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A ARGUMENTACAO Pe MOM esa NA PONTA DA LINGUA TR get iomoe —gacrrasem ores da Kuga Gani atbert Facto (ore {aga materna~ eran variate cenino Mares Bago, Micac Stub & Ges Gagne ed 2. Hsia ccte da linghace Barbra Weedon 4 Saclingh sen sa rego ttn Uoeean Caley, red 5, Hiatele ance da ceia Chass Higooncy ed 6 Panett angie — psenlagictoentardenmadciplin Taber Start Sed, 1. Int aed: cnerai Armand Mati, ik Neve, 8. Apragmaia Ste ceaje, 20 9, ‘Hite cnc dele ‘Anne Hewat 10, Hata conise da somdetin {tine Tambe Meee 1, Linge compatcionl — aria & eta Gala de ll Occ Sg de Mow Mena 12, Linge here rd wad a ra das gus Gals Abert Fara, 2d 13. Lataraom pleas acto cana Ian Antines € e 14, Ante do die —Hitria epdias Fransne Marre 2 15. Basoquet messed”? Cares echt 2 16. Ane da conver principaec mts Gatherne Keira receiont 17, dapoltis taghsss iouetean cate 18, Prieasde ramen eine tar, exe disc cs lle Far, Marat Roce Grea Given Mille de Ole, Tima Geen, las Cars Tea 19, Reece nada ling tage ti cesinn Tats Per Lame Bio, Mares Bag, Nev Mara Jun sia de Lorie Save Mara Mara Furtnet Ppt psacs dria carver cows ear Apenenaite isin Ptin Ps Christian Plantin A ARGUMENTACAO Historia, teorias, perspectivas AL\k TRADUGAO ‘Marcos Marcionilo, ‘SBD-FELCHUSP, }0955 31 168 Tio cignat Exgumemation ‘hess ners de rr Par soso 32005 anor: Marcos Merion, Carne proto crricot Andria Cueto ‘Conse corona A Soh Zils [nisi Caos Aerts Frac UPR, yon de vera ange! PUCS) nan ie de Olea US Ip Fenique Mantsogudo Un de Sentag de Compote) avi Rojapepaian (eam ‘Moros ego on ‘ane Mort Pre Scher UFR Uns) ‘ache Grote de nods PUES?) Saima Tennus Mucho BUCS, ‘Sto Mar Gorton cars Un) ‘opsse caus mote Sox a 05 SORE ES sr tt ett pegs asia Sea 07 sp nt PARABOLA EDITORIAL fn Sst 216 pangs (28-00 So Paulo 3 ab (191 Sst sae s0s- 122 home pas: wn psdonoeitolcom be at praboaapertoaedtra.cnD “det go: Pala Edt So Pal outubro de 2008 “ DEDALUS - Acervo - FFLCH eooTz 2035 SUMARIO canfroto t: 0S ESTUDOS DE ARGUMENTAGAO: DA DESLEGITIMAGAO AS REINVENQOES. 1. —0 paradigm clissico ML, ~A virada do final do séeulo XIX L-~ 0 pés-1945: uma reconstrugio por tapas caréroro m: FATOS E LINGUA. 1. -O modelo de Toulmin, ~ “A angumentacao na lingua” TM. — Logica natal nn IV. - Conclusao. carirovo m: ENTIMEMAS, TOPOIE TIPOLOGIAS. 1-0 Tratado da argumentagi I. - Entimema, ILL ~ Topos.. TV. Tipologias dos argamentos. V.-Conclusio cartruto iv: UM MODELO DIALOGAL, 1 ~ A argumentacdo dialogada TL, - Do desacordo conversacional ao desacordo angumentativ o.. sna IIL, ~ A nocao de pergunta sngumentativa TY, ~ Graus ¢ formas de argumentatividade V. ~ Os papéis argumentativos: Proponente, Oponente, Terceiro 63 2 20 25 25 31 38 42 45 45 50 53 ST 61 or 69 75 6 VI. - 0 6nus da prova. 80 VIL ~ Laygares. 81 VIL. - Roteiros. 82 IX. - Contradizere refutar. 83 X.~Conclusio, 87 carhruio v: AS ARTES DA PROVA ... 89 L.-A grande divisio... 90 Tl, Os predicados:prova, argument, demonstrar 96 IL - Prova é : 99 IV. ~ Demonstracio. 102 V.- Unidade e especificidades das artes da prova .. 105, ccapiruto vr: AS PESSOAS E SEUS AFETOS. a L.- Ocethas ea autoridade. m2 TI, - Os afetos. 18 TIL — As “paixdesfalacionas” 120 TV. - Os afetos nas modernas teorias da argumentagio 121 V.~Conclusio 15 cavituro vn: ENSAIO DE ARGUMENTAGAO COMPARADA: A ARGUMENTACAO TEOLOGICO-JURIDICA NO ISLA 127 1. = Por uma perspectiva comparada em argumentagao 128, IL - Os fundamentos da argumentago muculmana 130 TL, ~ Os “dados”: 0 enunciadios normatives do Alcordo 136 IV. ~ Projetar os “dados”: 0 gis... 137 YV.— Contrérios ¢ contraditérios. 141 VI.-Conclusio i 143 BIBLIOGRAFIA ... 145 CAPITULO! OS ESTUDOS DE ARGUMENTAGAO: DA DESLEGITIMAGAO AS REINVENGOES Em 1958, foi publicado 0 Tratado da argumenia fo, de Perelman ¢ Olbrechts-Tyteca’. A obra tem como subtitulo, em sua primeira edigdo, A nova retériea, que serio titulo da tradugao inglesa, mas que voltaré a apa- recer justamente como o subtitulo da segunda edigdo. A insisténcia recai sobre o termo argumentagao, 0 que constitui uma real inovagao e manifesta claramente 0 ‘movimento de revival, de renascimento, emancipacio ¢ refundagio dos estudos de argumentacio depois da Segunda Guerra Mundial, Podemos ver, a contrario: em francés, outras obras trazem argumentagao no titulo antes de 1958, mas a fungdo do termo é completamente diferente. Por exemplo, na obra de Ambroisine Dayt, Argumentation ayant en vue d’éclairer tout étre sur des besoins indéniables déniés ala femme depuis Vapparition de Vhomme sur la terre (1903; “Argumentagdo com 0 propésito de esclarecer todo ser sobre as necessidades 7 Ghaim Perelman, Lucie Olbrechts-Tyteea, Tratado da ay mentaia~ A nove retériea, So Paulo: Martins Fontes, 200. 8 A ancunenragho inegaveis negadas & mulher desde o surgimento do ho- mem na terra”), a palavra argumentacao & o termo de apoio do titulo substancial, que poderia ser substituido por observacies, tratado ou dissertacdo (“no propésito de esclarecer...”). Trata-se de uma intervengao em ‘um debate, realizada de acordo com as modalidades de um género, de uma “argumentacio sobre” ¢ no ‘um empreendimento tedrico “sobre a argumentagaio”: anteriormente ao Tratado da argumentagao, nenhuma obra enfrenta um programa assim. Em inglés, a situa- Gio nao é muito diferente; Toulmin, que também vai publicar em 1958, Os usos do argumento’, nao tivera muitos auténticos predecessores. Comeefeito, a argumentagdo foi inicialmente pensada como componente dossistemas légico, etdrico e dalético, conjunto disciplinar cuja desconstrucao foi completada no fim do século XIX. A construgdo de um pensamento auténomo da argumentagdo nos anos 1950 foi, sem som- bra de dtivida, profundamente estimulada pela vontade de encontrar tima nogio de “discuirso sensato”, por opo- sigdo aos discursos faniticos dos totalitarismos. As visdes ‘generalizadas da angamentagdo que emergirdo nos anos 1970 tomardo perspectivas bem diferentes. I. - 0 paradigma clissico Do ponto de vista da organizagdo elissiea das disciplinas, a argumentaedo esti vinculada a logica, “a Stephen Edeslion Toulmin, Os usos do argument, Sio Paulo: Martins Fontes, 2006. (0 earupos oF ANCUMENTAGKO . arte de pensar corretamente”, &retdrica, “a arte de hem falar”, ¢& dialética, “a arte de bem dialogar”: Esse con junto forma a base do sistema no qual a angumentagio foi pensada, de Arist6teles ao fim do século XIX. 1. Argumentagéo retérica ‘Toda utilizagao estratégica de um sistema signifi- cante pode ser legitimamente considerada como uma ret6rica, Desse modo, existe uma retérica do verbal © do nio-verbal, do consciente e do inconsciente. A reté- rica literdria avanca paralelamente com uma teoria da emogio estética e uma ciéncia da literatura, A andlise estrutural das figuras é uma “retdriea geral”, na medi- da em que, buscando repensar as figuras de estilo no quadro de uma metodologia linguistica, ela inscreve a retérica “na lingua”, Podemos igualmente consideré-la como uma retérica restrita, na medida em que ela é separada da argumentacio, Nos passos de Nietzsche, a ret6rica também foi definida como a esséncia persuasiva dalinguagem, definicio particularmente ativa no campo da histéria nos anos 1970 (Ginzburg, 1999). ‘A argumentagfo retérica é definida de maneira bem especifica pelas seguintes caracteristicas: trata-se de uma ret6rica referencial, isto 6, ela inclui uma teoria dos signos, formula o problema dos objetos, dos fatos, da evidencia, mesmo que sua representacZo linguistica addequada s6 possa set apreendida no conflto e na nego: ciagio das representagGes. Ela é probatéria, isto ¢, visa {azer, se nao a prova, pelo menos a melhor prova; ela ¢ 10 A ameumentagto polifonica; seu objeto privilegiado é a intervencéo insti- tucional planejada; sen caréter eloquente € acessé6rio. No conjunto técnico que a retdrica constitui, a teoria da argumentagao corresponde a “invencao”, seus conceitos essenciais slo os fopoi, que se materializam nos argumentos coneretos ou entimemas,fatos discur- sivos complexos de logica, de estilo ede afetos (capitulo ui). Ba essa retérica que visaremos quando utilizarmos esse termo em nosso texto 2. Atgumentagio dialética Em filosofia, a dialética € definida como um tipo de dislogo, que oedeve a regras e opbe dois parceiros, 6 Respondente, que deve defender uma afirmagio dada, eo Questionador, que deve atacé-la (Brunschwig, 1967, xxix), Trata-se de uma interagio limitada, com um ven- cedor ¢ um perdedor. Ela utiliza como instrumento 0 silogismo dialético, que tem como catacteristica fundar- se em premissas que nfo sio absohitamente verdadeiras (como no caso do silogismo l6gico), mas simples “ideias admitidas” (endox).O método dialético € especialmente adotado na pesquisa a priori da definigao de coneeitos. Diferentemente da dialética hegeliama, ela ndo procede por sintese, mas por eliminacio do falso. Segundo sua antiga definicao, dialética e ret6rica io as duas artes do discurso. A retérica é andloga ou a contraparte da dialética (Aristételes, Retérica,1, 71); a retdrica é para a fala publica aquilo que a dialética é para a fala privada de caracteristica mais conversacio- 05 esTuo0s ne aRcuMenTagio " nal. A dialética incide sobre teses de ordlem filoséfica; a ret6rica se interessa por questbes particulares, de ordem social ou politica, Por fim, enquanto a dialética é uma técnica da discussio entre dois parceiros, procedendo por (breves) perguntas e respostas, a retérica tem por ‘objeto o discurso longo ¢ continuo. O essencial perma: rece sendo o fato de que as duas artes do discurso uti lizam os mesmos fundamentos de inferéncia, os t6poi, aplicados a enunciados plausiveis, as endoxa. No prolongamento de uma definicao geral da dia lética como “a pratica do diglogo racional, [a arte] de argumentar por meio de perguntas respostas” (Bruns- chwvig, 1967, x), podemos considerar que 0 provesso conversacional torna-se dialético-argumentativo na ‘medida em que incide sobre um problema determinado, definido em comum acordo, ¢ ocorre entre parceiros iguais, movidos pela busea do verdadeiro, do justo ou dobem comum, entre os quais fala cicula livremente, segundo regras explicitamente estabelecidas. 3, Argumentagio légica Como discurso légico, a angumentacdo é definida ‘no quadro de uma teoria das trés “operagdes do espiri- 0": apreensio, 0 juizo o raciocinio: — pela apreensio, 0 espitito apreende um con- ceito, depois 0 delimita (“homem”, “alguns homens”...); — pelo juizo ele afirma ou negaalio dese conatto, part chegar a uma proposigio (“o homem é mortal); 2 A ARGUmenTAgaO — pelo racioeinio, ele encadeia essas proposicdes, de modo a avancar do conhecido para 0 desco- hecido. Noplano da linguagem, essas operagées cognitivas correspondem respectivamente: — a fixagio linguistica do conceito por meio de uum termo € & questio da referéncia; — A construgio do enunciado por imposigio de ‘um predicado a esse termo e a questio do ver- daaeiro e do falso; — ao encadeamento das proposigGes ou argumen- tages, pelas quais produzimos proposigdes novas a partis de proposigdes jé conhecidas e {a questio da transmisslo da verdade. A argumentagio corresponde, no plano discur- sivo, a0 raciocinio no plano cognitive. As regras da argumentagio correta sio dadas pela teoria do silo- ismo valido (“Alguns 4 sio p, todos 0s n si0 c, logo, alguns a so c”), A teoria dos discursos falaciosos {raciocinios viciosos, paralogismos, sofismas) cons- titui sua contraparte (“Alguns & sdo 8, alguns » so ¢, logo alguns 4 so ¢”). I. - A virada do final do século XIX A atual situagio dos estudos de argumenta- gio € a resultante de uma tendéncia historica de longa duragéo, para a qual o periodo de fins do séeulo XIX até 0 inicio do século XX constitui um momento chave, ‘os EsTU0s DF ARGUMENTAGAO " 1. Deslegitimagiio da retorica No fim do século XIX, a “ret6rica” foi violen. tamente criticada como disciplina nao cientifica ¢ climinada do curriculo da universidade republic ‘a época em seus primeiros anos, Na Franca, a retérica como disciplina aplicada e articulada nunca se recom: pos dessa acusagio. Apenas a historia da retorica é ‘ida como digna do campo universitério. 0 estudo das priticas discursivas foi repensado no quadro da ané- Tise do discurso, da comunicacio institucional ¢ das interacdes verbais, Essa virada aconteceu contra 0 pano de fundo do fim do Segundo Império, da derrota de 1870 ¢ da necessidade de uma “reforma intelectual e moral”. A 3* Reptiblica decide, entio, redefinir as tarefas funds- ‘mentais da universidade, com base em uma visio laica « positivista da ciéncia, da cultura ¢ da sociedade, ¢ essa5 transformacées eram impulsionadas por uma nova concepeao do saber, o saber positive, A historia 6 aestrela ascendente, 0 método histérico ¢ 0 método positivo por exceléncia, capaz de produzir o saber cientifico no campo das humanidades. Esse saber po sitivo é eoncebido como antagonista do “saber formal”, cujo melhor exemplo é, sem diivida, 0 “tino” ret6rico, reduzido a arte do artficio eloquente, que funciona de jmediato, mas que nao resiste critica mais elementar, Diante das descohertas positivas da pesquisa hist6rica, hnonhuma posigdo fundada no bo senso, no consenso,, nna opiniao, na daxa ou nos lugares comuns pode ser 4 A aRcUMEnTAgho riamente sustentada, O saber ret6rico nao é saber. Além disso, a nova divisao dos conhecimentos especiatizados 6 incompativel com a pretensio retérica a fornecer a sintesetitil de todos os sabere Hi ainda duas cireunstincias periféricas atuando contra a retérica, De um lado, ela € a propria base da educagdo dispensada pelos jesuftas, numa época em que se vive em pleno periodo de intensa contestacio entre a Igrejaeo Estado, que desembocairé notadamente em sua separacio em 1905, Por outro lado, nos colégios jesuitas, todos os exercicios retéricos sio praticados em latim. Ora, esse periodo marca o pice da querela sobre a emancipa- Go do francés em telagdo ao latim e, correlativamente, sobre o lugar do Tatim nos estudos Titerdrios. Um Estado laico s6 poderia querer, entdo, eman- cipar-se da retérica como simbolo de uma educagio religiosa duplamente “retrdgrada”” Consequentemente, Co novo curriculo de estudos Franceses ¢ redefinido em torno de uma abordagem histérica da literatura, Novas formas de expresso académica sungem nos liceus, em tomno da histéria literdria, Esses novos generos excluem explicitamente a ret6rica como disciplina, mesmo que (0 80s retdricos sociopoliticos e judiciais permanegam firmemente estabelecidos: como poderia ser diferente? ‘Nao é, portanto, de surpreender que, ligada a anti ga concepeo da educagdo ¢ dos saberes, a ret6rica tena desse modo se tornado, por amélgama, o simbolo fécil detuma rea¢do clerical ultrapassada e manipuilatéria, em absoluto contraste com as tendéncias positivas moder- has em ciéneias ¢ em educagdo as quais se vinculava a 05 ESTUDOS OF ARGUMENTAGKO universidade republicana. Essa é a base do persistente sentimento de ilegitimidade das préticas retoric Franca, da qual dio testemunho diversas medidas (cx ‘tingdo da ret6rica dos programas de ensino secundario em 1885, extingao, em 1902, da “classe de retérica” dos liceus). Em 1888, Chaignet publica La rhétorique etson histoire, altima, ¢ excelente, introdugao a teoria aristotélica da angumentagao retorica, Na medida em que estavam ligados aos estudos de retérica, os estudos de argumentacdo estavam claramen- te situados no lado errado. Mas em que medida isso? A ret6rica exchuida do curriculo era a ret6rica jesuita, que no estava centrada na argumentagdo, mas na pralectio, em outros termos, em algo como a explicagio de texto, 4 imitagio amplificagao, uma forma de eloguéncia que niio estava voltada para convencer pela prova pelo debate, mas para subjugar pelo esplendor verbal (Coltinot & Maziére, 1987). 