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ANA HELENA RIBEIRO TAVARES

(MANDE UMA APRESENTAÇÃO


PARA ESTE ESPAÇO)

GÊNIOS NEM SEMPRE SÃO TUDO ISSO

Dedicatória: Em um de seus poemas mais autobiográfi-


cos, Drummond declara que, quando nasceu,
um anjo torto lhe disse:
“Vai, Carlos, ser gauche na vida”.
Este texto é uma homenagem a todos os verdadeiros
mestres e, por ser livremente inspirado num conjunto de
aulas de sociologia, é totalmente dedicado ao maestro
que as conduziu: Gilson Caroni Filho, que, quando
nasceu, ouviu daquele mesmo anjo:
“Vai, Gilson, ser mestre na vida”.

Onde está a genialidade de um mestre? Títulos acadêmi-


cos? Não! “Sou doutor, PhD, Honoris Causa”, falou o profes-
sor na primeira aula. “O que disse mesmo o professor?”, per-
guntam-se os alunos ao final do curso.
Mestres não precisam de apresentações. Se é que possu-
em títulos, ótimo, mas que os deixem nas molduras de suas
paredes. O maior cartão de visita de um professor é sua aula e
é ela que o tornará ou não mestre para seus alunos. Só ela: a
aula. Sabe para que servem os certificados nessa hora? Soam
como um recado para os alunos: “Atenção, eu sou o professor
e sou maior que vocês”. Tudo bem que há uma inegável hie-

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rarquia, mas o “sou maior que vocês” não faz parte dela e não
combina com mestres. Uma coisa é admirar um trabalho que
se acompanha de perto outra, bem diferente, é ser coagido a
reverenciar certificados. Ah, sim, e para se acompanhar algo
de perto, para que o aprendizado seja realmente de trocas, para
que a relação de professor aluno passe a ser mestre/discípulo,
há que se haver a quebra de barreiras, há que se evitar com
todas as forças os estrelismos. Não dá pra imaginar Sócrates
dizendo pra seus discípulos “Sou doutor em ciências humanas,
PhD em conhecimento do mundo e Honoris Causa em filoso-
fia”. Meu Deus, ora vejamos, Sócrates era aquele que “só sa-
bia que nada sabia” e, tantos anos depois, sua linha de pensa-
mento ainda desfila pelo mundo, sendo a filosofia separada em
antes e depois dele. Conclui-se que a genialidade não precisa
ser alardeada. E mestres não precisam ser gênios.
Ah, a humildade... Só ela é capaz de fazer qualquer relação
verdadeira. E ela também cabe aos alunos. Imaginem Aristóteles
dizendo para Platão: “Já sei tudo, não preciso mais de seus
ensinamentos”. Imaginaram? Acho bom que não. Consta que
Aristóteles bateu muito de frente com seu mestre, muito mes-
mo, fundando novas teorias, mas não tendo nunca renegado a
importância de quem o precedeu. Até que ponto Platão foi le-
gal com seus discípulos? Até o ponto em que os deu liberdade.
Um ponto infinito. E por que foi tão legal isso? Porque lhes deu
liberdade sem os perder de vista. E mestres são legais.
Sejamos sinceros... Quando a frase começa assim é bom
sinal. É sinal de uma cumplicidade sem a qual não deveria se
sustentar nenhuma sala de aula – ou pátio de aula, rua de aula,
trem de aula (aula que é aula, convenhamos, pode ocorrer em
qualquer lugar). Por esse raciocínio, fica até engraçado pensar
nas provas tradicionais e suas notas burocráticas. Está lá o
professor com seu grupo de alunos andando pela rua, ouvindo
o cantar dos pássaros, cada um com uma prancheta na mão
escrevendo sua análise sobre aqueles cânticos. Daqui a pouco
vai o professor: fulano tirou 8,0 porque ignorou os bem-te-vis e
sicrano tirou 9,9 porque não se lembrou dos rouxinóis. A pri-
meira coisa que averiguamos é que essa situação é quase im-

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possível. Ainda bem. A segunda coisa que se percebe é que
esse professor devia ter uma clara preferência pelos bem-te-
vis... Uma pequena metáfora para exemplificar o
tendencionismo que, de certa forma, no âmbito do discurso é
inevitável até para os verdadeiros mestres, mas que, em mui-
tos casos, se faz cruelmente visível na aplicação de provas e
distribuição de notas. Por isso mestres não precisam delas.
O que os mestres precisam ter é um bom papo... Isso mes-
mo, um bom papo. A coisa mais maravilhosa é quando a aula
se torna um bate-papo. Você entra em sala com vontade de
ouvir seu professor, de conversar com ele? Ainda que naquele
dia só ele tenha falado, você sai de sala com a sensação de que
aquele papo te abriu a mente? Sim? Então seu professor é um
mestre. E, nesse contexto, pra que o academicismo de se ado-
tar um livro base pro curso? Pra que quadros brancos, negros
ou esverdeados? O mestre é a aula.
E quando esse mestre consegue fazer rir ensinando? Aí a
maestria é completa. Periga os nomes na pauta serem troca-
dos por apelidos. A chamada se faz desnecessária. Seja a aula
de manhã, de tarde ou à noite, difícil não ter disposição para
uma aula em ritmo de mestre, em que se ri e se aprende. E não
se vai lá pra dizer “presente!”. A aula é o presente.
Um presente que vem provar aos alunos que no outono há
sempre uma primavera escondida. Isso porque a convivência
com um verdadeiro mestre, essa troca de experiências, é um
aprendizado de tal maneira proveitoso que abre um leque de
possibilidades na mente daquele que se torna discípulo – aque-
le aluno que não necessariamente seguirá o mestre em sua
área de atuação, mas valoriza-o profundamente. Um leque for-
mado pelas possibilidades que já existiam dentro de cada discí-
pulo e que o mestre só fez trazer à tona, mostrando a eles as
primaveras que existem por trás do outono que, muitas vezes,
eles próprios pintam em suas vidas. Mestres fazem isso.
Mestres são isso. Gênios nem sempre são tudo isso.

11 de Outubro de 2008

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