Alysson divulgou, em abril de 2018, a
são significativamente mais ele- Muotri, professor e pesquisador atualização dos números de
vados. A prevalência de TEA em da Universidade da Califórnia em prevalência do Centro de Con-
San Diego (EUA), destacou a im- trole de Doenças e Prevenção,
A ONU considera portância do mapa: “Esse tipo de o CDC (na sigla em inglês:
ferramenta pode ajudar os cientis- Centers for Disease Control
a estimativa tas a entenderem melhor quais fa- and Prevention): 1 para cada
global de que tores influenciam na predisposição 59 crianças. O número anterior
ao autismo. Sabemos que fatores era de 1 para cada 68 (referen-
aproximadamente genéticos são importantes, mas a tes a dados de 2012, divulgados
1% da população contribuição do ambiente tem sido em 2016) — um aumento de
difícil de se estudar. Além disso, 15%. Esse número foi obtido
pode ter autismo esse tipo de mapa pode auxiliar pelo órgão através da rede de
no mundo todo na identificação de regiões onde o monitoramento do autismo
autismo é ainda pouco conhecido e deficiências (ADDM – The
muitos países de baixa e média e com baixo diagnóstico. É incrível Autism and Developmen-
renda é até agora desconhecida. ver que a maioria dos países não tal Disabilities Monitoring),
Com base em estudos epidemio- tem informações sobre a frequên- criada em 2000, em 11 estados
lógicos realizados nos últimos cia do autismo na população. Apos- diferentes.
50 anos, a prevalência de TEA
parece estar aumentando glo-
balmente. Há muitas explicações Prevalência de autismo nos EUA 2018 1 em
possíveis para esse aumento (Quantidade de casos para cada nascimento) 59
1 em
aparente, incluindo aumento da 1 em 68
conscientização sobre o tema, 1 em 88
110
expansão dos critérios diagnós-
1 em 1 em
ticos, melhores ferramentas de 1 em 125
150
diagnóstico e o aprimoramento 166
das informações reportadas”.

Mapa online
O site Spectrum News, especia- 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018
lizado em autismo e ciência, nos Fonte: Centers for Disease Control and Prevention (CDC) - EUA arte: Revista Autismo

22
Este estudo levou em consi- Quantos mesmo? governo invista em pesquisa a
deração apenas crianças nas- Voltando à pergunta que não quer respeito de TEA, que as leis em
cidas em 2006 — com 8 anos calar: quantos autistas há no Brasil? prol dos autistas e suas famílias
de idade — números maiores O que podemos é dizer que o país saiam do papel, que haja mais
foram encontrados onde os “deve ter” ou “pode ter” aproxima- diagnósticos, mais médicos bem
pesquisadores tinham mais damente 2 milhões de pessoas com preparados e com atendimento
acesso a registros escolares. autismo, segundo estimativas glo- humanizado, que o SUS (Siste-
Segundo esta pesquisa, a dife- bais da ONU de 1% da população ma Único de Saúde) atenda os
rença de gênero no autismo di- ser autista, aproximadamente. O autistas com tratamento adequa-
minuiu. De 4,5 vezes mais me- Brasil, conforme projeção do IBGE, do a cada um, que as escolas, so-
ninos que meninas, em 2012, ultrapassou os 208 milhões de bretudo as públicas, estejam pre-
para 4 vezes em 2014, o que pa- habitantes em agosto de 2018. Ou paradas para receber os autistas,
rece refletir um melhor diag- seja, não dá para afirmar um núme- oferecendo mediadora exclusiva
nóstico de autismo em meni- ro cravado. Não o temos. Se tivés- a cada um… enfim, se eu conti-
nas — muitas das quais não se semos, sem dúvida seria um passo nuar a escrever, vou achar 2 mi-
encaixam no quadro estereo- a menos rumo a políticas públicas lhões de motivos.
tipado do autismo observado para atender a essa população e
em meninos. suas famílias, num país tão caren-
Os estadunidenses ainda não te de saúde como o nosso. Quantos
têm nenhuma estimativa con- deles já têm um diagnóstico? Pio-
fiável da prevalência de autismo rou. Não fazemos a menor ideia.
entre adultos. A cada ano, cerca Exercer a cidadania com a pres-
de 50 mil jovens com TEA atin- são popular é essencial para mu-
gem a maioridade dos 18 anos dar este cenário. Precisamos que Veja mais na internet
nos EUA. o IBGE conte os autistas, que o

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ANDRÉA LUNGWITZ CLÉTO

é graduada em
pedagogia, pós-
graduada em
psicopedagogia
clínica e educacional,
em saúde mental
com ênfase em
TEA e em gestão
escolar, orientação e
supervisão escolar. Leis que já
É psicopedagoga existem e devem
clínica e educacional sair do papel para a
no Instituto Crescer prática, por
de Sorocaba (SP),
atuando há 25
um aprender
anos na educação eficiente
inclusiva. E mãe do
Israel, asperger, de
12 anos.

ADAPTAÇÕES E ADEQUAÇÕES
CURRICULARES COM SIGNIFICAÇÕES
o Brasil, a necessidade de se pensar adequar a ação educativa escolar às
um currículo para a escola inclusi- maneiras peculiares de aprendiza-
va tomou maior dimensão após a gem dos alunos, levando em conta
promulgação da Lei de Diretrizes que o processo de ensino-aprendi-
e Bases da Educação Nacional, a zagem pressupõe atender à diversi-
Lei nº 9.394/96, razão pela qual este ficação de necessidades dos alunos
artigo traz à tona esse documento, na escola (segundo o MEC/Seesp/
bem como as Diretrizes Curricula- SEB, em 1998).
res Nacionais para a Educação Es- As adaptações curriculares consti-
pecial na Educação Básica, aprova- tuem, pois, possibilidades educa-
da em setembro de 2001 e a Política cionais de atuar frente às dificulda-
Nacional de Educação Especial na des de aprendizagem dos alunos.
Perspectiva da Educação Inclusiva, Pressupõe que se realize a adapta-
aprovada em 2008, para uma análi- ção do currículo regular, quando
se de como contemplam as adapta- necessário, para torná-lo apropria-
ções e adequações curriculares ne- do às peculiaridades dos alunos
cessárias para oferecer um ensino com necessidades especiais. Não
de qualidade aos educandos com um novo currículo, mas um currí-
necessidades educacionais espe- culo dinâmico, alterável, passível
ciais incluídos no sistema comum de ampliação, para que atenda real-
de ensino. mente a todos os educandos. Nes-
O conceito de adaptações curricula- sas circunstâncias, as adaptações
res é considerado como: estratégias curriculares implicam a planifica-
e critérios de atuação docente, ad- ção pedagógica e as ações docentes
A R T I G O
mitindo decisões que oportunizam fundamentadas em critérios que
24
definem: o que o aluno deve apren- Um currículo
der; como e quando aprender; que
formas de organização de ensino adaptado para
são mais eficientes para o processo crianças com autismo
de aprendizagem; como e quando
relaciona princípios,
avaliar o aluno.
Adaptações curriculares de modo operacionalização,
geral envolvem modificações orga- teoria e prática,
nizativas, nos objetivos e conteú-
do, nas metodologias e na organi-
planejamento e ação Material adaptado para uso com autistas.
zação didática, na organização do
tempo e na filosofia e estratégias cional Individualizado (PEI). Aos pais e responsáveis
de avaliação, permitindo o aten- De responsabilidade da instância A participação ativa da família é
dimento às necessidades educati- político-administrativa, tem-se essencial porque colabora com in-
vas de todos os alunos em relação dentre as adaptações de acesso ao formações sobre as necessidades do
à construção do conhecimento. currículo: a criação de condições educando, seus interesses, como vê
(como publicaram Oliveira e Ma- físicas, ambientais e materiais para o que lhe é difícil, como interage,
chado, segundo Glat, em 2007). o aluno, em sua unidade escolar; comunica-se com outros educan-
Assim, com a intenção de possibi- a adaptação do ambiente físico es- dos. Nesse processo, a família tem
litar a inclusão dos alunos espe- colar; a aquisição do mobiliário a chance de especificar suas dúvi-
ciais preferencialmente no ensino específico necessário; a aquisição das, ansiedades e frustrações, como
regular, a Lei de Diretrizes e Bases dos equipamentos e recursos ma- também de compartilhar, como me-
da Educação Nacional prevê, entre teriais específicos; adaptação e/ou diador, o processo educacional do
outros, em seu artigo 59, incisos I e adequações curriculares; a capaci- educando (como publicou Sacris-
II, de currículo e terminalidade es- tação continuada dos professores e tán, em 1998).
pecífica para o atendimento destes demais profissionais da Educação; Não tenham receio de cobrar os di-
educandos, que a escola se mobili- e recursos visuais adequados. reitos adquiridos por seus filhos.
ze para estruturar um conjunto de Um currículo adaptado para crian- Enquanto família seremos as vozes
ações e providenciar recursos ne- ças com autismo relaciona prin- que os representarão.
cessários que garantam o acesso e cípios, operacionalização, teoria e Não desanimem frente às dificul-
a permanência de todos os alunos, prática, planejamento e ação, sendo dades enfrentadas, lutem de cabeça
promovendo um ensino que respei- que essas noções de planejamento e erguida e cobrem pelos seus direi-
te as especificidades da aprendiza- de concepção curricular estão inti- tos com dignidade. Não estamos
gem de cada aluno. mamente ligadas à viabilização de pedindo nenhum favor. É lei!
No documento denominado Parâ- sua concretização (segundo Mon- Sejamos fortes frente às adversida-
metros Curriculares Nacionais – jón, em 1995). des, lembrando que nossos filhos
PCN Adaptações Curriculares em dependem de nós para defendê-los.
ação, elaborado pela Secretaria de Não podemos nos esquecer de que
Educação Especial, do Ministério nossas crianças se tornarão pessoas
da Educação — publicado original- adultas e com elas devemos cami-
mente em 1999 e reeditado em 2002 nhar juntos, com as suas esperan-
—, as adaptações curriculares de- ças, desejos, alegria, tristezas neste
vem ser entendidas como um pro- processo de transição. Eles preci-
cesso a ser realizado em três níveis: sam muito da nossa força, incentivo
no projeto político pedagógico da e motivação para um futuro menos
escola, por meio do qual é possível Material adaptado para uso com autistas. intolerante e preconceituoso.
identificar e analisar as dificulda- O amanhã dependerá do que fizer-
des enfrentadas pela escola, assim mos hoje, quando teremos pessoas
como, estabelecer objetivos e metas com deficiência, sim, mas com in-
comuns aos gestores, professores, dependência, autonomia, pessoas
funcionários da escola, familiares e felizes e até, na medida do possível,
alunos; no currículo desenvolvido no mercado de trabalho, mostrando
em sala de aula; e no nível indivi- para a sociedade toda a capacidade
dual, por meio da elaboração e im- que existe em nossos filhos. Juntos
plementação do Programa Educa- somos mais Fortes!
25
CELSO GOYOS
A RComT evidências
I G O
científicas, ABA é
ABA E O ferramenta útil no
ENSINO DA ensino da fala como