2, Formalizagao da légica. O neotomismo Coneluir que a eliminagdo da retérica acarreta automaticamente 0 desaparecimento dos estudos de aargumentagio seria uma simplificagao excessiva. Outras consideragies referentes ao novo estatuto da logica ‘entram em jogo. A publicagio da Begrffschrift do conceit”), de Frege, em 1879, marca 0 ponto a par- tir do qual a logica nao pode mais ser vista como 1 arte de pensar”, mas como uma “arte de calcular”, tim samo da matemética. Em principios do século XX, com 16 A ancuntenragho feito, como foi dito claramente por Blanché, a légica cléssica foi vencida pelo “creptisculo das evidéncias’. ‘Aose axiomatizar, al6gica renuncia tanto a sua fungi orientadora do pensamento como a sua fungdo critica, Ela deixa de fornecer a base do discurso racionalmente argumentado ou do interembio dialético: “Passa-se da ligica as légicas que serdo construidas a vontade. E, por sua vez, essa pluralidade de l6gicas retira o privilégio da logica cléssica, que nao passa de um sistema entre outros, tal como eles, simples arquitetura formal cuja validade depende apenas de sua coeréncia interna” (Blanché, 1970, 70-72). A partir de entio, para a ala atuante dos légicos, a angumentagio seré apenas o nome de uma forma caduca da silogistica. ‘Uma evoluigdo chega aseu termo, ¢ podemos segui- Jao menos a partir de Ramus (Ong, 1958), para quem Juizo, 1égica e método devem ser pensados a parte da ret6rica, em um plano que chamariamos de epistémico ‘ou cognitivo. A mutacdo se destaca se compararmos La Logique ou Vartde penser contenant outre tes regles com: ‘maunes plusieurs observations nouvelles propres a former le jugement, de Arnauld e Nicole (1662; “A logica ou a arte de pensar, que contém, além das regras comuns, vvitias observagdes novas préprias para formar o juizo”) com 0 Traité de Vart de raisonner (1796; “Tratado da arte de raciocinar”), de Condillac. No Traité, a “arte do raciocinio”, inteiramente geometrizada, esté situ- ada fora de toda légica tinguistia — assim como da analogia 86 se considera a proporgio (Condillac, 1981, 190), isto é, aquilo que nela é matematizavel (ef, Au- (0 #sTUDOS DE ARGUMENTAGKO 1” roux, 1995). As regras do método no sao mais as do silogismo, mas as da eiéncia, da observacio, do calculo e da experiencia, Esses novos mundos cientificos romperam todo vinculo com 0 Organon de Aristételes; stias préticas nada mais tém a ver com as da argumentagéo discur: siva. E nessa época que a l6gica se tornou a disciplina “formal”, a qual deviam se opor a “I6gica natural”, a “l6gica nao formal”, ou a “I6gica substancial”, nos anos 1950-¢ 1970. or serem identificados com uma ret6rica deslegiti- mada, os estudos de argumentagio figuram em péssima posigio, Nao obstante,o interesse por esse tema persis- tin pelo menos em dois campos, o direito e a teologia. Os manuais de introduglo ao direito tradicionalmente abrem certo espago para a argumentacio, dando uma dfinigao suméria de alguns argumentos particulares, considerados como fundamentais paraa pratica: a pari, ‘a coutrario, a simili, por absurdo, especialmente, ‘A argumentagio também subsistiu. em teologia, como parte importante do curriculofilossfico neotomis- ta, Em 1879 (que também é 0 mesmo ano da publicagao dda Begrffschrif), o papa Leao XTM publica a encictica AMerni Paris, que constitui Tomas de Aquino (1227- 1274) como uma espécie de fildsofo oficial da Igreja uitélica. Ora, essa filosofia, o “neotomismo”, adere a Jumma visio da légica aristotélica como fundamento do Densamento no exato momento em que essa orienta- (lo se torna cientificamente ultrapassada. Existe uma ligaglo clara entre essa decisioe o fato de que podemos 8 a aRCUMERTAGKO encontrar desenvolvimentos substanciais relativos a16- gica tradicional, como interessantes consideragées sobre 0 tipos de argumentos e sobre os sofismas, nos manus, de flosofia de inspiracdo neotomista para uma educagio religiosa de nivel superior. Importantes tratados, como a Petite logique, de Maritain (1966), também poderiam dar testemunho desse interesse pela légica como filosofia da cognicdo natural no quadro geral do neotomismo, bem como da rejeigdo as concepées formalistas da Idgica, 3. Teorias da argumentacao ¢ préticas argumentativas As observagées anteriores incidem sobre o estado de um campo de saberes e de relagdes entre disciplinas. A questo do estatuto da argumentago como prética discursiva ¢ algo bem diferente. Na mesma época, os dliscursos polémicos de contetido politico e rel sfo de uma violencia peculiar e produzem, no ambito catélico, obras impressionantes, especialmente por seu volume, que tomam a defesa do dogma. Essas apologias bem intencionadas mobilizam todos 08 recursos mile- nares da tet6rica oratéria para se bater de um modo inretorquivel contra os avangos cientificos mais recentes mais bem estabelecidos, particularmente em campos. como a hist6ria, a antropologia, a geologia, em temas como a idade da terra ou a antiguidade do homem. Bncontramos um exemplo prototipico disso em uma argumento mais antigo de Chateaubrian Referimo-nos a dltima objegéo contra a origem moderne do obo. Dizse que “a terra é uma velhe ne qual tudo remete (0 esTub08 OE ARUMENTAGKO ” a caducidade. Examinem seus fseis, seus mirmores, seus rants, suas lavas ¢ ali lero esses anos inumeréveis [.." ssa dilfculdade foi cem vezes resalvida por essa respost Deas teve de rir , sem dvd, crow o mundo com todas as ‘marcas de vetustezedecomplemento que nele vemas! Existe uma incompatibilidade manifesta entre 0 dis- cearso angumentativo baseado num “bom senso” desses e arealidade da prova cientifica. Ao se exercerem fora de seu campo de validade, as préticas angumentativas expt ham-se a refutagdes devastadoras e, além do mais, a0 isco de se verem invalidadas como método em todas as ituagbes de pesquisa. Vale levar em conta essa ligio, 4. Conelusaio Em resumo, na virada do século XIX para o século XX, a situacio é, aparentemente, a seguinte: a retérica std cientificamente invalidada como método por ser incapaz de produzit 0 saber positivo e é, além disso, associada a um grupo clerical caracterizado por seu antirrepublicanismo, o que leva a sta exclusio do cu riculo universitério. A légica, a0 se tornar formal, no se define mais como uma arte de pensar capaz de reger 0 om discurso em lingua natural, mas como um ramo da ‘matemtica. Os estudos de argumentagdo refluem para 0 ‘ito eno quadro da filosofia neotomista, para a teolo- T Piangois René de Chateaubriand, Le gnie du christianisme, 1 part, livo 1V, capitulo V: “Jeunesse et viilesse de I terse 102 20 A ancumenragho fia, Todo esse descrédito ¢ inerementado por interven- Ges ndo pertinentes em campos cientificos de ponta. Novos estilos argumentativos aparecem, fundados no método critico, Essa situacio iria se manter inalterada até, pelo menos, os anos 1970. Se tiver fundamento, ssa leitura permite entrever as razdes profundas do “eclipse” da angumentagdo, que nada tém a ver com negligéncia e esquecimento. A argumentagio no foi esquecida, ela foi é profundamente deslegitimada. IIL. - O pés-1945: wma reconstrugio por etapas 1. O momento politico dos anos 1950 [Na Buropa, os estudos de argumentagao passam por ‘um notivel desenvolvimento nos anos subsequentes Segunda Guerra Mundial, nio apenas em francés (Pe- relman e Olbrechts-Tyteca, cf. capitulo 1) ¢ em inglés (Toulmin, cf. capitulo n), mas também em alemao, Dé testemunho disso a obra de Curtis, La littérature eur préenneetle Moyen Age latin (1948; “A literatura europeia ealdade Média latina”), que reintroduiz um conceito de ‘opas (plural: po’) edefindo, sobre o qual ele funda sua visio da literatura europeia (Curtius, 1979, 138), inau- gurando assim um novo campo de pesquisa sobre esse tema (a Toposforschung), que passaré por importantes desenvolvimentos, especialmente em literatura e direto, Um pouico mais tarde, o Handbuch der literarischen Rhe- torik (*Manual de retoria literdria”, de Lausberg, 1960) reconstréi um sistema da retériea cldssica (0s EsTU00s DE ARGUMENTAGRO a Em uma obra fundamental, Le viol des foules par a propagande politique (“A violagio das massas pela propaganda politica”, Tchakhotine caracteriza a propa- anda dos regimes totalitérios como uma “sensopropa- ganda”, ou seja, uma propaganda baseada no apelo aos instintos irracionais. A essa sensopropaganda ele opde uma “ratiopropaganda”, fundada na razo (Tchakhoti- ne, 1939, 152). Podemos considerar a hipstese de que 0 muito celebrado “renascimento” dos estudos de argu: ‘mentagao, que surge precisamente em plena guerra fria, temalgo a ver com a busca dessa tal “ratiopropaganda”, a construgao de um modo de discurso democrético ta- nal, como rejeigio dos tipos de discutso totalitérios natistas e stalinistas. Esse projeto de constituicao de Juma nova reflexdo sobre o logos, sobre a racionalidade do discurso, com uma especificacao politica, por meio de Jum conceito auténomo de argumentacio, nao esté assim tio Tonge da visio de Curtius, que vé na retérica uma das bases da cultura europeia. Ele ¢ fundamental para Co projeto de Toulmin, Perelman ¢ Olbrechts-Tyteca. O exame da obra de Domenach sobre La propagande po- itique (1950), que define a propaganda como Perelman define a argumentacio, confirma essa conclusio. Seja lio que se pense disso, é exatamente nese contexto IMeol6gico que a argumentagao foi reconstrufda 2, O momento ligioolingutstico dos anos 1970 A partir dos anos 1970, esse periodo “ideol6gico” Ssucedido, na Franca, por um momento légico-linguis- 2 A aneumenragso tico, Por diversas razdes, as propostas de “novas teorias da argumentaco” dos anos 1950 nao encontraram znaquele momento boa acolhida na Franga. Ocorre que a reintrodugao ¢ a renovagao do conceito de argumen: taco como um conceito decente, capaz de organizar pesquisas em ciéncias humanas, mais pontualmente cm ciéneias da linguagem, so obra de Ducrot, em La prewve et le dire (1972) e Dire et ne pas dire (1973), ede Anscombre e Ducrot, em uma obra de 1983, dotada de sum titulo-programa, L’Argumentation dans la langue. Pa- ralelamente, Grize e a escola de Neuchatel propuseram sum modelo de “Iégica natural” para servir ao estudo dos aspectos cognitivos da argumentagdo (cf. cap. 1). ‘A argumentacdo reemergiu na Franganiio no campo do discurso politico, como prtica erica, mas no campo doestruturalismo, daligicalingufstica, do cognitivismo. A. argumentagio nao éum método de regulagao racional das, diferengas de interesses, de apreciagao; ela esté na lingua, no na fala em circulagao. A abordagem é completamente distinta da que prevalecia nos anos 1950. 3. De uma légica natural a inteligéncia artificial De uns quarenta anos para ¢4, as pesquisas em inteligencia artificial desenvolveram o estudo formal dda argumentagdo (Koons, 2005): — Do ponto de vista epistemol6gico, no quadro da teoria do raciocinio chamado de “reversi- vel” ou “revisdvel” (defeasable reasoning). Esse raciocinio ineide sobre erengas que permitem (0 esTucos OE ARGUMENTAGRO a inferéncias que admitem excegdes: em geral, 0s péssaros voam; mas os pinguins silo péssaros e ‘no voam. Se sabemos que Piu-piu € um péis- saro, dai ndo podemos concluir rigorosamente nada, A teoria do raciocinio revisivel admite a conclusdo “Piu-piu voa”, na auséncia de infor- rmagao que permita pensar que Piu-piu é um pinguim. A restrigdo evoca exatamenteamesma que ¢ introduzida por Toulmin (cf. eap.u) € as, condigées de énus da prova (cf. cap. 1). — Do ponto de vista légico, no quadro das Tégicas chamadas de nao mon6tonas, Diferentemente das 16gicas elgssicas (ou “monétonas”), elasadmitern a possibilidade de que uma conclusdo seja dedut- velde tm conjunto de premissas (E1) enfiooseja de E1 ampliado com novas premissas, Em termos de “revisio de crengas”,trata-se de formalizar a ideia clementar de que um novo aporte de infor- magio pode levar a revisar uma crenga deduzida de um primeito conjunto restrto de dados, 4. A tendéncia critica e dialogal, antiga e moderna ssa tendéncia se impée nas pesquisas em lingua inglesa a partir dos anos 1970. Ela tem como eixoa cri- tia do discurso, a pesquisa das faldcias; seus instrumen- 10s silo os da logica, por vezes tomada no sentido amplo die método” (Plantin, 1995, cap.v). obra de Hamblin, ‘Pullacies (1971), marca uma etapa nessa orientagao de osquise, ao levantar sua histéria, fazer um halanco e os ‘1 ARGUMENTaGKO propor uma renovacdo pela introduedo da nogio de jogo dlialético formal (formal dialectic). A pesquisa sobre as faldcias também é chamada, menos negativamente, pelo nome de “légica informal”: trata-se de trabalhar com algumas formas de argumentos, geralmente muito clis sicos, facilmente tachaclos de falaciosos, e de perguntar pelas condigées pragméticas de sua validade (Blair & Johnson, 1980). Esses trabalhos sao frequentemente ‘mal assimilados na Franca, visto que levantam duas questées fundamentais, a dos tipos de argumentos € a das condigdes de uma critica do discurso angumentativo, ‘ou em outros termos, da ética do discurso. ‘A partir dos anos 1980, a tendéncia dialogal pas- sou a ser profundamente infinenciada pelas pesquisas, sobre a linguagem em contexto, a conversagio e 0 did Jogo natural. Encontram-se os primeiros estudos nesse sentido em uma obra de Cox & Willard, Advances in Arguumentation Theory and Research (1982). La nouvelle dialectique (1996), de Van Bemeren & Grootendorst, renovou profundamente a abordagem das faldcias da racionalidade, inscrevendo-a na perspectiva de um idlogo regido por regras aceitas pelos interlocutores. O modelo desenvolvido aqui, no cap. tv, inscreve-se ‘no quadro de uma abordagem dialogal a partir da qual podemos reconstruir uma viséo global do campo, reatar 0s vinculos da argumentagao pela prova (cap.1v) pelas, ‘emogdes (cap. vi) e fundar uma perspectiva comparada (Capz vn). Mas, antes disso, os capitulosnemapresentam as grandes questées que onganizam a pesquisa sobre a argumentacao como modo especifico de encadeamento de emuneiados em tum discurso monologal. capfruto 11 FATOS E LINGUA Este capitulo tem como ponto de partidaa definigao tlissica segundo a qual a argumentagao é um modo de construgdo de um discurso em lingua natural que “par te de proposigdes nao duvidosas ou verossimeis, delas extraindo aquilo que, considerado isoladamente, pareve duvidoso ou menos verossimil” (Cicero, Divisions, 19).0 ‘modelo de Toulmin fornece uma excelente representagao Adesse modelo da argumentacao monologal, constelagao de ‘enuinciados ligados em um sistema e que dio ao discurso uma forma de racionalidade. As pesquisas contemporéme- fis mostraram que as coisas eram mais complexas. Contra 4a redugao da argumentacao a uma ordenagio de fatos, a teoria dita da “argumentagao na lingua” pos em destaque © papel discursivo das orientagdes impostas pela lingua- gem. O modelo da “logica natural” de Grize, ao levar em tonsideracao a dimensao linguistica da argumentacao, albre para 0 estudo dos objetos negociados no didlogo. I. - 0 modelo de Toulmin 1, Um modelo da coeréncia argumentativa Para Toulmin (1958, cap. 1m), o discurso seguinte ¢ um discurso argumentativo elementar completo: a6 A anuuenTagto (1) Hamy nasceu nas Bermudas; ora, 2) as pessoas que nas ceram nas Bermudas sio geralmentecidads britnicas, em virtua (3) de leis e deeretos sobre a nacionalidade britanca; {ogo (4) provavelmente (5) Harry €cidadéo britanio; menos «que (6 seas sis sejam estrangeirs, ou que cle tenha mudado de nacionafidade. Esta organizagao discursiva corresponde & estru- tura conceitual ¢ relacional abaixo: Qualifier Claim Date Dade (1) a) rl (6) Conetasto since Warrant mless Rebuttal desde que (2) lide passagem ——_amenns que (0) Refuragio ‘on account of Backing sto que (8) Suporte Dessa forma, o modelo define o discurso argu- mentativo como uma célula composta de seis ele- mentos: — uma Conelusio (5) 6 afirmada com base em um Dado (1); — esse passo argumentative é autorizado por uma Leide passagem (2), ela mesma apoiada em um Suporte (3); — cle é matizado pela introdugao de um Modali- zador (4), que pode ser desenvolvido em uma Restrigao (6). aos € ncn Fs Como esses conceitos foram traduzidos de diver sas maneiras, nés os comentaremos a partir do termo original inglés Dado; “Harry nasceu nas Bermudas”. O termo inglés 6 data: “informagao, algo de conhecido, do qual se pode tirar uma conclusao”. Conclusio (posigi): “Harry 6 cidadao briténico” Claim significa “afirmagao, demanda, reivindicagao” de Algoem um contexto de contestacio. Toclaim élevaravan- to uma pretensio legitima a um direito, a uma verdade, Leide passagem (garantia): “Dado que as pessoas hnascidas nas Bermudas geralmente sio cidadas britani- as”, Um warrant € uma autorizagao, uma validagio tal {que 86 pode ser efetuada por uma lei ou um superior hiierdrquico; é algo “apropriado”. Ele significa também ‘ustificago, boa razao para agir ou para crer”, em um sentido préximo ao de “argumento”. Suporte: “Diante dos estatutos ¢ decretos seguin- os." Backing deriva de toback, que significa “reforca, fustentar, apoiar”, em um sentido que pode ser ou Oitritamente material, ow intelectual, “dar seu aval, feniearregar-se de, assumir” (to endorse) ‘Modatizador: 0 advérbio provavelmente remete & Resirigao. O termo inglés & qualifier; to qualify significa principalmente modificar no sentido de uma limitacao, Hornar menos categérico ou menos duro (to qualify a jiunishment: amenizar um castigo): poderiamos também " Ulilizar “atenuador” ou “mitigador”, Notemos que 0 “jhodal “em geral” que afeta a lei de passagem anuncia ‘ujucle que se encontra na conchusio. 28 A aneunenragno Restrigio,refutagdo: “A menos quescus dois pais sejam estrangeiros ou queele tena se naturalizado como america no”, term inglés é rebuttal; rorebut significa “contradizes, refutar, oporse, particularmente de uma maneira explicita, a0 se trazer um argumento out uma prova’t 2, Em torno do esquema ‘As notas seguintes se propdem relacionar esse modelo com outras probleméticas da angumentagio. Um modelo para 0 monélogo argumentativo. —O ‘modelo de Toulmin aplica-se ao discurso continuo, a0 mondlogo. Contudo, podemos considerar que 0 modalizador representa o vestigio de um possivel con- tradiscurso, correspondente a concessao. Ele introduz um elemento dialogal no model. Uma regressio ao infinito? — Ao funda a lei da pas- ‘sagem sobre uma garantia, desencadeia-se uma regressio potencial aoinfinito, visto que a garantia também deve ser garantida, A mesma regressio poderia ser observada no caso do argumento, que também pode exigir um suporte. Decorre dessa constatagio a necessidade de pontos fixos, de acordos preliminares, quanto aos fatos ¢ quanto as leis, para que argumentagdo possa ocorrer de modo frutuoso. ‘A tejeigio de todo acordo sobre um entunciado qualquer caracteriza as estratégis de retardamento (cf. eap. m), de ruptura ou de desestabilizacao do debate (Doury, 1977). Um sitogismo categérico, — O exemplo escothido por'Toulmin para exemplificar seu esquema correspon- de a0 mais eélebre dos silogismos: ae08 © uncun 29 Leide passagem: as pessoas nascidas nas Bermudas silo siditas britanicas. Argumento: Harry nasceu nas Bermudas. Conelusdo: logo, Harry é sidito britanico, Esse silogismo articula uma premissa de tema {feral (a lei de passagem) a uma proposigao de tema conereto (ou proposicao singular, o argumento) para dai deduzir uma proposigao de tema concreto (a conclusio). Ele corresponde a um procedimento de categorizacéo, ao integrar um individuo a uma tlasse, cujos direitos, deveres e esteredtipos ele de- vera assumir, isto &, todos os predicados. O exemplo chama justamente a atengdo para a importéncia da luategorizacao e da deduedo intracategorial na atividade rgumentativa ordinétia. Desse modo, inserir um silogismo no fundamento dnatividade angumentativa talvea explique a deferéncia Ale que goza 0 modelo de ‘Toulmin junto aos cientistas, Joteressados em argumentacio. O exemplo seguinte (Toulmin, 1958, 184), menos frequentemente citado, Aostra que ele corresponde a expressaio de uma predi- (jlo cientifica fundada em leis decorrentes da experi- ‘Wiein e da observacao: ‘Dado: a posigéo observada do sol, da lua eda terra ‘Ni odin 6 de setembro de 1956; Leis as leis sobre a dindmica dos planetas; Siyporteda e:0 conjunto da experiéncia sobre o qual “se flundam essas leis, até o dia 6 de setembro de 1956; | Conclusio:0 momento exato em quese dard o préxi- “Wo eclipse da lua depois do dia 6 de setembro de 1956. A aRUMENTAgKO Neste exemplo, a auséncia de contradiscurso caracteristica da passagem para o campo cientiico. Um silagismo juriico, —0 discurso a respeito de Harry recorre a uma disposigdo legal sobre o estatuto dda pessoa, dizendo que a nacionalidade ¢ atribuda em fangao do lugar de nascenea. Se o locutor fosseo tabe- Tigo de registro civil, a conclusio “Harry é um cidadao de tal nacionalidade” seria performativa. Tudo isso corresponde exatamente ao silogismo juridico, ‘A restriggo menciona um conjunto de critérios legais eapazes de entrar em concorréncia com o princi pio mais geral: ele introdusz um elemento de raciocinio caso a caso. Nessas condigdes, nao é de suxpreender «que Toulmin fale de sua abordagem da argumentacao ‘como de “uma jurisprudéncia generalizada” (1958, 7). O processo juridico, contudo, nao é visto como um con- fronto contradit6rio regulado, mas, prioritariamente, como a justficagao de um enunciado. ‘Tapos. — A lei de passagem corresponde & nogao argumentativa tradicional de topos. Um topos é um ‘enunciado geral que exprime um principio capaz de serar uma infinidade de argumentagSes concretas par- ticulares (ou entimemas, ef. cap. 1), “assegurando”, frequentemente de modo implicit, a ligagao argumen- taglo-conclusio; a coeréncia da sequéncia “o vento se Jevanta, vai chover” funda-se no topos “quando o vento se levanta, logo depois chove”. As vezes, se diz que “ha algo a mais” no argumento, do que na concluséo, na medida em que o argumento ‘st mais assegurado do que a conclusio (que nao pas- 0s €uncux saria de uma projegao hipotética do argumento). ‘Tam hém se pode dizet que “hi algo a menos”, na medida em que a conclusao nao faz mais do que desenvolver analiticamente 0 argumento, ela é o produto desse argumento entiquecido por sua combinagdo com um principio geral, ou topos Um modelo para 0 discurso racional, — Toulmin situa a racionalidade na estrutura do esquema. Um discurso racional é um discurso fortemente conecta do, que se apoia sobre uma hierarquia de principios de crescente generalidade, abrindo certo espaco para a refutacdo, IL - “A argumentagao na lingua” 1. Uma critica lingutstica _, Ducrot opée uma visio “ingénua” ou “tradicio- nal” da angumentao& concep “semana”, que € a dele, A visio “ingénua” corresponde justamente a0 modelo de Toulmin: aoa 1 /ela distingue dois segmentos linguistics () ¢ ©); 2/0 segmento (a) designa um fato (F); ponto essencial: 0 fato pode ser apreendido indepen- dentemente da conelusio (c); 3 /a conclusio (c) pode ser inferida a partir do fato (x)” (Ducrot, 1990, 72-76). Para fazer justica a condicio (2), nao ha diivida de que é preciso esclarecer que a implicagao se faz exata ‘mente entre o fato (r) e um fato (P), designado por (c). a ancmentacko Por outro lado, a condigio 3/ estabelece que se “pode inferit”, o que supée a existencia de uma “permisséo para inferir” & maneira de Toulmin No plano cognitivo, ¢ nao mais no plano linguis- tico, o caminho, portanto serd: percepgao de um fato ¥; deteegdo de uma lei natural; aplicagdo dessa lei a, 0 aque leva & percepeao (intelectual) der: Neste modelo, ‘papel da linguagem é simplesmente remeter a um processo fundamentalmente nfo inguisico, garantindo tuma designagdo correta para os diferentes elementos desse processo; em outros termos, Toulmin presstpoe uma lingua cientifica perfeita. ia essa visto do processo argumentativo, de- calque da realidade ou da atividade cognitiva, que Ducrot dirige sua critica radical. Na teoria da argu- ‘mentagio na lingua, a argumentagao é reconstrufda em um plano exclusivamente linguistico, de acordo ‘com o programa estruturalista em Linguistica. A intuigéo fundamental desse modelo é que, quando jum individuo produz um enunciado, j4 € possivel, ‘exclusivamente sobre essa base, predizer o que ele vai dizer em seguida. O estudo da argumentagio ¢ 0 estucdo das capacidades projetivas dos enunciados, da expectativa criada por sua enunciaclo, “Ele ésolteiro, Jogo... nfo é casado”; “Ele ¢ forte, logo... poderd lovar esse fardo" Essa intuigio ¢ formalizada na nogao de ssorientagio argumentativa” de um enunciado. Essa anilise provou ser de grande fertilidade para o estudo dias sequéncias de enunciados (monolocutores). aos © una 2, Orientacao argumentativa A orientagio (ou o valor) angumentativa(o) de wm enuneiado 81 define-se como a selegdo operada por esse enunciado sobre os enunciados #2 capazes de sucedé-lo em um discurso gramaticalmente bem construfdo, ou seja, “o conjunto das possibilidades ou das impossibili- dades de continuagao discursiva determinadas por sua utilizagio” (Duero, 1990, 51). Levar em consideragao ‘informagdes” contidas em um emunciado nao ésutficien- te para dar conta dos encadeamentos passiveis a partir desse enunciado, Podemos ilustrar essa ideia a partir da nociio de pressuposigao. O enunciado (e1) “Pedto parou de fumar” pressupde que (p) “antes, Pedro fumava” estabelece que (r) “atualmente, ele ndo fuma mais" Plemos fazer (B2) se seguir a (1) “Ble (pelo me nos...) no corre orisco de desenvolver umn cine”; temas que “el esté orientado para é um argumento para :2”, Inversamente, a sequéncia “(e1) Pedro parou de fumar. (62’) Ele se arrisca, portanto, a desenvolver tum edncer” é uma sequéncia agramatical ¢ incom: preensivel, «1 no é um argumento para £2. Notemos que a informagao (p) “antigamente, Pedro fumava” (orientada para “ele se arrisca, portanto, a desenvolver um cincer”) esta claramente presente em (61), mia argumentativamente “inativavel” A teoria da argumentagao na lingua é uma teoria da significagio, Ela rejeita concepgdes da significagilo como adequacio ao real, sejam essas teorins de ins piragao l6gica (condigdes de verdade) ou a in aneumentagho (protétipos), em proveito de uma eoncepcio quase ‘espacial do sentido como diregdo lingufstica: 0 que um cenuinciado “quer dizer” é a concluséo para a qual ele cesté orientade, ‘Do mesmo modo, “o valor argumentativo de uma palavra é, por definicdo, a orientagio que essa palavra dd ao discurso” (Ducrot, 1990, 51). A orientagio ar- ‘gumentativa de um termo corsesponde a seu sentido. Desse modo, a significagio linguistica da palavra in- teligente nao deve ser buscada em seu valor deseritivo de uma capacidade (mensurdvel por um gx), mas na rientagdo que sett uso em um enunciado impoe a0 dis- curso subsequente; por exemplo: “Pedro ¢ inteligente, cle poders resolver esse problema” se ode a sequéncia pervebida comio incoerente: “Pedro é inteligente, ele ‘nao poderd resolver esse problema’ "ssa visio das sequéncias de enunciados tem como consequéncias: — Se o mesmo segmento S € seguido em uma primeira ocorréncia pelo segmento Sa ¢, em ‘uma segunda ocorréncia, pelo segmento Sb, diferente de Sa, entao Sa nao tem a mesma significagdo nessas duas ocorréncias. Dado que podemos dizer “Est fazendo calor (8), fiquemos em casa (Sa)" vs “Esta fazendo calor (8), vamos passear (Sb), é porque “nio se trata do mesmo calor nos dois casos” (Ducrot, 1990, 55), Contrariamente, podemos pensar que deve ser estabelecida uma forma de equivaléncia ‘entre enunciados orientados para a mesma conchisdo: se o mesmo segmento S ¢ precedido, em uma primeira ocorréncia, pelo segment Sa, © em uma segunda ocorréncia pelo segmento Sb qu 6 frente de Sa endo Sa eS em ‘mesma significagao: “Esté fazendo calor (Sa), fiquemos em casa (S)” vs. “Preciso trabalh; (Sb), fiquemos em casa (S)”. Intuitivamente {ssolembra a concep justficacional da argu ‘mentagdo: partimos da conclusio (da intengaio que sera linguisticamente anunciada, “quero ficar em casa”) e todas as razdes que podem Justficd-la sfo equivalentes. — “Se 0 segmento S1 sé tem sentido a partir do segmento S2, entdo a sequéncia SI +S2 cons- titui um tinico enunciado” (Duerot, 1990, 51), ‘ou um “bloco semintico”; no ha ckivida de que poder‘amos dizer um s6 signo, com SI se trans formando no significante de S2. Essa conclu levariairedugao da ondem prépria do diseurso 4 ordem do signo, centro da problemética lin guistica no programa estruturalista. 3. Argumentagiz na lingua e fala argumentativa ssa teoria se opée as teorias e as priticas antigas ow neocléssicas da argumentagéo. Para a retdrica, a competéncia argumentativa nfo é uma competéncia semintica da lingua (no sentido saussuriano), mas una técnica especializada do planejamento logico-discursi: ‘Vo, wma competéncia da fala, de miiltiplas dimensdes ” 1 arounenragho (emocional, objetal, relacional). Nao basta saber falar para saber argumentar, sio necessérios competéncias ¢ um aprendizado especifico. ‘Do ponto de vistalégico-epistémico, observaremos que, para a ant, (argumentagao na lingua), aconclusdo |jdestd presente no argumento, que ela s6 faz. teformular. Essa visio aprisiona qualquer argumentagao em uma cespécie de circulo vicioso, “? logo” Aristételes comen- ta da seguinte forma esse paralogismo de raciocinio: Quando é 0 proprio termo que se postula, trata-se de uma falta que dificilmente escapa & atengo, mas ela é ‘mais dificilmente perceptivel no caso de sindnimos, ou de um termo e de uma expresso que tenha a mesma significagdo” (Arist6teles, Tépicos, 360). A Amt acres: centaria que a petigio de principio é, de fato, a forma fundamental da argumentagao em lingua natural e que podemos encontré-la na base de toda sequéncia argu ‘mentativa. Dé para medir a diferenga com Toulmin. Para.a amt, 0 tinico critério é 0 da boa formagio gramatical da sequéncia “argumento + conclusio”. Nessa teoria, a forca da restrigdo argumentativa é inteiramente uma questo de Tinguagem. Ela nao é diferente da forca de coesdo do discurso. Rejeitar uma ‘conclusdo é simplesmente quebrar o fio do discursoide- ‘al, Bssa tese tem corolirios importantes. Por um lado, a aargumentagdo é cortada da demonstragao cientifica (cf cap.