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Universidade do Sul de Santa Catarina

Discurso
filosófico

UnisulVirtual
Palhoça, 2014
Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul


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Carlos Euclides Marques
César Frederico dos Santos
Daniel Schiochett
Marcos Rohling

Discurso
filosófico

Livro didático

Designer instrucional
Isabel Zoldan da Veiga Rambo

UnisulVirtual
Palhoça, 2014
Copyright © Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por
UnisulVirtual 2014 qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Projeto gráfico e capa


Carlos Euclides Marques Equipe UnisulVirtual
César Frederico dos Santos
Diagramador(a)
Daniel Schiochett
Fernanda Fernandes
Marcos Rohling
Revisor(a)
Designer instrucional
Diane Dal Mago
Isabel Zoldan da Veiga Rambo

100
D63 Discurso filosófico : livro didático / Carlos Euclides Marques, César
Frederico dos Santos, Daniel Schiochett, Marcos Rohling ;
design instrucional Isabel Zoldan da Veiga Rambo. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2014.
86 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Filosofia. I. Marques, Carlos Euclides. II. Santos, César


Frederico dos. III. Schiochett, Daniel. IV. Rohling, Marcos. V. Rambo,
Isabel Zoldan da Veiga. VI. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul


Sumário

Introdução  |  7

Capítulo 1
Preâmbulos da leitura  |  9

Capítulo 2
O domínio discursivo filosófico e alguns de seus
gêneros textuais   |  25

Capítulo 3
Outros olhares  |  45

Considerações Finais  |  75

Referências  |  77

Sobre os Professores Conteudistas  |  85


Introdução

Olá, caro(a) estudante!

Neste momento inicial que você se deparou com este Livro Didático, partindo
do título, você deve ter questionado: “O que é um discurso filosófico?”. Para
começarmos nossa conversa, e de forma muito resumida e sem grandes
aprofundamentos, diria a você que discurso filosófico é o texto produzido pelo
filósofo. Evidentemente, não se trata de qualquer texto produzido pelo filósofo,
mas aquele que procura dar conta de uma visão de mundo, da definição
conceitual de determinada noção ou conjunto de noções. E mais, trata-se de
um texto que foi considerado pela tradição, como filosófico. Tais textos têm,
conforme o autor e a época, variações estilísticas. Você pode encontrar longos
textos dissertativos, conjuntos de aforismos (textos curtos), alguns que mais
parecerão romances literários, cartas... Essa enorme gama de estilos faz com que
certos textos não sejam vistos por determinadas tradições como filosóficos.

Dito isso, cabe lhe esclarecer que, embora o que se segue comece com uma
apresentação sobre tipos de leituras, não é o objetivo principal aqui fazer um
longo debate sobre a teoria da leitura ou a teoria do texto – algo que mereceria,
certamente, um lugar na sua trajetória de estudante de Filosofia, particularmente
se você optar por desenvolver temáticas na linha da Filosofia da Linguagem,
Filosofia Analítica. Ainda assim, algumas fontes indicadas poderão lhe ser úteis
caso queira aprofundar nesse aspecto.

Mas, então, o que se pretende com este estudo? Ele procura lhe dar instrumentos
para desenvolver habilidades de leitura de textos filosóficos. Trataremos de
aspectos, digamos básicos, como estabelecimentos de tipologias de textos
filosóficos e abordagens de leituras com suas estratégias básicas. Reforçando
que serão tipologias para podermos começar, pois poderíamos escolher
outras tipologias. E há mesmo, em algumas sugestões de leitura apresentadas
no Roteiro de estudo, nomenclaturas diferentes. Assim sendo, num primeiro
momento procure reconhecer as similaridades entre as estratégias apresentadas
em diferentes textos, não se preocupando tanto com os aspectos da
nomenclatura. Tais aspectos e outras especificidades devem ser motivos de sua
atenção mais detalhada, a partir de uma segunda ou terceira leitura.
Sobre as pretensões dessa leitura, cabe retomar algumas observações:

O conteúdo deste texto destina-se a tratar do discurso filosófico.


Nele, o aluno encontrará questões, digressões, problemas etc.,
em suma, descrições de discursos canonizados na história da
filosofia. Mas também encontrará algo um tanto distinto desse
modo comum ou ordinário de apresentá-la. Deve-se esclarecer
ao aluno que o intuito central dessas lições não é tanto aprender
esta ou aquela teoria, o que este ou aquele filósofo pensou, tão
pouco o que disseram os intérpretes sobre certas passagens das
obras filosóficas. Tudo isso é importante, mesmo indispensável
para caracterizar o filosofar, e disto o aluno não poderá se esquivar
durante seu contato com a filosofia, seja neste trabalho ou em
outros lugares.
Porém, aqui não são os diversos discursos dos diferentes filósofos
e épocas que estão em questão, mas sim a produção mesma dos
seus discursos. Dessa forma, ainda que venhamos a tomar algum
texto de filosofia para exercitar nossa tarefa, será esta tarefa que
estará em questão e não o texto primariamente. A tarefa é ler e
interpretar um discurso filosófico. (SILVA, 2009, p. 16)

Vamos iniciar a leitura?


Capítulo 1

Preâmbulos da leitura
Carlos Euclides Marques

Habilidades Neste capítulo, trataremos de aspectos mais


básicos, como estabelecimento de estratégias de
leituras filosóficas. A apresentação e caracterização
dessas estratégias, acompanhadas dos exercícios
de leitura sugeridos propiciam o desenvolvimento
de habilidades e competências básicas para o
reconhecimento de estratégias adotadas por
diferentes tipos de abordagens e uso dessas
estratégias na produção de textos filosóficos.

Seções de estudo Seção 1:  Perspectivas de leituras

Seção 2:  Uma tipologia para abordagens de


leituras filosóficas

9
Capítulo 1

Seção 1
Perspectivas de leituras
Provavelmente, você já se pôs a pensar em dicionários e comentadores
Perspectiva filosófica especializados sobre esse ou sobre aquele filósofo ou
Essa expressão, aqui, perspectiva filosófica. Mais ainda, talvez tenha pensado
está sendo usada
nas questões sobre a tradução e o fato de você não saber
em um sentido mais
coloquial, sem a esta ou aquela língua para dar conta de uma boa leitura
carga filosófica que deste ou daquele texto filosófico. Restará, também, aquela
tem. Embora, mesmo imagem de que o discurso filosófico é, por natureza,
o sentido coloquial
hermético, de difícil penetração.
carregue, em parte, o
sentido filosófico.
Todas essas especulações têm sentido; contudo, podem
carregar os seguintes preconceitos:

•• Que você não é, nem será capaz de ler um texto filosófico


sem prévia bagagem especializada: contextualização histórica,
comentadores e dicionários. Se você pensar assim estará se
menosprezando. Partindo do pressuposto de que você tem
habilidades básicas de leitura: consegue identificar articulações
entre partes de um texto; visualizar qual o aspecto central, quais
os periféricos; identificar hipóteses de trabalho. Enfim, fazer aquilo
que ao longo de um percurso escolar lhe foi ensinado desde o seu
processo inicial de alfabetização, você está minimamente apto
para ler um texto filosófico, ao menos começar o processo de
aprendizagem da leitura filosófica.
•• Que só compreenderá um texto filosófico se conhecer o contexto
histórico e o vocabulário específico desse ou daquele filósofo.
Embora algum tipo de conhecimento do contexto histórico seja
importante, pensar assim é estabelecer um determinismo histórico, ou
seja, entender que determinado texto tem por chave leitura apenas
e somente o seu contexto histórico. Ora, como lembra Nietzsche,
mesmo aquilo que tomamos como fatos históricos são interpretações
derivadas de dados recortes que esta ou aquela perspectiva
historiográfica toma. Algo semelhante podemos dizer de alguns
dicionários especializados. Aqui cabe lembrar o que apontou Kant em
seu texto como resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?, a
saber, que, por vezes, queremos receitas, coisas prontas, manuais
facilitadores de nosso trabalho e, com isso, abdicamos de nossa
autonomia. Há mesmo situações que, ao tomarmos um comentador
antes da leitura do texto filosófico propriamente dito, ficamos de tal
forma contaminados pela chave de leitura desse comentador, que

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Discurso Filosófico

não conseguimos ver algo mais no texto filosófico. Nesses casos, o


comentador em vez de ajudar limita nossa visão.
•• Que só poderá compreender plenamente um texto filosófico
se souber a língua em que ele foi escrito. Bem, isso será de
fundamental importância para alguém que, mais tarde, pretenda
ser um leitor especializado em determinada área ou filósofo. Mas,
lembre-se: a proposta, aqui, é fazer uma leitura iniciática. Embora
isso não signifique fazer a leitura de qualquer jeito, não será preciso
domínio de línguas estrangeiras para dar conta dessa proposta.
Além disso, mesmo grandes especialistas em dado filósofo não
consideram que tenham plena compreensão dos escritos do autor
sobre o qual se debruçam. Há mesmo os que deixam bem claro
que suas leituras interpretativas são, muito mais, possibilidades a
partir de determinados recortes, sendo possível o estabelecimento
de outros recortes. Ainda assim, não faz mal repetir, não quaisquer
recortes, mas recortes que, tomando o próprio texto filosófico,
sejam possíveis fazer.
•• Se os discursos filosóficos são mais herméticos, isso não quer
dizer que sejam, em sua totalidade, inacessíveis a um neófito. Se
isso fosse uma verdade absoluta, como seria possível começar a
leitura de um discurso filosófico? Ademais, dificuldade não significa,
necessariamente, impossibilidade. Apenas que deveremos ter mais
atenção e teremos mais trabalho na execução da tarefa.

Com isso, não queremos dizer que você deva abandonar por completo
dicionários especializados, aspectos historiográficos e a questão da tradução.
Apenas queremos ressaltar que é mais salutar você primeiro experimentar ler o
próprio texto filosófico e, conforme o nível das leituras que vai fazendo, poderá
recorrer a esta ou aquela fonte complementar. Claro que é salutar, também, você
saber se determinada tradução tem maior ou menor aceitação na academia. Mas,
para iniciar o exercício de desenvolvimento de habilidades de leitura para o texto
filosófico, o mais importante é ter contato com o texto filosófico.

Antes de avançarmos um pouco mais reflita sobre essa passagem de Mello (1993,
p. 20), na apresentação de seu livro Nietzsche: o Sócrates de nossos tempos:

Houve certamente e continua a haver uma espécie de terrorismo


cultural da língua alemã na área da disciplina filosófica. E
naturalmente cabe a Heidegger uma boa parte da responsabilidade
por esse fato. No Brasil, entretanto, houve e continua a haver a
esse respeito não apenas terrorismo, como também superstição
e pedantismo. Por ignorância ou afetação sempre se julgou entre

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Capítulo 1

nós que alguns filósofos só seriam acessíveis a quem pudesse ler


alemão. Julgava-se, não pelas razões de Heidegger, vinculadas
ao nazismo, mas por pretensão erudita, que a filosofia, como a
poesia, é intraduzível — deixando assim sem explicação o fato de
que ar filosofia, nascida em solo grego e profundamente vinculada
ao idioma do povo grego, foi, ao lado do cristianismo, um fator
essencial na formação da cultura ocidental que durante muitos
séculos a assimilou unicamente através do latim; deixando também
sem explicação o fato de que, quando o grego se tornou uma
língua conhecida, a filosofia nem por isso deixou de ser o que havia
sempre sido; e deixando finalmente sem explicação o fato de que
ela se transformou sob a influência da ciência e não desse novo
conhecimento lingüístico. (MELLO, 1993, p. 20)

Desfeitos alguns preconceitos e acreditando que você – e nós, escritores dos


capítulos que seguem, como seus companheiros de viagem – pode(mos) fazer um
percurso por uma obra filosófica, vamos, muito brevemente, passar a algumas
estratégias de leitura. Há aquela estratégia de leitura preliminar, a saber, a leitura rápida.

Em que consiste a leitura rápida?

Em fazer uma leitura rápida da obra como um todo. Em tal estratégia, você
não deve se deter, aqui e ali, a algum tipo de problema que surja: vocabulário,
entendimento de certos raciocínios etc. Trata-se de uma leitura rápida, que serve
para você, minimamente, se dar conta da temática do texto e de um ou outro
argumento central. É o que aconselhamos na Introdução deste Livro, servindo
tanto para a leitura dos textos filosóficos como para a leitura desse.

Mesmo quando, a partir de uma segunda leitura, quando você começar a verificar o
vocabulário e algumas estratégias argumentativas de uma forma mais básica, ainda
não estaremos na leitura filosófica, mas na antessala dela. Por vezes, serão necessárias
muitas leituras mais básicas para você realmente começar a leitura filosófica.

Você se assustou com isso? Pois é, repassar o texto muitas vezes será
necessário para chegarmos à leitura filosófica. Assim, paciência e persistência
são virtudes do leitor de textos filosóficos.

Mas o que seria, então, a leitura filosófica?

A leitura filosófica é aquela que Folscheid e Wunenburger (1997, p. 21) chamam


de leitura aprofundada. Nela, esclarecem os autores supracitados, nossa
atenção é intensa, esquadrinhamos o texto, “as palavras para nelas descobrir
as noções, as frases para evidenciar as teses, os parágrafos para esclarecer os

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Discurso Filosófico

objetos de discussão, dos pressupostos, a argumentação e as implicações”.

Para essa leitura, você deve organizar bem seu tempo. Quando ele for curto,
detenha-se em uma ou duas páginas, sempre com uma ficha de leitura, uma folha
pautada ou um bloco de anotações ao lado para tomar notas. Tomar notas é de
fundamental importância, pois nelas você:

•• selecionará palavras cujo significado desconhece – posteriormente


o descobrindo, com a consulta a um dicionário especializado;
•• destacará as teses centrais, as secundárias e as estruturas
argumentativas;
•• anotará questões que lhe inquietam, levantando proposições para
dialogar com o texto.

