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PORTAS ABERTAS 1

INTRODUÇÃO
“Por que Deus permite que uma parte da igreja seja perseguida?” A
pergunta foi feita em um seminário recentemente e alguém respondeu:
“Para que a outra parte da igreja se lembre de como é o verdadeiro
cristianismo”.
Nessa situação, existe uma verdade importante e talvez não explo-
rada. Cristãos perseguidos são um modelo importante para a revitali-
zação da fé de cristãos, principalmente do mundo ocidental. A fé deles
pode literalmente mudar a nossa.
Apesar de perseguidos, esses cristãos oram, conhecem a Deus, a Bí-
blia e muitos aspectos do discipulado. Sendo assim, servi-los enviando
recursos não é a única forma de nos relacionarmos com eles. Temos a
responsabilidade de ouvi-los e aprender com eles. E, talvez, um en-
contro com a Igreja Perseguida seja essencial para vivermos uma vida
cristã equilibrada no Ocidente.
O pastor de uma mega igreja retornou de uma visita à China em
2002 dizendo: “Nunca mais assumirei que o que minha cultura cristã
me ensinou era verdade, que a paz e a riqueza pessoal são iguais ao fa-

2 PORTAS ABERTAS
A fé e os testemunhos dos cristãos que vivem em países onde há perseguição
podem nos ensinar a viver um cristianismo mais verdadeiro, como no Sri
Lanka, onde o principal tipo de perseguição é o nacionalismo religioso

vor de Deus, porque vi grandes santos em constante problema e grande


pobreza, mas Deus está com eles”.
Claro, nem todos os cristãos perseguidos vivem o modelo de vida
cristã. Alguns, em sua ignorância, vão a extremos. Alguns atraem o
martírio com zelo inadequado. Alguns cedem e deixam de testemunhar
o poder do evangelho. Eles têm muito a aprender com os cristãos oci-
dentais, assim como temos muito a aprender com eles. No entanto, com
discernimento, há muito que podemos incorporar à nossa vida espiritu-
al a partir de um encontro com a Igreja Perseguida.
Os devocionais a seguir mostram a importância de conhecer a Igreja
Perseguida para a fé de um cristão ocidental. Às vezes, as questões são
profundas. Às vezes, apenas pessoais. Mas elas mostram claramente
que ministrar aos cristãos perseguidos é uma via de mão dupla. Tanto
eles têm a nos ensinar quanto nós a eles.
Essa é uma das formas com que você pode se envolver com a Portas
Abertas. Afinal, não nos contentamos em pedir a cristãos ocidentais que
ajudem os perseguidos. Desejamos mostrar que o encontro com eles é vital.

PORTAS ABERTAS 3
SUMÁRIO
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
1. … porque eles me lembram 8. ... porque eles me impedem de
que Deus não constrói seu reino tornar Deus “seguro”.
em minhas realizações, mas em
meus sacrifícios. 9. ... para lembrar que o livramen-
to vem por meio da resistência.
2. … porque me estimulam a
apreciar o privilégio do culto con- 10. ... porque eles mostram que
gregacional e me impedem de não é preciso ser perfeito para
reclamar tanto da igreja. fazer a vontade de Deus.

3. … porque me desafiam a perce- 11. … porque eles me lembram


ber minha dívida com o heroísmo a necessidade de cantar para o
de meus ancestrais espirituais. meu espírito.

4. ... porque ganho esperança 12. ... porque eles ajudam a man-
quando tudo que leio no jornal ter minha fé simples.
são más notícias.
13. ... porque eles me ajudam a
5. ... para perceber que a luta pela amar o mistério.
liberdade religiosa nunca é venci-
da, mesmo em meu país. 14. … porque eles me ajudam a lem-
brar que estou sempre em uma luta.
6. ... porque me ajudam a inter-
pretar melhor a Bíblia. 15. ... porque eles mostram que a
vontade de Deus sempre é feita,
7. ... porque eles me ajudam a pois ele transforma obstáculos
vencer o medo da morte. em instrumentos.

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1
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
lembram que Deus
não constrói seu
reino em minhas
realizações, mas
em meus sacrifícios.
No Nepal, os cristãos
perseguidos também são
pedras vivas no reino eterno.
Ao entregarem suas vidas para
Jesus, passam a viver o propósito
para o qual foram criados

PORTAS ABERTAS 5
“Vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de
uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios
espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo.”
1PEDRO 2.5

Eu morava em Los Angeles, onde estava sempre estressado me per-


guntando: “Será que estou cumprindo meu potencial?”. Em todo lugar,
estava cercado por propagandas dizendo que não ganhava o suficiente
e precisava de uma “mudança de atitude”. Eu me preocupava se deve-
ria fazer mais cursos na busca ilusória por sucesso. Todos os meus ami-
gos eram atores e atrizes desesperados para atrair a atenção de algum
produtor de cinema e trabalhavam em empregos de meio período na
esperança de algum dia serem descobertos. Eu fiquei bastante depri-
mido; enquanto outros prosperavam, eu parecia estagnado em minha
carreira. Em outras palavras, sempre me senti incompleto e insatisfeito.
Mas o objetivo da minha vida é realmente maximizar meu poten-
cial? Uma visita aos cristãos perseguidos logo me curou dessa ideia.
Esse fato fica claro - realizar o potencial de alguém não pode ser o obje-
tivo da vida - porque poucos realmente têm a oportunidade de fazê-lo!
Veja os milhões de cristãos em igrejas domésticas na China. Todos
vivem vidas nas quais não têm escolhas. Por causa do cristianismo,
muitos têm o acesso à educação negado ou são impedidos de desen-
volver carreiras promissoras. Sentei-me em uma igreja doméstica de
70 camponeses e me perguntei: “Quantos grandes cientistas, violi-
nistas ou filósofos estariam aqui, mas eles e o mundo nunca saberão,
porque não tiveram a chance de estudar, aprender álgebra ou ter um
instrumento musical?”. Deus realmente criaria um mundo onde ape-
nas uma minoria minúscula cumpriria o propósito da vida e condena-
ria o resto a uma vida de frustração?
Ao estudar a primeira carta de Pedro naquela noite, de repente,
tive uma visão ao ler o capítulo 2, versículo 5: “Vocês também estão
sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espi-

6 PORTAS ABERTAS
ritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais
aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo”. Fiquei surpreso. Deus
torna cada vida que lhe é entregue em uma pedra viva na construção
de seu templo. É por isso que estamos vivos. Esse é o objetivo de tudo.
Todos fomos feitos para nos tornarmos uma pedra no templo espiri-
tual, no reino eterno. E todo mundo tem a oportunidade de se tornar
uma “pedra viva” ao entregar a vida a ele. Somos sacerdotes porque
oferecemos um sacrifício. Esse é o único sacrifício que podemos fazer:
nossa vida. E assim encontramos o propósito para o qual Deus criou
o mundo, construir um reino de adoradores para si. Ninguém fica
incompleto ou insatisfeito, porque Deus constrói seu reino em nossos
sacrifícios, não em nossas realizações.
Somos sacerdotes que sacrificam a própria vida a fim de nos
tornarmos pedras vivas. Poucos têm a oportunidade de alcançar seus
objetivos, mas todos podemos dar a vida em sacrifício a Jesus. E que
igualdade maravilhosa. Todos os membros daquela igreja doméstica,
por mais desinformados, pobres ou não realizados profissionalmente,
eram pedras vivas no reino. Billy Graham era uma pedra viva. Martin
Luther King era uma pedra viva. Mas eu também sou uma pedra viva.
Aquele senhor na igreja doméstica, cujas costas estavam curvadas
devido a uma vida nos arrozais, é uma pedra viva. A mulher cujo
bebê foi levado durante a Revolução Cultural por ser cristã também é
uma pedra viva. Ninguém desperdiça a vida dada a Jesus. Eles fazem
parte de uma estrutura eterna, o reino de Deus, e se regozijarão para
sempre nessa condição.
É claro que ainda me questiono de vez em quando se estou apro-
veitando ao máximo meus dons. Mas não estou mais tão estressado.
Deus me fez uma pedra viva e não preciso me preocupar. Mesmo se
tivesse conquistas, logo elas seriam esquecidas. Graças a Deus, ele
aceita nossos sacrifícios, porque assim todos serão satisfeitos e não
apenas os poucos que alcançam realização. Confie, porque Deus inclui
todos. Não há testes ou posições no reino de Deus. A Igreja Perseguida
me ensinou isso.

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EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
estimulam a apreciar
o privilégio do culto
congregacional e
me impedem de
reclamar tanto
da igreja
No Laos, assim como em muitos
países onde há perseguição,
a única forma de cristãos se
reunirem para adorar a Deus é
por meio de igrejas domésticas

8 PORTAS ABERTAS
“Aleluia! Cantem ao Senhor uma nova canção,
louvem-no na assembléia dos fiéis.”
SALMOS 149.1

É tão fácil se cansar da igreja. Durante anos, tirei pouquíssimo proveito


dela. Os sermões eram chatos, a música embaraçosa e a comunhão inexis-
tente. Toda a experiência de adorar com outras pessoas parecia obsoleta e
sem sentido. Não estou exagerando na amargura. Ir à igreja em meu país
era um teste de resistência. Até eu visitar uma Igreja Perseguida.
Havia cinquenta pessoas espremidas em uma sala no segundo an-
dar. O canto era abafado. Os vizinhos eram hostis à congregação. Então
um pregador se levantou, um homem velho e magro. Ele mal falou
uma frase, caiu em prantos e disse: “Nunca pensei que teria o privilégio
de pregar novamente”. Então ria, depois chorava de novo, em meio a
gemidos e soluços. Logo todos estavam chorando, exceto eu. Isso durou
cerca de meia hora e comecei a me cansar de tudo. Ele continuou falan-
do e meu tradutor dizia: “É o mesmo verso. É o mesmo verso”. Tudo o
que o homem fez foi repetir a mesma frase das Escrituras, irromper em
lágrimas, rir e depois falar novamente a mesma frase. Pensei comigo:
“Que tipo de culto inútil é este?”.
Mas depois conheci aquele senhor e, quando ouvi sua história, me
arrependi de minha atitude. Ele era um pregador, ordenado no final
dos anos 1950, na China. Ele pastoreou uma igreja por apenas seis me-
ses antes de ser fechada. Foi preso e passou 20 anos na prisão. Depois
que saiu, ficou muito doente por um longo período, mas finalmente, aos
77 anos, teve forças para falar novamente.
Eu testemunhei seu primeiro sermão em 31 anos. Não foi à toa que
ele desabou. Tentei imaginar como deve ter sido guardar a palavra de
Deus por 31 anos, sem saber se pregaria novamente. Então, de repente,
pôde fazê-lo. Como você prega um sermão depois de 31 anos de silêncio?
Não foi à toa que ele se comoveu.