\), visto que o sentido do emunciado nao é definido ‘em selagdo com uma forma de real e que os prinefpios dl ligngao entre enunciados s20 definidos como puros Jagos “t6picos” entre predicados (cf. cap. m1). Por outro Faro € Unc lado, a nogio de competéncia eritica, essencial pari anélise dos paralogismos (falécias) nao tem sentido no quadro da ant.¢, consequentemente, o problema de ‘uma eventual racionalidade discursiva nao pode ser suscitado; 86 0 sentido existe. Essa posigdo redefine a nogdo de angumentac’o; por isso Anscombre fala de argumentagao “em nosso sentido” (1995, 16), e Ducrot diz.que a teoria da an “deveria ser chamada era de ‘teoria da ndo-argumen: taco” (1993, 234), 4. Orientagies indeterminadas Os problemas suscitados pelo uso do termo argu- mentacio na teoria da “argumentagdo na Kingua” nao chegam nem a resvalar na importincia da nogdo de orientagio, de restrigio puramente lingustica que wm cenunciado exerce sobre o enunciado que se seguiré a ele, ‘ou seja, sobre a “preformagaio” de r2. por #1. Podemos admitir que todas as orientagdes nao sao forgosamente argumentativas, mas que a natureza da orientagio de: pende do contexto genérico do discurso considerado. A nogio de orientagdo permanece como fundamental ¢ & ‘nterpretada em discurso como argumentativa, narrativa, descritiva ete. — de modo geral, como uma orientagiio para a sequéncia do roteirolinguistico/acional no qual © discurso se inscreve, Dessa forma, todo relato attibui expectativa a seus déceis ouvintes, projeta uma sequen cia, que ser chamada de sua “orientacdo narrativa”, em virtude do principio de inércia discursiva que permite 38 A ancenragto prever o futuroem fungi do passado, qualquer que seja fa regra subjacente a essa expectativa. Parafraseando as ‘anilises de Ducrot, poderiamos dizer que mas anula ‘a tendéncia rumo ao desenvolvimento de um mesmo mundo discursivo, para substitu-lo por outro: “tim Poqueno Polega entrow na mata vires... riangas cestemoceram e apertaram o asso... Mas, ness interim, 08 iis, devorados pelo remorso..” Nesse sentido, podemos reler o longo sonho em vigilia de Emma Bovary (Madame Bovary, 1, 2), onde jum mas, que nao tem nada de argumentativo, marca ‘contudo uma mudanga de orientagio, da isotopia ro- ‘mantica para uma isotopia realista A gape de quatro cavals, ela oi leva depois de oto dias pars um pais ovo, de onde cles no votarian eal se balangavt no horizonte nit, harmonios, auladoecoberto desl. Mas a criana se ps tossr em seubero, ou entio era Bovary cand mais ato” 0 fenémeno da mudanca de orientagao é simples: ‘mente particularmente nitido no caso dos contextos argumentativos. O tipo exato de orientacdo com o qual 6 preciso se haver deve ser determinado no contexto, Il. - Légica natural 1, A légica natural Grize define a l6gica natural como “o estudo das ‘operagies logico-discursivas que permitem construire reconstruiruma esquematizacio” (1990, 65). Diferente- ses aro € UNGUA a mente de Ducrot, a insisténcia no esté posta diretamente sobre alinguagem, mas, em principio, sobre os processos cognitivos que a ela subjazem: “Ela tem por tarefa expli citar as operagoes de pensamento que permitem a uin ocutor construir objetos ¢ predicd-los de acordo com sta vontade” (1982, 222). Essaldgica caracteriza-se por das propriedades que a diferenciam da légica matemética, Por um lado, trata-se de uma logica que leva em conta o didlogo: “Bntendo com isso noo entrelagamento de dois discarso, ras a produgio de wm diseurso a dois: a produgéo de wm Jocator(orador)[.. em presenga de um locutado (ouvite} |] Bverdad que, na quasettadad dos textos examninados, [o ouvinte] permanece virtual. Contudo, isso no altera em nada o problema de fundo: fo orados}constéi seu discurso cm Fangio das representages que ele tem de seu ouviate ‘Simplesmente, se [o ouvintlesté presente cle pode efetiv smente dzer‘Nao concordo' ou ‘Nao estou entendend’ Mas, se etiver ausente, [o orador] deve realmente antcipar suas reeusas e suas incompreensdes” (1990, 21), Essa posigdo ndo ¢ Ii tdo diferente assim da visio retériea do didlogo, como um processo de interacio restrita: “O orador nao faz mais do que construir uma esquematizacao diante de seu auditério sem ‘transmit 1a’ a ele propriamente falando” (1982, 30), Por outro lado, trata-se de uma logica de objetos “A atividade de discurso serve para construir objetos de pensamento que servirdo como referentes comuns aos interlocutores” (1990, 22). Essa dimensio de coconstrugio do objeto do discurso se demonstrow fs anaumenragho particularmente bem adaptada A andlise das interagoes argamentativas (Sitri, 2003). 2, Esquematizagio ‘A nogo central da6giea natural 6a daesquematiza- do, defini como uma “representa discusiva daguilo de que se trata” (Grize, 1990, 28). Uma esquematizagioé ‘um discurso que constréi um mundo coerente e estivel, apresentado a0 interlocutor como una imagem da reali, dade: ““Esquematizar[...]umato semidtico:é dar a ver” (Grize, 1990, 37), de onde a metéfora da “iluminagio” Entre as imagens propostas ao ouvinte, a légica natural se interessa especialmente pela imagem do objeto de dis. curso, tanto pela do locutor como pela do ouvinte. Aqui também as pontes com a argumentagio retbrica no esto rompidas (¢, por exemplo, a nogio de ethos, exp. "As esquematizagbes se fixam em temas out “no- Ges primitivas” (Grize, 1990, 67) e se constroem por thma série de operagées, das quais € possfvel fazer uma jnterpretacio que permite situar a 16gica natural com relagio as abordagens linguisticas da argumentacio. ~Constituigdo das nogdes primitivas em objetos de discurso ou classes-objetos, que 0 discurso vyaientiquecer com elementos igados eultural- ‘mente ou inguisticamente ao elemento de base dda classe-objeto (Grize, 1982, 227).Dessa forma, Ganexado ao objeto um “feixe de objeto” ‘Conjunto de aspectos normalmente anexado 20 objeto ens elementos sio de ts espécies: propriedades, relagies pos unin esquemss de ao, Desse modo, fie d's mon pris nor meh lis con ‘ser mais bela que’, esquemas de ago como ‘murchas’ [.,.)' (Grize, 1990, 78-79). A constituigdo desse fixe 6 tirada de “textos ef tivamente produzidos” (Grize, 1990, 80) Esse conceit deve ser elacionado com a8 nogdes de esterestipo da teorasemantien ede tops da tora da argumentagio na lingua. Masa 1égica natural evita, com todo o ciao, jntroduziruma rupture a priori entre aqui que serindo inguistico" puro e aguilo que seria do encclpédico — Operagées de caracterizagio: elas produzem “contetos de juizos” ou predicagdes e se fa- zem acompanhar de modalizagies, operada sobre as classes-objtos. a a ssi soem sia asus porpes fesde enunciagi , depois, por operas de configura, due ligam vrios enancadosem um dscurso, A propia dessa tia operagdo, observenos que, ea Vgica natural sedesenvolveucomo una tora dargumentagSopontode vista ou “huinagio”, a consideragio de “onganizaio( Ges) racional(s) (Grize, 1990, 120) (sto 6, da argumentagio enquanto discurso) éassegurada por um novo coneeito, 0 conceito de sustentag. Ee definido como “uma fungi dacursiva que consi, para um sf Beco aie (fe drmstn pote rd simples «um grupo de enuncados que apresentam cela homogenedae funcional), em dar ert, tomar mais ve rosin ror ee cote sfrmadoem cut seta do mesmo dscurso (Aptis & ivi, 198, 7) a ancumentagho ‘A lgica natural junta-se com isso s probleméticas dda argumentagao como composigio de enunciados. IV. - Conclusio 1. Varios modos de ser na Iingua Em um sentido evidentemente diferente do sen- ‘ido de Ducrot, podemos dizer que para Grize também cada enuinciado argumenta, pois todo enunciado pro- ‘pée a0 interlocutor uma esquematizagio que apresenta fa realidade sob certa “luz”. Todas as operagdes de ‘construgio do enunciado tém valor argumentativo, desde a operacao de enquadramento constituida pelo ‘modo de introdugao de um objeto no discurso até as organizacoes racionais, Se a argumentacao é “um pro- cedimento que visa intervir sobre a opinido, a atitude fe até mesmo sobre o comportamento de alguém”, por meio de uma esquematizagio que atua sobre suas ‘epresentagoes (Grize, 1990, 40), um emunciado infor- ‘mativo cléssico como “Sao 8 horas” é angumentativo nesse sentido, F justamente essa a conclusdo a que chega Vignaux (1981, 91): angumentarequivele a enunciar algumas proposighs que scolhemos compor entresiReciprocamente,emuncia eq ‘lea argumentar, pel simples fato de que escolhemos diner ceavangar determinados sentidos em vez de outros” Falar de argumentagao é outra maneira de falar do sentido e da informacao, 005 neue 0 Domesmo modo, se considerarmos, com Perelaan (cf. cap. m), que a argumentagdo € uma operacao que “[provoca] ou [aumenta] a adesio dos espiritos as teses que apresentamos a sen assentimento”, entio, a rigor, 0 enunciado mais banalmente informativo pode ser von: siderado como uma tese, ¢ 0 mero fato de pronuncislo em condigdes normais faz. com que ele se apoie sobre a autoridade de seu locutor, assegura-the certa credibilida dee provoca certa adesdo de espirito do interlocutor, E para tentar evitar toda forma de dissolucio da nogo de angumentacao na linguagem, no sentido ou na informagao que sera proposta no eap. 1v uma visio da argumentagio fundada na nogio de contradicao ativa dos discursos em torno de uma questo. 2.A forca abdutora da linguagem Levat em conta fatos de linguagem no estudo da argumentagio leva a repensar o corte fundador do mo: delo “Enunciado argumento + Enuneiado conclusio”, Se vemos a conclusio como a razio de ser, o sentido do argumento, podemos considerar que 0 conjunto argumento-conclusdo fornece uma tinica “iluminagao” da realidade, um “bloco argumentativo”. E sempre po demos integrar 0 argumento na concluséo: vejamos a argumentagio (1 + 12) “Essas pessoas trabalham, 6 preciso (portanto) respeité-las”; a nominalizagio (*es: sas pessoas traballiam —> esses trabalhadores”) permite obter uma argumentagdo em um tinico emunciado: “E, preciso respeitar esses trabalhadores”. O emmneiado é auto-angumentado, exprime um ponto de vista comple eh a ancomenragto to, que se tem por irrefutavel, Desse modo, chegamos a semantizagao do vinculo argumentativo. ‘Algumas palavras, como “trabalhadores”, argu rmentam por sis6s. A linguagem nao é nem transparente tem suas designagées nem inerte em seus usos. Seus efeitos se dio em todos os niveis, na apresentagéo dos objetos, na formagao dos juizos, na sequéncia das pro- posicées. Esse poder pode ser distintamente apreciado. Do ponto de vista lterario, ou filos6fico, ele seré demun- ciao como fornecedor de “pensamento pré-fabricado”, insinuador de lugares comuns ede chavées de estilo; do ponto de vista cientifico, que exige uma nitida separacao dos argumentos e das conclusdes sob pena de circulari- dade, verse-d nesse poder um obsticulo epistemolégico. ‘A lingua seré ento considerada, se nfo como fascista (Barthes), pelo menos como obtusa ¢, as vezes, como ‘mediocre, Contudo, devemos atentiar essas conclusdes. ‘As orientagdes de tim enuunciado, por no serem todas de ordem linguistica, sao miltiplas e contraditrias: se fizer sol, vou passear out vou fazer faxina. Subsiste ofato de que todo enuinciado se desestabil- va aoseprojetar fora de simesmo, sob ocfito da injuncdo “procure a sequéncia!”. Ble fornece para essa reconstri- ‘cao indicagies propriamente linguisticas, que indicam 0 ‘caminho a seguir, mas que continuam aserinsuficientes; no podemos abrir mao de indicadores contextuais para reconstruir a intengio-conclusio, Essa forga abdutora, ‘rindora de hip6teses, é um estimulo fundamental para 6 pensamento falado, Ela encontra seu primeito controle exitico no confronto dialogado (cf. cap. 1). capITULo HHL ENTIMEMAS, TOPO/ E TIPOLOGIAS Um dos méritos essenciais do Tratado da argu mentagao, de Perelman & Olbrechts-Tyteca, € 0 de ter fundado 0 estudo da argumentacao sobre o estudo das “técnicas argumentativas”. Desse modo, essa obra forneceu a argumentagao uma rica base empirica de esquemas, que configuram a especificidade dessa pratica linguistica, Nela a reflexao se encontra reorientada para a decisiva problematica dos topoi (esquemas, tipos de argumentos) e para a nlocdo cortelativa de entimema, quase sempre reduzida a de silogismo incompleto. ideia de que algumas formas discursivas aan identificaveis desempenham um papel essencial na argumentacao leva-nos a nos interrogar pela possibi lidade de um inventério organizado dessas formas, ou seja, sobre as tipologias dos argumentos. 0 Tratado da argumentacéio 1. Definigto 0 Tratado da argumentagio (TA) define “o objeto. da teoria [da argumentaco)” como “o estudo das te A ancuntenragho nicas discursivas que permitem provocar ou aumentar 4 adesio dos espititos as teses que propomos a seu ‘assentimento! (TA, 5). Um poco mais adiante, essa definigdo recebe um complemento que a vincula 8 ago ea tomada de decisio: Uma argumentagio efican€aquela que consegueineremen- tara intensdade de adesio, de modo a desencadear entre os ouviates a ago visada (ago positva ox abstengao), ou de ‘modo a pelo menos crar, entre eles, ma disposi para 8 to, que se manifeste no momento oportuno” (TA, 59. Je inicio, essas definigoes levantam o problema do estatuto da linguagem ¢ da persuasio. ‘A linguagem eo auditério, - A mengio a téenicas discursivas faz explicitamente da argumentagio um ramo da andlise do discurso, mas,na pratica, 0 Tratado ‘ta argumentacao preocupa-se pouco com a inguagem fs vezes, assimila a perspectiva argumentativa & pers- peetiva psicolégica (7A, 649); na busca da adesiio dos ‘spirits, a mediacio linguistica tende a desaparecer. Da mesma forma, o apelo a0 dilogo parece funda- ‘mental, na medida em que 0 Tratado se prope mostrar “que as mesmas téenicas de argumentagdo se encontram em todos os niveis, tanto no nfvel da discussio em torno ‘da mesa da familia, como no nivel do debate em um ambiente ultraespecializado” (TA, 10), mas apidamente ‘6 encontro argumentativo & reenquadrado como uma entrevista desigual, sem retroagio; os outros espiritos hilo tem alternativas além de aderir mais ou menos 3 teses, A discussao 6 redefinida como o discurso feito @ tum auditério, na perspeetiva da ret6rica eloquente, Daio ‘Tratado deriva uma nogéo nova, ado auiditério universal catacterizado por seu tinanimismo, Essa ideia reguladora, superego ou anjo da guarda que velam sobre o discurso para assegurar sua racionalidade e sua conformidade a0 interesse geral nfo é uma nogao dialética; a racionali perelmaniana ¢ universalizante e nao critica, Essa visada universalizante tem consequéncias importantes, Para comegar, ela 6 mais bem servida pelo escrito do que pelo oral: “Nao temos motivo para limi- tar nosso estudo & apresentagio de uma argumentacao por meio da fala e de limitar a uma multidao reunida em uma praca 0 tipo de auditério ao qual nos dirigi mos” (TA, 9}. O audit6rio universal € um auditério de leitores. Como consequéncia disso, podemos nos indagar se 0 Tratado da argumentacio € algo como uma Nova retérica: sim, na medida em que ele fax continuas referencias aos retéricos antigos ¢ cléssicos, Nao, pois 0 gesto e a vor esto excluidos de seu campo (TA, 8) c 0s afetos nao recebem tratamento especifico algum (cf, cap. v). Persuadir ¢ convencer. — Ao trazer para primeiro plano, na definigdo da argumentacio, a adesio dos esp ritos, 0 Tratado da argumentacao retoma um elemento essencial da definigdo tradicional da retérica como desencadeadora de persuasdo. Ele prope “chamar de persuasiva uma argumentacdo que pretende valer ex- lusivamente para um auditério particular e chamar de convincente aquela que se tem por capar de aleangar a adesiio de todo ser de razio” (TA, 36). Essas nodes de ppersuasio e de conviegio, avangadas em relagao com a fA ancunentacKo| 4 argumentacio, so frequentemente retomadas como pontos pacificos. Contudo, nao devemos esquecer que DO estuido desses processos é assumido pela psicologia, {que conta entre seus objetos fundamentais com 0 es- tudo teérico e experimental das influéncias sociais (a persuasio, as convicgdes, a sugestio, a influéncia, a Jncitagio...) sobre as atitudes, as ideias e as agdes dos individuos ou dos grupos. O estudo da persuasfio, de origem verbal e nio-verbal, nfo pode fazer abstracao desses trabalhos. 