FALA
é coordenador do linguagem natural
Instituto Lahmiei-
Autismo da UFSCar
(Universidade
Federal de São
Carlos), e do curso
de especialização
em ABA Aplicada ao
Autismo, da UFSCar,
autor do livro “ABA:
Ensino da fala para
pessoas com autismo”.

fala antecede a aquisição da lin-


guagem complexa e é uma das ca-

Ilustração Bia Raposo


racterísticas mais marcantes que o
ser humano apresenta, sendo, para
muitos, o divisor de águas entre
seres humanos e infra-humanos.
Quando, após a idade de 18 meses,
a criança não apresenta a fala, ou a A R T I G O
apresenta, mas de forma menos de-
senvolvida do que outras crianças intensa (conforme Lovaas publi- a Análise de Comportamento Apli-
de mesma idade e de nível sócio- cou, em 1987). Aqui, é interessante cada, cuja sigla mais conhecida é
-econômico-cultural semelhante, fazer uma comparação para se ter ABA, do inglês, Applied Behavior
é motivo de grande preocupação uma real dimensão do trabalho a Analysis. Trata-se de uma ciência
para os pais. Se a ausência, ou atra- ser imediatamente enfrentado. A relativamente antiga, que se tornou
so, da fala persiste após os 18 meses, criança com desenvolvimento típi- mais conhecida a partir do trabalho
e a criança não apresenta prejuízo co adquire nove palavras novas por de Lovaas em 1987. Não se trata de
na estrutura auditiva e na estrutura dia (como Gândara e Befi-Lopes es- qualquer modismo, como muitas
da fala, tampouco apresenta pre- creveram, em 2010) a partir dos 18 outras formas de tratamento atuais.
juízos neurológicos significativos meses, ou seja, aos três anos de ida- A análise de comportamento tem
que justifiquem a condição, esta de a criança deverá apresentar um origem no início do século 20 e,
criança pode estar sob suspeita do léxico correspondente a 5 mil pala- como alicerce, evidências experi-
diagnóstico de autismo. Este diag- vras. Para não perder contato com a mentais sólidas e fidedignas e os
nóstico pode se confirmar, ou não, a linha de desenvolvimento típico, é resultados de sua tecnologia encon-
depender das outras características necessário atendimento imediato e tram-se ampla e fartamente divul-
definidoras apresentadas na condi- eficaz. A decisão sobre qual terapia gados em periódicos científicos de
ção do Transtorno do Espectro do é a mais eficaz requer atenção muito reconhecimento nacional e interna-
Autismo (TEA). especial da parte dos pais. cional.
A partir deste diagnóstico, a neces- Dentre as possibilidades de trata- Existem sólidas evidências científi-
sidade de tratamento é imediata e mento disponíveis para o TEA, está cas de que ABA se constitui na mais
26
eficaz estratégia para o tratamento entendida como comportamento
do autismo. As evidências iniciais como outro qualquer, com a espe-
datam da década de 1980, tendo cificidade de se apresentar como
sido o primeiro trabalho científico resposta verbal oral e, como tal, é
a mostrar como terapia comporta- instalada e mantida pelas conse-
mental intensiva e precoce pode quências que ela produz sobre o
ajudar crianças autistas, dando os meio ambiente.
primeiros sinais de esperança e Antes de se dar início ao desenvol-
alento para os pais. Esses resulta- vimento da fala propriamente dita,
dos foram replicados em diversos há que se pavimentar a estrada para
estudos posteriores (como Howard, a sua ocorrência, através da instala-
Sparkman, Cohen, Green & Stanis- ção de seus pré-requisitos ou de eli-
law, em 2005; Virués-Ortega, em
2010; Eikeseth, Klintwall, Jahr &
Karlsson, em 2012; e Howard,
Stanislaw, Green, Sparkman “A fala é entendida
& Cohen, em 2014).
Particularmente, os avan- como comportamento
ços recentes registrados na como outro qualquer,
área de linguagem foram
extraordinários. A partir com a especificidade
da concepção sobre o com- de se apresentar como
portamento verbal, foram
desenvolvidas novas teorias resposta verbal oral”
comportamentais sobre
a linguagem: a Teoria
da Nomeação (estuda-
da por Horne & Lowe, em
1996), a Teoria da Equivalência de minação de barreiras. Os primeiros
Estímulos (em 1994) e a Teoria dos constituem-se em comportamen-
Quadros Relacionais (de Hayes, tos pivotais ou cúspides comporta-
Barnes-Holmes, & Roche, em 2001). mentais, tais como, contato visual
O resultado destes avanços podem sob controle instrucional, conceito
ser observados na enorme varieda- de imitação generalizada, o concei-
de de procedimentos de ensino que to de identidade e o ouvir genera-
tem sido desenvolvida, com possi- lizado, dentre outros. As barreiras
bilidades notáveis de aplicação prá- são basicamente todos os compor-
tica, particularmente com crianças tamentos que se incompatibilizam
com autismo, mas não restritamen- com o ensino dos comportamentos
te a elas. pivotais. Em seguida, ensina-se
Um exemplo da conjunção dessas a fala, através do operante verbal
teorias comportamentais sobre o conhecido como ecoico para, como
comportamento verbal encontra-se base fundamental, em seguida,
no livro “ABA: Ensino da fala para ensinar os operantes verbais de
pessoas com autismo” — de minha mando, tato e intraverbal, a leitura
autoria, publicado no fim de 2018. com compreensão, a composição
O programa de ensino proposto da linguagem, falada e escrita, de
nesta obra é uma alternativa e/ou forma ordena-
complemento a outros existentes, da, o passado,
já descritos na literatura analíti- o futuro, a lin-
co-comportamental. Enfatizamos, guagem mate-
neste livro, a importância do ensi- mática e mais
no da fala como linguagem natural outras formas
da criança que não possui qualquer de linguagem
impedimento para a fala. A fala é complexa.
27
C O L U N A