PORTAS ABERTAS 9
Ele disse: “Eu nunca pensei que teria o privilégio de pregar a pala-
vra a um grupo de cristãos reunidos com Bíblias abertas novamente.
Depois dos anos na prisão, pensei que não teria essa experiência nova-
mente. E quando aconteceu, como você viu, tudo o que consegui fazer
foi compartilhar o verso que me fez continuar: “Louvem-no na assem-
bléia dos fiéis” (Salmos 149.1b).
Voltei para casa e para minha igreja com uma atitude transformada.
Passei a caminhar para a igreja com minha Bíblia, louvando a Deus pela
liberdade. Fui cedo à igreja, andando pelos corredores e orando, agra-
decendo a Deus pelo edifício e pela liberdade de prestar culto. Quando
o pregador falou, agradeci a Deus por ele não ter medo. Quando a Bíblia
foi lida, agradeci a Deus pelos homens que se arriscaram no passado
para imprimir e distribuir a palavra em meu idioma. Quando cantamos
um hino, cantei alto, agradecendo a Deus por não precisar sussurrar.
Verdadeiramente, que privilégio é o culto congregacional. Parei de
reclamar sobre como a experiência era ruim e me alegrei com o grande
privilégio de poder me reunir sem medo. A Igreja Perseguida me res-
gatou da amargura e me ensinou a contar as bênçãos, especialmente as
que eu tinha como garantidas.

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EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
desafiam a perceber
minha dívida com o
heroísmo de meus
ancestrais espirituais.

Homens e mulheres precisam se


arriscar para levar Bíblias a nações
onde o evangelho não é bem-
-vindo, como no Sudão, onde é
oferecido treinamento bíblico para
os jovens cristãos

PORTAS ABERTAS 11
“O mundo não era digno deles.”
HEBREUS 11.38

Era início dos anos 1980 e eu dei ao pastor da igreja rural, em uma
vila na Tchecoslováquia, uma Bíblia na língua local. Tinha capa de cou-
ro, um zíper dourado e era a primeira Bíblia completa que ele possuía.
Lembro-me dele maravilhado com o cheiro de couro, brincando com o
zíper e quase com medo de tocar as páginas finas e preciosas. Então ele
começou a conversar com os membros da igreja.
Apontando para mim, disse: “Este cavalheiro é seu herói ancestral
espiritual. Toda vez que a Bíblia entra em uma cultura, existe ameaça e
oposição. Portanto, homens e mulheres precisam se arriscar para que
ela chegue até nós. Este homem assumiu o risco”. Fiquei envergonhado,
mas ele continuou: “A Bíblia também entrou em sua cultura e foi uma
ameaça. Diga-me, quem são seus heróis ancestrais espirituais?”. Tenho
vergonha em dizer que não tinha uma ideia clara de quem eram esses
homens em meu país, no Reino Unido. Lembrei-me vagamente dos
nomes de John Wycliffe e William Tyndale, mas não recordava os de-
talhes. Então, voltei ao meu país com o desafio dele ecoando em meus
ouvidos: descubra a história de como a Bíblia chegou até você e conhe-
cerá seus heróis ancestrais espirituais.
Que história dramática descobri, cheia de espiões, mortes e poder
político. Aqui não é o lugar para me aprofundar sobre isso, mas aprendi
muito sobre John Wycliffe, o primeiro homem a traduzir a Bíblia para
o inglês nos anos 1300, quando a maioria dos clérigos não conseguia se-
quer recitar os 10 mandamentos. Ele formou um grupo de pregadores
para sair pelo país, com cópias da Bíblia, espalhando a palavra de Deus.
A maioria deles foi preso e a Bíblia banida pelo Parlamento. Wycliffe
morreu de acidente vascular cerebral por conta da tensão. Mesmo
após sua morte, não foi deixado sozinho. Em 1428, seus ossos foram
desenterrados e, com o Primaz da Inglaterra olhando, as cinzas foram

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espalhadas de uma ponte sobre o rio Swift, afluente do rio Avon. Com
isso, uma profecia surgiu:

“O Avon leva ao Severn


O Severn para o mar
E as cinzas de Wycliffe se espalham
pelo mundo inteiro como as águas”.

Isso se tornou realidade em 1500 por meio de William Tyndale, que


se beneficiou com a invenção da prensa de impressão. Ele disse a um
clérigo que tentava dissuadi-lo da tarefa da tradução: “Daqui a muitos
anos, farei com que o garoto que dirige o arado conheça mais a Bíblia
do que você”.
Para isso, ele precisou deixar a Inglaterra e nunca mais voltar. Com
apenas 29 anos, em 1524, se estabeleceu em Colônia e, em 1526, estava
pronto para contrabandear 6 mil cópias da Bíblia em inglês para a Grã-
-Bretanha. Toda a frota naval britânica foi alertada e os barcos parados
e revistados. Primeiro, dezenas, e depois, centenas de Bíblias consegui-
ram passar. Então o bispo de Londres tentou outra tática, comprar toda
a tiragem por meio de um intermediário com a intenção de queimá-la.
Tyndale soube do plano e aprovou a venda dizendo: “Ele as queimará.
Bem, eu sou mais feliz, porque receberei o dinheiro e o mundo inteiro
clamará pela queima da palavra de Deus”. E assim foi. O bispo as quei-
mou e Tyndale usou o dinheiro para melhorar a tradução e imprimir
ainda mais exemplares às custas da igreja.
O trabalho de Tyndale formou 85% da Bíblia King James. “O barulho
da nova Bíblia ecoou por todo o país”, disse Tyndale. Ela era do tama-
nho de um bolso, fácil de esconder e, portanto, se espalhou por todos
os lugares. Nomes de peso teológico da igreja protestaram contra ela.
Thomas More desdenhou dela porque “colocava o fogo das Escrituras
na linguagem dos garotos dos arados”. Em agosto de 1536, Tyndale foi
capturado por assassinos, estrangulado e queimado por heresia. Suas
últimas palavras foram: “Senhor, abra os olhos do rei da Inglaterra”.
Essa oração foi rapidamente respondida com a Reforma Inglesa, ali-
mentada por uma série de traduções. A Bíblia de Coverdale, traduzida

PORTAS ABERTAS 13
a partir de uma Bíblia alemã, em 1535, foi a primeira Bíblia legalizada.
Em 1537, a Bíblia de Mateus foi publicada, uma mistura das versões de
Tyndale e Coverdale. Em 1539, veio a Grande Bíblia, colocada em todas
as igrejas. Foram três Bíblias em seis anos. Eram tantas versões que o
rei James precisou autorizar um padrão especial, em 1611.
Que história é essa? E que heroísmo dos meus ancestrais espirituais.
Contei a um amigo coreano sobre a experiência e ele voltou à Coreia do
Sul para descobrir como a Bíblia entrou em sua cultura. Ficou surpreso
ao encontrar a história de um missionário galês na China, R.J. Thomas,
que teve a responsabilidade de fazer os coreanos conhecerem o Se-
nhor. Naquela época, ninguém podia visitar a Coreia, por ser um reino
eremita. Mas Thomas juntou-se a um navio americano, o SS General
Sherman, que fazia uma passagem exploratória para ver se os Estados
Unidos negociariam com a Coreia. A viagem foi um desastre. O navio
foi atacado e a tripulação e passageiros golpeados até a morte enquanto
tentavam chegar à praia. Thomas foi morto, mas o homem que o es-
pancou até a morte sentiu que havia matado um homem bom, porque
ele não lutou com uma espada nas mãos, mas com livros. O assassino
pegou os livros e secou-os, mas não conseguiu ler, pois estavam em
chinês. Como o papel era caro, colou-os no exterior de sua casa. Logo,
muitos estudiosos de longe chegaram, investigando o texto e lendo as
paredes. Um deles se tornou cristão e, após uma geração, seu filho tra-
duziu o Novo Testamento para o coreano. Outro herói ancestral.
Assim, os cristãos perseguidos me incentivaram a me reconectar
e respeitar ainda mais meus ancestrais espirituais. Quando os es-
quecemos, a responsabilidade é nossa. Como quando o arcebispo de
Canterbury, George Carey, visitou a China, em 1994, e repreendeu os
contrabandistas da Bíblia, chamando-os de “criadores de problemas”.
Ao voltar para o Reino Unido, a imprensa informou que ele fizera os
comentários no 400º aniversário do nascimento de William Tyndale.
Após isso, ele teve o cuidado de não cometer o mesmo erro novamen-
te durante o mandato como arcebispo. O mundo ainda precisa de
pessoas como Tyndale. Talvez você e eu sejamos chamados para esse
ministério tão ilustre.

14 PORTAS ABERTAS
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EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque ganho
esperança quando
tudo que leio no jornal
são más notícias.

Os cristãos perseguidos parecem


perceber melhor o agir de Deus
em meio à história real e, por conta
disso, mantêm a esperança no
Senhor. Esse é o caso de Michelle,
esposa do pastor da Igreja Sião,
uma das três atingidas no ataque
de Páscoa no Sri Lanka, em 2019

PORTAS ABERTAS 15
“E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom
propósito que ele estabeleceu em Cristo.”
EFÉSIOS 1.9

Não seria maravilhoso ter uma ideia do que Deus realmente está
fazendo neste mundo? De uma coisa podemos ter certeza: a história
do mundo, como encontramos nos jornais e livros de história, não deve
ser confundida com a verdadeira história do que Deus está fazendo no
secreto. Alguém disse uma vez que a história é “a história dele”. Mas
isso não faz sentido. As duas não são a mesma coisa? Ou então por que
Cristo descreveria o crescimento do reino como um “segredo”? No ocul-
to do que lemos o tempo todo e chamamos de história - as extravagân-
cias das celebridades, as descobertas dos cientistas e o poder político
dos impérios dominantes - Deus está, de alguma forma e em algum
lugar, construindo seu reino. Essa é a verdadeira razão pela qual o
universo existe.
Mas qual é a história de Deus? O que ele realmente está fazendo? A
quantidade de guerras, assassinatos e desordens registrada no jornal
sempre me deprime. Posso ter certeza de que algo está acontecendo
além disso? Bem, não sabemos perfeitamente como os seus caminhos
são mais altos do que os nossos (Isaías 55.9), mas temos vislumbres.
Esse vislumbre realmente entusiasmou os primeiros cristãos. Você pode
ouvir o prazer de Paulo quando ele escreve: “E nos revelou o mistério
da sua vontade” (Efésios 1.9). Os cristãos perseguidos parecem ter mais
vislumbres que a maioria.
Eu penso na China. As manchetes dizem que em junho de 1989 ocor-
reu um terrível massacre. Cinco mil jovens foram mortos pelo exército
chinês. Todas as manchetes lamentavam a morte do movimento pró-
-democracia. Foi terrível, mas o que Deus estava fazendo? O massacre
resultou em uma virada marcante para Cristo entre os estudantes na
China, pela primeira vez na história. As manchetes nunca viram isso.
Não fez parte da história, mas “a história dele” continuou.

