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8 Gestalt-terapia na clinica ampliada JENEC HITO (LIKA QUEIROZ) Segundo relatério da Organizacao Mundial da Satide (OMS, 2001) sobre a satde no mundo, 0 ultimo meio século testemunhou uma evolucao na atengao a satide, sobretudo a mental, que se traduziu em um movimento voltado para o respeito aos direitos humanos dos individuos com transtor- nos mentais e para o desenvolvimento de novas formas de abordar o sofrimento mental em um processo responsavel de desinstitucionalizagao. Compreendida como “um conjunto de transformagoes de praticas, saberes, valores culturais e sociais” (Brasil, 2005, p. 1), a reforma psiquidtrica constituiu-se como um processo politico e social complexo, criando novos recursos de inter- venc’o fora dos contornos e limites do consultério e da insti- tuic4o hospitalar, integrando a comunidade como espaco de Pacto social. Esses novos dispositivos da atencdo primaria em satide, nas palavras de Silveira (2003, p. 24), “[...] devem ser compreendidos como estratégias agenciadoras de novos’ vin- 163 os ian Meyer Frazao e Karina Okajima Fukumitsu (orgs.) a rede de contratualidade do ignificagoe culos ou de nova ito em seu existir”. No Brasil, a énfase dada a atengao primaria em satide ao movimento da reforma psiquiatrica, levou 4 suj associada reestruturagao dos servigos de jonais nesse ambito, incorporando, tide mental ¢ a conceituagao das equipes multiprofi consequentemente, OS PS! icdlogos nos seus quadros efetivos (Spink, 2007). Nesse processo de reestruturagao e criagao de novos dispositivos de aten¢ao a satide mental, surgem os Cen- Psicossocial (Caps), trazendo o enfoque de tros de Atengdo 1. O trabalho em satide mental passa a uma clinica psicossocia incidir, cada vez mais, sobre um campo que € excéntrico ao hospital. Sua atuagao se amplia, saindo do contexto das clini- cas e dos hospitais para o das trocas sociais com a comunida- de local. Nesse panorama, a atua¢ao do Gestalt-terapeuta fica vin- culada a uma demanda institucional; espera-se que ele desem- penhe um papel de trabalhador social dentro dos movimentos de satide, estabelecendo conexées intra e/ou interinstitucio- nais por meio de algumas estratégias intra e extramuros, 4 saber: apoio para a insergao social, visita domiciliar, grupos terapéuticos e operativos, oficinas terapéuticas, acompanha- mento terapéutico ¢ intervengGes de rua, entre outras. Assim, na satide publica o Gestalt-terapeuta é chamado a atuar fora dos espacos tradicionalmente constituidos para isso, sendo seu papel mediar a tensdo entre a disfungao psiquica e a dis- fungao social, de forma que o funcionamento social poss in- , 0s, trabalhar com atengao primdria ¢™ satide traz, para o Gestalt-terapeuta, o desafio de abdicar dos 164 Acimica, arelagde paicntoran@utica #0 manejo ern Gestalt terapia aaberes consagrados, “da atitude-padrao, previsivel e contro Jada de quem trabalha entre quatro paredes, para se langar em un espago aberto de atuagdo, sem tronteiras demarcadas ce som medidas prévias de tempo" (Palombini, 2004, p. 24), Convida-o a ir onde a clientela vive © a estar diretamente no territério onde os conflitos acontecem, lidando com um sujei to ndo mais apartado da sua realidade sociotamiliar; entim, a lidar com uma pratica cotidiana que 0 coloca face a face com a complexidade da vida ¢ the demanda ages para as quais nao hd um manual orientador, Estamos falando da construgdéo de um novo modelo de atuagio clinica, qualificada como “ampliada” = uma clinica nio mais pensada a partir de um a priori individual, mas de Iética entre suj uma perspectiv: citos ¢ coletividade (Morei- ra, 2007), pela qual se busca produzir um didlogo entre o mundo e 0 sujeito, seu mundo psiquico e a cultura. Uma clini- ca psicoldgica voltada para a atengao