A IMPORTÂNCIA DO
DIAGNÓSTICO PRECOCE
senvolvimento neuropsicomotor. deve ser transformada em ava-
A estimulação pode atingir o liar o período de cada aquisição
Sociedade período ótimo definido pelas de- do desenvolvimento motor, de
Brasileira nominadas “janelas de oportuni- linguagem e social, se podem
dades” do cérebro das crianças ser alcançados dentro do pa-
de Pediatria e a detecção precoce pode auxi- drão da normalidade, segundo
liar a treinar habilidades que, se escalas validadas internacional-
porventura houver um atraso no mente. Por exemplo, existe uma
diagnóstico, não poderão mais idade mínima e máxima consi-
ser alcançadas. derada normal para iniciar as
O TEA pode manifestar-se com primeiras palavras – se o bebê
atraso desde os primeiros me- não emite palavras após a idade
ses de vida. Alguns bebês po- considerada máxima é caracteri-
dem demonstrar sinais precoces, zado atraso e ele deve ser avalia-
Liubiana Arantes de Araújo como o atraso do sorriso social, do e estimulado imediatamente,
a preferência por objetos e brin- pois as janelas de oportunidade
é neurologista pediátrica, presidente quedos em vez da interação com da linguagem estão abertas até a
do Departamento Científico de faces humanas, a deficiência no idade de 3 anos.
Desenvolvimento e Comportamento olhar sustentado ou reciprocida- Identificar que a criança deverá
da Sociedade Brasileira de Pediatria de do olhar, as dificuldades gra- ser submetida à intervenção de
(SBP), com título em terapia intensiva ves de sono, o déficit de interação forma interdisciplinar a fim de
pediátrica e neonatal M.D., Ph.D., social e interesse no outro, o atra- estimular várias áreas do cérebro
fellow at Harvard Medical School so na linguagem, a pouca comu- faz com que ela possa aproveitar
2011-2012, teaching assistant of nicação não-verbal e do apontar, o máximo do seu potencial ce-
Principles and Practice in Clinical dentre outros fatores. Geralmen- rebral e em nível de desenvolvi-
Research at Harvard Medical School
te são bebês que não demandam mento neuropsicomotor.
2013, professora adjunta da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal muito colo, que ficam bem so- As pesquisas internacionais
de Minas Gerais (UFMG). zinhos, que conseguem brincar mostram que a estimulação
isoladamente, que não choram deve ser feita por meio de par-
por qualquer motivo e que não ceria entre equipe de saúde,
exigem muito a atenção dos pais, família e escola, pois assim os
considerados “bebês bonzinhos”. resultados são muito mais pro-
prevalência de Transtorno do Outras crianças podem ter um missores do que quando ocor-
Espectro do Autismo (TEA) tem desenvolvimento aparentemente rem de forma isolada. Assim,
aumentado nos últimos anos normal até por volta de 12 a 18 as famílias e crianças devem
devido à maior acurácia diag- meses e manifestar perdas na ser acolhidas para que adqui-
nóstica ao lado da influência do linguagem e interação após este ram força e persistência no
ambiente na genética. período, o que se torna cada vez tratamento que a criança com
Cada vez mais, as pesquisas cien- mais evidente para a família de- suspeita ou com diagnóstico de
tíficas têm revelado os mecanis- vido à regressão. TEA exige. Como o ambiente
mos de desenvolvimento do cére- Uma vez que o cérebro apresenta possui grande influência na ten-
bro ao longo dos primeiros anos um nível ótimo de formação de dência genética da criança, esta
de vida e já é consenso que, quan- redes neurais e habilidades nos intervenção precoce realizada
to mais precocemente uma crian- primeiros meses de vida, secun- com evidências científicas, in-
ça é estimulada, melhores são os dário à velocidade da sinaptogê- tensidade, perseverança, união
resultados a longo prazo. nese e à efetividade da mielini- e afeto faz com que a criança
Assim sendo, quanto mais rápi- zação, a estimulação nessa fase se torne um ser humano com
do os traços de TEA forem iden- poderá ter resultados mais efe- as suas potencialidades desen-
tificados, mais rapidamente será tivos do que quando o diagnós- volvidas, mais capacitado, feliz
iniciada a estimulação e mais tico é tardio. A cultura popular consigo mesmo e bem-sucedido
efetivos serão os ganhos no de- de “esperar o tempo da criança” em sua vida.
28
aceitos (sobretudo quando vários
para a mesma criança).
Mas ainda assim, o critério parece
livro “Transtorno do A R T I G O
Espectro Autista: uma
não muito rigoroso. Alguém pode-
brevíssima introdução” ria argumentar que o direito é sem-
e coordenador nacional pre bem-vindo, o que não é exato,
do Núcleo de Atenção ao já que o acompanhante também
LUCELMO Transtorno do Espectro pode, se mal administrado, tornar
LACERDA Autista – Núcleo de
a criança dependente. É preciso que
é doutor em Atenção ao Transtorno do
educação, pós- Espectro Autista (Natea). nos lembremos de que as pessoas
doutorando Especialista em educação com autismo crescem e nós, pais,
em educação especial, inclusiva e morremos, de modo que a indepen-
especial, autor do políticas de inclusão. dência é um elemento-chave para a
qualidade de vida. Assim, é funda-

MEDIADOR
mental um bom processo avaliativo
para a tomada de decisão.
O instrumento ideal para a tare-

ESCOLAR: QUEM
fa é a Avaliação de Marcadores do
Comportamento Verbal e Progra-
ma de Nivelamento – VB-MAPP
(Verbal Behavior Milestones Asses-

TEM DIREITO? sment and Placement Program), já


traduzida e adaptada para o Brasil
e que pode ser aprendida e aplicada
por professores de Educação Espe-
Fugindo do achismo, é importante decidir com cial. Nesta avaliação, verifica-se a
presença de habilidades esperadas,
base científica conforme os marcos do desenvolvi-
mento, para 13 domínios, em crian-
ças com 4 anos de idade (quando
ediador ou tutor são alguns dos inú- sistema de ensino estipula uma começa a Educação Infantil). Além
meros nomes dados ao profissional forma de decidir se há, ou não, a disso, o instrumento possui um
que tem por função acompanhar necessidade. Por motivos econô- campo que avalia as “Barreiras de
estudantes com autismo na sua es- micos, a maior parte entende que a aprendizagem” como, por exemplo,
colarização. Diz a Lei Federal 12.764 pessoa com TEA quase nunca pos- a agressividade.
que: “Em casos de comprovada ne- sui este direito, o que leva os pais Deste modo, podemos dizer que al-
cessidade, a pessoa com transtorno a contestarem administrativamente guém que apresenta as habilidades
do espectro autista [...] terá direito a (quase sempre perdendo) e depois avaliadas pelo instrumento e possui
acompanhante especializado”. judicialmente. O judiciário vem ausência ou moderação de barreiras
Alguns compreendem que o papel entendendo que os variados pro- de aprendizagem, não precisa de um
deste acompanhante é o de cui- fissionais podem produzir prova. mediador, enquanto a ausência par-
dador. Se assim for, só têm direito Médicos(as), Fonoaudiólogos(as), cial ou total dessas habilidades indi-
estudantes que não consigam, sem Psicólogos(as), Psicopedagogos(as), ca esta necessidade.
auxílio, ir ao banheiro, comer, ou são alguns dos profissionais que fa- Há uma outra coisa incrível nesta hi-
executar outras atividades de igual zem laudos que normalmente são pótese. Além de possibilitar saber se
natureza.. Mas como o acompa- criança precisa ou não do apoio esco-
nhante deve ser “especializado”, “As pessoas com autismo lar, fugindo do achismo que domina
vou pressupor aqui que seu papel a educação e tomando decisões com
seja apoiar também o ensino (isso crescem e nós, pais, forte base científica, do VB-MAPP
pode ser feito em vários modelos, morremos, de modo que aplicado também emana a produção
que não explorarei neste texto). do Plano de Ensino Individualizado,
Ainda fica a questão: como se com- a independência é um que deve ser a pérola mais preciosa
prova esta tal necessidade? O De- do processo de inclusão, o que nos
creto 8.368/14, que regulamentou a
elemento-chave para a
permite matar dois coelhos em uma
lei, nada disse sobre isso. Hoje, cada qualidade de vida” só cajadada.
29
FRANCISCO PAIVA JUNIOR R E P O RTAG E M

A LIGA DOS AUTISTAS


Por meio de redes sociais, grupos de debate e planos para um livro,
a Liga ajuda e dá voz a autistas adultos
Quando você ouve a pala- de Síndrome de Asperger — atualmente classificada (no DSM-5 e no
vra “liga”, é difícil não vir CID-11) dentro do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) — era
à mente uma liga de super- consenso usar o termo até a polêmica, em 2018, quando da desco-
-heróis. Mas estou falan- berta de que Hans Asperger (que deu nome à síndrome) colaborou
do da “Liga dos Autistas” com o nazismo; porém muitos ainda preferem citar a síndrome ou a
(nada de ficção, realida- expressão “aspie”, para quem se encaixa no antigo diagnóstico.
de) — o que, por um lado, Autistas adultos, em grande parte, têm outras condições psiquiátri-
não é tão difícil imaginar o cas associadas, tais como depressão, Transtorno de Déficit da Atenção
quão super-heróico tem de com Hiperatividade (TDAH), ou Transtorno Afetivo Bipolar (TAB),
ser, para enfrentar o pre- por exemplo. No grupo eles têm voz para expressar, não só sua visão
conceito e o “ser diferente” de mundo (muitas vezes diferente dos neurotípicos), como também a
em tempos de tão pouca maneira que lidam com questões de saúde, não apenas com o autismo.
tolerância em nosso país. É E enfrentam, logicamente, intolerância e preconceito de muitos que
realidade. E eles não só en- não levam em conta o fato de os integrantes serem autistas. Às vezes
frentam como criaram a liga até pais de crianças autistas se esquecem que seus filhos crescem e se
para ajudar outros autistas, tornarão o quê? Adultos autistas! A persistência e determinação da
dar-lhes voz, debater ques- Liga em continuar a existir parece ser um dos “superpoderes” deles.
tões e mostrar uma visão
diferente, de quem está den- Grupos e pesquisa científica
tro do autismo, a respeito de Criada em junho de 2018, os objetivos da Liga são: debater temas,
vários assuntos. trocar experiências e proporcionar ajuda em situações comuns do
Ilustração Bera

Quando escrevo esta repor- dia a dia, entre os seus membros. O principal canal de comunicação
tagem, a Liga tem 13 mem- do grupo é um perfil na rede social Instagram@liga.dos.autistas, onde
bros, sendo um honorário. ganham seguidores diariamente. Eles também mantém dois gru-
A maioria com diagnóstico pos de discussão no WhatsApp — um somente para autistas, que já
30
R E P O RTAG E M

No Natal, a Liga distribuiu lanches a famílias assentadas no Plano Piloto, em Brasília (DF).

interessados em ajudar com pro-


jetos de publicações autobiográfi-
cas ou científicas, como a maior
pesquisa do autismo adulto e a
revisão de escalas diagnósticas
no autismo, outro com a Revista
Autismo e o último com o pod-
cast Introvertendo.
atingiu o número máximo
de participantes, o “La Con-
versa“, e outro também com
pessoas fora do espectro, o Do WhatsApp para
“Autistas e Neurotípicos” o mundo
(sendo “NT” a abreviação A gênese da Liga se deu num grupo de whatsapp para autistas adul-
de neurotípicos). No Face- tos diagnosticados, ou com suspeita de se enquadrarem no espectro.
book, a Liga administra dois “Durante as conversas começamos a debater sobre a viabilidade de
grupos: “Liga dos Autistas fundarmos um perfil em redes sociais de autistas para autistas, com
em Debate“, para autistas e foco em auxiliar no diagnóstico de autistas adultos, o que tem sido
neurotípicos, inclusive pais uma luta para vários de nós. Na realidade essa necessidade começou
e profissionais interessados a ser sentida com o relato de uma das participantes do grupo, que
no TEA e o grupo“Liga dos se reconheceu dentro do espectro, porém passou por profissionais
Autistas - Só Autistas“, ex- que insistiam em outros diagnósticos (como TDAH, TGA, bipolari-
clusivamente para autistas dade…), por puro despreparo e desconhecimento das nuances dessa
e pessoas que se identifi- condição, especialmente em mulheres”, relembrou Raquel.
cam com características do A trupe já publicou um artigo, “O Poder do Humor”, a convite de
espectro autista, possuindo um blog estrangeiro, o “Learning Autism” (leia o artigo original em
elas diagnóstico formal ou inglês e, a versão em português, no blog Introvertendo.com.br ou nos
não. Também existem gru- links da versão online desta reportagem — acesse com seu celular
pos de trabalho: um cha- pelo QR-Code que está nestas páginas), e fez uma participação es-
mado “Amigos da Liga”, pecial no podcast “Introvertendo“, do estudante de jornalismo Tiago
especificamente com pro- Abreu, no último dia 25 de janeiro, que contou com a participação do
fissionais da área da saú- vestibulando de medicina Dácio Júnior. Além disso, a Liga tem uma
de que possam e estejam coluna nesta Revista Autismo (desta vez, escrita por Érica Matos).
31
R E P O RTAG E M