16 PORTAS ABERTAS
Eu penso no Afeganistão. Quando a União Soviética invadiu o país,
em 1980, o mundo ficou indignado. As manchetes estavam cheias de
denúncias da ação, com razão. Mas lembro-me de encontrar um missio-
nário de Cabul que disse: “Sim, o que os russos fizeram foi errado, mas
o fato é que agora é muito mais fácil cristãos evangelizarem do que
antes, no regime islâmico”. Novamente, outra história significativa de
Deus construindo seu reino sem ser detectado pelo mundo em geral.
Eu penso no Sudão. As manchetes dos anos 1980 estavam cheias de
uma terrível guerra civil que isolou o povo dinka do mundo exterior. Foi
terrível. Houve um sofrimento incalculável em grande escala. Mas no
secreto, Deus trazia 2 milhões de dinkas para si. Em 1993, 80% deles eram
cristãos e isso em uma tribo historicamente muito resistente ao evangelho.
Observe que todas são histórias de cristãos perseguidos. Eles pare-
cem estar melhor posicionados para perceber a história real. E, portan-
to, preciso manter contato com eles porque esse vislumbre me liberta
do desespero. Em 1989, na China, não houve apenas um massacre,
mas um reavivamento. Em 1980, no Afeganistão, não houve apenas
uma ocupação, mas novas oportunidades missionárias. No Sudão, nos
últimos vinte anos, não houve apenas uma guerra brutal que matou 2
milhões de pessoas, mas um novo reino de cristãos erguido entre um
povo que nunca conheceu Jesus antes.
Assim, todos os dias, quando abro meu jornal, lembro-me de duas
coisas, graças aos cristãos perseguidos: que a história que vejo não
deve ser confundida com a história do reino; e que, mesmo nas notícias
mais tristes, Deus certamente está tramando algo bom. Há esperança,
porque Deus está sempre trabalhando.

PORTAS ABERTAS 17
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EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… para perceber que
a luta pela liberdade
religiosa nunca é
vencida, mesmo em
meu país.

Em diversos países, como o


Sri Lanka, cristãos e igrejas
são atacados abertamente
por causa da fé em Jesus

18 PORTAS ABERTAS
“De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos
perplexos, mas não desesperados.”
2CORÍNTIOS 4.8

Quando meu avião pousou após uma viagem ao Oriente Médio, dei
um grande suspiro de alívio. Eu estava de volta onde não precisava me
vigiar, nem tomar cuidado com o que dizia ou aonde ia. Eu estava de
volta a um país com liberdade religiosa e orei a Deus: “Obrigado pelos
homens e mulheres que lutaram para me trazer essa liberdade. Graças
a Deus eles venceram”.
Então, três incidentes seguidos me fizeram repensar. Eu estava em
uma exposição de arte e vi uma pintura intitulada “Homem assustado a
cavalo”. Procurei o artista e perguntei: “Era o apóstolo Paulo na estrada
de Damasco que você estava representando?”. Pensei que ele ficaria
satisfeito por ter descoberto, mas ele parecia horrorizado. Olhando em
volta, ele sussurrou: “Pelo amor de Deus, fique quieto. Você quer que eu
seja rotulado como artista religioso? Eu nunca venderia outra pintura
se isso acontecesse”.
Depois, estava conversando com um líder cristão de uma grande
igreja em minha cidade. A igreja havia acabado de receber uma gran-
de quantia em dinheiro do Estado para a reforma de um salão. Então,
ele disse casualmente: “Bem, tivemos que assinar um acordo de que
a igreja estaria disponível para todos, de qualquer religião, e que não
tentaríamos converter ninguém. Mas ficamos felizes em fazer isso. Só
queremos ser um recurso comunitário”.
Por fim, na mesma semana, assisti a uma entrevista com o então
primeiro-ministro britânico, Tony Blair. O entrevistador, David Frost,
lançou casualmente a questão ao final de uma discussão sobre política
relacionada ao Iraque: “Você ora com o presidente Bush?”. Blair, supos-
tamente um cristão devoto, piscou e disse: “O que você quer dizer com
orar?”. Frost respondeu: “Você sabe, orar a Deus, como cristãos fazem”.

PORTAS ABERTAS 19
Obviamente, calculando que as avaliações a seu respeito cairiam se ad-
mitisse que orava, Blair disse brevemente: “O presidente Bush trabalha
pela paz em seu caminho e eu trabalho pela paz em meu caminho”.
De repente, percebi que precisava lutar pela liberdade religiosa em
meu próprio país. Eu pensava que, por ter certas leis de tolerância em
vigor, estava seguro. Mas não. Ficou claro pelo artista e pelo primeiro-
-ministro que admitir a fé cristã em um contexto público era suicídio
profissional. Como a minha sociedade, de repente, ficou tão preconcei-
tuosa? E olhe para o líder cristão alegremente desistindo do direito de
evangelizar, sem pensar no custo a longo prazo. Quem estava pedindo
para ele se abster de evangelizar? E como podia estar tão inconsciente
da liberdade que acabara de abandonar?
Foi uma cristã perseguida na Palestina que me abriu os olhos para
ver que a liberdade religiosa sempre precisa ser protegida, onde quer
que esteja. Ela disse: “A liberdade é frágil. Liberdade religiosa não
é ter certas leis para proteger a crença, isso é um mito exposto pela
comunidade de direitos humanos. Ela não é protegida por leis, mas
por um clima de respeito e abertura. Isso garante que as leis sejam
aplicadas corretamente. Uma lei de tolerância, por exemplo, pode ser
usada a favor ou contra cristãos. Os cristãos sempre precisam lutar
para garantir um clima tolerante. Não me importa em que estado você
vive, você também vive em uma cultura que odeia a Cristo. Essa é a
luta de todo cristão, independentemente de pertencer a uma socieda-
de cristã ou não”.
Ela estava certa. O clima de preconceito contra cristãos aumentou
disfarçadamente nas culturas ocidentais, mesmo nas, aparentemente,
cristãs. Estamos em uma batalha em nosso próprio quintal. Agradeço à
Igreja Perseguida por me despertar para a luta.

20 PORTAS ABERTAS
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EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
ajudam a interpretar
melhor a Bíblia.

Cristãos sudaneses participam de


treinamento bíblico para professores.
A visão dos cristãos perseguidos sobre
a Bíblia nos permite entender de forma
diferente o que as Escrituras realmente
querem dizer

PORTAS ABERTAS 21
“A explicação das tuas palavras ilumina e
dá discernimento aos inexperientes.”
SALMOS 119.130

“A Bíblia não é um livro fácil de interpretar, caso contrário, por que


teríamos travado tantas guerras por causa do significado dela?”, disse
meu professor do Novo Testamento. Também lembro do meu professor
de história da igreja balançando a cabeça e dizendo com tristeza: “Um
dos aspectos mais tristes da história da igreja é que foi por causa da
doutrina da Santa Ceia que os cristãos mais derramaram sangue”.
Todo pastor sabe que é difícil entender o significado das Escrituras.
Eles trabalham para aprender idiomas, buscar concordâncias e consul-
tar comentários, tudo na esperança de esclarecer melhor as principais
questões de interpretação, como quem escreveu o texto e o que quis
dizer com isso. Além de: qual a opinião de quem o leu inicialmente?
Toda boa interpretação começa com ferramentas que respondem a
essas perguntas principais. Somos ensinados que as ferramentas estão
no campo do estudo erudito e a maioria dos pastores leva seus estudos
e bibliotecas dessa maneira.
Mas há outra ferramenta essencialmente negligenciada que oferece
uma chave para o significado das Escrituras: a Igreja Perseguida!
Hoje, ela representa o mais perto que podemos chegar dos escrito-
res e leitores originais das Escrituras. Veja bem, a maior parte da Bíblia
foi escrita por pessoas perseguidas e para pessoas perseguidas. Ao inte-
ragir com elas, obtemos informações únicas sobre o significado original
das Escrituras. Nós realmente precisamos da ajuda delas, porque o que
é óbvio para elas não é para nós. Moramos em um universo completa-
mente diferente. Precisamos que os cristãos perseguidos nos lembrem
como era a vida na comunidade original do Novo Testamento.
Existem três características principais que os cristãos persegui-
dos de hoje compartilham com a igreja bíblica e sobre os quais não
sabemos nada.