primaria em sade cujo foco do trabalho é 0 sujeito integral, sendo o processo satide- -doenga compreendido nao apenas sob o enfoque psicoldgico, mas também econdmico, social e politico. Nas palavras de Cardoso, Mayrink e Luczinski (2006, p. 16), “o desenvolvi- mento de uma pratica pertinente com esse contexto e com uma visio de homem enquanto um ser de miultiplos aspectos (biopsicossocial-espiritual)”. Esse enfoque holistico, defendi- do por Perls (1977, 1988, 1997, este ao lado de Hefferline ¢ Goodman), ao trazer 0 conceito de campo unificado, campo Organismo/ambiente, rompe o dualismo mente/corpo"€ pes- Soa/mundo, concebendo o homem como uma totalidade or- Banismica que nao pode ser considerada independente do am- biente no qual esta inserta, Assim, a clinica ampliada comvida 165 eee: Lilian Meyer Frazao e Karina Okajima Fukumitsu (orgs.) a um fazer clinico que, embora mantenha as atitudes de obser. vagdo e escuta originarias do conceito de clinica, inclui as ages sociais ¢ a rede de relagdes da vida do usuario. O Gestalt. -terapeuta € convidado a participar dos anseios e praticas da comunidade, passando a considerar todos os campos de neces. sidade da vida social e humana — educaco, trabalho, protegag ambiental, lazer, seguranga, alimentaga0, moradia, respeito 4 vida e consideragao humana — fundamentais para a constru- ao da satide integral. Também chamada de “clinica psicossocial”, “clinica do territério” ou “clinica da reforma”, a clinica ampliada pode ser pensada como uma clinica psicossocial que integra a es- truturagdo psiquica e o pertencimento social, abarcando a complexidade das relagées que definem as posigdes dos sujei- tos no mundo, trazendo o desafio de dotar os individuos de um minimo de recursos vitais que lhes permitam independén- cia para as atividades da vida didria e para 0 exercicio da ci- dadania (Silva, 2008; Rabelo et al., 2005; Vietta, Kodato e Furlan, 2001). Em termos gestalticos, podemos falar em uma proposta que busca a constru¢ao do individuo como sujeito, o desenvolvimento da awareness de si como responsdvel por sua existéncia e o seu impacto no coletivo; 0 desenvolvimento da sua maturidade, ajudando-o a passat de um estado de de- déncia do suporte ambiental indispensavel 4 sobrevivén- Sum estado no qual ele seja capaz de sustentar a si mesmo co com o meio. busca-se melhor qualid campo da satide. O objeto da pratica consiste na mais na cura, ou na protegao da satide , ‘0 de cuidado - uma atitude de ac lade de vida 00 produgio do (Merhy, colhi- 166 A clinica, a relacao psicoterapéutica e 0 manejo em Gestalt-terapia mento considerada por Ayres (2001) um eixo norteador das agdes em sade mental na atengdo badsica - é também enfatizada na Gestalt-terapia quando Brown et al. (1992) afirmam que a atitude de cuidado, estar cuidadosamente aten- to a forma de iniciar 0 contato com 0 outro, respeitando as diferengas e considerando qualquer contato um fato significa- tivo, é a esséncia da comunidade. A Gestalt-terapia, com sua énfase no desenvolvimento do potencial humano e em sua maturagdo, traz uma proposta tedrico-metodolégica que se ajusta a essa nova demanda, ao buscar muito mais favorecer 0 processo de crescimento e a to- mada de consciéncia do que curar um sintoma (Sanchez, 2008). Para a Gestalt-terapia, estar saudavel é ter habilidades para lidar eficazmente com qualquer situagdo que se apresen- te no aqui-agora, alcangando uma resolucao satisfatéria de acordo com a dialética de formagao e destruigao de Gestalten (Latner, 1996), tanto no nivel micro das Gestalten individuais quanto no nivel macro das Gestalten coletivas (comunidade, grupos sociais). Esse processo continuo de formagao e destrui- cao de Gestalten, também chamado de processo homeostatico ou autorregulagao organismica, é definido por Perls (1988, p. 20) como “aquele pelo qual o organismo mantém o equili- brio e, consequentemente sua satide sob condiges diversas. A homeostase é, portanto, 0 processo através do qual o organis- mo satisfaz as suas necessidades”. Quando a necessidade nao ( for satisfeita, a Gestalt permanecera aberta, gerando uma si- tuacao inacabada, a qual mobilizard, criativamente, o organis- mo ~ individual ou societdrio — a fim de restaurar 0 equilibrio. Esse processo nao se da de forma aleat6ria, sendo regido pelo principio da pregnancia ~ capacidade do organismo de | 167 ao ai Lilian Meyer Frazao e Karina Okajima Fukumitsu (orgs.) encontrar a melhor resposta, a mais adequada no momento, levando em consideragao as préprias capacidades e os recur- sos do ambiente. Assim, para a Gestalt-terapia todo compor- tamento, individual ou coletivo, é um ajustamento criativo: ajustamento porque o organismo e o ambiente entram em contato e interagem, em um processo de acomodagdo miitua; criativo porque se configura como a melhor forma de expres- so, dadas as proprias condigées e as condigdes do entorno, transformando ambiente e individuo. Considerando que todo organismo traz, inerente 4 sua condigdo de existéncia, a capacidade de se autorregular, fa- zendo ajustamentos criativos no seu campo, um planejamento das agGes de satide mental deve considerar as especificidades dos contextos dos territérios da vida cotidiana, resgatando os saberes e potencialidades dos individuos e da comunidade para uma construgao coletiva de solugées. Vale ressaltar que 0 termo “territério” € aqui utilizado designando nao apenas uma drea geografica, mas pessoas, instituigdes, redes e cend- rios nos quais a vida comunitaria acontece; um espago dotado de identidade, onde o sujeito compartilha com seus pares sua versio sobre o mundo e suas tradigdes; ou seja, uma praxis especifica que s6 pode ser apreendida convivendo e partilhan- do com o grupo seu territério identitario (Brundtland, 2001; : “Haesbaert, 2002; Monken e Barcellos, 2007). “Ante o exposto, pode-se afirmar que a base dessa pritica de gesticlWoieuidado em satide mental é ndo apenas terapéu- tica como pedagégicay encontrando sua operacionalizagao, Sseu'lécus de aco no territétie! As priticas de satide, portanto, devem levar em consi~ deracao a ambiéncia natural ¢ a construfda pela 168 ‘Whi. AE MIE NL Ae fA 4 Hig A eta ag a rolagdo de catipo Organining midwidaal grape wnighy incio, Wdentificande come a populagan perceive 6 beversan Lipos de agi NO erTGHO © ath que onto a8 nenmas Ge utilizagio dos recurses desea populagaa € do vem terriehaias promovem determinados hAbitos, comporamentos ¢ problemas de satide, Tomando por base as sugestées de Costa ¢ brandy (2005), pode-se afirmar que 0 campo de atuago do Gesale- -terapeuta demanda: © o conhecimento das relagées familiares, comentedsias ¢ institucionais; © a mobilizagao das redes sociais — as redes naturats de contatos, os lagos de pertencimento, as relagées com ou- tros profissionais com os quais 05 usuarios € 0 proprio Gestalt-terapeuta trabalham; © aconstrugao de vinculos com as instituigies € os lide- res da comunidade; © o desenvolvimento de agdes que visem 4 autonomia € a autogestao; © a competéncia técnica para 0 manejo de imrervengdes focalizadas; © levar em conta, ao montar e conduzir qualquer pro- posta de trabalho, a flutuagao da clientela e, consequen- temente, a necessidade de manter uma alta motivaggo desta para que ela retorne- ete Assim, esse campo de atuagao demanda®do Gestalt- -terapeuta um conjunto de habilidades e competéncias que lhe permita desenvolver novos modelos de intervengao. 