É recomendável que você busque algumas orientações sobre a


organização dos estudos, principalmente quanto à organização dos dados
obtidos na pesquisa bibliográfica ou documental. Para isso, recomendamos
a leitura dos capítulos iniciais do livro de Antônio Joaquim Severino,
Metodologia do trabalho científico e a recuperação de conteúdos já
estudados caso você já tenha feito, a UA – Universidade e Ciência. Já
para as especificidades do trabalho com textos filosóficos, você pode
consultar os livros: Como ler um texto de filosofia, de Antônio Joaquim
Severino; Elementos para a Leitura dos Textos Filosóficos, de
Frédéric Cossutta e Metodologia Filosófica, de Dominique Folscheid
e Jean-Jacques Wunenburger. Tais indicações são para você relembrar e
fixar melhor aspectos já estudados ou para avançar um pouco mais na
instrumentalização para a leitura de textos filosóficos.

Cabe lembrar, ainda, que tais estratégias são instrumentais para sua vida
acadêmica e apreendê-las – tornando-as habituais no seu trabalho com textos
– não é “perda de tempo”. Muito pelo contrário, se inicialmente tais estratégias
vão lhe tomar certo tempo, posteriormente, com as anotações em mãos e o
entendimento do funcionamento de certas estratégias de leitura, ficará mais fácil
escrever seus trabalhos.

Portanto, se é preciso inclinar-se sobre as questões


metodológicas colocadas pelos textos, não é em primeiro lugar
para aprender a se sair bem em certas provas, mas para facilitar
uma atividade que todos devem realizar por conta própria, sem
que ninguém possa agir em seu lugar. Uma vez cumprida essa
missão, o êxito nas provas de avaliação será dado por acréscimo
– o contrário não é nem viável nem verdadeiro. (FOLSCHEID ;
WUNENBURGER, 1997, p. 8)

13
Capítulo 1

Você notou que Folscheid e Wunenburger (1997), na passagem acima, estão


apontando para aquilo que lembramos ainda a pouco de Kant, sobre a
autonomia? Pois, então, para uma boa formação filosófica não precisamos de um
conhecimento enciclopédico. Tal conhecimento, numa roda de amigos, que gostam
de um “papo cabeça”, pode ser uma forma de chamar a atenção. Contudo, o
conhecimento enciclopédico, algumas vezes, faz de nós mais um tipo de papagaio.
Ele tem pouca utilidade se não adquirimos habilidades básicas, que nós fazem
competentes para lermos, interpretarmos e produzirmos novos conhecimentos a
partir de fontes que ainda não decoramos. E, o mais preocupante, o conhecimento
enciclopédico pode gerar um pseudo-filosofante, um arrogante. Mais uma vez
trazemos o exemplo do filósofo da martelada para ilustração. A Nietzsche foi dado
o título de doutor em filologia, por reconhecimento de conhecimento notório, sem
a necessidade de apresentar uma defesa de tese de doutorado. Entretanto, o
filósofo alemão não via erudição acadêmica como fonte do filosofar. Pelo contrário,
por vezes, fez críticas ácidas aos eruditos, indicando que esses matam o genuíno
filosofar. Há quem almeje um verniz de cultura e pensa que isso se dá por um
enciclopedismo. Ledo engano! Mais importante que um enciclopedismo ou uma
erudição é sabermos utilizar ferramentas básicas de leitura e podermos caminhar
com nossas próprias pernas. Evidentemente, isso não significa a total negação
de uma formação com pitadas de erudição e enciclopedismo, mas que devemos
saber dosar tal tipo de conhecimento, lembrando uma máxima grega muito
utilizada por Sócrates: “Nada em demasia.”

Muitas vezes, no processo de leitura, fazemos um misto de leitura rápida e


leitura aprofundada. Mas, é a leitura aprofundada que importa aqui. E, dentro
de suas possibilidades, há os tipos de abordagens filosóficas que você pode
tomar mediante um texto filosófico.

14
Discurso Filosófico

Seção 2
Uma tipologia para abordagens de leituras
filosóficas
Basicamente, podemos falar de três tipos de abordagens do texto filosófico
quanto à leitura:

•• a historicista;
•• a dogmática;
•• a genético-historicista.

Você poderá encontrar outras nomenclaturas para essas abordagens, ou mesmo


outras opções; contudo, para não ficar com detalhismos que poderiam levar a
digressões muito longas, afetando seu acompanhamento do que é essencial,
levaremos em consideração as três citadas. Vejamos as características básicas
de cada um desses tipos de leitura.

2.1 A leitura historicista


A leitura historicista é aquela que parte do contexto em que o autor e sua obra
estão; procurando, a partir de uma biografia, de uma contextualização histórica,
dar conta do que levou o pensador a produzir determinado texto. Tal perspectiva
parte da tese de que há uma relação intrínseca de causa e efeito entre fatos
e ideias: o autor e, consequentemente, suas obras são fruto de um contexto.
Partir desse contexto é, para essa perspectiva, o mais importante para um bom
entendimento do sentido da obra que se toma para leitura.

Assim, se o autor escreveu algo para responder a certo interlocutor, é preciso


saber, antes de qualquer coisa, quais circunstâncias deram origem a tal debate,
quais são os antecedentes históricos disso, qual é o contexto em que ambos se
encontram e assim por diante. Há, também, o aspecto psicológico do autor: seu
caráter e que influências tal caráter tem sobre seu estilo de escrita, ou, ainda,
quais foram seus mestres e até que ponto os seguiu e/ou os negou.

Esse é o tipo de abordagem que você encontra, por exemplo, nos textos de
introdução, Vida e obra, dos volumes da coleção Os pensadores, também em muitos
manuais de História da Filosofia. Para efeito de exemplificação, tomemos a parte que
apresenta a filosofia de Aristóteles em História da filosofia – Volume 1 – Filosofia
Pagã, de Giovani Reali e Dario Antiseri. Primeiramente, uma introdução sobre A
“questão aristotélica”, que, brevemente, remete a aspectos de como os textos do
Estagira chegaram até nós. Logo depois, temos o tópico: A vida de Aristóteles.