22 PORTAS ABERTAS
1. Cristãos perseguidos não têm futuro. Ter futuro é um luxo que a
maioria dos cristãos perseguidos não desfruta, seja no período bíblico
ou atualmente. Eles não têm o longo prazo. O que leem e usam é apenas
para o momento. Eles precisam ouvir Deus com urgência porque no dia
seguinte sua vida pode ser tirada. Além disso, vivem e agem sem levar
em consideração as consequências. O quanto é diferente para nós, que
exigimos tantas ministrações sobre como viver no mundo a longo pra-
zo? Essa era uma questão que não interessava ao cristão bíblico.
2. Cristãos perseguidos não têm participação na sociedade. Vivemos
em um mundo onde a igreja era, e em alguns casos ainda é, privilegia-
da; onde a linguagem e os conceitos cristãos moldaram a história, e
onde cristãos ocupam cargos altos. Estamos confortáveis, bem conecta-
dos e prósperos. Mas os cristãos perseguidos bíblicos estavam sempre
de fora da estrutura de poder. Pedro os chamou de “estranhos e estran-
geiros”. A palavra de Deus é escrita para pessoas impotentes.
3. Cristãos perseguidos vivem em sociedades dominadas por rituais
religiosos. É isso que causa problemas para eles, não adorarem o “impe-
rador”. Mesmo em sociedades ateístas, os cristãos perseguidos estão em
conflito porque não adoram os deuses da época, sejam eles Mao, Lenin
ou Castro. Nós, por outro lado, vivemos em um mundo onde o papel
da religião foi proposto à esfera privada. Não somos obrigados, como
nossos irmãos bíblicos perseguidos, a prestar juramentos de fidelidade
e lealdade a outros deuses, seja do Estado ou não.
Dessa forma, os cristãos perseguidos nos permitem recuperar a “vi-
são original” dos primeiros escritores e leitores das Escrituras, isso faz
toda a diferença para uma interpretação correta ou incorreta.
Lembro de um querido pastor do Ocidente pregando sobre Jesus
acalmando a tempestade (Marcos 4.35-41). Toda a conversa foi sobre
como Jesus ainda podia aquietar as tempestades em nossas vidas. Ele
nomeou tempestades como solidão, mal-entendidos, humilhação e per-
seguição. E ele disse: “Jesus pode livrá-lo de todas essas tempestades,
assim como fez com os discípulos da Antiguidade”. Ele estava prestes
a continuar quando um senhor se levantou. Ele era de um país do
Oriente Médio e havia sofrido muito. Disse de forma gentil e respeitosa:
“Meu querido irmão, se você fosse perseguido, conheceria o significado

PORTAS ABERTAS 23
primário dessa passagem. O ponto desta história não é que Jesus afas-
ta a tempestade, mas que não há necessidade de temer a tempestade
se Jesus está no barco”. Todos o olharam em silêncio. Ele acrescentou:
“Essa passagem é dada para nosso conforto diante de tempestades ter-
ríveis, para saber que Jesus está conosco no barco e que a tempestade
não nos fará mal”.
Muitos não gostaram da interrupção. Mas alguns anos depois, no
seminário, estudando a passagem, vi o valor daquela percepção. O
evangelho de Marcos não foi escrito para cristãos que estavam sendo
libertados, mas para confortar os que estavam morrendo. Foi escrito
para cristãos perseguidos em Roma, que eram martirizados às centenas
sob o comando de Nero. Como eles interpretariam a passagem? Certa-
mente, não que seriam libertos da boca do leão. Afinal, eles não foram,
morreram nas arenas. Apesar disso, a passagem teria falado com eles,
pois ainda assim saberiam que, com Jesus, a tempestade não lhes faria
mal. Até a própria passagem deixa isso claro. Jesus está surpreso por-
que os discípulos têm pouca fé. Eles simplesmente não percebem quem
ele é. Se percebessem, não teriam medo da tempestade.
Então, aquele cristão, porque foi perseguido, sabia o significado da
passagem melhor do que o pregador, pois foi para ele que a passagem
foi escrita. Sendo assim, temos uma oportunidade fantástica. À medida
que interagimos com os cristãos perseguidos, a Bíblia se torna mais cla-
ra. Eles nos permitem ver de forma diferente as Escrituras que foram
originalmente escritas mais para pessoas como eles do que como nós.
Obviamente, os cristãos perseguidos não são uma ferramenta
infalível para entender as Escrituras. Ainda precisamos de estudiosos,
análises e enciclopédias. Mas não negligencie a ajuda deles na interpre-
tação do texto sagrado, pois, muito mais do que nós, eles estão ligados
ao mundo dos ancestrais bíblicos.

24 PORTAS ABERTAS
7
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
ajudam a vencer o
medo da morte.

Cristãos na Nigéria são


expostos à morte diariamente
por meio de ataques de
grupos radicais islâmicos,
como o Boko Haram

PORTAS ABERTAS 25
“Aqueles que andam retamente entrarão na paz;
acharão descanso na morte.”
ISAÍAS 57.2

Existe um livro famoso chamado “A Negação da Morte”, de Ernest Be-


cker. Ele argumenta que todo o mundo ocidental é na verdade um playground
gigantesco para nos distrair de enfrentar o fato que todos vamos morrer.
Pensar na morte é praticamente proibido. A preparação para isso é vista
como mórbida. Providenciamos que idosos morram fora da vista em asilos
e hospitais. Nosso entretenimento nunca menciona isso e grandes empresas
multinacionais se dedicam à produção de produtos que prometem manter
longe os efeitos do envelhecimento, de cremes antirrugas à cirurgia plástica.
As pessoas modernas pensam que não há tragédia maior no mundo
moderno do que morrer antes de envelhecer. Quando a Princesa Diana
morreu, em 1997, lembro das minhas amigas resmungando descrentes:
“Como ela pode morrer aos 36 anos de idade? Ninguém deve morrer aos
36”. Inevitavelmente, quando estamos com muito medo de enfrentar a
morte, acabamos escravos dele. Até cristãos podem mostrar o mesmo
medo que os outros. Mas um encontro com os cristãos perseguidos pode
ajudar a diminuir o sentimento de pavor.
Ao longo de 20 anos falando sobre a Igreja Perseguida, entrevistei
centenas de cristãos que pensavam que morreriam pela fé. Todos, e eu re-
almente quero dizer todos, mostraram duas características surpreendentes.
1. Eles experimentaram paz e alegria indescritíveis em meio à dor,
quando sentiram a morte se aproximar.
2. Ficaram tão surpresos quanto qualquer um por não terem medo da
morte na época.
Veja o pastor You Yong, sequestrado por extremistas islâmicos em sua
igreja nos arredores de Madiun, centro de Java, Indonésia, em dezembro
de 2001. Furiosos porque a igreja estava cheia de muçulmanos converti-
dos, os extremistas o encheram de perguntas, provocando-o para que os
atacasse. Eles bateram no pastor e finalmente colocaram um facão com-

26 PORTAS ABERTAS
prido na garganta dele. Ele presumiu que morreria. Mas o que aconteceu
dentro do pastor Yong foi mais profundo que toda a dor ou medo. “Fiquei
surpreso porque, ao longo da provação, senti uma paz incrível. Também
fiquei impressionado com as respostas que dei a eles. O versículo de Mateus
10.19, que diz: ‘Mas quando os prenderem, não se preocupem quanto ao que
dizer, ou como dizer. Naquela hora lhes será dado o que dizer’, se tornou
realidade. Quanto mais tentavam me provocar, mais paz sentia.”
Lembro-me também de um pastor da União Soviética, que viu o filho ser
espancado até a morte pela KGB diante de seus olhos, porque se recusou
a revelar a localização da prensa de impressão clandestina que tinha. Era
mais do que um pai podia suportar. Ele observou o espancamento ficar
mais brutal, ouvindo os ossos do filho se partirem. Ele disse: “Pensei que eles
parariam, mas continuaram. Senti os golpes como se fossem em mim e, quan-
do finalmente percebi que pretendiam espancá-lo até a morte, disse: ‘Pare,
poupem meu filho, vou contar tudo’. Mas, pouco antes de falar, meu filho
gritou: ‘Não conte nada a eles, pai. Eu posso ver Jesus chegando e ele é lindo’”.
O pai disse, anos depois: “Lembro da minha surpresa com o que senti
quando meu filho morreu. Fiquei tão agradecido por ele estar nos braços de
Jesus. Na verdade, era mais poderoso do que isso. Fiquei com inveja. Ainda
não entendo. Jesus chegou tão perto que até a pior tragédia do mundo pôde
ser sentida como bênção”.
E assim, quando a morte estende a mão gelada, mesmo que das
maneiras mais cotidianas, quando o avião atinge uma bolsa de ar ou os
resultados da suspeita de câncer se confirmam, lembro das experiências
de amigos perseguidos e sou fortalecido para pensar “se eles já chegaram
aonde estou prestes a ir e testemunham que Jesus é bonito e dá uma paz
inexplicável, não é uma tragédia trilhar esse caminho desgastado”. As
experiências deles diante da morte me ajudam a não ter medo da morte.
Claro, eu sei disso da Bíblia, em que Paulo diz que estar com Cristo
é “muito melhor”. E li a passagem maravilhosa em Atos 6 e 7, quando
Estêvão tem o rosto de um anjo quando é apedrejado até a morte. Mas a
verdade vem com mais poder quando uma pessoa de carne e osso, que
enfrentou a morte, coloca os braços em volta de você e diz: “Você terá paz
e Jesus estará com você no meio de tudo”. A morte simplesmente não pode
ser tão ruim se Jesus é tão grande.

PORTAS ABERTAS 27
8
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
impedem de tornar
Deus “seguro”.

Os cristãos perseguidos sabem


que conhecer a Deus traz caos e
dificuldades porque o evangelho
é subversivo. Um exemplo disso é
Sinnarasa, que perdeu o filho, a nora e
o neto em ataque no Sri Lanka

28 PORTAS ABERTAS
“Não pensem que vim trazer paz à terra;
não vim trazer paz, mas espada.”
MATEUS 10.34

“Não deixe que eles tornem Deus seguro!” Essas foram as palavras
de despedida de um evangelista indiano para mim no aeroporto em
Mumbai. Ele tinha uma opinião desfavorável sobre as igrejas ociden-
tais. Depois de visitá-las, confidenciou: “Elas transformaram um Deus
perigoso em seguro. Em vez de um Deus que queima furiosamente
contra a hipocrisia, idolatria e injustiça, o transformaram em um Deus
que fecha os olhos para todas as nossas falhas, continua nos amando
com ar desinteressado e parece não se importar se nos diferenciamos
por ele ou não”.
Os cristãos perseguidos nunca nos deixam esquecer que conhecer
a Deus deve trazer caos, não segurança, porque o evangelho é muito
subversivo. Jesus deixou isso claro quando compartilhou: “Não pensem
que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim
para fazer que ‘o homem fique contra seu pai, a filha contra sua mãe, a
nora contra sua sogra; os inimigos do homem serão os da sua própria
família’” (Mateus 10.34-36).
A vida do evangelista indiano prova esse ponto. Ele trabalhava como
guia de rio na cidade sagrada hindu de Varanasi. O trabalho era levar
turistas ao longo do rio, especialmente ao nascer do sol, para tirarem fotos
do sol da manhã brilhando nas gigantescas fileiras de degraus do templo,
chamados ghats, que abraçavam a margem do rio. Mas, ao mesmo tempo,
estava envolvido em um comércio espantoso. O empregador dele insistia
que prestasse serviços sexuais para turistas que alugavam o barco e ele
não teve escolha a não ser se tornar um prostituto.
Alguns anos depois, conheceu o evangelho ao encontrar casualmen-
te um turista. Após se tornar cristão disse: “Senti alívio por não ter que
me comportar daquela maneira novamente. De repente, um novo leque