169 — 4 i r aaa meyer Frazto e Karina Okajima Fukurtsu (orgs.) Lilian Meyer Fra ra Ribeiro (2013) considere que 0 processo psicote- ‘a em uma agao social por levar o cliente a Embot rapico se transform: ‘ entrar em contato com a realidade que © cerca, a maior parte das propostas de interven no modelo da ago terapéutica. Baseada no modelo da entre- vista de nticleo de Wolk, Brito (2003) desenvolveu uma pro- posta de aco terapéutica definida como ago ou conjunto de acées que visam 4 promogao de mudangas - mudanga no sen- tido de possibilitar a awareness do individuo ou do grupo sobre o que esta acontecendo consigo € com 0 seu entorno, de modo que possa ressignificar-se € mover-se na diregdo da me- lhora da satide e da qualidade de vida. Trata-se de uma pro- Jo, na clinica ampliada, esta incluida posta que inclui aspectos informativos e educativos, nao se restringindo ao espaco do consultério e da instituigao de sati- de. Nessa proposta, o trabalho terapéutico é voltado para a necessidade que emerge como figura no momento. Como propostas de a¢ao terapéutica, podemos incluir in- tervengées de rua, grupos operativos, oficinas terapéuticas, grupos de atividades de suporte social, plantdo psicoldgico, intervengées nos contatos informais dentro das instituigdes de satide, atendimento nuclear ¢ a grupo de familiares, visitas domiciliares, atividades de ensino, atividades de lazer com usuérios e/ou familiares, visitas institucionais e atividades co- Tunitarias, entre outras. Observa-se que grande parte das in- ervengies na clinica ampliada acontece em grupo. Ribeitei(1994, p, 41) reflete que “o grupo é um microcos- mo onde © cotidiano acontece, onde as relagdes negadas ou ~~ das se fazem Presentes”. Um modelo de trabalho gru- Pal que propicia bons resultados-na clinica ampliada — seja uma pro] i Api Pre eo ou de ago terapéutica — é o gru- oO A clinica elagdo psicoterapeutica e 0 manejo em Gestalt-terapia po tematic, no qual seus membros séo reunidos em torno de um tema definido a priori ou retirado da propria demanda no momento. Na clinica ampliada, é mais comum trabalhar com grupos abertos ¢ semiabertos. Em uma Proposta de interven- do grupal que faga a interface da Gestalt-terapia com a psi- cologia social, [...] © que se procura compreender é a constelagdo de vinculos Papéis, padrdes, normas e pressdes grupais, a nivel afetivo e fun- cional. Questées de poder, conflito, expectativas etc, sao tratadas enquanto pertencentes a situacdo presente e a postura do terapeuta nao favorece o aparecimento de fantasias a nivel transferencial. A leitura dos eventos € predominantemente fenomenolégica ¢ transversal. (Tellegen, 1984, p. 73) A énfase nas intervengées focalizadas decorre do fato de que, por serem mais breves, possibilitam o atendimento a um maior ntimero de pessoas; portanto, os atendimentos indivi- duais e de grupo precisam ser conduzidos em um modelo de curta durag4o. Antes de ir a campo, o Gestalt-terapeuta deve mapear 0 territ6rio onde vai atuar, a fim de obter subsidios para o desenvolvimento de um planejamento terapéutico de fato voltado para as necessidades da clientela, bem como conse- guir referéncias sobre como se inserir na comunidade Para obter a adesdo dos usudrios e 0 apoio das redes locais as suas propostas de intervengao. Pensar em um planejamento terapéutico soa aparente- mente paradoxal a uma atitude fenomenologica €, assim, epistemologicamente incoerente com a Gestalt-terapia. Po- 174 cian Meyer Frazao e Karina OkAIIm 2 Fukumitsu (orgs.) fenomenologicamente pode-se na minha concepcao, mos de uma amento terapéutico em fer er construida € revista a0 rmulagao a priori a set seguida remy pensar em um plane} as hipotese processual longo de todo o processo; nao uma fo o Gestalt-terapeuta, mas uma © do que vai sendo vivido a cada tuigdo ou com O proprio terri la minha pratica como supe! desenvolvi um modelo de hij aixo, explicando-o em seguid, pel ompreensao a posteriori, a partir contato com 0 usuario, com a inst Ao longo d clinica ampliada, toro. rvisora na area da potese proces- sual que apresento ab: Caracterizagao da clientela. 