15
Capítulo 1

Pode ser que você estranhe, dizendo: “Ora, professor, este é um manual de
História da Filosofia e não poderia ser diferente!”. Sim, sim, é pertinente o que
você aponta. Passemos, então, a outro texto, um que pretende apresentar,
introdutoriamente, a filosofia de Nietzsche: Nietzsche: a transvalorização dos
valores, de Scarlett Marton (1993). O referido livro divide-se em duas partes: a
primeira busca apresentar o pensamento de Nietzsche; a segunda traz alguns
fragmentos de textos desse filósofo. Atente para um trecho da primeira parte:

A filosofia nietzschiana não se constrói de modo autônomo


e independente, não se acha isolada em sua soberania. Ao
contrário, ela surge num tempo e num espaço determinados, está
inscrita num contexto preciso. Se ele afirma: “É somente o depois
de amanhã que me pertence! Alguns homens nascem póstumos”,
é porque está intimamente ligado à sua época. Se nasceu
póstumo, é porque dirige ao mundo em que vive uma crítica
radical. É nesse sentido que nos sugere evitar as biografias que
se apresentam como o relato sobre um homem e seu tempo e nos
atermos àquelas que falam de “um homem em luta contra o seu
tempo”. Afinal, ele é um pensador ousado, insolente, rebelde. Não
receia a contenda, desencadeia o combate. Desafia as normas de
sua época e declara guerra aos valores vigentes. É numa época
de profundas transformações que Nietzsche vive. Na Alemanha
do século XIX, ocorrem importantes mudanças econômicas e
sócio­políticas: a implantação tardia da indústria, o aparecimento
de novas camadas sociais, a unificação dos Estados alemães
em torno da Prússia. E mudanças de igual importância ocorrem,
também, na esfera da cultura e da educação. É contra elas que o
filósofo se posiciona. (MARTON, 1993, p. 10)

Você nota, claramente, que a autora indica ser a obra de Nietzsche uma
resposta ao seu tempo e, dessa forma, antes de apresentar algumas noções de
sua filosofia é importante contextualizar aspectos históricos, alguns dos quais
anteriores ao século XIX. É claramente uma abordagem historicista.

Mais um exemplo antes de avançarmos. Eis um fragmento de ensaio escrito por


Michel Launey (1995), como introdução ao livro de Rousseau, Emílio.

Como levar a sério um livro sobre a educação escrito por um


homem que abandonou “galhardamente” (ele mesmo o admite em
suas Confissões) os cinco filhos que teve com Thérèse Levasseur?
Esta questão prévia, repetida pelos jovens leitores de ontem e de
hoje, deve ser colocada, não para ser ela própria levada a sério,
mas para que nos desvencilhemos dela de uma vez por todas.
Rousseau é daqueles que acham que não há covardia pior do que
o abandono dos filhos que se teve O prazer de fazer:
[...]

16
Discurso Filosófico

Até o fim de sua vida, o remorso fez com que Rousseau


procurasse simulacros de desculpas. Em 20 de abril de 1751,
ele escrevia à sra. de Francueil: “Ganho a cada dia o meu pão
com muita dificuldade: como sustentaria ainda uma família? [...]
E, se eu fosse obrigado a recorrer ao oficio de escritor, Como as
preocupações domésticas e a bagunça das crianças me deixariam,
em meu sótão, a tranqüilidade de espírito necessária para fazer
um trabalho lucrativo?” Essas desculpas não o satisfazem, e é
justamente a obsessão por sua culpa que o determinou a escrever
o Emílio de 1757 a, 1762 e a começar as suas Confissões em 1765.
A morte interrompeu seus Devaneios, onde ele ainda se defendia
de ter sido um “pai desnaturado” (Nono Devaneio).
Para pretender que o livro não tem nada para nos ensinar porque
seu autor não o colocou em prática seria, portanto preciso
inverter a cronologia, proibir a Rousseau — e a si mesmo — toda
oportunidade de um arrependimento sincero e permanecer surdo
ao apelo que, do fundo da noite, testemunha a possibilidade de se
redimir e de se tirar do mal um bem: “Não escrevo para desculpar
meus erros, mas para impedir meus leitores de os imitar.” Na
verdade, o Emílio é ainda hoje um excelente meio de progredir
no amor aos filhos, “e do modo como se deve amar, muito
inteligentemente”.

Note que para dar conta de alguns aspectos da escrita de Rousseau, o


comentador toma aspectos biográficos e psicológicos desse filósofo.

Algumas dessas características que apontamos ficam claras já nos prefácios


ou sumários de alguns desses textos, os quais procuram esclarecer aspectos
dessa ou daquela concepção filosófica. Às vezes, mesmo os textos dos filósofos
começam com esse tipo de abordagem. Por curiosidade e como exercício,
você pode tomar alguns livros de Filosofia e atentar para isso, a partir de seus
prefácios, sumários e índices.

Esse tipo de leitura – a historicista – prima pelo uso do comentário; lê


um texto pelo seu contexto histórico, ou seja, parte do que vem de fora do
texto para dar conta de seu significado: do contexto ao texto.

Antes de avançarmos, façamos um esclarecimento. Pode lhe parecer que não


sejamos adeptos dessa abordagem de leitura, pois apontamos anteriormente
que ela deriva de certo determinismo histórico e, por ser um tipo de leitura que
depende mais de uma pesquisa historiográfica, pode parecer que deixa o texto
de lado. Comparativamente podemos pensar em um livro de História da Arte
que não traga muitas imagens de obras de arte e pouco recorra a uma análise
descritiva delas, ficando muito mais no relato das condições que fizeram surgir
este ou aquele movimento artístico e suas peculiaridades de teor mais teórico. Eis,

17
Capítulo 1

por exemplo, o que faz Arnould Hauser (1972), em sua já clássica obra, História
social da literatura e da arte. Tão diferente de outro livro já clássico nesta área,
A história da arte, de Ernst Hans Josef Gombrich (1993), repleto de imagens.
O que temos são abordagens diferentes, cada qual tem aspectos positivos e
negativos. E o mesmo se dá quando as abordagens de leitura filosófica. O que
queremos reforçar é, simplesmente, que a estratégia adotada não pode ser um
pretexto para inferirmos outros aspectos que não derivam da leitura, ou seja, do
texto que pretendemos ler.

2.2 A leitura dogmática


A leitura dogmática, diferente da leitura historicista, não se preocupa,
fundamentalmente, com o contexto histórico, mas com a estrutura do texto e a
“lógica argumentativa” interna a esse. Nesse procedimento, é a explicação que
se faz mais presente. Não há, aqui, um debate com o autor, e sim a aceitação de
suas teses, tomando o texto como propagador de uma verdade interna. Nessa
abordagem, você deve acreditar naquilo que o autor defende. É nesse sentido
que esse procedimento recebe a denominação de dogmático.

Claro que é difícil, por vezes, tomarmos o texto dessa forma, pois, ao lermos um
texto, já estamos a conversar com ele. E se discordamos do ponto de vista do
autor, não raro, já nos pomos a propor, mentalmente, respostas a hipóteses de
trabalho. Há mesmo os que desistem da leitura, pois consideram as hipóteses
do autor algo inconcebível. Esse tipo de atitude não é recomendável. Não raro,
quando você insiste na leitura, em algum momento, identifica certa coerência na
argumentação do autor. Despir-se de seus próprios preconceitos é importante para
fazer esse tipo de leitura. Reforçando, é nesse sentido que você deve entender que
o autor tem razão e, a partir de uma lógica interna, o texto traz uma verdade.

Aqui cabe uma distinção entre:

•• comentário de texto;
•• explicação de texto.