PORTAS ABERTAS 29
de opções se abriu para mim. Mas eu estava apreensivo, as escolhas
que agradavam a Deus não agradariam a ninguém”. O empregador
mandou bandidos o espancarem. Como recusou voltar ao trabalho
como prostituto, os bandidos disseram: “Você não é capaz de ganhar
dinheiro como guia”. Por isso, ele foi demitido e precisou deixar a
cidade imediatamente.
Ele voltou para a casa da família, mas eles não ficaram felizes em
vê-lo, pois o dinheiro que enviava não estava mais disponível. A mãe
lamentou: “Nós vendemos você para que cuidasse de nós na velhice e
agora você segue um Deus ruim que fez você se recusar a nos sustentar”.
Apesar disso, ele estava decidido a voltar para Varanasi e trabalhar
pela libertação de todos os outros escravos sexuais. Criou um banco
para que trabalhadores mal remunerados pegassem empréstimos a
juros razoáveis e não recorressem a agiotas que os mantinham em
escravidão financeira. Ele disse: “Jesus Cristo me deu liberdade, então
eu precisava lutar pela liberdade de outras pessoas como eu. Tinha que
fazer isso. Jesus nos torna puros e sagrados. Não é certo que seus filhos
sejam comprados, vendidos e usados como gado”.
E ele ainda luta. Já sobreviveu a duas tentativas de assassinato.
Bandidos pagos por líderes de gangues de prostituição jogaram ácido
na esposa dele. Mas ele continua sendo movido pelo amor a Deus e
determinado a libertar os filhos de Deus. Ele disse ainda: “Uma pessoa
na Índia não é perseguida porque se torna cristã, mas sim quando se
recusa a aceitar o sistema de castas”. Isso é perigoso.
“Não deixe que eles tornem Deus seguro”, disse ele, e essas palavras
frequentemente ecoam em minha mente. Eu me perguntei o que ele
quis dizer até visitar Nova York em um domingo. Ouvi dois pregadores
no mesmo dia. David Wilkerson disse em um dos cultos: “As igrejas de-
vem ser lugares onde Deus é solto, mas muitas vezes se tornam lugares
onde Deus é domado”.
Também fui a uma igreja muito chique que convidara o sociólogo
americano Christian Tony Campolo para falar. Enquanto falava, ele
usou um insulto. Houve um arrepio visível na plateia. Uma mulher
atrás de mim disse: “Vergonhoso”. Ele olhou para a plateia em silêncio,
chocado, e disse: “Vocês sabem o que realmente me deixa doente? Há

30 PORTAS ABERTAS
24 mendigos nas ruas do lado de fora da igreja e, neste mesmo quar-
teirão, crianças de 13 e 14 anos são vendidas sexualmente por homens
violentos, mas a maioria de vocês ficará mais ofendida pelo uso daque-
la palavra do que pelo pecado que rodeia vocês”.
Na verdade, Deus se torna seguro demais quando o pecado das
ruas falha em nos mover e frequentamos igrejas sem nunca sermos
despertados a fazer algo quanto à necessidade dos pobres, carentes e
perseguidos. Deus quer que sejamos contra o pecado. Ele prometeu que
segui-lo nos levaria a uma briga. Mas a luta só chegará até nós se per-
cebermos o quão subversivo o evangelho realmente é. Que os cristãos
perseguidos nos ajudem.

PORTAS ABERTAS 31
9
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… para lembrar que o
livramento vem por
meio da resistência.

Deus dá a força necessária para que


cristãos perseguidos em todo o mundo
suportem a perseguição, como Sarah,
de Camarões, que deu à luz no mesmo
dia em que sua vila foi atacada

32 PORTAS ABERTAS
“Se perseveramos, com ele também reinaremos.
Se o negamos, ele também nos negará.”
2TIMÓTEO 2.12

Os testemunhos cristãos em geral tendem a ser dominados por


aqueles que experimentaram livramentos maravilhosos. Curas de
doenças como câncer, livramentos de dívidas ou casamentos sem amor.
Há muitos livros sobre pessoas que viveram essas experiências. Mes-
mo quando se trata de cristãos perseguidos, a mesma ênfase aparece.
Lemos sobre pastores que escaparam do tiroteio das guerrilhas, líderes
de igrejas domésticas chinesas curados de uma febre mortal, guardas
de fronteira com olhos miraculosamente cegos para o transporte de
Bíblias à vista no banco de trás.
No entanto, é preciso dizer que as histórias de livramento, embo-
ra geralmente ganhem as manchetes, não são a regra. Um cristão em
Pequim costumava me dizer: “Lembre-se, para cada história de livra-
mento que você ouve, há cem histórias de resistência”. Ele está certo. A
história dos cristãos perseguidos é principalmente sobre perseverança.
E tem sido desde os tempos do Novo Testamento. Paulo adverte “se
perseveramos, com ele também reinaremos” (2Timóteo 2.12). Isso com
certeza está certo, afinal, se Jesus tivesse sido “liberto” da dor da cruz
não seríamos livres de nossos pecados. Então ele resistiu para que ocor-
resse uma libertação maior e mais profunda.
Eu nunca vi esse princípio mais bem ilustrado do que na história
de uma médica de Pequim, conhecida no mundo como “tia Mabel”. Ela
era bem conhecida por seu brilhante testemunho cristão. Ela nunca se
casou para cuidar de um irmão doente. A família era rica e morava em
uma casa grande, no centro de Pequim.
Tudo mudou abruptamente em 1949. Ela foi despejada e forçada a
viver em um galpão de jardinagem, com apenas um fogão, duas espre-
guiçadeiras e uma cama velha. Suas convicções cristãs significavam

PORTAS ABERTAS 33
que ela era objeto de suspeita e, por isso, quando a Revolução Cultural
despontou, ela foi tirada do posto médico e enviada para trabalhar
limpando areia. Mas a humilhação final veio quando os guardas ver-
melhos, adolescentes que receberam o poder de dirigir a Revolução,
começaram a visitá-la, espancando-a, desfilando com ela nas ruas e
forçando-a a usar um cartaz com seus crimes escritos.
Os guardas vermelhos foram tão cuidadosos que colocaram uma
placa grande do lado de fora da casa, declarando-a uma excluída por
distribuir Bíblias, na crença “equivocada” de que a religião era útil.
Para os guardas vermelhos, havia apenas um deus permitido, Mao, e
apenas uma “Bíblia”, o pequeno livro vermelho.
Mabel era evitada pelos vizinhos, feita de alvo diário pelos compa-
nheiros de trabalho e espancada regularmente pelos guardas vermelhos.
Uma noite, ela voltou ao pequeno galpão e disse a Deus: “Já foi o bastan-
te. Já estou na casa dos 60 anos, vivi uma vida boa e Deus não se impor-
tará que eu vá para o céu mais cedo”. Então, pegou um cutelo grande,
segurou-o sobre os pulsos e fez uma última oração antes de usá-lo: “Se-
nhor, se isso estiver errado, me ajude”. Ela nunca usou o cutelo. Colocou-
-o de lado, sentou-se e caiu em prantos. Mabel suportou mais oito anos
de espancamento, isolamento e vitimização. Ela disse: “De alguma forma,
Deus me deu forças para suportar, mas nunca soube como”.
Muitos anos depois ela soube o porquê. No final dos anos 1970,
depois que Mao morreu e Deng voltou ao poder, a China deixou para
trás os excessos da Revolução Cultural. A odiada Guarda Vermelha foi
dissolvida e o pequeno livro vermelho caiu em desuso. Apesar disso,
Mabel não recuperou sua casa, mesmo assim, passou a receber um
fluxo de visitantes. Para sua surpresa, eram todos membros do alto
escalão do Partido Comunista. O que era ainda mais surpreendente é
que pediam Bíblias.
“Por que, dentre todas as pessoas em Pequim, vocês vêm até mim,
uma septuagenária?” Ela perguntava e todos respondiam da mesma for-
ma: “Bem, durante a Revolução Cultural, havia uma grande placa do lado
de fora com seus crimes. Um deles é que você distribuía Bíblias. Então,
estou aqui só pela chance de que você ainda tenha alguma sobrando”.
Surpreendentemente, a placa, que fez de sua vida uma miséria, se

34 PORTAS ABERTAS
tornou o caminho para um novo ministério. Ela manteve as pessoas
afastadas durante a Revolução Cultural, mas depois, após ter resistido,
as atraiu. Mabel entrou em contato com uma missão ocidental que con-
trabandeava Bíblias e se tornou o primeiro canal das Escrituras para
a capital da China. Ela se tornou uma fornecedora vital e, hoje, vários
membros do alto escalão do Partido Comunista na China devem sua fé
à resistência dela.
Ela refletiu: “Foi bom saber o motivo. Isso ajuda a minha fé. Mas foi
difícil. Todos os dias foram difíceis. Não posso dizer que vi Jesus ou o
senti perto a maior parte do tempo. Eu simplesmente consegui forças
para continuar e isso foi suficiente”.
Deus pode nos libertar transformando uma situação, mas com mais
frequência, nos livra dando-nos a força necessária para suportar a situ-
ação. Dessa forma, outros são transformados, assim como nós.

PORTAS ABERTAS 35
10
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles
mostram que não é
preciso ser perfeito
para fazer a vontade
de Deus.

