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Matilde Bispo

Balada da Neve
Batem leve, levemente,  Olho-a através da vidraça. 
como quem chama por mim.  Pôs tudo da cor do linho. 
Será chuva? Será gente?  Passa gente e, quando passa, 
Gente não é, certamente  os passos imprime e traça 
e a chuva não bate assim. na brancura do caminho...

É talvez a ventania:  Fico olhando esses sinais 


mas há pouco, há poucochinho,  da pobre gente que avança, 
nem uma agulha bulia  e noto, por entre os mais, 
na quieta melancolia  os traços miniaturais 
dos pinheiros do caminho... duns pezitos de criança...

Quem bate, assim, levemente,  E descalcinhos, doridos... 


com tão estranha leveza,  a neve deixa inda vê-los, 
que mal se ouve, mal se sente?  primeiro, bem definidos, 
Não é chuva, nem é gente,  depois, em sulcos compridos, 
nem é vento com certeza. porque não podia erguê-los!...

Fui ver. A neve caía  Que quem já é pecador 


do azul cinzento do céu,  sofra tormentos, enfim! 
branca e leve, branca e fria...  Mas as crianças, Senhor, 
– Há quanto tempo a não via!  porque lhes dais tanta dor?!... 
E que saudades, Deus meu! Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza, 


uma funda turbação 
entra em mim, fica em mim presa. 
Cai neve na Natureza 
– e cai no meu coração.

Augusto Gil

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