10 e de seus objetivos. o trabalho acontecera. aser deixados de lado. ntela se encontra. Caracterizagao do trabalh Caracterizacao do local onde Contflitos a ser abordados € conflitos Etapa do processo de contato em que a clie Mapeamento do campo de forgas. Hipotese sequencial. Recursos disponiveis. evaunanawn erapeuta deve ser A caracteriza- vendi, A primeira preocupa¢ao do Gestalt-t pulagao com a qual vai trabalhar. eo mapeamento de seu modus vil uma populagdo ribeirinha, ento, uma “cidade do lixo”, como essa comunidade, s estiio presentes? conhecer a po} ao da clientela envolv sua cultura, seus valores. £ urbana, quilombola, um assentam: favela, inVaso? Qual o seu historico, ___ povoado, bairro se construiu? Que etnia ™Deve-se ter o cuidado.de nfo apenas jidentificar os grupos © ligiosos locais - e aqui nado estou diferenciando crengas ¢ sei- tas de religibesi como também conhecer seus pret oo rural, ‘clinica, arelacao psicoterapeutica © 0 manejo em Gestalt-terapia nortearao as fronteiras de valor dessa Populagao. E preciso entrar em contato com figuras significativas e liderangas, pessoas-chave para sua insergdo no territ6rio; mas também conhecer o habitante comum, nas diversas camadas e faixas etarias, para fazer um levantamento de necessidades que refli- ta a reali jade local, ComemoragGes e eventos que mobilizam naturalmente a populacao, desvelando a sua cultura, sao as- pectos relevantes que podem ser aproveitados como base para propostas de atividades. Apés o levantamento das necessidades dos usudrios edo campo de agao do érgio no qual o Gestalt-terapeuta esta in- Serto, a proposta de trabalho comega a ser delineada. Trata-se de uma proposta de intervengdo especifica, um plano de agdo em médio ou longo prazo que envolvera um escopo maior de agoes. Definem-se entao os seus objetivos gerais e especificos e as agoes a ser desenvolvidas. E preciso ter clareza sobre o impacto que 0 projeto como um todo e cada acao em si po- dem causar nos campos onde a clientela esta inserta. O terceiro ponto a ser considerado é a caracterizagao do local onde as agGes vao ser realizadas: é aberto, fechado, na rua, na institui¢ao em que se trabalha ou em algum local da propria comunidade? Que facilidades e/ou dificuldades pode oferecer? Entre os conflitos que foram detectados, quais serio abordados, em que ordem, e quais serao deixados de lado? Para essa anilise, utilizo os critérios de impacto, urgéncia e viabilidade: 0 nivel de impacto que esse conflito tem no gru- po/comunidade, a urgéncia da sua resolucdo, a viabilidade para ser abordado e resolvido. O critério de viabilidade é o mais significativo; mesmo que um.conflito seja urgente e cau- se grande impacto no territério, se a viabilidade for zero, de- = Lilian Meyer Prazdo e Kar (orgs) Okajima Fukum vera ser deixado de lado para nio causar desgaste € conse- quente desmobilizagio por parte da equipe e dos usuarios, Entre os conflitos que serio deixados de lado, é preciso ter claro que, embora eles nao sejam abordados no momento, poderio ser retomados a posteriori. Quanto aos conflitos que ] nao serdo considerados por fugir da ingeréncia da equipe de trabalho, registre-se que sio da algada das instancias gover- namentais ou de politicas locai O préximo passo é identificar em que etapa do processo do contato a clientela se encontra em relagdo 4 necessidade a ser atendida. Para a andlise o Gestalt-terapeuta pode usar 0 modelo de sua preferéncia: as quatro fases explicita- das por Perls, Hefferline e Goodman (1997) ~ pré-contato, contato, contato final e pés-contato -; 0 ciclo gestaltico de experiéncia desenvolvido por Zinker (2007) - awareness, energia/agao, contato, resolugao/fechamento, retraimento, “nova” awareness -; ou 0 ciclo de contato construido por Ribeiro (2007) - fluidez, sensagao, consciéncia, mobilizagao, agdo, interagao, contato final, satisfacao, retirada. Apos a identificagio da etapa do contato na qual a clientela se encontra, é necessdrio identificar se a Gestalt esta interrom- pida nessa fase ou se a clientela esta em processo, ainda se movendo dentro da fase, para passar 4 fase seguinte. Cada uma dessas circunstancias demandara do Gestalt-terapeuta diferentes propostas de intervencao. Para ieficécia da hipdtese processual, é preciso também detectar as forcas impulsoras — aspectos, polaridades, circuns- Yancias presentes nos usuérioserritério que facilitam a loco- mogao no campo, o fechamento da Gestalt ~ e as frenadoras ou restritivas — @§pectos, polaridades, circunstancias que também er 174 A clinica, a relac3o psicoterapéutica e 0 manejo em Gestalt-terapia estao presentes no campo mas sao obstaculos 4 locomogio, dificultando o fechamento da Gestalt (Garcia-Roza, 1972). Com esses dados levantados, a hipotese sequencial vai sendo construida. Escolhi denominar de hipotese sequen- cial os questionamentos que o Gestalt-terapeuta fara sobre © proprio devir da sua proposta de trabalho: como 0 traba- lho pode ser desenvolvido? Qual o primeiro passo? Como vai se desdobrar? O que pode acontecer se essa agao for implementada? Com base em que dados ébvios se esta de- senvolvendo essa hipétese? O que pode ser feito com o que se imagina que possa acontecer? Como o desenvolvimento dessa agdo pode ser facilitado? Como evitar/neutralizar as forgas restritivas? Como manter/aumentar as forgas impul- soras? E importante lembrar que, como as hipoteses sao da ordem do imaginario, devem ser confrontadas, ressignifica- das ou reconstruidas pelos dados ébvios da pratica ao lon- go do processo. Nao se pode esquecer de fazer o levantamento dos recur- sos materiais, técnicos e humanos necessarios para a imple- mentagao das ages, bem como de que maneira e onde se pode obté-los. Trabalhar na clinica ampliada traz uma série de desafios a ser enfrentados pelos Gestalt-terapeutas. Em minha pesqui- sa de mestrado (Brito, 2012), observei que esses desafios re- sultam, principalmente, de cinco grandes fatores: © fato de a clinica ampliada ainda constituir um saber em construg4o, a0 mesmo tempo que gera @espaco para que o Gestalt-terapeuta descubra o seu fazer, traz um sen- timento de inseguranca, uma ambivaléncia entre,a inca- 175 i. | {iow Meyer Fraedo @ Katina Okajima Fukumitsu (orgs,) pacidade © 6 empoderamento. Isto gera uma demanda de eapaeitagdo e supervisio, de atualizagio continua, 2 © eontato como outro, que apresenta uma tealidade ernay de muita dor, miséria, desorganizacao Psiquica, si- tuagdes extremas de exclusio social, traz a tona os nao ' ditos, os fantasmas do profissional. Como bem coloca Hyener (1995, p. 122), esse peutar ndo so apres | € 0 desafio para o tera- ar total ¢ profundamente a experién- cia do cliente, mas também manter seu Proprio centro diante das experiéncias divergentes ¢ até conflitantes. Fa- vera inchusa ja, um contato pelo qual o Gestalt- -terapeuta € todo o tempo confrontado na sua subjetivi- dade por uma clinica que deixa a flor da pele seu mundo interno, além do enfrentamento de situacdes concretas de risco A sua higidez fisic: ‘a. Um tipo de contato que é muito préximo ¢ intenso com o usuario, em um contexto em que nao hé “muros” ou hordrio atras dos quais o Gestalt- sterapeuta poss pe de suporte interno, 3 A muttiplicidade de demandas da instituigao, dos usud- trios e da comunidade diante da escassez de psicélogos contratados nas unidades de satide, gerando uma sobre- carga da qual a jornada de trabalho nao da conta. Isso demanda do Gestalt-terapeuta maior integragdo com a equipéy'disponibilidade e consciéncia dos