Rajesh, do Sri Lanka, como outros cristãos


perseguidos, nos ensina que Deus age
por meio de nós, apesar de preconceitos,
pontos cegos e excentricidades

36 PORTAS ABERTAS
“Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os
abale. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, pois vocês sabem que, no
Senhor, o trabalho de vocês não será inútil.”
1CORÍNTIOS 15.58

Enquanto morava em Hong Kong, fazia questão de jantar com


muitos parceiros da Portas Abertas de todo o mundo que abriam mão
do período de férias para levar Bíblias para a China. Muitas vezes, no
decorrer das viagens, alguns encontravam líderes conhecidos de igrejas
domésticas, como Samuel Lam ou Wang Ming Dao.
Normalmente, em certo momento, diziam com alguma hesitação,
como se tivessem medo da minha reação: “Para ser sincero, fiquei um
pouco decepcionado em conhecê-lo”, e nomeavam a pessoa em questão.
Acrescentavam algo como: “Pensei que essa pessoa seria um cristão notá-
vel e, é claro que era, mas era também bastante preconceituosa, rude ou
tinha outra característica não considerada digna de um líder espiritual”.
Muitos ficaram abalados com a descoberta. Pensaram que cristãos
perseguidos eram “super santos”. Mas eles não são. É uma tendência
muito infeliz idolatrar cristãos perseguidos. Assumimos que, se um
cristão sobrevive 20 anos em uma cela, está em uma categoria espiritu-
al completamente diferente da nossa. Eles obviamente experimentam
coisas diferentes, mas isso não os torna mais espirituais. Como J.C. Ryle
disse: “Até os melhores homens são apenas homens dando seu melhor”.
Eles costumam ter pontos cegos e preconceitos próprios de sua cultura.
Um casal visitou o líder da igreja doméstica em Canton, Samuel
Lam. Ele passou mais de 13 anos na prisão por causa da fé e cons-
truiu uma igreja doméstica com 1,5 mil membros após sua libertação,
recusando-se a fechá-la apesar de inúmeras ameaças do governo. Mas
eles ficaram horrorizados enquanto o pastor ensinava aos ouvintes na
igreja sobre uma série de teorias duvidáveis sobre a segunda vinda de
Cristo. Ele terminou tentando “provar” que o Éden era, na verdade, na
China. Anos se passaram e, apesar dos melhores esforços dos professo-

PORTAS ABERTAS 37
res ocidentais, Samuel Lam continua apegado a suas teorias. Ele é um
grande homem, mas com um grande ponto cego.
Em outra ocasião, apresentei um representante da Associação Billy
Graham a Wang Ming Dao, certamente uma das figuras mais significa-
tivas da igreja chinesa no turbulento século 20. Esse homem encarnou
a força da fé cristã quando emergiu após 23 anos de confinamento soli-
tário ainda louvando a Deus. Milhões de cristãos de igrejas domésticas
se inspiraram nesse testemunho. Mas Wang Ming Dao também tem de-
feitos. Ele ficou furioso durante uma entrevista, recusando-se a conhecer
Billy Graham porque também visitava uma igreja oficial. O representan-
te da associação disse depois: “Eu não esperava que ele continuasse tão
amargo com o que aconteceu 40 anos atrás. Aquele homem quer vingan-
ça. Mas a Escritura não diz: ‘A vingança é minha, diz o Senhor’?”.
Sim, Wang Ming Dao tinha defeitos. Ele ficou amargo até o dia em
que morreu. Não conseguia perdoar aqueles que o haviam acusado
falsamente. E se você olhar para os sermões dele, descobrirá que era,
nas palavras do outro líder da igreja doméstica, Li Tien En: “Um grande
pregador da lei, mas não o suficiente da graça”. De fato, isso é bastante
comum em igrejas domésticas chinesas. Os sermões geralmente contêm
listas de tarefas a serem realizadas para ganhar o favor de Deus. Isso
vem da vida em uma típica família chinesa, em que as crianças preci-
sam ganhar o amor dos pais. Isso também se torna presente no relacio-
namento com Deus. É muito difícil para eles encontrar o caminho da
aceitação do amor incondicional de Deus.
Em outra ocasião, um ilustre professor da Bíblia foi levado para
encontrar um líder do avivamento em Lanzhou, na província de Gansu.
O líder chinês viu mais de 50 mil pessoas conhecerem o Senhor, através
de seu ministério, em um período de dez anos, mas, para nossa sur-
presa, ele ensinou que “só se podia ter fé no domingo”. Ele aprendeu o
cristianismo com a avó, que acreditava que o Senhor só ouvia pedidos
de arrependimento aos domingos. Conversamos sobre isso e ele nos ex-
pulsou gritando: “Você odeia minha avó”. Dois anos depois, soube que
ele estendeu o “período de arrependimento” para o sábado também. No
entanto, ele ainda é um evangelista extremamente eficaz, apesar desse
obstáculo que ele ergueu para o acesso à graça de Deus.

38 PORTAS ABERTAS
Certamente, o grande ponto é este: por mais falhos que esses ho-
mens foram, fizeram a vontade de Deus. Trabalharam em um país que
viu o número de cristãos crescer de menos de 2 milhões, em 1978, para
mais de 60 milhões hoje, o maior reavivamento da história da cristan-
dade. Deus não parou de derramar seu Espírito porque seus santos
eram imperfeitos.
Se os cristãos perseguidos nos ensinam algo é que Deus operará por
meio de nós, apesar de preconceitos, pontos cegos e excentricidades. Se
nos oferecermos, seremos usados como somos. Não precisamos ser per-
feitos para fazer a vontade de Deus. Caso contrário, ninguém seria capaz.

PORTAS ABERTAS 39
11
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles
me lembram a
necessidade de cantar
para o meu espírito.

Apesar dos desafios enfrentados por


causa da fé cristã, nossos irmãos e
irmãs reconhecem a importância do
louvor a Deus, como esses estudantes
de uma escola bíblica vindos de três
províncias no Vietnã

40 PORTAS ABERTAS
“Então veio do trono uma voz, conclamando: ‘Louvem o nosso Deus, todos
vocês, seus servos, vocês que o temem, tanto pequenos como grandes!’”
APOCALIPSE 19.5

Certa vez, passei uma semana na companhia de uma famosa evan-


gelista chinesa. Muitas características a fizeram se destacar: a cora-
gem, as longas horas de joelhos e a simplicidade da fé cuidadosamente
cultivada. Mas, na época, essas não eram as características que ficaram
comigo e transformaram minha fé. O que realmente me impressionou
foi o mesmo que me impressionou sobre todos os outros ao seu redor.
Eles estavam sempre cantando hinos.
Três características do canto eram marcantes. Primeiro, os hinos em
si não eram nem um pouco profundos. Em termos de conteúdo, preci-
savam de profundidade teológica e frases poéticas. Wesley ou Newton
não se orgulhariam dessas ofertas. Segundo, eles não sabiam cantar
muito bem. Os chineses não são reconhecidos por suas habilidades
harmônicas. Eles se mexiam, resmungavam, zumbiam e gritavam, tudo
em uma completa desconsideração à melodia. E terceiro, cantavam
principalmente para si mesmos. Claro, cantavam em grupos e entre si,
mas a maior parte do canto foi feita por eles e para eles. Mas tudo isso
não importa. As músicas funcionavam.
Ao viajar, lembrei de um amigo cineasta que, aos sessenta anos, fez
um filme com um elenco de crianças. Ele disse: “Eu tinha esquecido com-
pletamente o quanto as crianças riem. O cenário estava sempre cheio de
risadas e pensei: ‘Onde perdemos as risadas quando adultos?’”.
Eu tive uma experiência parecida. Viajar com esses cristãos perse-
guidos me fez perceber que esquecera o quanto eles louvam. Para mim,
as únicas vezes que cantei foi na igreja ou em um coro ocasional em um
grupo doméstico. Eu realmente nunca tinha cantado hinos para mim
mesmo ou visto o cantar para outros como um ministério. Eu não tenho
uma voz muito boa para cantar e sentia que deveria deixar isso para

PORTAS ABERTAS 41
aqueles que eram bons. Mas depois de ouvir todos na Igreja Perseguida
na China cantando praticamente o tempo todo e ver a diferença espiri-
tual que isso fazia, me perguntei: “Por que não canto sozinho, com meu
espírito, ou vejo o canto como um ministério de encorajamento?”.
Aqui estão dois exemplos. Uma evangelista chamada Yang recebeu a
visita de outra pregadora que estava muito abatida. A pregadora queria
comprar um toca-fitas, mas não tinha dinheiro. Yang se sentou e come-
çou a cantar. Sua voz era profunda e áspera, a melodia quase impercep-
tível e as palavras simples:

“Eu sou um andarilho, minha casa está no céu.


A vida é passageira.
Nosso lar está no céu.
Neste mundo, temos muitas provações
E tristeza e doença.
A verdadeira felicidade não está neste mundo
Mas no céu”.

Yang cantou como se estivesse diante do próprio Senhor. Cada pa-


lavra saiu de dentro dela com plena convicção. Lágrimas rolavam pelo
rosto, as mãos apertavam o ar e ela batia o tempo no quadril. Logo, a
pregadora visitante se uniu a ela e eu as observei, bradando juntas o
hino, ambos os rostos sorrindo. A pregadora foi embora, ainda sem
dinheiro para o toca-fitas, mas renovada e encorajada.
Então, em uma manhã, vi Yang sair para orar nas colinas. Eu a segui
a uma distância discreta. Primeiro, ela orou por vinte minutos, depois
cantou, andando por mais vinte minutos. Durante a hora seguinte, ela
leu a Bíblia, fazendo anotações, planejando os sermões do dia. Depois,
cantou novamente por mais meia hora. Confessei que a espionara e
perguntei: “Por que você canta tanto quando não há ninguém para
ouvir?”. Ela disse: “Meu pai me disse uma vez: ‘Uma das coisas doces da
vida cristã é que você fará coisas porque são ordenadas e, em seguida,
passará o resto da vida adquirindo uma visão mais profunda do porquê
os mandamentos de Deus são tão bons’. Cantar é um mandamento. Nos
Salmos, somos constantemente exortados a cantar louvores ao nosso

42 PORTAS ABERTAS
Deus. Mas quanto ao porquê, confesso que é um daqueles mistérios ma-
ravilhosos sobre os quais meu pai falou. Veja, enquanto estava na pri-
são, podia orar e ler as Escrituras, mas nada me animava como cantar.
Talvez seja porque cantar, de alguma forma, concentra todo o corpo no
louvor a Deus, mas também acho essencial para a manutenção de um
espírito positivo”.
Ela então pareceu envergonhada. Eu disse: “O que é? Você estava
prestes a dizer algo, mas ficou tímida”. Ela respondeu: “Bem, uma se-
nhora idosa me disse algo que realmente resume a principal razão pela
qual eu canto. Ela disse que ‘nossos espíritos são como flores e a música
é o sol. Assim como as flores só se abrem verdadeiramente quando o sol
brilha, nossos espíritos só florescem quando cantamos’. Eu acredito nis-
so. Não sei como, mas é verdade. Desde a cela na prisão, não posso ficar
sem música e estou com muito medo de que, à medida que a China se
torne mais aberta e as igrejas mais organizadas, deixaremos o canto
para os profissionais. Isso seria terrível. A única maneira de termos um
espírito cheio de flores é cantar para ele”.
Então, quando voltei, peguei meus sete hinos favoritos como: “Des-
cansamos em ti, nosso escudo e nosso defensor” e “Sopra sobre mim,
sopro de Deus”. Eu os aprendi e, durante minhas horas tranquilas,
canto para meu espírito. E eu concordo com as palavras dela. A música
eleva o espírito como nada mais. E ao ler a Bíblia, vi quão central era
o canto para a prática da fé. Os israelitas cantavam o tempo todo no
templo, Paulo e Silas, presos, cantaram na cela, as primeiras igrejas do-
mésticas cantavam umas para as outras e, no auge das Escrituras, nas
visões do grande trono de João, em Apocalipse, o que acontece naquele
lugar sagrado é o canto de uma “nova canção”. Obrigado, Igreja Perse-
guida, por restaurar um componente perdido, mas essencial do meu
momento de devocional.