2, Os tipos de argumentos ‘Uma contribuigéo essencial do Tratado é seu in- ventdrio das formas argumentativas. Ali encontramos, para comecar, um conteiido de descrigio empirica incompardvel: “Mais de oitenta tipos de argumentos de observagoes esclarecedoras sobre a func argumen- tagio de mais de sessenta e cinco figuras”, contraposto, sem matiz.algum, 2 “ldgica vergonhosa” de Toulmin (Conley, 1984, 180-181). ‘Com efeito, essa é problemética fundamental dos topo’ e dos entimemas, reintrodurida dessa forma no campo da argumentacao; “o argumento do desperdicio” ‘nos servira para introduzir esses conceitos. “fesse angomento| consist em dizer que, isto que seenme ox wna obra ee fieram sarificies gu se prderiam casos emuncinse @niciatvaé preciso seguir na mesma dire, Essa a justficatva apresentada pelo banqueiro que continua a ‘onceder empréstimos a seu devedor inadimplenteesperando, final das contas, que ele setestaeleca” (TA, 375). enunciado que destacamos em itélico é um topos, ‘um esquema argumentativo: 08 agentes sao impessoais (“se”) e as situacoes, muito genéricas (“comegar, obra, iniciativa, sacrificios, diregao”). Esse topes relaciona uma situagdo inicial complexa, 0 argumento (a) co- ‘megou-se uma obra; (b) essa obra é dificil; (0) nada se obteve; (d) € possivel parar; (¢) se se parar perde-se tudo, ¢ uma situagdo preferida, a conclusao (f) é pre ciso seguir na mesma direcdo. Todas essas condigies sio cruciais, por exemplo (¢): trata-se de uma obra cujos resultados so cumulativos (do tipo programa de musculagao), entio se pode justificar a interrupcao dizendo que “é sempre a mesma coisa”, Como no caso de'Toulmin, 0 topos nfo liga os enunciados, ele “calea” a argumentacdo inteira, Certamente, poderiamos perfeitamente formalizé- lo, mas, tal como é, ele fornece um excelente suporte para o entimema dali extraido pelo banqueiro, 0 joga- dor que continua a jogar depois de ter perdido muito, o estudante que continua a trabalhar apesar de suas péssimas notas, ¢ assim por diante, Esse topos é vulnerével a um contradiscurso do tipo: “Jd se perdeu tempo demais com isso”. Ele € primo do topos proverbial: “Nao se troca de cavalo ‘no meio do van” (vs “ou tu trocas ou te afogas”). Ele também esté ligado ao argumento do dedo mindinho na engrenagem (nao se deve comecar, porque, comeca, nao se pode mais parar), topos que justifica a abstengio, ao passo que o argumento do desperdicio 60 da perseveranca na ago. ic A ancuMenTagho I, -Entimema ‘Seo conceito de topos foi retomado pelas modernas tcorias da argumentagio, o mesmo nao pode ser dito do entimema, o que é um paradoxo, porque, como acabamos de ver, as duas nogGes sao correlativas:o topos é uma for- ma abstrata, geral, que serve de hase para os entimemas correspondentes. O termo s6 é usado no sentido restrito de “silogismo truncado”, E necessério restituir a ele sua forca, porque, por meio do entimema, é toda a questo do estilo argumentativo que é suscitada, 1. Como discurso que impoe o implicito A Liigica (1662), de Arnaud € Nicole, define o entimema como um “verdadeiro silogismo no espitito, porque supre a proposigao que nao é expressa, mas 6 imperfeito na expressio e s6 se conclui por forga dessa proposicdo subentendida” (Légica, 180). Uma premissa € omitida (“Os homens sio faliveis, tu és falivel”), ou a conclusio (“Os homens sio faliveis, considera que és homem!”). A origem da definigdo do entimema ‘como silogismo truncado é controversa, Seja como for, Aristételes caracteriza o entimemta como um silogismo ‘extrafdo de um pequeno miimero de proposigdes: “ge uma das premissas & conhecida, nfo hi necesidade de enuncié-la; o ouvinte a supre; por exemplo, para conciuir que Doris reeeheu uma coroa como prémio porsua vitria, Justa dizer: ele foi vencedor em Olimpia; intl aereseentar ‘en Olinpia ovencedor recebe uma cora; € um fato de todos ouhecido” (Retirica, 1 80). Isso tudo tem a ver simplesmente com um discurs0 «que respeitao principio de economia. Em um contexto con sensual, podemoslegitimamente contar com a cooperagii0 dointerlocutor. Mas em uma situagdo de angumentagio, 0 que é “conhecido por todos” nao é algo claro. Aceitar uma informagao é constituir um terreno de compreensio com seu interlocutor/adversitio, por o dedo na engrenagem que leva 8 aceitacdo de sua proposigao. Todo argumento aspira a ser aceito como “conhecido por todos” ¢, como diria Ducrot, aceitar o angumento j ¢aceitar a conclusio, problema se desloca do entimema propriamente dito para o “entimemismo”, isto é pata um “golpe” estraté- ico, que visa impor um elemento apresentando-o como algo jf definido. A partir de “ele é rico, mas é honesto”, 0 interlocutor deve reconstruir como uma lei geral “os ricos sdo geralmente desonestos” O entimema ¢ entio definido como uma “eoconstrugio forgada”, esabyemios que a con- ‘radigdo do implicito é a mais onerosa, 2, Como argumentagio concreta Em grego antigo, entimema significa “ideia, pensamento”. Este sentido permanece vivo em toda a ret6rica antiga. Aristételes faz do entimema o meio de prova dedutiva tipico da retérica (Retérica, t,78), que Teva o debate para seut fim, em oposigdo aos meios de persuadir, baseados nas emogdes ou na presenca do locutor. A passagem a seguir define correlativamente, como vimos no caso do angumento do desperticio, 0 centimema e o topos fundado sobre os contrérios: 8 A ancumertngho Um har [tps] dos entimemas demonstatves parte dos contriios:€ precio examinar se o contro de um sueito tem ‘um prediado contro aodo prim reftar na negative co firmat na afrmativa;sustentar por exemplo que er emperante ‘hom, visto qu ser intemperate € nce; on, coon dseuts0 emvfavor dos messénios: ‘Sa guerra causa de nossos males € ‘com epazque€ preciso reparlos™ (Rtiia ,115). ‘A importancia da manipulagdo dos contrérios no discurso argumentativo é tamanha que, 2s vezes, foi dado o nome de entimema apenas as formulas que jogam com os contrérios. Enquanto elemento de maior destaque, o entimema dos contrérios (seja qual for o tipo de contradigio) se apropria do nome da classe da qual ele é 0 modelo: ‘Mesmo que todo pensamento possa ser chamado de enti- ema, como aquele que resulta da oposigio dos eontririos parece sero ais stele se apropriou soxiiho do nome ger [Por exemplr] Aquela a quem nada censuras, tu « condenas, Aqula a quem diester feito a tobe, faze 0 mal!” (Cicero, ‘Tipias, 8485). ‘Aqui, o entimema é a férmula condensada na qual se concentra a substincia da argumentagio. A nogéo Tiga o estudo da angumentacio & do slagan, da formula ¢ do estilo. Desse modo, somos levados a repensar a ‘elagio prova-ornamento do discurso, nao como polos fantindmicos, mas como correspondentes. Ornare Sequipar”; se o-entimema “orna” o discurso, é como a vola do navio, a0 fazé-to funcionar com eficacia ILL. - Topos A nogdo de topos permite exprimir aespecificidade das sequéncias argumentativas, mas evidentement¢ ela nao ¢ suficiente para dar conta da totalidade das ligagdes em um discurso argumentativo: as conexdies nas fronteiras desse discurso escapam aos fopoi e silo operadas por introdutores de quadros discursivos, como por exemplo o antincio “proporeitrés arguumentos”, umn argumento tirado da observago, que se seguiré a uin argumento extraido do livro sagrado ¢ a um argamento contrério, As sequéncias tépicas encontram-se nesses eneadeamentos, € no em suas fronteiras. A palavra topos é tomada de empréstimo Aingua grea « corresponde ao latim locus esmmunis, de onde provém 0 portugués lugar comu. Fundamentalmente, um topas ¢ (a) um elemento de uma tépica, sendo uma tépica wi hheuristca, uma arte de coletar as informagées e de fazer cemergir angumentos; (9) por especificacao de (a), um esque ‘ma diseursivo caracteristico de um tipo de argumento. A teoria da “argumentagdo na lingua” redefine os topoi como prineipios gerais, comuns, “apresentados como aceitos pela coletividade” (Ductot, 1990, 103) ¢ {que poem em relagdo gradual propriedades (predicados ‘owescalas) que slo, elas proprias graduais (1988, 106) Esse conceito deve ser comparado ao do esterestipo em semantica e ao de feixe em légica natural 1. O topos substancial e as questées tépicas ‘Uma tdpica é um sistema empirico de coleta, de produgdo e de processamento da informacdio com fin EE i" A aneumenragho Tidades miltiplas (narrativa, descritiva, angumentativa), cessencialmente praticas e que funcionam em uma comu- nidade relativamente homogenea em suas epresentagdes em suas normas, As t6picas exprimem uma ontologia popular que oscla entre 0 cognitive eo linguistico. Blas ‘conhecem diversos graus de generalidade, a mais geral delas obedecendo a forma “quem fez.0 que, quando, onde, como, por gute...” E nese sentido que falamos do topos {ou do lugar) da pessoa, do objeto ete Cada uma dessas penguntas se divide em subper- sguntas, Desse modo, 0 exame da pessoa é feito a partir da pergunta “quem?” ¢ admite as subpenguntas sobre 0 rnascimento, o nome, a familia, a nagio, a patria, $6x0, a idade, a educagio, aformagio, a constituicao fisica, as disposigdes de cardter, os estados emocionais,o tipo de vyida, a profissio, as pretensdes € 0s ideais, asatividades serais e profissionais, os discursos sustentados... Essas subeategorias correspondem as Tinhas de estruturacao de uma doxa, conglomerado que constitui uma teoria popular da pessoa. O conjunto de respostas a essa gama de perguntas permite construir retratos argumentati- vos. f um sistema produtor do discurso: 0 exemplo de "Toulmin (ef. cap.) apela para um argumento tirado do Jugar de nascimento, Também podesiamos argumentar ‘a partir dos habitos de Harry (‘cle toma ch as cinco horas, ele deve ser de nacionalidade britanica”). Cutras tépicas correspondem a dominios espect- fioos, Por exemplo, a topica da deliberacio politica é constituida pelo conjunto de perguntas que € preciso algudin se fazer antes da decisao por adotar ou rejeitar uma medida de interesse geral: “Essa medida ¢ legal? justa? honrosa? oportuna? itil? necesséria? segura? possivel? fécil? agradavel? que consequéncias se po: dem prever a partir dela?” (apud Nadeau, 1958, 62) Oexame de exemplos coneretos mostra que a robuster, ca simplicidade desse sistema t6pico fazem dele instrumento particularmente eficaz, As t6picas podem reeeber varias formas, afirmati- va, interrogativa on imperativa; por exemplo, a tépica deliberativa pode ser formatada como: — Interrogativa: “Se vocé est procurando saber se tal medida é ou nfo recomendével, entio se pergunte se ela é justa, necesséria, realizgvel, gloriosa, rentavel”. A t6pica é utilizada como uma heuristica — Prescritiva: “Se quiser recomendar uma medi- da, demonstre que ela é just...” — Assertiva: sob essa forma, a t6pica serve para a andlise, eventualmente, para a eritica de um discurso; por exemplo, “o discurso mostra que a medida éjusta, necesséria, gloriosas (mas) no diz nada sobre suas consequéncias e sobre as, ‘modalidades priticas de sua realizado”, 2. O topos como forma de argumentos ‘Na formulagio de Aristételes, um topos é aquilo sob que “se ordenam muitos entimemas” (Retérica, 0, 134), como ja vimos. E um esquema discursivo, capa, de formalizar/produzir argumentagdes concretas, Fsses ee e ss arumentagho topo’ nao se constituem em t6picas, segundo o modelo anterior. Eles correspondem muito mais aos tipos formais de argumentagbes. Podemos representé-tos de uma maneira mais ou menos abstrata, como no topos 4 fortiori, “com muito mais razio”: —o topos: se “P € 0” é mais plansivel (mais recomendivel...) que “sé 0", ese “Pé0” € falso/ndo € plausivel (recomendivel), ento *z6 0” é falso/ nao plausivel (recomendével); — um entimema: “Se os professores nfo sabem tudo, com muito mais tazdo 08 altsnos’” Esses esquemas poclem set especificados em um tema ou em um campo discursivo, Por exemplo, o topos anterior pode ser especificado para o género “discurso de consolacio”, segundo a forma semiabstrata: “O fato de que ‘a morte nao deve tocar os jovens’ ¢ mais ‘aceitavel (mais normal...) que ‘a morte ndo deve tocar ‘09s dosos’; mas voces vem, ao redor de si mesmos, que muitos jovens morrem; voces que sio idosos, portanto, aceitem a morte!”. A esta forma subjaz o enunciado: “Outros bem mais jovens morreram”, que pretende Jevar os idosos proximos da morte a resignagdo e con- solar os vivos da perda de um parente idoso. O topos corresponde desse modo a uma argumentaglo completa, que se trata simplesmente de enunciar no momento ‘oportuno: “Voce diz. que foi condenado erradamente {que aquilo que Ihe acontece é doloroso ¢ injusto...),¢ ‘eu acredito. O Cristo é 0 Inocente por exceléncia. Ora, 6 Cristo aceitou uma morte injusta, Logo, voeé também deve aceitar essa injustica” ‘Uma ver encontrado e corretamente adaptado ‘a0 caso, ainda falta ampliar o topas. Eventualmen! discurso sera destacado de seu contexto de produciio argumentativa para se tornar descritivo ¢ literério. aqui que reencontramos o conceito de topos utilizadlo ‘por Curtius para designar um dado substancial (tem: matéria, “argumento”), permanente, amplidvel e adap, tavel, no limite do arquétipo (Curtius, 1948, 180). 3. Conclusies Globalmente, constatamos que, em todos 0s casos, as definigdes dos topoi vao de um polo formal a um polo substancial. Eles sao sempre caracterizados por stia plausibilidade inerente, que é transmitida aos discursos nos quais eles entram, seja o fopos expressamente cita- do, faga-se apenas alusio a ele ou ainda constitua ele 0 esquema profuundo a conferir coeréncia ao discurso. IV. - Tipologias dos argumentos A tipologia das formas tépicas corresponde a ‘uma tipologia dos argumentos, isto é, das “garantias” que dio suporte a uma conelusdo. Poderiamos opor 0s ‘modelos de argumentagio nos quais a questi da tipo: logia néo é enfrentada (Ducrot, Grize) aos modelos de tipologia, ou mais simplesmente a lista de argumentos, A enumeragio de Aristételes na Retérica (u, 115) pode ser classificada como a matriz,de todas as tipologia contudo, é necessério amplis-la com centenas de topoi A arcumenracho derivados das formas fundamentais de predicagio (aci- dente, género préprio, definigdo) dos Tépicas, que ovienta- io todaa reflexo medioval sobre argumentagao, Entre as tipologias modernas, destacaremos a de Perelman & ‘Olbrechts-Tyteca (1958), Toulmin, Rieke & Janik (1979), ou ainda a de Kienpointner (1992) e de Walton (1996). “Aqui, nés nos limsitaremos a evocar duas tipologias menos conhecidas, ambas introdutoras de umsa dimensio critica: ‘ade Locke, fundadora de uma argumentagdo que toma a ciéncia como modelo, e a que Bentham prope para © ‘campo particular dos “sofismas politicos”. 