Raquel contou mais. O grupo ações cotidianas e, em seguida, profissionais as explicam do ponto de vis-
realizou duas lives (trans- ta médico e psicológico, relacionando-as com o autismo em adultos. “São
missão de vídeo ao vivo) com situações tristes, felizes, engraçadas, tem de tudo. O objetivo com este livro
grande repercussão: uma foi é mostrar às pessoas como é a nossa vida como autistas adultos, trazendo
com a estudante de medicina conscientização e conhecimento aos leitores”, revelou Raquel Paes.
Lia Guabiraba, falando sobre “Também temos planos de criar um canal de Youtube e muitos outros
como é ser Asperger na facul- projetos, como a 1ª Semana de Arte Autista, mas necessitamos tanto de
dade, e a outra, com Aline e suporte pessoal como material, pois, até então, todo nosso trabalho tem
o youtuber Leo Akira, sobre sido voluntário e sem nenhum financiamento. Estamos empenhados em
festas de fim de ano. A últi- realizar e participar do Carnaval Inclusivo e entramos em contato com o
ma live rendeu ao grupo uma Instituto Ninar a fim de unirmos forças para participarmos e nos ajudar-
nova e importante seguidora, mos em projetos que já existem”, finalizou Raquel.
que atualmente é membro, a
social media Joana Scheer, res-
ponsável pelo perfil d a Liga
no Instagram atualmente.
FORMAÇÃO DA LIGA DOS AUTISTAS (em fevereiro de 2019):
O grupo também se preocu-
pa com questões sociais e,
no último Natal, arrecadou
doações dos seguidores para
servir lanches a famílias as-
sentadas no Plano Piloto, em Aline T. R. Dácio Jr., 19 Érica Matos, Fernanda de Fernanda M.,
Caneda, 26 anos, estudante 36 anos, Moura Zardini, 20 anos,
Brasília (DF), cidade onde anos, graduanda (vestibulando turismóloga, 42 anos, estudante de
mora a maioria dos integran- de pedagogia, de medicina), Brasília (DF) nutricionista, arquitetura,
fotógrafa, Brasília (DF). Brasília (DF) Guimarães,
tes. “Enfrentando o cansaço, blogueira, Santa Portugal
a exaustão social e a ansieda- Maria (RS)
de de estar em contato com
desconhecidos (realmente
foi uma vitória para nós!) e, Leonard
“Akira” Luciana
com isso, quisemos mostrar Joana Ribeiro, 34
Scheer Loayza, Machado, 30 Matheus Leite
a todos os autistas que, in- Jéssica Sinalli, 32 anos, social
anos, instrutor anos, bióloga e
27 anos, auxiliar de Parkour e Carvalho, 28
dependentemente do grau media, São youtuber, São
graduanda em anos, escritor,
administrativo, Paulo (SP) educação física,
de autismo com o qual con- Camaçari (BA). Paulo (SP) Borda da Mata
Santa Isabel (SP)
vivem, é possível encarar as (MG)
suas maiores dificuldades
com o apoio de um grupo
e por uma causa. Preten-
demos aumentar o número Raquel do Tatiana Sanson Thiago S.,
Abiahy Paes, Albuquerque, 26 anos, Inês V.,
de Ações e fazê-las chegar a 39 anos, 37 anos, socióloga bibliotecário, membro
outros Estados e com mais formada em e mestre em Assistente honorário,
participantes, pois nosso história, artesã planejamento e administrativo, Brasília (DF)
miniaturista, gestão do Rio de Janeiro - RJ
objetivo é o protagonismo Brasília (DF) território, SP (SP)
coletivo, jamais individual”,
relatou Raquel. CONHEÇA TAMBÉM
Introvertendo Diariamente Aspie Joana Scheer
Livro, Youtube, um podcast onde
autistas conversam.
o dia a dia de uma menina
/mulher aspie/autista
Autismo e
maternidade:
Arte Autista www.introvertendo.com.br diariamenteaspie.wordpress.com/ joanascheer.com
medium.com
E tem mais por vir. A Liga está Instituto Ninar: Thiago S. /@ogaiht_tls
escrevendo um livro, em que fb.com/ninar.brasilia/ medium.com/@ogaiht_tlsv
os integrantes relatam situ-
32
C O L U N A

Trabalho no
espectro INCLUSÃO
PROFISSIONAL SOB
A ÓTICA DOS
por Marcelo Vitoriano
DIREITOS HUMANOS
é psicólogo, especialista em terapia
comportamental cognitiva em saúde Atualmente, segundo dados e desenvolvimento de software
mental, mestre em psicologia da internacionais, temos uma pre- e programação, em importantes
saúde, com experiência na gestão de valência do diagnóstico de au- parceiros e contribuindo para a
programas de diversidade e inclusão em tismo de 1 para cada 59 pessoas criação de projetos neurodiver-
empresas como Sodexo, no Brasil. Há 4
anos, faz parte do grupo de trabalho que nascem. Estima-se que, no sos nas empresas brasileiras.
sobre Direitos Humanos nas Empresas Brasil, sejam mais de 2 milhões O tema da inclusão profissional
da rede brasileira do Pacto Global da de pessoas com autismo. Es- das pessoas com autismo deve
ONU e é diretor geral da Specialisterne tudos da Inglaterra e Espanha fazer parte da agenda corporati-
no Brasil, organização social de origem
dinamarquesa presente em 20 países, apontam que mais de 80% das va de valorização da diversidade,
que atua na formação e inclusão de pessoas dentro do espectro do seja pelo respeito às singularida-
pessoas com autismo no mercado autismo estão desempregadas. des humanas, seja pela valoriza-
de trabalho.
Para lidar com esta realidade, é ção da diversidade de talentos e
importante que existam progra- potencialidades.
mas de formação em diversas
áreas e que se desenvolvam ha- Estamos felizes em compartilhar
bilidades técnicas — e também aqui histórias de sucesso. Até a
sociais — para as pessoas com próxima edição.
autismo, com vistas à sua inclu-
são no mercado de trabalho.

Em 3 anos de atuação no Brasil,


a Specialisterne contribuiu com
a inclusão de mais de 70 pes-
soas, das 90 que foram forma-
das. Hoje, temos 50 consultores
em TI contratados, realizando
tarefas administrativas, testes
33
EDUARDO RIBEIRO, DE PORTUGAL A R T I G O
é economista, tem 3 filhos neurotípicos,
foi diretor da APPDA Norte (Associação
Portuguesa para as Perturbações do
Desenvolvimento e Autismo) de 2000
a 2009, fundador e atual presidente
da direção da AIA (Associação para a
Inclusão e Apoio ao Autista) desde 2010,
criador e gestor da página do facebook
“Autismo Portugal”.

AUTISMO, INCLUSÃO
E LEGISLAÇÃO
2008/2018
Como eram e como passaram a ser as leis portuguesas que abrangem o autismo

A
Lei de Bases
do Sistema Palácio de São Bento, cede
Educativo do parlamento de Portugal
desde 1834, em Lisboa.
Por t ug uês
(Lei 46/86 de
24 de Outubro
de 1986) ema-
nada da Assembleia da República,
definia que incumbe ao Estado pro-
mover e apoiar a educação especial
para deficientes e a organização
desta deve ser feita segundo mo-
delos diversificados de integração
em estabelecimentos regulares de
ensino, podendo também ser de-
senvolvida em instituições especí-
ficas quando “comprovadamente o
exijam o tipo e o grau de deficiência
do educando”, bem como serem or-
ganizadas formas de educação es-
pecial visando a integração profis-
sional do deficiente. Definia que a
escolaridade básica para crianças e
jovens deficientes deve ter currícu-
los e programas devidamente adap-
Crédito: Deposit photos