Para tanto, Dominique Folscheid e Jean-Jacques Winenburger (1997, p. 30), em


Metodologia Filosófica, são esclarecedores.

Para dizer em poucas palavras, a explicação de texto busca saber


o que um autor verdadeiramente disse numa dada passagem,
enquanto o comentário é uma interrogação armada (de referências,
sobretudo) sobre o que ele disse de verdadeiro. A explicação
é uma tarefa bem delimitada, portanto estritamente limitada.
Distinguiremos dois casos. Se o texto é apresentado como

18
Discurso Filosófico

ocasião de um exercício de análise de um pensamento filosófico,


deve-se excluir qualquer erudição relacionada com o contexto
(que não se supõe conhecido) ou com a obra da qual é extraído.
Pode acontecer, porém, que o conhecimento geral de um autor ou
de uma época facilite, sem condicioná-la, a boa interpretação [...].
Em contrapartida, quando o extrato de texto vem complementar
o estudo de um autor, é aconselhável situar o texto na obra, e
fazer ambos dialogarem. Convém, no entanto, não confundir os
dois casos e de maneira nenhuma permitir que conhecimentos
exteriores ao texto retardem ou sobrecarreguem inutilmente a
explicação do texto apresentado. (Destaques dos autores.)

Note que os autores indicam ser a erudição, em alguns casos, problemática à


explicação. Isso combina, em parte, com a abordagem dogmática, pois, para ela, o
contexto do texto não é de fundamental importância. Assim, um grande conhecimento
das circunstâncias históricas, sociais e psicológicas relacionadas ao autor afastaria o
leitor do próprio texto, do ponto de vista da leitura dogmática, evidentemente.

Para essa abordagem, o texto se revela por si só, bastando uma leitura atenta.
Mais a frente, Folscheid e Winenburger (1997, p. 32) indicam os princípios
da explicação de texto:

Em seu princípio, a explicação de texto é a operação mais simples


que existe. Consiste, como seu nome indica, em enunciar o que
há num texto dado, nem mais nem menos. Explicar é desdobrar,
mostrar o que está exposto, pressuposto, implicado, subentendido
ou calado por um autor preciso, num lugar bem circunscrito.
(Destaques dos autores.)

Também Cossutta (2001, p. 212-213), embora não use a nomenclatura que estamos
a utilizar, parece indicar características dessa abordagem de leitura filosófica:

Essa série de exemplos nos convida a organizar o estado dos


fatores de construção de acordo com dois eixos:
- por um lado agruparemos o que se relaciona à atividade pela
qual o filósofo tematiza sua própria análise assim como sua
atividade discursiva (colocação do problema e do objeto da
pesquisa, explicitação dos problemas de ordem de exposição,
escolha de métodos...). Isso lhe permite afirmar um domínio
global sobre seu discurso graças a um jogo complexo de
hierarquizações enunciativas [...].
- por outro lado, agruparemos o que diz respeito aos
encadeamentos internos, às distribuições operadas por
mecanismos diversos que efetuam substituições e remissões
entre as partes do discurso. Poderemos assim compreender
como se constrói a rede de referências intratextuais [...].

19
Capítulo 1

Ao examinarmos os operadores que asseguram a coerência


das análises (como mostra a releitura dos exemplos anteriores),
chama-nos a atenção um ponto que lhes é comum: as
modalizações, as retomadas e avaliações, bem como as marcas
de tempo, de aspecto e as anáforas (“esta prova...”), dependem
da estrutura enunciativa subjacente à discursividade filosófica.
As formas pelas quais se marca a presença ou a intervenção
dos enunciadores não delimitam apenas a cena onde se
organiza um ponto de vista filosófico, como vimos no
primeiro capítulo. Elas intervém igualmente na constituição
das unidades de lugar e de tempo que lhe permitem
desenvolver-se. “Podemos...”, “vamos...”, “agora”, “aqui”, “para
nós neste momento” dependem diretamente do aparelho formal
da enunciação e se oferecem como outros tantos meios que
permitem ao filósofo organizar os conteúdos de sua reflexão.
Cada doutrina é solidária com uma maneira de apropriar-se do
discurso ligada aos próprios conteúdos doutrinais. Certamente
poderíamos referir-nos a princípios de organização discursiva
mais amplos que o texto (ver as indicações de M. Foucault
sobre esse problema em A arqueologia do saber). É possível
no entanto observar regularidades na maneira como a
enunciação intervém para construir desde o interior o texto
filosófico. [...].(Destaque do autor.)

É como uma escavação arqueológica: primeiro, a área é limpa para visualização


geral do sítio arqueológico; na sequência, a área é esquadrinhada, passando-
se a uma escavação mais detalhada de área por área; nas etapas finais, os
dados apurados em cada área são agrupados e se busca estabelecer relações
quantitativas e qualitativas do conjunto dos artefatos encontrados, assim como
de suas posições no sítio como um todo.

A imagem de comparação com a atividade de escavação arqueológica é


interessante, pois assim como os artefatos e as condições que encontramos no
sítio arqueológico não nos dão a totalidade das condições da época, também
o texto e sua ordem das ideias não nos dão, plenamente, as intenções do
autor. Para alguns tipos de textos, como aqueles de tradições mais antigas e os
derivados de arquivos póstumos, o estabelecimento dessas intenções fica mais
complicado. Entretanto, assim como na pesquisa arqueológica, as possíveis
carências não devem ser motivo para deixarmos de lado essa abordagem de
leitura. Se ela não nos dá a totalidade, ao menos aponta hipóteses interpretativas
plausíveis e um trato mais atento com o próprio texto.

Observe um exemplo retirado do livro de Folscheid e Winenburger (1997, p. 69).


Os autores trabalham o primeiro parágrafo da Primeira parte do Discurso do
método, de Descartes.

20
Discurso Filosófico

O objeto (ou tema) do texto não salta aos olhos — ou melhor, não
deve saltar aos olhos. É verdade que a primeira linha retém o
olhar: “O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo.”
Mas evitamos deduzir imediatamente que o texto trata do bom
senso. Uma linha não basta.
Indo um pouco mais adiante, poderíamos supor que o texto
trata da razão. Mas, como Descartes remete finalmente esse
tema à opinião filosófica comum, de modo nenhum é certo que
faça disso o verdadeiro objeto de seu discurso — a menos que
ruminemos banalidades.
A tese central não e mais fácil de se descobrir. Certamente, a
fórmula sobre o bom senso ou sobre a razão “por natureza igual
em todos os homens” é precisa. Mas, como o fim do texto anula
aparentemente o caráter singular (e até provocador) da afirmação,
não avançamos.
Resta considerar a segunda metade do primeiro parágrafo, que
faz surgir o motivo do método. Para um livro que pretende
explicitamente tratar dele, e um tema a assinalar. Mas é preciso
ainda articular razão e método, e integrar outros elementos
presentes no texto, o que complica nossa tarefa.
Assinalaremos em particular a utilização da noção de espírito,
que permite a Descartes reintroduzir a desigualdade que ele
recusava à razão.