1.A tipologia normativa de Locke No capitulo “Da raziio” do Ensaio sobre oentendi ‘mento human (1690), depois de ter demonstrado que “o silogismo nao € 0 grande instrumento da razio” (Essai, 599), Locke distingue quatro espécies de argumentos “dos quaisoshomens esto acostumadosa se servirracio- cinando com os outros homens, para conduzi-los em seus préprios sentimentos, ou pelo menos para mantélos em tuma espécie de respeito que os impede de contradizer” (sai, 17). Essa tipologia se reveste de uma importincia particular por stia decidida rejeigao de todas.as formas de aangumentagdo que no estejam ligadas ao juizo: — 0 argumento de autoridade ou, literalmente, de modéstia (ad verecundiam). Ele se funda na autoridade do locutor e na dificuldade de contradizer e corresponde a prova ética (ef. cap. ws — 0 argumento sobre a ignordncia: nfo foi pro vado que r; logo, nao-7; — as ontradigdes de uma pessoa consigo mesma (ad hominem i =o angumento de fando (ad judiciun) ou sobre as préprias coisas: “E 0 inico entre todos os quatro que se faz acompanhar de win verdadei ra instrugdo e que nos faz avangar no caminho do conhetimento” (id) Isso tem aver com uma tipologia normativa. Ela 6 comentada por Leibniz nos Novas nsaias sobre ntendi ‘mentohumano (Nowveausessais 1765, 437); desse modo, a propésito da dfculdade de afirmar uma pinigo: “Sem dhivida, é preciso diferencia entre o que ébom de dizer e-oque éverdaeiro para cet. No obstante, dado que a maioria das vrdades podem ser corajosamente susten- tadas, vé-se algum preconceito contra ma opiniao que € preciso ocular”; ou sea, pesa sobre ela o Snuis da prov. Do mesmo modo, o argumento ad ignoraniam “6 bom nos cass de presuncio, nos quai é razoével apega-se «uma opinio enquanto nao se prove o conteitio”. O comentivio tende a vlidar como angumento,em funedo de consideragdes que chamariamos de pragmdticas, algo que Locke considera, em termos absolutos, como un sofisma. Esse entremeio que €trabalhad na tradi anglossaxonica de estudo das falicias. 2, Bentham e os sofismas politicos O livro das faldcias (1824), de Bentham, é uma das aras obras que ndo se baseia na situagaojudicri, i 1 ancumentasto Ele esti interessado em um conjunto de estratégias argumentativas utilizadas no campo da acdo politica. ‘Quando essas manobras visam reprimir uma proposicao ‘ou uma discussao legitimas, ¢ é esse 0 caso a que Visa Bentham, elas se tornam falaciosas. Quatro grandes orientagdes estratégicas sio distinguidas: — estratégias de autoridade (fallacies of authori- {). Elas invocam a sabedoria dos ancestrais, a auséncia de precedente, fetichizam as ins- tituigées, impdem, por meio de manobras de autoglorificagio, uma autoridade usurpada; —estratégias alarmistas (fallacies of danger). Elas vyisam reprimir a discussio semeando o alar- ‘mismo, suiscitando a desconfianga (“O que esté por tras disso”, “Nao v4 dar uma de aprendiz de feiticeiro!), atribuindo intengées ocultas a0 proponente, ou incriminando-o; — estratégias de adiamento (fallacies of delay). Seu objetivo é adiar a discussdo na tentativa de impedi-la: “Deixe-nos em paz!”, “Ninguém esta se incomodando!, “Nada obriga aisso!”, “Uma coisa depois da outra!”, bem como di- vversas e sutis estratégias de desvio; —estratégias para lancar perturbagdo e confusio (fallacies of confusion) diseursos obliquos, aris terminolégicos, gencralidades vagas, classifica Ges apressadas, pseudodistingbes, irraciona- Tismo, paradoxos, eros quanto a causa, visoes parciaise unilaterais da situaglo, rejeigio total de toda e qualquer proposicao. TEMAS, TOI E MPOLOGIS “ O interesse de Bentham néo é o da forma logica desses argumentos. O interesse dele é a substdincia dos discursos. Trata-se, para ele, de identifica formas dis cursivas, algo que € possivel fazer simplesmente pela ‘mengao do slagan que Ihes € associado e que os resume (pode-se comparar com Hirschman, 1991). V. - Conclusao Para todas essas tipologias, as formas ésicas de argumentaglo sio de natureza discursiva, Mas a argu ‘mentagio pode ser gramaticalizada: trata-e do fendmeno de “enunciagdo mediatizada”, ou de evidencialidade (cvidentiality): “Algumas linguas so dotadas de sistemas, ‘morfossintéticos que obrigam o locutor a especificar 0 odo de acesso 8 informagio na qual ele se apcia” (Gun: tchéva, 1996, 11), Bm termos toulminianos, diriamos que 6 enunciado contém simultaneamente seu claim ¢ seu backing. Os principais modos de sustentagao suscetiveis, de gramaticalizacdo distinguem 0 caso em que 0 locator teve uma consciéneia sensorial direta do fato que ele re porta (visio, audigao, odor, tato);em que ele infere de um signo; em que ele reporta as sentengas de outro. Podemos aproximar essas distingbes das formas fundamentais de argumentagao que so a autoridade do locutor, ada fala dos outros ¢ a angumentacdo indicial ‘Seja como for, toda proposta de sintese das tipologias, existentes conduz, no fim das contas, simplesmente 0 acréscimo de uma nova tipologia, Mas nao arriscamos; grande coisa em fazer notar que todas integram uma a i amuMenTagho reflexdo sobre a linguagem e sua logica (termos erelagies centre enunciados), sobre os objetos (sua natureza e suas relagoes), bem como sobre as relagbes com 0 oponente (Plantin, 1996, caps. 7-16). Dai derivam as inhas ditetrizes de uma metodologia para aandlise argumentativa, que po- dera interrogar seu objeto a partir de diferentes eixos. ‘0 exame das tipologias convida a retomar a opo- sigdo tradicional entre uma retérica dos tropos, que seria uma retdrica ao mesmo tempo semiantica e de ornamento, ¢ uma ret6rica dos argumentos. Os me- ‘canismos Tinguisticos em jogo nos dois casos so, no ‘obstante, os mesos. Um tropo é definido como [uma figura pela qual] se faz detetminada palavra assumir tuma significacio que nao é exatamente a significagao propria dessa palavra” (Dumarsais, 69); paralelamente, a definigao da argumentagio poderia ser reformulada ‘como uma “figura” pela qual se faz, um emuncialo (a conclusio) assumir o valor de crenga atribuido a outro (6 argumento), um simples “tropo” incidindo sobre a vyerdade ou a adesao concedida ao argumento. Dessa for- ‘ma, o modelo da argumentacdo se reduziria ao modelo do “contagio” dos discursos ¢ suas idéias. ‘A introdugdo de uma dimensao propriamente dis- ‘cursiva permite compensar essa fuga do campo argumen- tativo,Iniciamente, a identificagao de algumas dezenas de ‘esquemas permite, como acabamos de ver, cireunscrever ‘um conjunto de estratégias prototipicas. Em seguida, a introdugdo de uma dimensAo dialogal, que no se focaliza tnais naquilo que o angumento “em si” faz, mas naquilo {que 0 angumento faz. em relagdo a uma pengunta, isto é, ‘no confronto organizado de dois diseursos. caPiTULO IV UM MODELO DIALOGAL (© modelo dialogal remnciaa ver na argumentacio algo de elementar, em todos os sentidos do termo, ¢ se propée a repensar a atividade argumentativa em um quadro ampliado, no qual a enunciagio esté situada contra o pano de fundo do dialogo. (Os modelos dialogais foram desenvolvidos a partir de Hamblin (1970) em uma perspectiva de l6giea do diglogo. Van Eemeren e Grootendorst propuseram ma sintese dos modelos pragmtico-conversacionais em um ‘modelo normativo da argumentacdo, a pragmadialética, Globalmente, essa perspectiva, profundamente influen- ciada pelos trabalhos sobre as interagbes, deixa-se apre: ender a partir da noclo de “pengunta argumentativa”, articulando pontos de vista contraditérios. I. - A argumentacao dialogada 1. Ditvida e contradigéio ‘Aatividade argumentativaé desencadeada quando se pde em diivida um ponto de vista. No plano epis: témico, duvidar é estar em um estado de “stspensito A ancumerrao o do assentimento” acerea de uma proposicao (seja ela rejeitada ou considerada a titulo de hipétese). Do ponto de vista linguistico, essa suspensio do assentimento se manifesta no fato de olocutor nfo assumir a proposi¢ao aque ele emuncia, na niio-identificagao do locutor com 6 enunciador. Do ponto de vista psicol6gico, a divide pode se fazer acompanhar de um estado de deseonforto psicol6gico do tipo “inquietagio™ © didlogo “externaliza” essas operagdes dando- ‘hes uma forma inguistica e uma configuragao micros social, O ato de duvidar é definido como um ato reativo de um interlocutor que se tecusa a ratificar um turno de fala, Essa situagio interacional obriga o interlocu- tora argumentar, isto €, a desenvolver um discurso de justificativa. A argumentacio é uma atividade custosa, tanto do ponto de vista cognitivo como do ponto de vista {nterpessoal; 6 nos engajamos nela pressionados pela resisténcia do outro & opinido que estamos expondo. Simetricamente, a diivida nao pode permanecer como “gratuita”; 0 oponente deve, por sua ver, justficar suas reservas, desenvolvendo quais so suas razies para duvidar, seja manifestando argumentos orientados para outro ponto de vista, seja refutando as razdes dadas em ‘sustentagio da proposigio original. Nesse encontro do discuiso com o contradiscurso, também se cria uma pengunta argumentativa ‘Segundo o modelo dialogal, a situacio argumen- tativa tipica definida pelo desenvolvimento e pelo confronto de pontos de vista em contradigéo, em resposta a uma mesma pergunta. Em tal situagdo, tem valor argumentativo todos os elementos semidticos articulados em torno dessa pergunta, Em particular, as jusifiativas podem se fazer acompanhar de uma série de agdes concretas, coorientadas pelas falas e visando tornar sensiveis as posigdes defendidas. 2, Didlogo, polifoni , intertextualidade A abordagem dialogal visa levar em consideracio & insatisfagio decorrente dos modelos puramente mo: nologais da argumentagdo que surgi pelo menos desde 0s anos 1980. Na argumentagao, ha irredutivelmente. © enunciativo ¢ o interacional. De acordo com uma feliz formulagao de Schiffrin, “a argumentagao é um ‘modo de discurso nem puramente monolégico nem puramente dialégico [...] um discurso pelo qual os lo- cutores defendem posigdes discutiveis” (1987, 17-18). Trata-se, entio, de articular um conjunto de nogdes que permitam levar em conta esse aspecto biface da atividade argumentativa. Prototipicamente, 0 didlogo supoe o face a fac pesiagem oral, a presenga fisica. He acca " feontinna sequéncia de réplicas relativamente breves. Os conceitos de polifonia e de intertextualidade permitem estender a concepcio dilogada da anfumentagSo 20 iscurso monolocutor. Na teoria da polifonia, 0 “foro interior” é visto como um espaco dialgico, no qual ‘uma proposicdo ¢ atribuda a uma “voz”, diante da qual g locutor se situa. Disso resulta um didlogo interior, Tiberado das restrigGes do face a face, mas que segue A anaumenacho sendo um discurso biface, que articula argumentagies contra-angumentagdes. Por outro lado, o estudo da argumentagao dialogada é necessariamente intertex- tual. Na versio de Ducrot, “o locutor polifénico” vé reconhecida a si certa atividade, a de um “encenador” ‘que pode escolher suas idemtificagées. Com relagio a essa concepcao, a nogio de intertextualidade abaixa 0 papel do locutor, que passa a ser apenas uma instdncia de reformulagdo de disoursos jé ocorridos alhures, que dizem mais do que ele os diz, No caso da argumen- tacio, a nogdo de roteiro angumentativo (of. infra, § 8) permite levar especificamente em conta essas relagoes de intertextualidade. Falaremos de “modelo dialogal” da argumentacéo para cobrir, ao mesmo tempo, o dialogal propriamente dito, o polifonico eo intertextual, a fim de insistir em ‘um aspecto fundamental da argumentagio, o da arti- culagio de dois discursos contradit6rios. Os pardgrafos ‘a seguir se propdem, em consequéncia, construir um modelo da argumentagio a partir de am conjunto de rnogdes definidas no quadro do didlogo e mostrar que esse modelo integra, ordena eilumina as aquisigbes das convepgées monologais da argumentagao. 3.0s dados Assim como no modelo do mondlogo, 0s dados podem ser inventados ou extraidos do escrito. Eles também podem ser tomados dos corpora orais de dié- Jogos auténticos, 0 que supde a operacionalizagio de um modo de processamento e de uma metodolog especficasinspirados na anise das interacbes vr (Kerbrat-Orecchioni, 1990-1994; Traverso, 1999). Por outro lado, ¢este € 0 ponto essencil, eles podem sor redusidos a um enunciado ou tim por da enuciaos produzides por um mesmo oct. Trata se de uma consequéncia inevtivel da definigdo. Quer se trate do oral ou do escrito, o dado de base é constitute de, pelo menos, dois discursos antagénicos, em eontato ou distancados. Se oacionamento do modelo exge ev, dentemente o recurso @ exemplos beves, sua anhicap segue sendo permit verdadeiros estudos de caso, o que exige a coleta de vastos corpora miston,oiscesorte TL, Do desacordo conversacional ao desacordo argumentative ‘Na conversagao comum, existe % : M mum, existe uma “preferéncia pelo acordo”; em principio, o interlocutor se alinha com oocutor; dado que oacordo é ponto pacifico, basta ‘uma observagio Linguistica minima (sim, sim", “OR” “vamos nessa"), de uma marca al (“ha ou , area quase verbal “aha ou corporal (balangar a cabeca). ea Fe A oposigao a uma intervencao pode ser verbal ie lao eon) ou paraverbal. Neste tiltimo caso, ela . manifesta por fenémenos bem definidos: tentativas e um dos interlocutores de tomar a palavra e recusa lo outro a cedé-la; surgimento de sobreposigdes a turnos de fala, aceleragdo da elocugao, clevagao do tom de voz; recusa a emitir reguladores, ou excesso irdnico a ancumenagho de sinais de aprovacio; comportamento de parceiro ‘nao interpelado, nio ratificado (“voce é surdo, ou 0 qjue?"); emissio de reguladores negatives, verbais ou rio (balangar negativamente a cabeca, suspiros de impaciéncia, agitacdo) etc. A auséncia de ratificagéo positiva equivale a desacordo. Esses episédios de ddivergéncia conversacional caracterizam-se por sus ocorrencia nio planejada; seu desenrolar-se igual- mente no planejado, ou fracamente planejado, sua possivel incidéncia negativa sobre os propésitos da interacio global; a tensdo que eles introduxem entre rameaca para a relaclo (afirmar a propria diferenca persistindo no proprio discurso) © ameaga pars 0 onto de vista (sacrificar a propria diferenca renun Frando ao proprio discurso); ¢, por fim, o fato de Gque eles podem conter argumentos. A contradigio tonversacional pode ser reparada por procedimentos de ajuste e de negociacao ou evoluir rumo ao aprofuin- damento do desacordo. "As interagdes fortemente argumentativas ap6iam- se sobre tim desacordo que apresenta caracteristicas especificas: ele nfo é instantaneamente reparado no ddecorrer da interacdo em que surgin; € tematizado na Jnteraedo; pode ser levado para um lugar argumentative ‘espeetfiea (of. infra, §7). Desse modo, ele produzintera- bes onganizadas em torno de um conflto preexistents }conilito €a azo de ser dessasinteracbes ¢ condiciona seu desenrolar; as intervengoes dos participantes so desenvolvidas ¢ planejadas. oe ILL - A nogao de pergunta argumentativa 1. Propor, opor-se, duvidar: a pergunta Oexemplo seguinte, construic eee ear moter mute exuematicamente como se tue cx ap rumen go de sat fans ae es e duvidar. Propo. ~ Atualmente, em muitos patses, Yo eo oe entuneiado corzesponde, em principio, “opinio jominante”, tal qual encarnada pela legislagdo. Existe ‘outro diseursoorientado para uma Proposi¢fo opatta ee formulagao genérica é: “P: - Lega. pee de alguns produtos, por exemplo, a “nena ta a papel argumentativo de base, ode nt. Alun loeutores podem sesinhar com ess Pproposicao; eles estio no mesmo papel argumentativo. ors = Ontos ears se open ae “0 Isso 6 um absurdo!” Esta Pio os ators pe’ detec se oa curso negativo com relagdo A proposigao. 