tados às características de cada tipo


e grau de deficiência, assim como
formas de avaliação adequadas às
dificuldades específicas.
No ano de 2008, foram dados os
34
primeiros passos legislativos para Agosto veio estabelecer o regime
a inclusão de crianças com pertur- A lei de 2018 garante da escolaridade obrigatória para
bações do espetro autista na es- as crianças e jovens que se encon-
cola, com a publicação do Decreto o ‘direito de cada tram em idade escolar (entre os 6 e
Lei 3/2008 de 7 de janeiro, o qual
aluno a uma educação os 18 anos de idade) e consagrar a
“define os apoios especializados universalidade da educação pré-es-
a prestar na educação pré-escolar inclusiva que responda colar para as crianças a partir dos 5
e nos ensinos básico e secundário anos de idade, que desde 2015 pas-
dos sectores público, particular
às suas potencialidades,
sou para os 4 anos”.
e cooperativo”. expectativas e Em 2018, 10 anos passados de vigên-
Os princípios orientadores deste cia do Decreto Lei 3/2008, este foi
diploma, definiam que a escola não
necessidades’
revogado pelo Decreto Lei 54/2018.
podia “rejeitar a matrícula ou a ins- Este diploma estabelece o “direito de
crição de qualquer criança ou jovem cada aluno a uma educação inclusi-
com base na incapacidade ou nas aluno também teria de ter definido va que responda às suas potenciali-
necessidades educativas especiais um programa educativo individual dades, expectativas e necessidades
que manifestem”, gozando estes e plano individual de transição para no âmbito de um projeto educativo
de prioridade na matrícula, tendo a vida pós-escolar (obrigatória). comum e plural que proporcione a
o direito a frequentar o jardim-de- A adequação do processo de ensino todos a participação e o sentido de
-infância ou a escola nos mesmos e de aprendizagem integra medidas pertença em efetivas condições de
termos das restantes crianças. Pro- educativas tais como o apoio peda- equidade, contribuindo assim, de-
curava-se reconhecer a singulari- gógico personalizado, adequações cisivamente, para maiores níveis de
dade das crianças e dos jovens com curriculares individuais ou currí- coesão social”.
necessidades educativas especiais culo específico individual, e ade- As principais alterações passam
de carácter permanente, oferecendo quações no processo de matrícula, pelo abandono dos sistemas de ca-
respostas educativas adequadas. no processo de avaliação e ainda o tegorização de alunos, incluindo a
A participação dos pais foi relevada uso de tecnologias de apoio. “categoria” necessidades educati-
e, no que concerne a alunos com au- Previa também a intervenção vas especiais, abandono do modelo
tismo, as escolas ou agrupamentos precoce na infância, objeto pos- de legislação especial para alunos
de escolas, para melhor adequar o terior de diploma legal específi- especiais e pelo estabelecimento de
processo de ensino e aprendizagem, co (DL 281/2009 de 6 de outubro) um continuum de respostas para
podiam desenvolver respostas es- e o desenvolvimento de parcerias todos os alunos. Passou também
pecíficas diferenciadas para alunos com instituições particulares de a colocar o enfoque nas respostas
com perturbações do espectro do solidariedade social e centros de re- educativas e não em categorias de
autismo através da criação de Uni- cursos especializados. alunos e perspetiva a mobilização,
dades de Ensino Estruturado. Cada Em 2009, a Lei n.º 85/2009, de 27 de de forma complementar, sempre
que necessário e adequado, de re-
Alunos com NEE a
frequentarem unidades
75.193 cursos da saúde, do emprego, da
e ensino estruturado formação profissional e da segu-
65.657
(UEE) para autistas
60.756 rança social.
45.395
1699
Este diploma causou algum “baru-
1681
1585 lho” pela novidade e nesta altura,
1221
janeiro de 2019, ainda existem esco-
2010/11 2011/12 2012/13 2013/14 2014/15 las a adaptarem-se à nova realidade.
87.039 Desde o ano de 2008 muito se fez na
81.672
Alunos com 78.175 área da educação, mas muito ainda
necessidades
Educativas há a fazer, principalmente dotar as
especiais a escolas de meios técnicos e huma-
frequentarem
escolas regulares nos capazes, proporcionando aos
de ensino 1878 profissionais formação prática com
11994 2117
recurso às associações especiali-
zadas, de modo a haver melhores
2015/16 2016/17 2017/18 resultados com as crianças e jovens
*Existem mais alunos com autismo (leve) que não frequentam as UEE com autismo.
**Em 2018/19, as UEEs desaparaceram.
35
ACONTEA CIMENTOS

‘Tecnologias não verbais, que autistas é muito na atividade de Um podcast onde


assistivas, dependem de visual. Pensando escovar os dentes, autistas conversam
participação ativa’ equipamentos para a respeito, foi com a sequência
se comunicar e, lançada a cartilha de cada etapa Assim é o
será o tema da
consequentemen- “Higiene Bucal da escovação. “Introvertendo”,
ONU neste 2/abril criado por Tiago
te, participar de para Pessoas Especialista em
A ONU divul- forma efetiva com TEA“, em autismo e odonto- Abreu, um
gou, no início de da sociedade. setembro, e já está logia, a cirurgiã- estudante de
fevereiro, o tema em sua segunda -dentista Adriana jornalismo da
do próximo Dia edição, inclusive, Gledys Zink foi a Universidade
Mundial de Cons- Pai e dentista contendo cartões responsável pelo Federal de Goiás,
cientização do lançam cartilha para serem conteúdo. Inspira- em Goiânia.
Autismo, celebra- de saúde bucal recortados e do pelo convívio Diagnosticado
do todo 2 de abril: usados na pia com o filho Enzo, com autismo em
para autistas 2014, ele decidiu
“Tecnologias assis- do banheiro a que tem autismo,
tivas, participação A maioria dos fim de auxiliar a ideia veio do criar, em maio de
ativa”, tratando professor Eder 2018, um podcast
do uso dessas Cassola Molina, (uma espécie
ferramentas para do IAG (Instituto de programa de
auxiliar o dia a de Astronomia, rádio online)
dia, mas também Geofísica e Ciên- feito por pessoas
para que possam cias Atmosféricas) com autismo e
proporcionar voz da USP. Acesse a para autistas.
aos autistas — às cartilha em www. Os programas
vezes, literalmen- iag.usp.br/~eder/ podem ser ouvidos
te, como pessoas autismo. gratuitamente,
Notícias curtas e notas a
respeito de autismo
via internet, “Ele não merece de um clube pró- RevistaAutismo. de Paulínia (SP).
por aplicativos ser tratado assim”. ximo, em Guabi- com.br. Mais informações
para podcasts Esta foi a frase da raba, um bairro no site institutoser.
ou direto no site mãe de um garoto de Recife. Após
Introvertendo. Teatro com com.br.
autista, após a o post viralizar
com.br. família ter sido rapidamente, eles autistas
expulsa do carro, receberam diver-
durante uma O Instituto SER
Uber expulsa sas mensagens de
corrida de Uber, Clínica Escola, em
autista do carro apoio e pedidos
em janeiro último, de uma posição da Campinas (SP),
na BR-101
às margens da Uber, empresa de apresentará a peça
rodovia BR-101, na motoristas por “Quasímodo”,
cidade de Paulista aplicativo. em comemoração
(PE), a 18 km da A reportagem da ao aniversário
capital, Recife. Revista Autismo de 30 anos da
A mensagem foi conversou por te- instituição. A
postada por Elaine lefone com Elaine, produção artística
Caroline do Nas- a mãe de Luigi, inclusiva, com
cimento e Silva, no de quatro anos,
Facebook, e rapi- participação de
autista não-verbal.
damente recebeu alguns autistas,
Também falamos
vários compar- com a Uber e será apresentada
tilhamentos nas tentamos contato na noite do
redes sociais. com o motorista. próximo 27 de
O fato aconteceu Veja a reportagem abril, às 20h30, no
quando voltavam completa no site Teatro Municipal

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com dificuldade no avançado ABA de
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e comunicação. quem trabalhou,
Inventor do e é certificado
Connector Rx, RDI por Steve
é cofundador e Gutstein.
diretor do P.A.C.E.

AS EMOÇÕES IMPULSIONAM
O COMPORTAMENTO
O desafio é aprender a regular emoções,
confortáveis e desconfortáveis,
que ocorrem naturalmente

mbora as emoções impulsionem a


maior parte dos nossos comporta-
mentos, esse fato é muitas vezes um
conceito tênue e fácil de ser esque-
cido à medida que orientamos nos-
sos filhos sobre como compreender
suas experiências. Por gerações, a
gestão comportamental tem sido o
pilar nas instituições de ensino, ser-
viços profissionais, cursos e livros
para pais em todo o mundo. O com-
portamento é importante. Quando
percebemos que os comportamen-
tos são movidos por emoções, abri-
mos nossos corações e mentes para
ajudar as crianças em sua necessi-
dade emocional básica de sentirem
-se conectadas usando nossa com-
Deposit photos

paixão, um instinto humano.


