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O adorável escroto parte 2 (ou Babaquice tem limite)

Por Poliana Paiva

-Ele leu o conto que você escreveu pra ele no blog?


-Sim. Disse que leu e morreu de rir.
-Nada mal...
-Aproveitou pra dizer que a pessoa que estava com ele morreu de rir também...
-Que pessoa?
-Foi o que perguntei.
-Por acaso era uma mulher?
-Lógico!
-Sabe que isso pode ser mentira dele pra ver sua reação, né?
-Sei, mas não faz a menor diferença se é mentira ou verdade...
-Exatamente, baby, muito caído...
-Caído pra caralho!
-Não gosto quando você fala assim de caralho! Já disse que isso não atrai coisa legal pra tua vida.
Só pronuncia a palavra caralho com raiva, assim não dá! Do jeito que a situação está, esse tipo de
atitude sua chega a ser antiecológica, amiga!
-E não foi só isso!
-Jesus, tem mais?
-Cara, ele teve a audácia de falar que meu conto era só mais um textinho de internet, que quase
ninguém lia mesmo...
-Ihhhhhhhhhh...
-Ih o quê?
-Nada, deixa quieto.
-Diz, porra!
-Muito bem! Falou porra ao invés de caralho! Olha a evolução!
-Você não vai parar com isso não!!? Eu aqui te falando uma parada séria e você nessa merda, bicho,
que porra dos infernos!

O tempo estava quase fechando quando as palavras vieram carregando o ânimo nos ombros:

-Desculpe, amadinha, tava tentando te relaxar, porque não tem mais jeito mesmo, né? O cara entrou
nessa de ser um babaca, fazer o quê? Matricular ele na aula de etiqueta? Se ele é assim, deixa pra lá,
se preocupa com as coisas que merecem sua atenção nesse momento.
-O mais engraçado é que ele não era desse jeito antes...
-Claro, assim são os babacas!
-Era super fino, preocupado com os detalhes...
-Um babaca detalhista, requintado e daí? Não deixou de ser uma babaca!
-Ele ficava dizendo que o nosso momento estava chegando, que eu precisava ser paciente, que
nosso lance não era pra ser uma coisa efêmera, que precisávamos de tempo e coisa e tal...
-Tava te cozinhando em banho-maria!
-Pior é que é...
-Ah, cara, um homem que tem o desplante de mandar que leu seu texto ao lado de uma mulher, que
eles morreram de rir juntos, e ainda complementa com um “seu conto é só um textinho de internet
que ninguém lê mesmo” não é um cara gentil, concorda?
-Concordo.
-E você tá acostumada a ser bem tratada, né, querida?
-A pão-de-ló...
-Então, babou, né?
-...
-C’est fini, it’s over, that’s it!
-...
-Concorda que essa história já deu o que tinha que dar?
-...
-Chora não, honey! Imagina um cara desse depois do almoço de domingo, que horror que não ia
ser! Deve ser do tipo que olha pros peitos das amigas na frente da mulher, que esquece aniversário
de casamento, que pensa que flor é frescura, essas coisas.
-Sinistro...
-Já tô até vendo a cena: você fugindo pro CCBB, pra primeira mostra de artes plásticas, pra
esquecer que tem marido. Ia passar a vida tentando fingir que domingos não existem! Um inferno!
Não combina contigo isso, sinceramente! Você é uma mulher foda, não é pra qualquer detalhista
que se esquece da gentileza, cruzes!

A ofendida enxuga as lágrimas, respira fundo e, enquanto pega o colírio na bolsa, cai em si:

-Nossa, que bom ouvir essas coisas, nega, brigada!


-É pra isso que existem as amigas, porque elas podem ver de fora. E de fora a vista é bem menos
embaçada...
-A gente fica meio idiota quando tá a fim de alguém, né?
-Comigo também rola isso, de volta e meia ficar desse jeito que você tá aí, toda me sentindo meio
boçal de ter dado corda prum figura tão merda quanto esse carinha.

E assim, como quem está de férias no Maranhão tomando sorvete de graviola, as amigas
espremeram aquele episódio até a última gota, pois sabiam que somente dessa forma poderiam se
ajudar na imensa dificuldade que é lidar com os próprios sentimentos, emoções, hormônios e todo
tipo de substância ou presença que nos modifique a respiração e que nos deixe prontas para
transgredir em paz.

E, em se tratando de babacas, a melhor coisa a fazer é sair de cena sem alarde, como quem diz que
vai ao toalete e não volta pro final do espetáculo.

Porque circo de horrores é só pra quem tem estômago de avestruz.

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