7 Duyidar.— Alguns locutores no se: lam nem com: ee nem com, outro desses discursos, eles se encontram sido de Teens iansformando asin @ posi em pergunia; “T: — Nao sabemeos mas o que pensar ee produto?” engunta, ssa forma, uma | gunta € proc Bs couadins dace ouadncse AE origem ao esquema: Mola 0 ‘a anumenagho Proposgio vs Oposgio > Peeganta argumentative “A construcdo do discurso argumentado. © Propo- rnente deve apresentar argumentos a favor da novidade qi ele sustenta:“(P)~ (Argumento:) A maconla néo é mais perigosa do que o alcool. Ora, o éleool nao € objeto ide nenhuma proibicio total. (Conclusio:) Legalizemos a maconha!” “A conclustio como resposta a pergunta, ~Examine- ‘mos a pergunta, uma ver.que ela esteja estabilizada. A pergunta (P) do Terceiro, 0 Proponente responde, portanto, com a afirmagio de sua posigdo: “Sim! Lega- Tizemos a maconhat” Ele faz essa conclusdo ser acom- panhada de um discurso de apoio, orientado para esse Tonclusio, Esse discurso constitui, por definigao, seu argumento. A sintagmética do discurso argumentativo 6 portanto, a seguinte: ‘entnta —» Anumento > (Conlsto = Resposia Peru ‘Assim, a angumentagdo é vista como uma modo de construgéo de respostas a perguntas que organizam um conflito discursivo. Refutagao ¢ contra-argumentagao. - O Oponente mostra que o discurso do Proponente ¢ insustentével Yor um lado, ele refuta 0s argumentos do Proponente (destr6i o discurso dele); por outro lado, ele contra- angumenta em favor de outra posigdo, que pode cor responder & opinio comum: “O: — 0 sleool faz parte de nossa cultura; a maconha, no. Se voce comeca Jogalizandoa maconha, daquia poueo, tem de legalizar tudo!” f fil notar que, dessa forma, a doxa, que de certo modo “é ponto pacifico”, ¢ obrigada a se justiliear Esse discurso, evidentemente, pode ser esquematizado segundo os mesmos prinefpios. é __ Ao termo da troca, vemos perfilar-se um quarto tipo de ato, talvez.o mais complexo: mudar de opiniao, retratar-se. ‘ 2. Origem da nogio Essa definigdo da argumentagdo, que fundamenta aenunciagio argumentativa no dislogo entre pontos vista incompativeis sobre um mesmo objeto, 96 pode ser indiretamente percebida nas abordagens apresen: tadas nos capitulos 1 em, que sfo de tipo intertextual ‘ou polifénico (e, por vezes, apenas de modo implicito), Esse 6 o motivo pelo qual podemos consideré-los como modelos do monélogo. A fala do outro é reconstrufda no discurso proprio, ela nao tem estatuto te6rico autd- rnomo, algo que se manifesta claramente no nivel dos objetos: ali, o didlogo (face a face ou a distancia) no € construido como objeto de estudo, 5 O estudo da argumentagao dialogada tem an tecedentes antigos na dialética, que peo 08 as regras de um debate igualitério que permitisse avancar na pesquisa, légica ou filoséfica, da ver dade; essa orientagao foi retomada no quadro de uma Nouvelle dialectique (1966) por van Eemeren € Grootendorst, na perspectiva da regulacio de desacordos guiada por normas referentes A forma ¢ a0 fundo do debate. : ss ancumenracho n ‘A nnogio de “pergunta argumentativa” tem origem na interagio judicidria, eorizada pela argumentagao re torica, A Retérica a Herénio define o primeiro estigio da sessio judicidria como a determinagio do ponto essen- ial que define a casa; esse ponto deriva da conjuncao dda resposta do defensor e da acusagio do acusador (REL, 1, 17; ef, Quintiliano, 10, vu, 109). A pergunta, isto €, © ponto a julgar, também é dedurida da natureza da séplica apresentada pelo acusado ao acusador: 0 debate indo sera o mesmo segundo o acusado reconhega ou do ter roubado a motocicleta 3.— Paradoxos da argumentagiio © fato de se angumentar em uma situagio orien- tada por uma pergunta em presenga de um contradis- ‘curso produ paradoxos. “Arguomentar em favor de P enfraquece P.— A erenca angumentativa, inferencial, ¢tida na conta de inferior & evidéncia sensivel ou intelectual e, particularmente,deren- caifundada na evidéncia da €iss00que Newnan (1870) ressalta:“Muitos slo capazes de viver ede morrer por um dogma; no hs quem queira ser mértir de uma conclusso {1 Pata a maioria das pessons a angumentagotorna 0 ponto em questo ainda mais duvidoso econsideravelmen: te menos impressionante” (Newman, 1870, 153-154). 5 por essa razdo que os tedlogos advertem os figs contra a dlisputa que, invariavelmente, gera uma divide. Refutar Preforea P; ndo fazer muito isso ~ Vale mais sor ettieado que ignorado; buscar contraditores é wma estratégia angumentativa. Reciprocamente alida-se um diseurso provocando nele a contradigdo. O ato de se opor elaborando um “contradiscurso” gera uma pengunta qc Reece eran sere ere eras dla. Por esse rciocinio meta-argumentativo, conctuinios que, se professores da Universidade de Sao Paulo ¢ do Instituto Tecnolégio de Aeronéutica se mobiizam para refutar uma tese psendocientifica sustentada por um astrologo é justamente porque essa tese “os perturba”. O ‘proprio prestigio dos refutadotes reforga a tese refutada, © Proponent fri pelofato de ter de suportaro nus da prova, mas é forte porque eria ma questo. A existéncia desses paradoxos leva a suscitar a pengunta plas condigdes de diseussio de uma proposi- cao. E sempre legitimo propor? Essa pergunta € objeto de debate. Van Bemeren e Grootendortafrmam que “0s parceiros ndo devem opor obstéculo a expressio ‘ou ao ato de duvidar de pontos de vista” (1996, 124). Essa posigdo retoma a de Stuart Mill (On Liberty, 1859) e deve ser contrastada com a de Aristteles nos Tépicos (Tépicos, 28). As tomadas de posicéo nesse campo devem levar em conta as eondigdes pragmé- ticas de “disputabilidade” de uma proposicéo dada: ndo se discute qualquer coisa (condigao do sujeito, da ordem do dia), com quem quer que seja (condigdo dos parceiros), em qualquer lugar, a qualquer momento fem qusiquadro?); no inmorta comoi(seguindo qual procedimento?) 4, — Do diferendo a diferenca ‘A argumentagio surge, dessa forma, como um modo de gestio da diferenga. Essa diferenca pode evoluir para diferendo e, de modo geral, esse diferendo pode receber um tratamento ndo lingustico (eliminagao fisica do adversério; climinaggo do discurso do adver- sério por meio de censura ou de intimidacdo; sorteio para decidir a préxima agio; voto...) ou um tratamento linguistico, argumentativo. As situagdes concretas combinam esses diversos procedimentos. Fendmenos macrodiscursivos ¢ interacionais ca- raeterizam o polo polémico da situagdo argumentativa, ‘na qual o discurso € construido sob a dupla coergao de ‘uma orientagao fixada por uma questo e da pressio de ‘um contradiscurso. Os discursos se bipolarizam, atraem os locutores interessados, que se identificam com osar- umentadores em destaque, normatizam sta linguagem ¢ a alinham com um ou outro dos discursos em presen- ‘; simetricamente, os partidérios do discurso oposto so excluidos (nds vs eles). Os discursos opostos sao congelados em formulas antindmicas, esloganizam-se. Sunfem mecanismos de resisténcia a refutacio, as argu- ‘mentag6es sio apresentadas sob a forma de enunciados autoargumentados, mimetizando a analiticidade. ‘A forma espetacular desses Feridmenos faz.com que ‘odebnte polémico sefa frequentemente considerado como 4 pritica dialogal argumentativa prototipica, oque leva a restringir indevidamente o campo da argumentagio. A {woria da argumentagio nao se confunde com uma teoria do debate, nem, com mais razdo ainda, com a polémica violenta, Por um lado, o debate pode ser cooperativo o, por outro, existe pelo menos outra forma-tipo hisiea di interacdo plenamente angumentativa: trata-se do con selho, ou da consulta, que se forma em torno de uma questo tratada entre um ou vérios eonselheiros ¢ um aconselhado, No conselho, 0 conceito de terceiro passa para primeiro plano e, a0 contrério do que se di no de bate, no ha igualdade de principio entre os parceiros em relacio A questio. Essa situagio é mareada pela divide pela confianca, por oposicdo A certeza ¢ a0 antagonism que caracterizam a interacao polémica. IV. - Graus e formas de argumentatividade Nesse modelo, a angumentagio € definida como 0 tipo de atividade linguistica desenvolvida em uma situ Go argumentativa, Mas a angumentatividade de uma situacdo nao é uma questo de tudo ou nada; é neve sério distinguir formas e graus de argumentatividade em funeao da combinatéria especifica dos componentes fundamentais: conjuntos discursivos (potencialmente) contraditérios, tipo de contato que eles mantém, tipo de pergunta que emerge ¢ das tespostas (conclusdes) que hes séo dadas, tipo de discurso (argumento) que’ ceream essas conchusbes. Podemos, dese modo, ir além da oposigao entre forma narrativa, descritiva ou argumentativa, E ainda € perfeitamente possivel avaliar 0 potencial argumen 16 A ancumenrasto tative de duas descrigées ou de duas narrativas con- traditérias, desde que, evidentemente, elas sejam apre- sentadas em apoio de duas repostas diferentes a uma mesma interrogagio. Uma situagio linguistica dada comega assim a se tornar argumentativa quando nela se manifesta uma oposigdo de discurso, Dois mondtogos Jjustapostos, contraditérios, que no fazem alusdes um ‘20 outro, constituem um diptico argumentativo. B, sem diivida, a forma argumentativa de base: cada um repete ‘a propria posigao. A comunicacio ¢ plenamente angu- ‘mentativa quando essa diferenca é problematizada em uma Petgunta e quando sao nitidamente distinguidos os trés papéis: Proponente, Oponente e Terceiro, V.- Os papéis argumentativos: Proponente, Oponente, Terceiro A situagdo de argumentagao anteriormente de- finida é uma situagdo tripolar, de trés actantes: Pro- ponente, Oponente, Terceiro. A cada um desses polos corresponde uma modalidade discursiva especifica, discurso de Proposigio (sustentado pelo Proponente), discurso de Oposigao (sustentado pelo Oponente) ¢ discurso da Diivida ou do questionamento, definidor dda posigio do Terceiro. ‘Proponentee Oponente. ~ Os termos Proponente € Oponente foram definidos na teoria dialética, que ve ha argumentagio um jogo entre esses dois parceiros. Em uma perspectiva interativa, a argumentacdo se torna dialética quando 0 Tetceiro é eliminado, ¢ cada ator vé atribusdo a si um papel (“Voeé é 0 proponente, eu, o oponente”) ao qual ele deve se restringir durante toda a“partida”, A eliminagdo do Terceiro ¢ paralela i expulsdo da retérica e a constituicdo de um sistema de normias objetivas/racionais; de modo apenas figurado, poderiamos dizer que 0 Terceiro é, ent, substituidlo pela Razao ou pela Natureza, dito em outros termos, pelas regras do Verdadeiro, Na concepeao retdrica da angumentacao, 0 jogo argumentativo € inicialmente definido como uma in: teragdo entre o Proponente, 0 orador, e um auditério que deve ser convencido, o piblico Terceiro reduzido ao siléncio, Oponente e contradiscurso nao esto ausentes; ‘mas bantidos para segundo plano. Terceiro, ~ Manter a pergunta entre 05 compo- nentes sistémicos da interag3o angumentativa leva a examinar 0 papel do Terceiro, Nessa figtira se materia Tizam 0 caréter piiblico dos desafios e 0 contato entre 8 discursos contradit6rios. O Tereeiro garante part: calarmente aestabitidade da pergunta e desse modo, de forma derivada, julga apertinéncia das argumentagbes, Ele nao é suficiente para provar, é preciso ainda que aquilo que se prova esteja em relagdo com a pergunta. Em sua forma prototipica, a situacdo angumen. tativa aparece como uma situagao de interagao ent discurso do Proponente e contradiscurso do Oponente, mediada por um discurso Terceiro, logo, uma situagio de “trilogo”, que se encarna de modo exemplar na tro ca piblica contraditéria, As situagdes angumentativas reconhecidas como fundamentais, o embate politico © 8 A ancunenracto 6 confronto no tribunal, so trilogais. A fala argumen- tativa € af sistematicamente pluridirigida, caso em que 0 destinatério nao é apenas ou forgosamente o adver- sério-interlocutor, mas, em um caso, o juiz, no outro, 0 piiblico e sua cédula de votacao. © Terceiro podem ser o apético ¢ 0 indeciso, mas ‘também aquele que recusa dar assentimento tanto a uma ‘como a outra das teses em presenca e mantém a divida aberta, a fim de poder se pronunciar “com todo conheci- ‘mento de causa”. Nesse sentido e de acordo com os dados ‘mais clissioos, ojuizrepresenta uma figura prototipica do "Tereeito, Bstio igualmente nessa posigio os atores que ‘consideram que as forgas argumentativas em presenca se equilibram ou, mais sutilmente, que mesmo que um parega vencer, o outro nao pode ser considerado nulo. No limite, o Terceizo vai dar na figura do eético radical, que nao exclu absobutamente nenhuma visio das coisas. ‘O modelo dialogal integra, dessa forma, as aquisigoes do ‘étodo cético-sofistico, dando a esses termos 0 exato sentido que eles tém na histéria da filosofia Considerar o Terceiro ¢ a Pergunta como ele- ‘mentos chave da troca argumentativa permite deixar ‘aos actantes a plena e total responsabilidade por seus discursos; um responder “Nao!”, o outro “Simt/tam- bém!”, A acusagio de mé fé, de manipulagao e até ‘mesmo de mentira no pode ser feita a priori. ‘Actantes e atores da argumentagao, ~ E preciso dlistinguir entre os actantes (Proponente, Oponente ¢ "Torweiro) e os atores da comunicacdo argumentativa, {que sio 0s individuos concretos envolvidos na comu- nicagio. Em uma interagdo conereta, o mesmo papel actancial pode ser desempenhado por varios atores (nesse caso, se falaré da alianga argumentativa), Os atores podem ocupar sucessivamente cada uma das po sigdes angumentativas (ou papéis actanciais), segundo todos 0s trajetos possiveis. Um ator pode abandonar seu discurso de oposi¢do por um discurso de diivida, ou seja, passar da posicdo de Oponente para a de'Terveiro, Pode até ocorrer que os papéis sejam trocados, uma ver, que os parceiros tenham se convencido mutuamentc Reciprocamente, a prépria posicio de actante argumen: tativo pode ser ocupada por virios atores, isto é, por varios individuos aliados. O estudo da argumentacio, portanto, interessa-se, tanto quanto pelos sistemas dc antienunciagdo, pelos sistemas de coenunciagao. A distingdo actantes/atores permite retomar 0 famoso slagan “a argumentagao é a guerra”, hem como a familia de metéforas belicosas que hé quem se agrade em vinculara ele. O importante € nao confundir a opo- sigdo entre discursos — entre actantes —e as eventusis colaboragdes ou oposigdes entre pessoas — entre atores, A situagdo de argumentagao s6 é confitual quando os atores se identificam com os papéis argumentativos, No caso mais evidente, o da deliberagao interior, 0 mesmo ator pode percorrer pacificamente todos os, papéis actanciais. Se um grupo fortemente unido em vista de um interesse comum examina uma questio