Uma vez que tenhamos em mente
que os comportamentos são mo-
A R T I G O
38
tivados por emoções, poderemos com elas quando as coisas ficam difí- ca como emocionalmente. Ajudar
mudar nossa atitude baseada em ceis e que permitam que elas sintam e uma criança a aprender a tolerar
controle para uma conexão emocio- compartilhem seus sentimentos mais e a compreender essas emoções
nal, a fim de envolver naturalmen- desconfortáveis, para que possam aumentará a qualidade das rela-
te os outros. A conexão emocional aprender com esses sentimentos, em ções entre pais e filhos, bem como
genuína tem a capacidade de deixar vez de evitá-los ou , pior ainda, apren- com outras pessoas com quem a
as pessoas à vontade, reduzindo der que seus sentimentos desconfor- criança se relacione dentro e fora
o sofrimento emocional, o que faz táveis são “errados”. de casa.
com que as crianças não ajam Também é importante notar que os Estar com uma emoção é um con-
com tanta freqüência com compor- adultos podem ter dificuldades para ceito forte. É a capacidade de per-
tamentos desafiadores, o que per- reconhecer suas próprias necessida- manecer em uma dinâmica rela-
mite que os adultos se preocupem des emocionais e, portanto, haverá cional com uma criança enquanto
menos com a tentativa de controlar essa dificuldade também para aten- ela está experimentando emoções,
seus comportamentos. der às necessidades de seus filhos. confortáveis e/ou desconfortáveis,
Aprender a regular nossas emoções, A culpa é de ninguém, no entanto, que ocorrem naturalmente. Por
confortáveis e desconfortáveis, que quanto mais os pais se conscientiza- exemplo, a maioria dos pais acha
ocorrem naturalmente, é um desa- rem do fato de que as emoções im- fácil manter uma dinâmica rela-
fio. Para efetivamente ajudarmos a pulsionam o comportamento, mais cional quando uma criança está
nós mesmos e aos nossos filhos a eficazes eles serão em sua capacida- sentindo alegria. No entanto, mui-
regular as emoções, precisamos nos de de influenciar o desenvolvimen- tos pais acham mais difícil per-
concentrar no conceito de “encher to saudável de seus filhos. manecer nessa dinâmica quando
o copo relacional”. Quando nosso Emoções e comportamentos se- uma criança está se sentindo zan-
copo relacional está cheio, nos tor- guem regras muito diferentes. Já os gada ou triste. Frequentemente, os
namos mais resistentes ao estresse, comportamentos PODEM estar cer- pais procuram minimizar o so-
somos mais flexíveis e demonstra- frimento de seus filhos, tentando
mos um aumento na capacidade “consertar” o problema ou concen-
de sair da nossa zona de conforto É importante aprender com trando-se em controlar o compor-
e experimentar novas experiências. os sentimentos, em vez de tamento. Sem qualquer intenção,
A maioria das aprendizagens signi- evitá-los ou pior, aprender os pais enviam a mensagem para
ficativas ocorrem quando estamos que seus sentimentos o filho que eles, pais, estão descon-
fora da nossa zona de conforto. fortáveis com a forma como o seu
Encher o copo relacional é menos
desconfortáveis são “errados” filho está se sentindo e que os sen-
complexo do que parece. No entan- timentos do filho não podem ser
to, muitas vezes é um conceito de tos ou errados, ser bons ou ruins, tolerados neste momento. Todas as
difícil explicação. O importante é corretos ou incorretos. Emoções crianças aprendem cedo na vida
lembrar que preencher esse “copo” NÃO PODEM ser boas ou ruins, cer- (nos primeiros 18 meses) quais
exige que criemos espaço e nos co- tas ou erradas, corretas ou incorretas. de suas emoções que afligem
nectemos a cada uma de nossas Essa distinção pode tornar mais fácil, seus pais. As crianças aprendem
emoções, confortáveis ou incômo- para os pais, estabelecerem limites a aproveitar ou “esmagar” essas
das, e que também ocorrem natu- claros sobre o comportamento, ao emoções para controlar seu acesso
ralmente com as pessoas que ama- mesmo tempo em que é permitido aos pais. O objetivo é tornar-se
mos. Expressar nossos sentimentos que a criança “sinta o que está sentin- consciente desses processos na-
e ter esses sentimentos validados do”. Por exemplo, “Não há problema turais, a fim de vermos as forças
é essencial para preencher nosso em estar bravo. Mas há problema se que impulsionam nossas emo-
copo relacional. Pense nas pessoas você bater em alguém.” ções — e comportamentos subse-
mais próximas a você, os laços mais Há um número infinito de compor- qüentes — para desenvolvermos
fortes — provavelmente são aque- tamentos para se ensinar, ou geren- relacionamentos saudáveis com
les que estiveram presentes nos ciar, a uma criança. Todavia, há um cada uma de nossas emoções, o
bons e maus momentos. O objetivo, número finito de emoções funda- que nos permitirá desenvolver
portanto, não é apenas tentar criar mentais, que precisamos aprender e manter relacionamentos para
bons momentos com as crianças. a ter e compreender: raiva, medo, compartilhar todas as habilida-
Crianças, como adultos, experimen- nojo, alegria, curiosidade e tristeza. des, já que seríamos capazes de
tam uma gama completa de emo- Cada uma dessas emoções tem um administrar nosso comporta-
ções. Elas precisam de relacionamen- propósito distinto para nos prote- mento ao sermos expostos a no-
tos com pessoas que possam estar ger e nos manter seguros, tanto físi- vos aprendizados.
39
Crédito: Deposit photos
GRACIELA PIGNATARI

é bióloga,
mestre e doutora
em biologia
molecular, foi
pesquisadora em
nível de pós-
doutorado pela Fada do Dente”,
USP e participou a primeira ONG
da criação da de pesquisa
ONG “Projeto a científica de
autismo no Brasil,
atualmente é
diretora executiva
da Tismoo.

AUTISMO X GENÉTICA
Como a ciência explica hoje a ligação entre autismo e genética A R T I G O

genes), 1.054 genes foram relacio- Americana de Pediatria (do in-


nados com autismo. Com essa evo- glês, ACPeds) e de Psiquiatria
lução constante no conhecimento Infantil e da Adolescência (do
dos genes associados ao TEA, es- inglês, AACAP) em crianças
tudos científicos sugerem que a com deficiência global do de-
realização de painéis para autismo senvolvimento e TEA (de acor-
não são os melhores instrumen- do com estudos de 2011 e 2017).
pesar dos estudos científicos eviden- tos para o conhecimento genético A ausência de alterações nesse
ciarem que no autismo a herdabi- desses indivíduos pela limitação exame não significa afirmar
lidade é estimada entre 70% a 90% do conhecimento (segundo estu- que não existem alterações ge-
(conforme estudos de 2014 e 2017) , dos de 2016 e 2017), e também não néticas, pois esse exame detecta
o diagnóstico do Transtorno do Es- permitirá que genes associados a apenas microdeleções e micro-
pectro do Autismo (TEA) é baseado outras condições de saúde sejam duplicações cromossômicas.
em exame clínico, realizado por neu- avaliados, apenas testes genéticos Uma única alteração genética
ropediatras ou psiquiatras, seguin- como exoma ou genoma permitem é suficiente para causar o TEA,
do as considerações da 5ª edição do esse tipo de análise (conforme es- mas na maioria dos casos não
Manual Diagnóstico e Estatístico de tudo de 2017). ocorrem apenas devido a al-
Transtornos Mentais (DSM-5). O teste de array genômico — mi- terações em um único gene,
Os avanços tecnológicos foram im- croarray genômico (SNP-array) ou pelo contrário, elas envolvem
portantíssimos para a evolução do Hibridização Genômica Compa- distúrbios moleculares com-
conhecimento e a identificação de rativa (CGH-array) — substituiu plexos em múltiplos genes
genes relacionados à etiologia do o cariótipo e vem sendo recomen- importantes para os proces-
TEA. De acordo com informações dado pelas Academia Americana sos biológicos,
obtidas em fevereiro de 2019, no de Genética Médica e Genômica como também
site da Simons Foundation (SFARI (do inglês, ACMG), Academia em genes que
40
controlam, durante o neurode- ca do neurodesenvolvimento, pois

Foto meramente ilustrativa


senvolvimento, a expressão gêni- apresenta um espectro clínico am-
ca. Além disso, muitas variantes plo, com fatores genéticos variados
genéticas associadas ao TEA estão e complexos podendo ser herdados
relacionadas a outras condições do ou não. As formas não sindrômi-
neurodesenvolvimento como De- cas têm uma herança multifatorial
ficiência Intelectual (DI), Transtor- associada a riscos ambientais e ge-
no Obsessivo Compulsivo (TOC), néticos em uma combinação de ca-
Transtorno de Déficit da Atenção racterística aditiva (de acordo com
com Hiperatividade (TDAH) e al- estudo de 2018).
gumas condições psiquiátricas O modelo genético que explica o
como esquizofrenia, depressão e TEA foi chamado de “modelo de
transtorno do humor e afeto. Por copo” e é um modelo de herança e
todas estas razões, é um grande limiar multifatorial que apresenta
desafio definir genes e respectivas os impactos das variantes genéticas
variantes genéticas de relevância e ambientais com maior ou menor
clínica associadas ao TEA (estudo risco associado ao TEA, represen-
Deposit Photos

de 2018). tados por círculos de tamanhos


O TEA é um excelente modelo para diferentes (estudo de 2018) e
demonstrar a complexidade genéti- a borda do copo representa o limite.
Ilustração adaptada: Priscylla Kamin

Figura 1

“Modelo de Copo” — modelo


Observe que indivíduos que que mulheres com TEA tem um representativo da heteroge-
ultrapassam esse limite estão número muito maior de variantes neidade genética, adição e
penetrância reduzida em uma
no TEA (Figura 1). genéticas associadas ao transtorno família com TEA. Círcu-
No “modelo de copo”, os in- se comparadas a homens com TEA, los roxos representam as
variantes genéticas comuns.
divíduos do sexo masculino sugerindo que indivíduos do sexo Círculos azuis as variantes
genéticas raras e os círculos
são representados por copos feminino são mais resistentes a tais rosas fatores ambientais. As
de tamanho menor, em rela- mutações o que explicaria a propor- diferenças no tamanho in-
dicam o risco. A: variante rara
ção ao sexo feminino, ção de 4 meninos para 1 menina de herdada da mãe; B: variante
demonstrando uma acordo com o CDC (conforme estu- comum herdada da mãe; C:
variante comum herdada do
diferença para atingir do de 2014). pai; D: variante comum “de
o limiar de diagnósti- Devemos ter em mente que o TEA novo” e E: variante rara “de
novo”. Adaptado de Hoang,
co (Figura 2). Estudos é uma condição multigênica e Cytrynbaum, Scherer, 2018
científicos mostraram multifatorial com combinação de (estudo de 2018).
41
Ilustração adaptada: Priscylla Kamin