préprios limi- tes, niio como impedimento e sim como desafio para no- vas solugdes. c ws nao haver uma delimitagao clara do que seja ote wi gs profissio, além da falta de embasaineo 176 ll sa — | a se esconder, Tudo isso lhe exigird, como ae profissional, grande disponibilidade e alto nivel A.clinica, a relagao psicoterapeutica e o manejo em Gestalt-terapia tedrico-pratico para uma atuagéo com equipes multipro- fissionais (Brundtland, 2001; Spink, 2007). Isso pode gerar no Gestalt-terapeuta dificuldade de delinear seu papel den- tro da equipe. Tal situacao pode ser agravada pelo fato de haver varios técnicos, de diferentes areas, desenvolvendo o mesmo tipo de atividade, o que talvez desencadeie no pro- fissional uma crise de identidade. Na verdade, trabalhar com uma equipe multiprofissional traz 0 desafio de convi- ver com varias linguagens, varios jeitos de lidar com 0 mes- mo fenémeno para alcancar um mesmo objetivo: a melho- ria da qualidade de vida do usudrio, sua insergao na comunidade, o resgate da sua dignidade como cidadao. Isso implica o reconhecimento de que os saberes, aborda- gens e atuagoes das diversas areas envolvidas nao s4o ex- cludentes, tendo pontos em comum; familiarizar-se com as especificacées de cada trabalho e com a validagao do papel do outro profissional. Trabalhar em equipe significa apren- der a riqueza da danca das alteridades. 5 O impasse diante de questées politicas que fogem da sua ingeréncia como profissional, mas interferem em sua atuacdo, seus valores e sua ideologia. Isso exige, de um lado, jogo de cintura e criatividade para driblar as ques- tées inerentes as instituigdes publicas - fazer muito com um minimo de condigées. De outro, uma ago politica de mobilizacao social. mi Para Figueiredo (2004, p. 63, 165), 0 campo da clinica psicoldgica deve ser definido por sua ética, significando que “ela esté comprometida com a escuta do,interditado e com a sustentagao das tensdes e dos conflitos. [...] Clinicar é, assim, 177 Lilian Meyer Frazdo e Karina Okajima Fukumitsu (orgs.) inclinar-se diante de, dispor-se a aprender com, mesmo que a meta, em médio prazo, seja aprender sobre”. Busca-se, assim, um modelo de atuagao clinica que gere condigdes de uma es. cuta contextualizada. Uma contribuigéo que a Gestalt-terapia pode oferecer ao trabalho na clinica ampliada é a sua escuta fenomenolé- gica, na qual o profissional busca compreender o sentido do fendmeno com o qual lida nao com base em seus significa- dos, mas em como essa realidade esta sendo significada por aquele que a vivencia. O modo como o Gestalt-terapeuta faz qualquer intervencdo, a qualidade da sua presenga, ofere- cendo acolhimento e confirmacio, jd s4o, em si, fatores de promocao de satide. O Gestalt-terapeuta que trabalha no contexto da clinica ampliada deve ter sempre como pano de fundo de qualquer acdo pensada e/ou desenvolvida que a meta da abordagem é promover a livre e continua fluidez de formagao e destruigao de Gestalten, na qual a necessidade hierarquizada pelo organis- mo, grupo ou sociedade que surge como figura seja plenamente experienciada, de forma que possa “dissolver-se em fundo (ser esquecida ou assimilada e integrada) e deixar a figura livre para a proxima Gestalt relevante” (Perls, 1992, p. 138). Finalizando, € preciso lembrar que uma agao social nao é embora as lutas sociais necessitem uma ago psicoldgica e, cas do universo psicoldgico, € incorporar os insights e técni mister que as condigées sociais mudem para que se possa tra" balhar adequadamente, lidando sobretudo com as fungoes psicolégicas. Como afirma Lichtenberg (1990, P- 66), “é ne- cessario um clima social que encoraje 0 experienciar de emo ces Soctainjntensas, antes que qualquer massa critieardlea- 178 tt ___Ss#is(a

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