pondo em jogo esse interesse comum, ocorre muito felizmente que seus membros examinem sucessiva ‘mente as diferentes respostas possiveis a essa pergurita 0 A ancumenrcko os argumentos que as embasam. No decorrer desse pprocesso, eles percorrem metodicamente as diferentes posigdes actanciais, sem nitida identificagao com uma das posigies e sem que emerjam forcosamente antago- rnismos entre atores. A polemicidade nao é inerente & situagio argumentativa, VI. - 0 énus da prova © énus da prova desempenha um papel funda- mental em argumentagao. & um principio conservador: “Continuo a fazer a mesma coisa, a menos que voce ‘me dé uma boa razio para mudat”, Esse principio é definidor do papel de Proponente, que é aquele dentre 1s parceiros que assume o Onus da prova, Ele também fornece uma definicéo da doxa: um endaxon (uma pro- posigio da doxa) é uma crenca sobre a qual no pesa © dnus da prova e que é, portanto, considerada como “normal”, Em direito, a atribuicdo do dnus da prova determina legalmente quem deve provar 0 que, ¢ ela fundamenta o recurso aos precedentes. De modo geral, o 6nus da prova é relative a uma pergunta, Se um dos debatedores avanga uma contrapro- ‘posigao, ele normalmente asstime o 6nius da prova quanto ‘aesse ponto, Viiras estratégias de debate sao interpreta das pela vontade de inverter 0 6nus da prova, de deixé-la cargo do adverssrio cla deixa de set uma caracteristica pprévia do debate para se tornar a aposta do debate. © Omus da prova pode variar com 0 grupo. Se a doxa do grupo que nenhuma proibigao deve atingir i o-consumo de drogas, entlo, nesse grupo, 60 defiensor da proibicdo que deve provar. A cstabilizagdo do énus da prova aparece, ao final das contas, como um atributo institucional, imposto aos participantes pelo Terceiro, ou como uma convengio aceita pelos participantes. Hamblin redefiniu o énus da prova no jogo de Jinguagem como a determinagao do jogador a quen compete a iniciativa do primeiro golpe. Essa definicao pode ser transposta as interagoes fortemente argumen- tativas, onde se constata que o primeiro turno de fala €com muita frequéncia concedido & pessoa autora da proposigao a ser discutida. VU. - Lugares Algumas perguntas argumentativas se resolvem em um tempo relativamente breve (“Quem vai por 0 Jixo para fora?”); outras ndo podem ser resolvidas no plano privado e sao levadas diante de instituigoes espe- cializadas, Podemos chamar lugares argumentativos os Tocais que organizam o debate e que permitem provessar certas perguntas em fimeao das normas de uma cultura, As intervengdes argumentativas que ai se desenrolam silo planejadas especialmente pelas convengées qui caracterizam o lugar, com absoluto destaque para a codificacdo especifica dos turnos e dos direitos a fala, ‘No caso da disputa pela legalizagdo da droga, ela pode ser discutida em lugares tio diferentes quando o ‘vagio do metré, a mesa de casa, obar da esquina, uma sala 2 A aneumenag%0 de espera, o comité do partido, onde é exposta a posigao oficial, o Congresso Nacional, a comissfo que examina as leis ete alguns desses féruns sio destinados a expresso das disputas ¢ tém poder decisério, outros, nfo e visam sobetudo i ampliagéo do debate e no seu fechamento. ‘Notemos que a pergunta crucial do énus da prova esté vinculada nfo apenas 20 estado da opinido geral no mo ‘mento da discussio, mas também ao lugar em que se dia discuss. Todos esses lugares preformatam asinteragbes que ali ocorrem, especialmente seu tipo interativo. ‘VIM. - Roteiros Distinguimos 0 roteiro e os discursos argument tativos:o roteiro argumentativo preexiste e dé forma aos discursos argumentativos concretos, dos quai ele constitu’ um elemento determinante, mas nao o tinico. le pode ser indeterminadamente atualizado em uma ‘grande variedade de lugares. [As perguntas atram 05 argumentos a partir do ‘momento em que permanecem abertas. £ quando se constituem roteiros argumentativos, vinculados aos papéis de Proponente e de Oponente, Essesroteros (ou ‘ugumentérios) fornecem 0 “estoque” de angumnentos de fundo, mobilizaveis to logo a pergunta surge, a divisio ‘que éexecutada com mais ou menos sucesso pelosatores ddeuma roca specifica. O roteiro é.t6piea —o conjunto de topo’ substanciais — ligada a uma pergunta ‘Ainsisténcia na nogdo de roteiro modifica ampla- monte a idéia herdada do catecismo ret6rico, segundo @ qual os argumentos so “inventados”: cles talver © sejam no quadro judiciério, mas nao em iniimeras argumentagies politicas. Nesse caso, 05 argumientos 40 amplamente herdados, ¢ o trabalho do locutor ¢ falé-los, amplié-los. Essa visio tem repercussdes sobre a concepeao da atividade argumentativa, IX. - Contradizer e refutar Do ponto de vista cientifico, uma proposigao é refutada se for provado que ela 6 flsa (0 céleulo do qual ela deriva contém tm erro, as prediges que ela opera sio contraditérias com os fatos observados) Do ponto de vista dialogal, a realidade fundamental 6 a da contradicao. Refuagae-destruigao.~ Sob sua forma radical, 0 objetivo da refutagio éa destruigdo do dscutrso atacado. “Todos 0 elementos que entram na construgao de um dis- curso em situagio podem ser utlizados ou manipulados para tomiloinsustentivel. A refutagio pode, inicialmen- te, visar 8 forma linguistica do dscurso do adversio. se discurso seri ejeitado por ser malformado, qualquer aque sj. a natureza da malformagiosigniicagdo obscura, sintaxe incorreta, éxico ridculo, promtincia deeituosa ot provinciana..oque permite fazer economia doexameda roposicio: “Nao entendo o que vet diz”, "Ee fla un portugiés pavoroso”, “Ele se exprime mal e parcamente em inglés/francés. Aqui, refatar écalara boca. Podemos nos recusaraarguumentar contra aguém declarando como ovidente a ma qualidade de sa argu os A ancumentagio mentagio: “Nao Ihe darei a honta de uma refutagao”, “Nao chega a ser nem falso” dealmente, o discurso refutado deve ser o discur- so pronunciado, Na pratica, ele esté sempre tentando fazer o adversério dizer algo que ele nao disse ou algo a mais do que ele disse, para poder tejeitar esse discurso arranjado: (“A: — Esse jardim est mal conservado!; B: — Veja bem, nao chega a ser uma selva!”) ‘Uma proposicao é localmente refutada se, depois de tersido discutida, é abandonada pelo adversério, exp] ta ou implicitamente, deixando de ser uma pergunta na interagio particular ou, de modo mais amplo, no debate em torno dessa pergunta, Uma proposigio refutada desse ‘modo pode conservar uma capacidade de influéncia Refutacto proposicional, contra-argumentacio, argumento contra... ~ A terminologia é imprecisa. Di- ‘zemos que tuma argumentagdo que preconiza tal medida pode ser sempre refiutada por uma argumentacao sobre 0s efeitos perversos. Poderiamos ainda falar de contra: argumentacao, ‘A contradiglo pode ser feita com a contribuica de um argumento que vai no sentido de uma conclusao ‘em contradigio coma primeira: “A: — Vamos construir a escola nova lé embaixo, onde os terrenos sio mais baratos; B: — Se a construirmos aqui, isso vai reduzir 1 tempo de deslocamento dos alunos’. De modo geral, por meio do jogo da negagio, 0 fato de fornecer uma razao para fazer algo se transforma em razio de nao fazer outra coisa. A rigor, podemos dizer que a argumentacdo em favor de x é uma contribuicso 1 woorso ouLooa. 5 para atefutagio dev, ou uma contra-argumentagio, em detrimento de y. Podemos simplesmente considerar que se trata de um diptico argumentativo, de um esquema classico discurso/contradiscurso. Objecao. - Podemos tentar definir a objegao pelo ponto de vista dos contetidos, como a expressio de uma oposigio argumentativa do tipo da refutacio, mas mais local, menos radical, por meio de um argumento fri: objetar é “opor obsticulo”, refutar é derrubat. Objecio ¢ refutacao diferem essencialmente em seus estatuitos interacionais. Aquele que refuata preten de encerrar o debate; aquele que objeta mantém o dié- logo aberto; seu argumento esta em busca de resposta, ele se apresenta como aberto & refutagio. O ethos e os estados emocionais exibidos por ocasido dessas duas ‘operagbes no so os mesmos: esto associados a ref tacao agressividade ¢ fechamento; a objegao, espirito de ponderacao, dislogo ¢ abertura Concessao. ~ Pela concessao, o argumentador modifica stia posi¢io diminuindo suas exigéncias ou concordando com o adversario em pontos controver- 808. Do ponto de vista estratégico, ele recua em nome do bom funcionamento das coisas. A concessao é um momento essencial da negociacao, entendida como discussio sobre um desacordo aberto, tendendo ao estabelecimento de um acordo. Diferentemente da refutagio, ao manter um dis. curso concessivo, o locutor reconhece certa validade a um discurso que sustenta um ponto de vista diferente do set, ao mesmo tempo em que mantém suas préprias = A ancunengho conclusées. Ele pode avaliar que dispde de argumentos mais solidos ou mais numerosos do que seu oponente; {que fem argumentos de ordem diversa ¢ aos quais nao pretende renunciar; que nao tem nenhum axgumento a por, mas que sustenta seu ponto de vista contra tudo e contra todos, segundo a formula: “Entendo, mas, mes- ‘mo assim...” Na interagdo, a concessao surge como tim passo dado na diregio do adversério; ela é constitutiva de um ethos positivo (abertura, escuta do outro). CO discurso contra, - De modo geral, a cada tipo de argumento corresponde um discurso contrério: “contra a autoridade”, “contra as testemunhas”, “contra as definigées”, “éontra a indugao”, “contra os exemplos 0 discurso contrario pode ser explorado como uma refuttagio, uma objecdo ou uma concessio. Por exemplo, a refutagio das argumentagées fun: feita segundo as dadas sobre falas de especialistas linhas seguintes, que podem ser encontradas em todos 0s discursos “contra os especialistas”: — aautoridade nao satisfaz as condigoes de espe- cializagdo no campo em questo; — a autoridade nao foi corretamente interpretada; — 0 campo em questo niio entra no campo de éncia especifica do especialista; compet — nio dispomos de nenhuma prova direta; — no hé consenso entre os especialistas. ‘A nogiio de “discurso contra” fornece o esqueleto de ‘uma posigaio critica diante do tipo de argumentos corres- poridentes, Essa nogio dialogal 6a que ¢ fornecida pela me- Thor compreensio do que é a refutagéo argumentative. X. — Conelusio ‘A partir da nogio de pergunta, podemos definit um conjunto sistemético de coneeitos, que permite 0 estado da argumentacao no dislogo e no diseu concepgao leva a uma revisdo do que é fundamental- Essa mente um dado em argumentaglo (ao menos um par de discursos em contradigio). A perspectiva dialogal é integradora, Ela retoma as aquisi teoria da argumentagéo na lingua (orientagio), dalégica \damentais da natural (construcao de objetos),integrando uma dimen- si. tica imanente, Ela permite estabelecer um vinculo com uma rica tradigdo de estudos légicos¢ etéricos. Ela abre novas perspectivas para a relagdo entre argumenta- Gio e demonstracdo (cf. cap. v), bem como sobre o lugar da emogao na troca angumentativa (ef. cap. vi). Por fim, ela permite levantar o problema da angumentagao com- parada, ou seja, das formas de argumentacdo praticadas nas diferentes culturas (ef. cap. vu) CAPITULO V AS ARTES DA PROVA © campo da argumentacao é mais vasto que 0 da demonstragao: a argumentagao incide sobre aquilo em que € preciso crer, regio na qual encontra a questio da prova e da demonstragdo, mas ela incide tanto mais sobre aquilo que é preciso fazer, a que € preciso renun: ciar ou nio, recusar ou aceitar ofertas de negociagao. Enquanto para algun: da predigio cientifca, podemos pensar que a incerteza é contingente, ela é essencial quando se consideram situagSes na qual intervém agentes humanos. Recor- yemos A argumentagio quando questdes derivadas do crer € erengas, hipte ¢ leis sio instaveis, insuficientes ou de ma qualidade e suibmetidas a um principio continuo de revisio. Em tiltima andllise, somos remetidos & questio do tempo: a argumentagao deriva de uma aposta; ela esta ligada & ‘urgéncia ¢ implica um processo “em tempo limitado”, bem diferente do tempo ilimitado que pode atribuir asi mesma a razdo filoséfica ou cientifica; hd uma diferenga de natureza entre suas agendas, A definigao da argumentago como um modo de organizagdo da fala em situagdes em que ela se choca J A ARcUMenTAgRO com uma contradigao insere 0 estudo da argumentagio no estudo da linguagem, distingue-o nitidamente das pesqutisas em epistemologia ou em metodologia cien- tifica, sem confundi-la com as teorias ou a filosofia da prova, da demonstracio, da explicagio on da justificagio ‘em matemitica ou em ciéncias. Como esses campos S40 bem delimitados, podemos levantar a questio sobre set ‘modo de relagio, no ponto em que a pergunta realmente tem um sentido, A adogdo de uma perspectiva conti- nnusta enfatiza o papel da argumentagio na construgio da prova ¢ da demonstragao. A partir dai, no é mais possivel simplesmente satisfazer-se em opor argumen taco ¢ demonstracio, argument ¢ prova. 1.— A grande divisio Historicamente, as nogdes de demonstragdo e de angumentagéo que nos foram dadas em heranca por meio da tradigdo ocidental foram construfdas na Grécia antiga Lloyd (1993, cap. 1) propée distinguir, a parti dessa épo- ca, uma argumentagio-prova para 0s campos da politi do direito e das ciéncias (cosmologia,fisica, medicina) uma argumentagio demonstragio para a filosofia © a légica. Contudo, na obra de Aristételes, a argumentaglo 6 caracterizada por suas diferencas com a demonstracdo Légica (premissas e regras indubitaveis vs decorrentes da opini). Epreciso constatar que, por um reflexo continuis- ta do modelo aristotélico, a angumentacdo foi constante- mente relacionada com a demonstracao légica (com a arguumentagio-demonstragio) € no com as prtticas cien- tificas on méiicas das quais, néo obstante, ela est mais proxima, por conta de sua natureza substancial e de sua relagdo com as dados (argumentagio-prova). Porexemplo, anagio esseneial de pengunta argumentativa corresponde ‘anocio médica de estase; existe estase quando os hummores io bloqueados, ea arte médica aplica-se a restabelecer a boa circulagdo dos fluidos, Da mesma maneira, tem-se a pergunta argumentativa quando a cireulaggo consensual do discurso est bloqueada pelo surgimento de uma con: tradigdo ou de uma divida, ea arte angumentativa aplica se a restabelecer o fluxo ntormal, consensual, do dilogo, Pocemos imaginar as retGricas escritas por Arquimedes cu Flipéerates como “fisicas” ou “medicinas” sociais. De toda forma, a ruptura do vinculo entre a argumentagdo as pritticas da arte médica ou do racioefnio cientifico © areferéncia hipnética a dedueao ldgica elementar & qual ‘nos opomos tém algo de surpreendente, Esse antagonismo, ciujas origens so profundas e que agora funciona como um lugar comum, foi consideravelmente reforgado pelo ‘Tratadoda argumentagao, de Perelman e Olbrechts-Tyte- ca, bem como pelas posigoes ndo-eferencialistas da teoria jo naling da “argumentai 1. No Tratado da ar Perelman ¢ Olbrechts-Tyteca construiram uma autonoma de argumentacio, por um lado, rejei- tando as emogdes (cf. cap. vi) e, de outro, opondo-a & demonstragdo: trata-se de caracterizar um campo diseur- sivo autOnomo, no qual se fala “sem demonstrar nem se

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