Figura 2

variantes genéticas raras e comuns,


“Diferença entre gêneros
representada pelo modelo de que podem ou não ser herdadas. A
copo” — modelo represen- realização do exame genético permi-
tativo da heterogeneidade
genética entre os gêneros, A partir desse te o conhecimento das variantes ge-
adição e penetrância. Cír- néticas do paciente, mas pode trazer
culos roxos representam as modelo, é possível
variantes genéticas comuns. conhecimento acerca de comorbida-
Círculos azuis, as variantes
genéticas raras e os círculos
entender e explicar des associadas, bem como outras con-
rosas, fatores ambientais.
a heterogeneidade dições de saúde, pode ser importan-
As diferenças no tamanho
indicam o risco. Observe
te no tratamento de comorbidades,
neste modelo que a largura do TEA em relação nas intervenções comportamentais,
e o tamanho do copo para os
indivíduos do sexo feminino às características na estratificação de pacientes, o que
são maiores e exigem mais já acontece na Europa e na América
fatores de risco do que os
indivíduos do sexo masculino
clínicas, o risco do Norte, proporcionando testes clí-
para atingirem o limite da
borda do copo sugerindo que
familiar, a nicos mais personalizados. A análi-
a penetração é menor nesses se genética dos pais também poderá
indivíduos e por isso a pro- hereditariedade, ser realizada permitindo verificar a
porção de 4:1. Adaptado de
Hoang, Cytrynbaum, Scherer, como também hereditariedade das alterações gené-
2018 (estudo de 2018). ticas encontradas e poderá auxiliar
a diferença na avaliação de risco de recorrência
encontrada na de outros casos de TEA na família
e, portanto, no aconselhamento ge-
proporção entre nético como também na relevância
os sexos clínica das variantes. Mutações do
tipo “de novo” e raridade são fatores
importantes nesta análise.
Por fim, vale ressaltar que o conheci-
mento genético dos indivíduos com
TEA está alterando gradualmente o
conceito científico e clínico e pode
ser mais útil que apenas ser utilizado
para diferenciar TEA sindrômicos e
não-sindrômicos.
(Todas as referências citadas no texto
e uma versão estendida deste artigo,
com mais informações, estão na pu-
blicação online, que você pode aces-
sar através do QR-Code ou direta-
mente no site da Revista Autismo)

42
Ilustração: Bera
C O L U N A

DIFICUL-
DADES
DO DIAG-
NÓSTICO
TARDIO
teralmente características não tão
padronizadas como se imagina.
Não possuem empatia, têm jul-
gamentos infundados, nos ridi-
cularizam, sequer investigam
nossos questionamentos e ainda
soltam o jargão medicinal da ig-
norância: “você não é Autista, dê
graças a Deus por ser normal!”.
Ser Autista não é fácil, viver Por que não nos escutam, ou dão
anos sem saber é ainda pior: atendimento humanizado? De-
Liga dos tempo perdido! A falta de tra- vemos ser gratos por não sermos
Autistas tamento adequado, inúmeras considerados anormais!?
adaptações, lidar com expec- Mudar essa visão equivocada é
tativas, não ter o acompanha- extremamente importante, pois
mento necessário são alguns precisamos de parceiros e de so-
dos efeitos negativos na vida lidariedade, não de inimigos!
de um neurodiverso sem diag- Apoio, compreensão e aceitação
nóstico. são fundamentais antes, durante
Todos (quase todos) com diagnós- e após o diagnóstico. Pois, mesmo
por Érica Matos Araújo tico tardio descrevem a sensação com o laudo atestando essa neu-
36 anos, turismóloga e técnica em da descoberta: alívio e libertação! rodiversidade, as dificuldades e
análises clínicas, é apaixonada por
Na verdade, temos um sistema limitações ainda existirão.
gastronomia, animais (especialmente
operacional cerebral diferente.
gatos) e cuidar de sua chácara. Foi
responsável pelo apoio emocional a Mas ser diferente para a socieda-
vários membros da Liga dos Autistas, de...incomoda!
além de ser uma das idealizadoras Saga para obter diagnóstico?
e fundadoras. Suas habilidades Ah! Esse momento é provação,
de resolver contendas e extrema resistência, teste de paciência e
capacidade de observação de sanidade! Alguns profissionais
comportamentos (autodidata) deu a conseguem ser mais autistas que
ela o apelido de “CSI da Liga”. nós no sentido de interpretar li-
43
ALYSSON MUOTRI

é Ph.D. em genética,
professor da faculdade
de medicina e diretor do
Programa de Células-
Tronco da Universidade
da Califórnia em
San Diego (EUA) e
cofundador
da Tismoo

MINICÉREBROS HUMANOS:
UM NOVO MODELO
EXPERIMENTAL PARA
O ESTUDO DO TEA
Principal uso é para a busca de novos medicamentos em plataformas miniaturizadas

A R T I G O

44
criação de
minicére-
bros huma-
nos em la-
boratório a
partir de cé-
lulas-tronco
é um dos
fenômenos mais interessantes da
neurociência moderna. Essa nova
ferramenta promete ser a grande
vedete no tratamento de doenças
neurológicas e genéticas, uma re-
volução na medicina.
Formados a partir de células-tron-
co pluripotentes, reprogramadas
de células periféricas (sangue, pol-
pa de dente, pele etc.) do próprio
indivíduo, esses minicérebros (ou
organoides cerebrais) são criados
em biorreatores de laboratório,
seguindo uma complexa receita
química. Cada passo é importante
e, dessa forma, consegue-se reca-
pitular o desenvolvimento neural
embrionário da pessoa in vitro.
Muito da técnica é ainda empíri-
ca, pois as células-tronco fazem a
maior parte do processo sozinhas,
se auto-organizam em estruturas
cerebrais tridimensionais de forma
espontânea, seguindo as instruções
genéticas codificadas pelo genoma
do indivíduo.
A similaridade anatômica com o cé-
rebro humano impressiona, mas é
ainda uma versão miniatura, cerca
de meio centímetro. As estruturas
são pequenas porque ainda não te-
mos vascularização para manter os
mini-cérebros crescendo por muito
tempo. Conseguimos manter esses
minicérebros em cultura por um
ou dois anos. Depois disso, obser-
vamos que o centro das esferas se
torna escuro, um sinal de que as cé-
lulas estão morrendo devido à falta
de nutrientes que só chegam por
difusão. Cientistas já estão criando
estruturas de circulação artificiais
usando bioimpressoras, semelhan-
tes a veias e artérias, que irão irri-
gar o interior desses minicérebros e
permitir seu crescimento.
Mas a escala menor também tem
45
Divulgação

Veja mais na internet

O neurocientista Alysson Muotri segurando vários minicérebros, cada um do tamanho de uma ervilha.

suas vantagens. Podemos criar lite- limitações serão resolvidas num fu- pa ainda este ano. É um excelente
ralmente milhares de minicérebros turo próximo. ponto de partida para futuros en-
de uma única vez e mantê-los em Apesar das promessas desse mode- saios clínicos.
pequenas placas. E esses organói- lo, tudo isso ainda é muito caro para Termino com uma visão filosófica
des podem ser usados para des- ser aplicado de uma forma perso- e provocativa desta área científi-
cobertas de novos medicamentos nalizada. Felizmente, a ciência dá ca. Como quase sempre, a ciência
em plataformas miniaturizadas saltos. Ano passado, conseguimos avança de forma não-linear, e mui-
que permitam a comparação pa- reduzir o custo dessa tecnologia tas vezes nos pega de surpresa,
ralela simultaneamente. Esse tipo de forma considerável, possibili- sem deixar muitas chances para a
de escala é passível de automa- tando a geração de minicérebros reflexão sobre aspectos fundamen-
ção, modelo preferido pela indús- de até cem pessoas de uma só vez. tais dos dados gerados. Uma per-
tria farmacêutica. Além do teste O novo método permitirá estu- gunta interessante seria se esses
de drogas para eventuais doenças dar condições neurológicas ge- minicérebros teriam a capacidade
neurológicas, esse modelo permite neticamente complexas, como o de pensar, ou se teriam consciência
uma análise do impacto de drogas autismo idiopático. da própria existência numa placa
ambientais (toxinas, fertilizantes E foi com esse modelo que desco- de petri. Apesar de rudimentar, as
etc.) no desenvolvimento embrio- brimos que os neurônios de mini- estruturas cerebrais estão lá, princi-
nário humano. Nosso laboratório cérebros derivados de indivíduos palmente regiões do córtex frontal,
na Universidade da Califórnia em autistas estabelecem um menor responsáveis por uma série de fun-
San Diego consegue dizer rapida- número de conexões nervosas (con- ções cognitivas altamente sofistica-
mente se existem toxinas que afe- tatos sinápticos) comparado ao das. Será que essas redes nervosas
tariam o cérebro embrionário em grupo controle (minicérebros deri- seriam o princípio da consciência
determinada amostra ambiental, vados de neurotípicos). A alteração humana? Se sim, quais seriam as
fornecendo um selo de qualidade sináptica está provavelmente rela- implicações éticas dessa tecnolo-
que deverá ser obrigatório para to- cionada aos sintomas clínicos dos gia? Deixando de lado as questões
dos os futuros produtos, artificiais pacientes. O próximo passo agora filosóficas e éticas, acredito que esse
ou não, em alguns anos. Lógico que é encontrar uma forma de corrigir novo modelo, associado a infor-
o modelo tem limitações, afinal os os defeitos sinápticos nos minicé- mação genética individual, trará a
minicérebros não funcionam num rebros dos autistas. Isso será feito medicina personalizada para mais
sistema interconectado com outros em parceria com a Tismoo, que perto dos autistas.
tecidos (sistema imune, por exem- abrirá seu laboratório para mode-
plo). Acredito que muitas dessas lagem celular funcional na Euro-
46
COMUNIDADE NA CAUSA Gente que se une para
mudar o mundo

por Fernando Cotta


MOAB
Movimento Orgulho Autista Brasil

qualidade de vida destas pessoas.