O artigo de João Azevedo Abreu (1996, p. 211), intitulado Sobre o De magistro, de


Santo Agostinho, publicado na revista Trans/Form/Ação, já em seu resumo, aponta
para a adoção de uma estratégia de leitura similar a que estamos tratando aqui:

Este artigo está dividido em duas partes. Primeiro, mostramos


os diferentes papeis das citações presentes no De Magistro, de
Santo Agostinho. Depois, comparamos a estrutura em que o
texto está disposto com a teoria que e aí desenvolvida. A partir
de tal comparação, podemos ver que, nesse texto, uma teoria da
linguagem não é filosoficamente fundamental e que o diálogo não
é a melhor forma de alcançar a verdade. (ABREU, 1996, p. 211)

A aplicação de tal abordagem de leitura filosófica parece ainda mais clara no


corpo do referido artigo.

Ainda antes de analisarmos a estrutura do diálogo, cabem aqui


algumas observações acerca da utilização que Agostinho faz
das citações de alguns autores e, principalmente, de passagens
da Bíblia. A nossa ideia e a de que as citações nem sempre
são meramente ilustrativas - elas têm um papel por vezes
fundamental para o encadeamento argumentativo do debate.
Na passagem em que, no Capítulo V, o apóstolo Paulo é citado
(trecho extraído de II Coríntios 1, 1 9), “Não havia em Cristo o sim

21
Capítulo 1

e o não, mas somente havia nele o sim”, há apenas a utilização


de um recurso, por parte de Agostinho, para mostrar a Adeodato
que tanto os “nomes” gramaticais quanto as conjunções e os
verbos (como o “est”, traduzido do latim por “sim”) são todos
nomes, na medida em que nomeiam algo. No caso, o recurso
é tão persuasivo que Adeodato acaba não só aceitando o
argumento de apelo à autoridade de São Paulo, mas também
acaba pedindo mais autoridades: “rogo-te que procures algum
daqueles em quem se reconhece máxima autoridade na arte
da palavra, para demonstrar o que desejas” (Capítulo V, p. 303).
(ABREU, 1996, p. 213)

De certa forma, podemos ver a abordagem dogmática como um contraponto à


abordagem historicista. Eis o que nos leva a próxima abordagem.

2.3 Leitura genético-historicista


O procedimento genético-historicista é uma mistura dos dois procedimentos
anteriormente citados: historicista e dogmático. Entretanto, ele parte do
procedimento dogmático e, tomando certos momentos do texto, que façam
alusões a pessoas, fatos históricos ou teses, vai aos aspectos historiográficos,
biográficos, psicológicos e assim por diante.

Atenção, não raro é comum alguns estudantes confundirem a abordagem


historicista com a abordagem genético-hidtoricista. Para evitar tal confusão,
basta observar se a leitura começa por um aspecto estrutural do texto ou
do contexto histórico. No primeiro caso, temos a abordagem genético-
historicista; no segundo, a historicista.

Como exercício, você pode tomar uma passagem de alguma das principais obras
de Platão. Algo visível de imediato é se tratar de um diálogo e que, como tal,
apresenta personagens. Essas figuras nominadas são vistas por alguns estudiosos
como personagens históricos e não simplesmente como personagens literários.

Aqui cabe uma pequena ressalva. Como indica José Trindade Santos (2008b, p. 12),

Logo aí se nota o erro de assimilar a empresa da composição


de textos na Antiguidade ao modo como tem sido vista nestes
dois últimos séculos. “Verdade” e “Falsidade” não permanecem
como categorias intocáveis ao longo dos séculos; nem sequer
são encaradas em literatura como costumam ser em filosofia. A
pergunta implícita a essas objeções é se, lendo os diálogos como
obras ficcionadas, poderemos buscar verdade neles.
Um segundo erro muito comum consiste em encarar esses
diálogos como reportagens de conversas reais, a que Platão

22
Discurso Filosófico

teria assistido. Não há dúvida de que a oralidade se acha


bem viva nessas brilhantes peças dramáticas, onde não falta
pirotecnia sofística. Boa parte do texto pode ter sido inspirada
por debates e confrontos reais. Nada nos obriga, contudo, a
aceitar a historicidade dos eventos relatados. Nem vemos razões
que obriguem a atribuir a personalidades históricas as opiniões
expressas pelas personagens homônimas do diálogo.

Ao se deparar com essas figuras literárias ou históricas, você pode buscar


informações sobre elas e, com isso, encontrar maiores detalhes sobre as teses
que estão sendo debatidas no diálogo.

O mesmo valeria para uma descrição do ambiente, de rituais da época. Note,


você não fez antes uma pesquisa sobre o ambiente ou os personagens dessa
época para, depois, na leitura do texto, levantar as relações de causa e efeito
entre fatos e ideias apresentadas no texto em questão.

Adotando esse procedimento genético-historicista, você primeiro toma o estrato


do próprio texto e, ao encontrar elementos que referenciam o contexto histórico,
você sai do texto. Ainda assim, essa saída do texto pede, após a pesquisa de
informações do contexto, que você volte ao texto. Adotando tal procedimento,
evita-se ler o texto como pretexto para outras coisas que não sejam a
interpretação do próprio texto em questão.

Para exemplificar essa abordagem, leia o fragmento do artigo de Rafael Huguenin,


disponível em: <http://estudoshumeanos.com/2011/10/03/para-ler-a-poetica-de-
aristoteles/>. (Acesso em: 16 jun. 2014), intitulado: Para ler a Poética de Aristóteles:

Pois bem, comecemos com uma pergunta simples: qual é o


objeto de estudo da Poética? Muitos consideram esta uma
questão de fácil resolução. A julgar pelo próprio título em grego
que pode ser traduzido simplesmente como Acerca da arte
poética ou ainda Sobre a técnica poética, o objeto do livro
deveria ser a poesia em geral. O termo grego poietiké liga-se ao
verbo grego poiéô, que pode ser traduzido em geral como “eu
faço”, “eu produzo”, “eu crio”. Posteriormente, no entanto, o
verbo adquiriu também o sentido de “eu faço poesia”.
Mas uma leitura atenta do livro mostra, em primeiro lugar, que
seu objeto de estudo é bem mais restrito do que sugere o
título. Afinal, a Poética aborda quase que exclusivamente um
tipo específico de poesia, a saber, a tragédia grega. Ora, a
tragédia grega tratada no texto, além das inúmeras diferenças
em relação ao drama atual, foi um fenômeno artístico que durou
menos de cem anos. Curiosamente, durou o mesmo tempo que
a democracia ateniense e a vida de Sófocles, um dos principais
tragediógrafos abordados no texto.