PORTAS ABERTAS 43
12
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles
ajudam a manter
minha fé simples.

A perseguição reduz ao essencial


a vida dos cristãos perseguidos e
mantém simples a prática da fé. Essa
é uma realidade para cristãos como
Kamnanirajah, no Sri Lanka

44 PORTAS ABERTAS
“Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês,
é dom de Deus.”
EFÉSIOS 2.8

Em sua primeira visita à América, levei um professor chinês da Bí-


blia a uma livraria cristã. Eu não estava preparado para a reação dele.
Pensei que ficaria impressionado com a variedade de Bíblias, livros e
materiais de apoio em exibição. Ele ficou, mas não da maneira que eu
esperava. Ele parou no meio da loja, virou-se para mim e disse: “Deve
ser muito difícil ser cristão aqui”. “Por que você diz isso?”, perguntei.
“Como manterá a fé simples com tudo isso disponível?”
Andamos pela loja enquanto ele me explicou o que queria dizer. Ele
pegou cinco livros da estante. Todos tinham títulos semelhantes como
“O segredo cristão para uma vida feliz”. Ele os folheou e disse: “Cada li-
vro parece dizer que há um segredo para viver uma vida feliz em Jesus.
Mas os segredos são todos diferentes. Todos dizem que há um segredo,
mas cada um tem um segredo diferente? Isso é confuso”. “Bem, isso é
apenas marketing”, expliquei, um pouco na defensiva.
Mas ele continuou: “Isso significa que tenho que comprar os cinco
livros para realmente conhecer a Cristo? Isso me deixa ansioso. De que
outros segredos posso não estar ciente? Tenho que comprar mais livros
e logo teria mais livros do que posso ler. Não ficaria feliz, mas culpado
por gastar dinheiro com tantos livros que não terei tempo de ler”.
Ele colocou os livros no chão e disse baixinho: “Na China, orei para
que Deus me desse livros. Ele deu, mas apenas cerca de quatro por ano.
Então eu li esses livros completamente. Copiei passagens. Fiz resumos
para professores. Aprendi partes inteiras de cor. Esses livros realmente me
formaram. O que enfatizo é que, se você tem muitos livros, é difícil lê-los
adequadamente. Não estou dizendo que é impossível, apenas difícil. E essa
variedade realmente torna a fé mais complicada do que realmente é”.
É verdade, mas é tão difícil ver que somos constantemente seduzi-

PORTAS ABERTAS 45
dos pelo mais recente, pelo melhor, pelo novo, mesmo dentro da cultu-
ra cristã. A perseguição reduz a vida ao essencial e mantém simples a
prática da fé. Meu amigo voltou à China para manter as rotinas básicas
que a vida lhe deu. Como ele disse: “Todos os dias, ore, testemunhe aos
outros e, acima de tudo, louve a Deus”.
Ele me ensinou um hábito diário que aprendeu na prisão. “Todas
as manhãs, quando você acorda, não se levante, apenas fique na cama
e, por dez minutos, agradeça a Deus por qualquer coisa que vier a sua
mente. Pode ser pelo papel de parede, pelos amigos, pela vida. Qual-
quer coisa. Depois que você começa, descobre que o mundo está cheio
de graça. A graça de Deus. Com essa atitude, você está pronto para viver
o dia porque está impressionado com o quão generoso Deus é para com
você e para com todos”.
É muito simples, mas ainda assim não há algo em nós que acha as
atividades mais simples difíceis de serem mantidas? Talvez seja por
isso que organizamos nossas vidas com uma variedade infinita de roti-
nas e hábitos. Independentemente de qualquer coisa, apenas continue
fazendo o que é simples. Como disse um evangelista vietnamita: “O
cristianismo é a única religião que nunca acredita que alguém deve se
graduar. Devemos permanecer na primeira série o tempo todo, gratos
a Jesus, arrependidos pelos pecados e ansiosos por sua vinda. Não se
forme ou você deixará o básico para trás”.

46 PORTAS ABERTAS
13
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
ajudam a amar
o mistério.

Apesar de não entenderem os mistérios


de Deus em sua vida, cristãos no Mali e
em outros países onde há perseguição
são envolvidos por seu amor e vivem
em sua graça

PORTAS ABERTAS 47
“Portanto, que todos nos considerem como servos de Cristo e encarregados
dos mistérios de Deus.”
1CORÍNTIOS 4.1

A vida cristã envolve viver com mistério. Muitas vezes, a vontade


de Deus é totalmente incompreensível para nós. É assim que deve ser,
uma vez que os caminhos de Deus são muito mais altos que os nossos.
Mas isso não facilita a vida. Viver com mistério é difícil.
Uma reação que notei entre cristãos do mundo todo é a tentativa de
transformar mistérios em problemas. Esse é um caminho errado. Pro-
blemas são questões “de fora” que podem ser resolvidas. Por exemplo,
colocar um homem na lua é um problema, não um mistério. Um problema
pode ser sempre resolvido com tempo, recursos e engenhosidade humana.
Mas porque existe tanto mal no mundo é um mistério, não um pro-
blema. Mistérios nunca podem ser resolvidos. O máximo que podemos
fazer é chegar a um acordo sobre eles da forma mais imperfeita pos-
sível. Podemos tentar tratar o mal como problema, orando por cura
e libertação, introduzindo uma educação melhor ou elegendo líderes
morais mais fortes, mas por mais que tentemos, ele não desaparece-
rá. Nunca podemos resolver o “problema” do mal. Isso é um mistério.
Então tentaremos entendê-lo da melhor maneira possível, mas teremos
que conviver com isso.
Os cristãos perseguidos não são diferentes dos cristãos ocidentais
em muitos aspectos. Eles são cheios de falhas, mal-entendidos e peca-
dos, assim como os cristãos livres. E, ao lidar com o mistério, exibem
as mesmas características tolas. O mistério deve nos tornar silenciosos,
humildes e cuidadosos. Não devemos nos apressar em explicar o que
não pode ser explicado.
Lembro-me de uma visita à China para conhecer um famoso líder de
igreja doméstica. Falávamos sobre avivamento, que é um mistério. Por
que Deus o realiza em alguns países e não em outros? Não sabemos.
Esse líder disse que sabia: “Não há mistério no avivamento. Ele é cau-

48 PORTAS ABERTAS
sado pela perseguição. Você ora por perseguição e terá um avivamento
mais tarde”. Mas isso é completamente falso. É preciso dar embasamen-
to aos cristãos perseguidos, pois, embora conheçam bem a história de
suas próprias igrejas, muitas vezes desconhecem a história da igreja
no mundo. É claro que Deus trouxe muitos avivamentos sem persegui-
ção. Os grandes avivamentos do século 18, na América e Grã-Bretanha,
foram provocados em grande parte como resultado da pregação de
Whitefield e Wesley. Também é óbvio que há lugares onde a perse-
guição não trouxe avivamento. Pense em todo o Norte da África e
Oriente Médio, que forneceu tantos líderes da igreja primitiva, como
Tertuliano e Agostinho. Agora, há apenas ruínas arenosas das igrejas
e o islamismo.
Mistérios também devem nos tornar honestos. Temos que admitir a
Deus que “não sabemos”. Mas muitas vezes pedimos respostas com as
quais simplesmente não conseguiríamos lidar. Se eu olhar as experiên-
cias e não as explicações dos perseguidos, vejo que o cerne do mistério
não é a frustração, mas a alegria e a graça. O mesmo líder chinês, tão
confiante de que sabia a fórmula do avivamento, também comparti-
lhou uma experiência sobre sua prisão: “Perdi minha igreja, minha
liberdade e estava começando a perder minha saúde. Então chorei a
Deus: ‘Por que você está me deixando passar por isso?’”.
Ele não recebeu resposta formal, mas disse: “Senti uma luz dentro de
mim que afugentou as trevas e recebi a companhia de Cristo. Não posso
explicar mais do que isso, embora Deus saiba que tentei. O mistério da
vontade de Deus foi o meio pelo qual descansei no colo de Cristo”.
Os mistérios parecem sombrios, como buracos negros do lado de
fora, mas quando entramos neles, estamos em uma maravilhosa des-
coberta. No centro não há escuridão, mas luz. Essa luz é a luz de Cristo.
Paulo se descreveu como um “encarregado dos mistérios de Deus” (1Co-
ríntios 4.1). Este mistério é o mistério do amor. Os apaixonados sabem
que não podem explicá-lo completamente, mas se alegram por expe-
rimentarem. Assim com Cristo, não tenha medo de um mistério. Está
escuro por fora, mas cheio de luz por dentro.

PORTAS ABERTAS 49
14
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles me
ajudam a lembrar
que estou sempre
em uma luta.