O Movimento Orgulho Autista DESDE 2005, O MOAB São 15 categorias, votadas pelos
Brasil (Moab) é uma organização REALIZA EVENTOS fundadores, diretores, conselhei-
não-governamental (ONG), sem DIVERSOS EM BRASÍLIA ros e coordenadores em diversos
finalidades lucrativas, formado por estados do Brasil.
(DF) DOS QUAIS, ENTRE
mães, pais, autistas, seus familia-
res e amigos interessados no tema,
MUITOS, DESTACAM-SE: - “PROJETO AUTISTAS e AR-
todos voluntários que trabalham TISTAS”- Busca ensinar ativida-
incessantemente pela melhoria da - “DESABAFO AUTISTA e des artísticas a pessoas autistas
qualidade de vida das pessoas au- ASPERGER” - Realizado to- e suas famílias, objetivando o
dos os meses em parceria com aprendizado, o entretenimento, a
tistas e de suas famílias.
uma escola pública ou priva- diversão, terapia ocupacional e a
O Moab iniciou suas atividades
da. Nos encontros, autistas, geração de renda.
com uma “Blitz do Autismo”, em 18
aspies, pais, familiares, ami-
de junho de 2005, em Brasília (DF), gos, especialistas, professores - “PROJETO AUTISTAS PLÁSTI-
na celebração da primeira edição trocam experiências, apre- COS”- Trabalha com a possível
mundial do Dia do Orgulho Au- sentam novas informações identificação e posterior promoção
tista (segunda edição da data, que e, principalmente, relatam e de talentos de destaque que, mui-
fora criada um ano antes — cele- debatem suas vivências com tas vezes, não têm a oportunidade
brada só por lá inicialmente — por autistas e aspergers. Con- de serem conhecidos.
uma instituição dos EUA, “Aspies siderado fator de mudança
for Freedom”, formada por pessoas na qualidade de vida de - “PROJETO AUTISTAS NO PAR-
com autismo e seus familiares). muitas pessoas. QUE”- Realizado em um parque
da cidade, chama a atenção da so-
Para isso, promove eventos, cur-
- “BLITZ DO AUTISMO” - ciedade para conhecer quem são
sos, encontros, seminários, pales-
Realizada principalmente as pessoas autistas, objetivando
tras, audiências públicas, sessões através do conhecimento, o respei-
nas datas alusivas aos autis-
solenes, atos públicos, proposição tas, em parceria com a Polícia to, a aceitação e a parceria para um
e acompanhamento de leis — en- Rodoviária Federal, Polícias mundo melhor.
tre as quais, a Convenção sobre os Militares e com os Detrans,
Direitos das Pessoas com Deficiên- consiste na abordagem dos - “AUTISMO NA ESCOLA”- Pales-
cia, a Lei Brasileira de Inclusão da motoristas e seus familiares tras e cursos sobre o autismo, que
Pessoa com Deficiência 13.146/15, a nas rodovias, após receberem são realizados desde a pré-escola
Lei Federal 12.764/12 (Lei Berenice sinal de parada dos agentes até os cursos de pós graduação,
Piana) e a Lei Distrital 4.568/11 (Lei de trânsito, para receberem além de aconselhamento para o
Fernando Cotta), além de outras informações sobre autismo. corpo docente do estabelecimento
Tem grande resultado. de ensino.
normas estaduais e municipais —,
propostas de emendas constitucio-
- “PRÊMIO ORGULHO AU- - “AUTISMO NA IGREJA”- Propõe
nais, normas regulatórias, celebra- que a pessoa autista e seus fami-
TISTA”- Realizado todos os
ções, panfletagens, caminhadas, anos, desde 2005, em parceria liares sejam realmente aceitos pe-
manifestações, premiações etc., em com a Rádio Nacional, busca las igrejas, independentemente de
parceria com outras entidades, ór- evidenciar pessoas, órgãos religião, credo ou fé, através de
gãos públicos e empresas privadas, e entidades que verdadeira- palestras, comentários oportunos,
sempre buscando o advento de po- mente trabalharam significa- acompanhamentos e consultorias
líticas públicas para o segmento. tivamente pela melhoria da previamente agendadas.
47
Investir na educação de
autistas adultos é investir
na capacidade humana

Brasil, sentimos uma grande la-


cuna na oferta de serviços educa-
cionais e outras intervenções para
adultos com TEA. Penso ser pelo
fato de que ainda não conseguimos
desconsiderar o autismo como sen-
do especificamente infantil, então
não nos damos conta de que jovens
e adultos continuam ao longo da
vida necessitando de atenção. Se
apenas ofertamos educação em pe-
ríodo obrigatório, impedimos que
pessoas adultas usufruam de aten-
ção educativa.
CLAUDIA É necessário e urgente que pense-
MORAES
mos na ampliação do conceito de
educação que contemple todas as
etapas da vida do indivíduo, le-
vando em conta que o autismo é
de ordem crônica, e não se limita
à infância.
Ninguém é impassível às mudan-
ças proporcionadas por uma edu-
é mãe do
cação adequada, que entenda es-
Gabriel (adulto
com autismo pecificidades, respeite estilos de
severo), pedagoga, aprendizagem, contemple habilida-
especialista des e ofereça possibilidades.
em materiais Ao pensarmos em bom programa
estruturados, educacional para adultos, ter em
finalizando pós-
mente a promoção de: habilidades
graduação em
ensino estruturado de comunicação, sociais, emocio-
e iniciando mestrado nais, cognitivas e também as vo-
em educação. A R T I G O cacionais — investirmos de forma
positiva em áreas como atenção,
memória e funções executivas.

A EDUCAÇÃO DE PESSOAS
48
ADULTAS COM AUTISMO
Proporcionar flexibilidade na for- melhor com certos comportamen- à educação ao longo da vida e ao
mação, pode fazer com que adul- tos, a gerir conflitos relativos ao mercado de trabalho, não apenas
tos autistas desenvolvam melhor estresse e ansiedade, a lidar me- os considerados “grau leve” ou os
o controle de situações, encontrem lhor com as dificuldades relativas que usufruem de privilégios econô-
soluções para reduzir o estresse aos interesses restritos. micos. Para sermos uma sociedade
e a ansiedade, sejam capazes de Na vida e na educação, é essen- mais justa, a educação deve real-
melhor generalizar, desenvolver cial termos objetivos. Para educar mente ser direito de todos.
ou aumentar empatia, lidar com adultos com TEA, os objetivos de- Que o trabalho e contribuição dos
as emoções, ter mais auto-estima, vem ser voltados às competências, pais sejam valorizados e reconhe-
entre outros. identificar os interesses pessoais cidos, abrindo espaço para parce-
Em relação a adaptações curricula- e os vocacionais, priorizar habili- ria entre educadores e pais. Antes
res, o que é algo ainda difícil para dades e aptidões para orientar os de planejar programas, adaptar
educadores que lidam com pessoas alunos em formações acadêmicas e promover ações, consultar os
autistas adultas, é preciso propor e profissionais, visando também a pais ou outros membros da famí-
conteúdos com bastante estrutura sua empregabilidade. lia que sejam importantes para o
e pistas visuais, respeitar o ritmo Autistas apresentam potenciais desenvolvimento do adulto com
de aprendizagem, eleger priorida- que por vezes nem sequer imagi- TEA é primordial.
des, sequenciar, respeitar os gos- namos, isso se dá por colocarmos Investir na educação de pessoas
tos e a vontade do aluno quanto a mais foco às limitações do que às adultas com autismo é investir na
conteúdos (pode ser que o aluno possibilidades, a nossa visão li- capacidade humana de se desenvol-
já tenha visto o conteúdo proposto mitada aliada por vezes à nossa ver ao longo da vida; todos podem
repetidamente ou que este fuja aos inércia, faz com que desprezemos aprender e seguir no aprendizado,
seus centros de interesse, aí ele não imensas capacidades. adquirir novas habilidades e se tor-
se anima, ou até mesmo se nega a Arregacemos as mangas e lutemos nar seres humanos mais completos,
cumprir as atividades) e, por fim, para que todos possam ter acesso mais produtivos e mais felizes!
é imprescindível que o currículo

Não pensem que


conhecimentos relativos
ao desenvolvimento
infantil sejam
adequados para
atender adultos
proposto seja adequado ao nível
de funcionamento da pessoa com
TEA. Educadores, busquem apri-
morar e obter formação para o aten-
dimento educacional de adultos, e
não pensem que conhecimentos re-
lativos ao desenvolvimento infantil
sejam adequados para atender aos
de idade mais avançada.
Também vemos ser importante
perceber que muitos alunos com
autismo podem estar mais ap-
tos para lidar com questões de
aprendizagem aos 20 anos, do
que estavam com 10; sendo que ao
chegarem à idade adulta, muitos
deles podem ter aprendido a lidar
49
ESPECTROARTISTA A arte e o talento
dentro do espectro

CAMILA
Diagnosticada com Síndrome de
Asperger, a desenhista tem 29
anos, é paulistana e, desde peque-
na, é extremamente apaixonada por
tudo relacionado aos dinossauros.
ALLI CHAIR
Atualmente trabalhando como de-
senhista freelancer, Camila tem
fluência em inglês, adora viajar e ir
para baladas e festas. Tem formação
em mergulho autônomo — tendo
mergulhado em cavernas à noite
em mar aberto — e não concluiu a
faculdade de biologia.
Por três vezes seus desenhos foram
solicitados e divulgados pela revis-
ta norte-americana “Pre-Historic
Times”, além de ter participado de
concursos internacionais: na China
(animais brasileiros) e em Portugal
(espécies extintas de Portugal).
Atualmente, ela faz projeto e ilus-
trações de dinossauros para livros
infantis e está desenvolvendo um
projeto de animação em 2D, de sua
autoria, chamado “Escola de Insani-
dade” (assista aos vídeos na versão
online deste texto).

Site: deviantart.com/freakyraptor
Facebook: Camila Alli
Instagram: @camila_alli
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