23
Capítulo 1

E continua o autor:

A tragédia grega tratada por Aristóteles, portanto, era uma forma


artística estritamente ateniense. Em vista desta especificidade do
objeto de estudo do texto, causa espanto que este texto seja um
dos mais comentados e discutidos de Aristóteles. Ora, por que
um livro que trata de uma forma literária tão restrita permaneceu
sendo lida e comentada por tanto tempo? Por que a Poética
exerceu e continua exercendo tanta influência?
O próprio texto nos fornece um caminho de resposta a esta
questão. No final do terceiro capítulo, após discutir acerca das
origens históricas da tragédia e da comédia, Aristóteles observa
que os dóricos sustentam que “usam o verbo drân para significar
o fazer, ao passo que os atenienses empregam o termo práttein”
(1448b1-2). Ora, poieîn e práttein são sinônimos. Ambos podem
ser traduzidos como agir ou fazer. Deste modo, há mais do que
simplesmente poesia em jogo. A julgar por este comentário de
Aristóteles, a Poética possui um duplo objeto de estudo. O texto
pode ser lido simultaneamente como um tratado da arte poética
e como um tratado acerca da ação humana, o que sugere uma
espécie de continuidade entre a ética e a estética.

Como o objetivo aqui não é se aprofundar nas teorias da leitura ou do texto, o


que se apresenta é suficiente para que você tenha uma ideia das bases de
algumas formas de leitura do texto filosófico. O mais importante é tomar um
texto e procurar praticá-las. Uma sugestão é que primeiro você pegue algum
artigo em revista acadêmica, particularmente aqueles que são bem tópicos, ou
seja, com recortes de leitura bem delimitados. Esta característica tópica pode
ser encontrada já nos títulos como: A noção de areté na Ética a Nicômaco
de Aristóteles; Uma introdução à leitura do Sofista de Platão; A concepção
de “estado de natureza” no Contrato Social, de Rousseau. Para começar
escolha artigos curtos. Na leitura desses artigos, procure identificar que tipo de
abordagem de leitura o autor do artigo utilizou, predominantemente. Conforme
você for desenvolvendo suas habilidades de leitura filosófica passe para textos
dos próprios filósofos. Procure, nesse segundo momento, abordagens com as
quais você mais se identifica e textos mais básicos desses filósofos. Por exemplo,
em vez de começar pelo Do contrato social, de Rousseau, comece por Ensaio
sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens;
em vez de começar lendo O ser e o nada, se Sartre, comece pela conferência
O existencialismo é um humanismo... Tanto Folscheid e Winenburger como
Cossuta, nos livros os quais tomamos alguns exemplos e recomendações, fazem
algum tipo de avaliação sobre quais seriam os melhores textos para se começar a
aprendizagem da leitura filosófica.

24
Capítulo 2

O domínio discursivo filosófico


e alguns de seus gêneros
textuais
Carlos Euclides Marques

Habilidades Neste capítulo, você será apresentado a algumas


características dos diferentes gêneros textuais
utilizados no domínio discursivo filosófico. Também
terá a oportunidade, mesmo que de forma breve,
de conhecer alguns debates sobre a composição
e aceitação de certas formas de organização dos
corpus de textos filosóficos, particularmente os
da Antiguidade. Estas incursões complementam
os instrumentos apresentados para desenvolver
habilidades e competências quanto à leitura de
textos filosóficos. Com o foco mais na questão
dos gêneros textuais utilizados pela filosofia, você
poderá aguçar habilidades de identificação de
diferentes formas de organização, apresentação de
um discurso (texto) filosófico, assim como aguçar
sua reflexão sobre a composição textual no domínio
discursivo filosófico. Saber reconhecer diferentes
gêneros empregados no domínio discursivo filosófico
tem implicações, também, no desenvolvimento de
habilidades para a produção textual.

Seções de estudo Seção 1:  Retomando uma possível caracterização


do discurso, texto filosófico

Seção 2:  Dos gêneros textuais em filosofia

25
Capítulo 2

Seção 1
Retomando uma possível caracterização do
discurso, texto filosófico
Para avançarmos um pouco mais, é importante recuperar algumas características
do discurso apresentadas na introdução deste Livro Didático. Então, vejamos. Um
texto (discurso) pode ser filosófico por:

•• Ser escrito por um filósofo e reconhecido pela tradição como sendo


filosófico;
•• Por construir uma visão de mundo e tratar de conceitos;

Acrescente a essas indicações iniciais outras:

•• Trata-se de um texto argumentativo;


•• Por vezes, tal texto discute temas já clássicos na tradição filosófica,
ou seja, trata-se de um texto crítico;

Certo. Mas essas características isoladas não são suficientes para tomarmos este
ou aquele texto como sendo filosófico. Por que isto? Ora, como já foi apontado,
a definição de discurso filosófico não é fechada, não enuncia algo do tipo: “O
discurso filosófico é X ou Y.” Como o texto filosófico é um tipo de discurso
filosófico e, por vezes, os termos discurso e texto se confundem, o mesmo que
indicamos sobre discurso filosófico serve para texto filosófico. Contudo, para que
não fiquemos perdidos num emaranhado que dificulta nosso avanço, precisamos
de pontos de partida. As pistas apontadas acima, principalmente se tomadas
em conjunto, podem ser nossos indicativos iniciais. É possível também, como
fez Jorge Alberto Molina (2006), em seu artigo A leitura de textos filosóficos,
diferenciar outros tipos de textos do texto filosófico. Em parte, essa estratégia
possibilita que, ao menos, tenhamos em mente o que não é um texto filosófico.
Sigamos, então, a estratégia de Molina.

Um texto filosófico se diferencia de um texto científico por não usar, ao


menos predominantemente, uma linguagem artificial. Tal distinção é bem
característica se você tomar para comparação com o texto filosófico outro
texto da área de ciências exatas, principalmente. Assim, ao contrário dos
textos científicos, que tendem a usar linguagens artificiais, os filosóficos
usam as linguagens naturais. Sendo mais claro, ao invés de usar, por
exemplo, uma linguagem matemática; o filósofo escreve em sua língua
mãe: alemão, por exemplo.

26
Discurso Filosófico

Mais significativo ainda é o que Molina (2006, p. 40) indica quanto ao uso de
conceitos.

[...] a definição dos conceitos que na Filosofia é um ponto de


chegada, naquelas ciências é um ponto de partida. Abramos, por
exemplo, qualquer diálogo de Platão, e veremos que, nesses
textos, Sócrates procura obter como resultado das discussões
com seus interlocutores uma definição precisa de conceitos tais
como “justiça”, “virtude”, “conhecimento”. Na maioria desses
diálogos platônicos o resultado não é concludente. Pelo contrário,
se abrirmos um de [sic!] texto sobre aquelas ciências nomeadas
acima, veremos que aquele se inicia pela definição de conceitos
específicos da área, por exemplo, “função”, “átomo”, “molécula”,
etc. As ciências diferem da Filosofia pelo fato de que seus
conceitos têm uma definição precisa, ao passo que os conceitos
filosóficos têm seu significado dado pelo seu uso, nas situações
quotidianas de fala. Assim Euclides definiu, nos seus Elementos,
Livro I, triângulo como “[...] figura contida por três linhas [...]”. E
todos os matemáticos, ao falar de triângulos, associam com essa
palavra o mesmo significado que Euclides já tinha dado para ela.
Pelo contrário, quantos significados diferentes têm sido dados na
História da Filosofia para a palavra “idéia” [sic!]!