Cristãos perseguidos estão sempre na


batalha e lutam o tempo todo contra
os próprios pecados, a idolatria na
sociedade e a atuação do mal, como
Choj (pseudônimo), do Vietnã, que
renunciou à tradicional adoração aos
ancestrais de seu povo

50 PORTAS ABERTAS
“Pois a nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e
autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças
espirituais do mal nas regiões celestiais.”
EFÉSIOS 6.12

Muitas vezes me fazem a pergunta: “Em sua experiência de viajar por


muitos anos entre comunidades perseguidas no mundo, qual você diria ser
a principal diferença entre um cristão perseguido e um cristão ocidental?”.
Minha resposta não mudou em 20 anos: “Na Igreja Perseguida, os
cristãos percebem que estão com problemas e recorrem a Deus. Na igreja
ocidental, os cristãos esquecem que estão com problemas ou em uma luta,
e mesmo que lembrem, nunca encontram tempo para recorrer a Deus”.
Os cristãos perseguidos sabem que estão em uma guerra. Todos os
dias eles lutam. Se alguém não estiver consciente da luta diária talvez
seja um sinal de que está perdendo a batalha da vida. O salmista olhou
para a rica elite de Israel e disse: “Eles não passam por sofrimento”
(Salmos 73.4). Eles teriam lutas se desejassem agradar a Deus. Muitos
cristãos no mundo atual parecem surpresos com a linguagem da luta.
Mas para quais lutas os cristãos perseguidos nos despertam?
Antes de tudo, há a luta em que sempre estamos. Todos os que visitam
comunidades perseguidas reconhecem a batalha espiritual em que
estamos envolvidos. Temos que lutar contra nossos corações relu-
tantes atolados no pecado e que não querem encarar Deus. Por que
devemos sempre nos forçar a orar? Nosso coração reluta. Além disso,
temos que lutar contra um mundo que nos cega, com deslumbres e
distrações, e tenta nos desorientar de nossa verdadeira natureza e
propósito. Também temos que lutar contra um inimigo mentiroso, que
sempre nos alimenta com mentiras como “você não é bom” ou “Deus
não se importa com você”.
O grande pregador vitoriano, Charles Spurgeon, disse uma vez: “O
diabo não perde tempo açoitando um cavalo morto”. Ele quis dizer
que, se você não está consciente de travar uma batalha diária contra a

PORTAS ABERTAS 51
carne, o mundo e o diabo, isso significa que você já perdeu a batalha. É
hora de voltar à batalha.
Em segundo lugar, existe a luta para a qual devemos despertar. Uma
cristã perseguida na Palestina disse: “Quando você se torna um cristão
de verdade é despertado para o fato de que ‘o mundo inteiro está nas
mãos do maligno’, isso reflete em sua própria cultura. Você tem que
lutar contra aquilo que sua cultura adora”. No caso dela, era a adoração
dos terroristas extremistas, que arriscavam tudo para matar israelen-
ses. Ao se opor, ela teve dificuldades para se comunicar com vizinhos
que pensavam que ela estava sendo “antipatriótica”.
Temos que fazer a mesma pergunta: “O que nossa cultura adora?”.
Como Francis Schaeffer disse uma vez, é o “deus da paz e da riqueza
pessoal”, aquele que nos faz não nos importarmos com o que acontece
no mundo, desde que nosso espaço e prosperidade não sejam afeta-
dos? Um grupo de oração em Los Angeles se convenceu de que toda a
geração de jovens adorava armas e, a sociedade dominante, por meio
do cinema de Hollywood, promovia isso. Os membros do grupo se opu-
seram e a casa onde se reuniram foi atingida por tiros na mesma noite
em que oravam.
Outro grupo da igreja em Sheffield, Inglaterra, se convenceu de que,
como os cristãos perseguidos eram incapazes de compartilhar suas
lutas com o mundo, o grupo mais “sem voz” em sua própria sociedade
era daqueles que ainda iriam nascer. Ninguém pode ouvir os gritos
no útero e milhões de vozes já foram silenciadas. Essa luta acontece o
tempo todo em nossas sociedades. A batalha é a mesma.
Por fim, existe a luta que devemos criar. O Irmão André conta a histó-
ria do encontro com o pastor Haik, do Irã, que lhe disse, em 1993: “André,
quando eles me matarem, será por falar, não por ficar em silêncio”. Haik
foi morto em 1994. Se tivesse ficado em silêncio sobre o tratamento do
amigo cristão, Mehdi Dibaj, Haik estaria vivo. O fato é que, se quisermos,
podemos evitar lutas. Cada um de nós faz uma escolha ao falar, desafiar
poderes instituídos e criar uma luta. Caso contrário, a vitória é do inimigo.
Cristãos perseguidos estão sempre na batalha. Lutam o tempo todo
contra os próprios pecados, a idolatria na sociedade e a atuação do
mal, que está disposto a tomar a adoração de Deus. Ainda assim, as

52 PORTAS ABERTAS
lutas deveriam marcar nossas vidas e igrejas, já que o diabo não vive
exclusivamente na China ou Colômbia. O apóstolo Paulo repreende os
crentes de Corinto porque, enquanto eles são ricos, sábios e honrados,
ele é pobre, espancado e perseguido (1Coríntios 4.8-13). Tal paz e honra
não se destinam a este mundo, mas ao vindouro. Este mundo é o lugar
da luta. Qual é a sua luta? Qual é a minha? Os cristãos perseguidos nos
forçam a perguntar. Afinal, todo mundo deveria ter uma.

PORTAS ABERTAS 53
15
EU PRECISO CONHECER
CRISTÃOS PERSEGUIDOS...
… porque eles
mostram que a
vontade de Deus
sempre é feita,
pois ele transforma
obstáculos em
instrumentos.
Os testemunhos da Igreja Perseguida
nos mostram que Deus transforma
obstáculos em instrumentos, como
na vida de Mia, que participou de um
encontro de jovens cristãos na Nigéria

54 PORTAS ABERTAS
“’Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os
seus caminhos são os meus caminhos’, declara o Senhor.”
ISAÍAS 55.8

A Igreja Perseguida ensina que todo mundo é agente ou instrumen-


to da vontade de Deus. São apenas duas opções: fazer a vontade de
Deus cooperando com ele ou desafiar Deus e fazer sua vontade sem
saber. “Lembre-se, nosso Deus é tão grande que até os perseguidores
o servem”, disse um pastor chinês. Ele se referia ao perseguidor da
igreja chinesa, Mao Tsé-Tung, que lançou a mais violenta campanha
anticristã do século 20, na década de 1960. Com a chamada Revolução
Cultural, eliminou todas as igrejas, queimou todas as Bíblias e aprisio-
nou todos os pastores.
No entanto, tudo o que fez foi levar a igreja para a clandestinida-
de, onde ela se incorporou à estrutura familiar e à cultura chinesa da
maneira que 300 anos de evangelismo não realizaram. Dessa chama
emergiu o maior reavivamento do mundo, quando a igreja passou
de 2 milhões de cristãos, no final da década de 1970, para mais de 60
milhões. “Dizemos que graças a Mao, que pensou estar aniquilando a
igreja, tivemos o maior avivamento. Ele pensou que estava matando
a igreja, mas durante o tempo todo, fez um pré-evangelismo. Deus riu
por último. Glória a Deus. Ele sempre faz sua vontade.”
Essa verdade começa a aparecer na Índia. Desde 1997, a violên-
cia contra os cristãos aumentou muito como resultado da eleição de
extremistas hindus. No entanto, o efeito do extremismo levou milha-
res de hindus de casta baixa à igreja. Quanto mais extremistas hindus
perseguem cristãos, mais hindus moderados são atraídos para Cristo.
Um evangelista cristão disse em Mumbai: “Os maiores evangelistas
de Deus neste país são os extremistas hindus. Pela violência, sede de
sangue e fanatismo, enojam as castas mais baixas a ponto de dizerem:
‘Por que devemos ficar na mais baixa posição da sociedade hindu, en-

PORTAS ABERTAS 55
quanto pessoas terríveis nos oprimem? Vamos nos juntar aos cristãos’”.
Ousaria sugerir que mesmo Osama Bin Laden fez a vontade
de Deus? Muitos missionários em todo o mundo muçulmano rela-
tam que, desde 11 de setembro de 2001, surgiram todos os tipos de
oportunidades para conversas com muçulmanos moderados. Esses
muçulmanos foram abalados pelas ações dos extremistas e muitos
consideram a fé cristã como uma alternativa viável, pela primeira vez
na vida. É uma verdade gloriosa para a qual os cristãos perseguidos
nos despertam. Todos promovem a vontade de Deus. Mesmo os que
colocam obstáculos no caminho da igreja servem a Deus, porque ele
simplesmente transforma o obstáculo em instrumento.
Isso significa que não devemos nos desesperar ao pensarmos que
as condições para o florescimento da vida cristã ou da igreja não são
perfeitas. Um cristão em uma democracia asiática disse: “Eu pensava
que, por termos líderes muito corruptos, não havia chance de Deus
abençoar a igreja daqui, mas quando olho para os cristãos persegui-
dos, vejo-os alegres porque a vontade de Deus avança mesmo que
estejam em condições muito ruins”. Esse cristão agora vê como Deus
faz sua vontade por meio das mesmas pessoas que ele pensava que
destruiriam a igreja.
Deus provavelmente ri de tudo isso. Lembro-me de três professo-
res da universidade dizendo que se tornaram cristãos após a leitura
do livro de Bertrand Russell intitulado “Por que não sou cristão?”.
Russell era um filósofo notável de Cambridge e muitos leram o livro
esperando que um caso poderoso contra Deus fosse feito. Mas como
disse um dos professores: “O fato de que Russell estava tão convenci-
do por tais argumentos insignificantes só serviu para mostrar que há
uma coisa chamada cegueira espiritual. Eu acreditei”.
Pegue seu pior inimigo ou a característica da sua vida, sociedade
ou igreja que mais lhe causa desespero, depois coloque sua mente
em ação e pense: “Como Deus operaria a vontade dele por meio desse
obstáculo?”. Você não tem filhos? Talvez Deus use isso para lhe dar
um ministério maior, impossível com a responsabilidade da família.
Você se sente impotente? Talvez Deus mostre sua glória e faça você se
maravilhar. Podemos não receber uma resposta, mas é emocionante

56 PORTAS ABERTAS
tentar, porque sabemos que todos são agentes dispostos ou instru-
mentos involuntários da vontade de Deus. Ele é grandioso demais
e ama demais o mundo para que seja de outra forma. Deus pega o
obstáculo e o transforma em instrumento.

PORTAS ABERTAS 57
A Igreja Perseguida nos encoraja a olhar as lutas da jornada espiritual
através dos olhos da fé e da esperança, assim como vemos na vida de
cristãos no Irã, onde muitos são presos por seguir a Jesus

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