Assim para um texto científico determinados conceitos já estão dados. Mas, para
um texto filosófico, esses conceitos são o mote da escrita. O texto filosófico,
geralmente, apresenta dada definição, mesmo que provisória, para dado
conceito. Aqui cabe um alerta: ao ler um texto filosófico tome cuidado com o
preenchimento que você pode dar a determinado conceito, pois, não raro, os
filósofos estabelecem um recorte relativamente preciso para esse ou aquele
conceito. E nem sempre tal recorte é o mesmo da linguagem que você usa no
dia a dia. E, mesmo quando um filósofo toma a linguagem do dia a dia, tende a
restringir ou alargar seu campo semântico.

Continuando na trilha apontada por Molina (2006), podemos encontrar entre o texto
jurídico, o teológico e o filosófico certa similaridade, a saber, o uso das linguagens
naturais. Entretanto, os dois primeiros recorrem a textos canônicos: códigos de leis
ou textos sagrados; já no texto filosófico isso não é comum. Eis uma diferenciação
entre esses textos e o filosófico. A exceção dos textos de Filosofia Medieval. Talvez,
aqui, você indague: “Por quê?”. Pense bem, retomando o que já foi dito. Se uma
das características do texto filosófico é construir visões de mundo, está no próprio
texto ou num conjunto de textos de dado filósofo o “cânon”. Ou seja, a resposta
aos princípios não vem de fora, mas está no que apresenta o autor. Contudo, isso
nem sempre é dado claramente para o leitor.

27
Capítulo 2

Ainda que um texto filosófico não apresente uma definição conceitual que vai
defender, quando parte para a avaliação crítica, esse toma um ou mais conceitos de
certa tradição e estabelece um diálogo sobre o preenchimento dado por tal tradição.

Do ponto de vista de Molina (2006), é mais difícil estabelecer uma diferenciação


entre texto filosófico e texto literário. O autor lista alguns exemplos que envolvem
essa dificuldade. E tira da contribuição de alguns filósofos aspectos diferenciais:

Então, baseados naqueles três filósofos [Platão, Aristóteles e Hegel],


podemos dizer que o discurso literário se diferencia do filosófico
pelo fato que: i) ele busca suscitar em nós emoções; ii) ele tem um
caráter fictício; iii) ele representa situações universais (o universal)
sob a forma de um conjunto de representações individuais.

Isso não significa que alguns textos filosóficos não tragam em sua teia
argumentativa alguns desses elementos do texto literário. Apenas que esses
elementos não são, necessariamente, os motes dos textos filosóficos.

Como vimos, um texto filosófico pode ser crítico ou autofundante, ou mesmo uma
mistura dos dois elementos. Tendo isso como ponto de partida, Molina (2006,
p. 43) estabelece “... duas formas de organização textual: a exposição forense
e a exposição more geométrico.” O autor segue explicitando o que seja uma o
que seja outra e apresenta os prós e os contras de cada forma. Resumidamente,
temos que na exposição forense o filósofo assemelha-se a um advogado ou um
juiz, e que são as leis da razão que regem e fundam sua argumentação. Dessa
forma, trata-se de um discurso autofundante. Na exposição geométrica,

[...] os conceitos estão definidos desde o início com grande


clareza, determinadas afirmações pela sua evidência são
consideradas como axiomas, e os demais enunciados filosóficos
são deduzidos a partir dos axiomas e definições por meio das
regras de inferência, cujo inventário é tarefa da Lógica fazer.
(MOLINA, 2009, p. 43)

De um lado, temos alguns textos de Platão, Aristóteles ou Santo Agostinho; de outro


lado, alguns de Descartes, Espinosa ou Kant. Isto só para ter alguns exemplos.

Bem, Molina avança estabelecendo uma tipologia de leitores. Para nossos fins o
que foi explorado do texto de Molina (2006) é o suficiente. Você pode avançar um
pouquinho mais nestas diferenciações e caracterizações dadas por Molina (2006),
lendo o referido texto na íntegra.

28
Discurso Filosófico

Seção 2
Dos gêneros textuais em filosofia
Usamos por diversas vezes o termo tipo, geralmente se referindo a tipos de leitura.
Tal termo foi empregado mais num sentido comum. Mas, agora, para avançarmos,
precisaremos distinguir as noções de tipos textuais e gêneros textuais.

Você pode se perguntar: “Por quê?” Primeiramente, porque em certos


contextos esses termos são usados como sinônimos. Depois por haver
uma longa tradição, que remete a Platão e Aristóteles, do uso do termo
“gênero” no campo literário e retórico.

Você já deve ter estudado isso no ensino médio. Os gêneros clássicos, nessa
perspectiva, são: o lírico, o épico e o dramático. Entretanto, estudos linguísticos
mais recentes vêm abandonando tal abordagem, que foca mais na estrutura
textual. As abordagens mais recentes se preocupam menos com a estrutura
léxico-gramatical, embora não a abandone, e mais com o papel sociointerativo
do texto. É por esse motivo que para avançarmos precisaremos, agora, definir os
termos tipo textual, gênero textual e domínio discursivo. Para tanto, trazemos
a contribuição de Luiz Antônio Marcuschi (2008, p. 154-155), em seu livro
Produção textual, análise de gênero e compreensão:

a. Tipo textual designa uma espécie de construção teórica


{em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela
natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo
caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas
(sequências retóricas) do que como textos materializados, a
rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem
cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto
de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem
tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado
texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou
narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo.
b. Gênero textual refere os textos materializados em situações
comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos
que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
padrões sociocomunicativos característicos definidos por
composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos
concretamente realizados na integração de forças históricas,
sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os
gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas
e se expressam em designações diversas, constituindo em

29
Capítulo 2

princípio listagens abertas. Alguns exemplos de gêneros textuais


seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião de
condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula
de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções
de uso, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada,
conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo
por computador, aulas virtuais e assim por diante. Como tal, os
gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis,
histórica e socialmente situadas.
c. Domínio discursivo constitui muito mais uma “esfera da
atividade humana” no sentido bakhtiniano do termo do que um
princípio de classificação de textos e indica instâncias discursivas
(por exemplo: discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso
religioso etc.) Não abrange um gênero em particular, mas dá
origem a vários deles, já que os gêneros são institucionalmente
marcados. Constituem práticas discursivas nas quais podemos
identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes
lhe são próprios ou específicos como rotinas comunicativas
institucionalizadas e instauradoras de relações de poder.

Certamente, você notou que, para Marcuschi (2008), a noção de tipo textual
é mais abstrata, teórica e pouco dada a mudanças. Já a de gênero textual é
mais pragmática e alargada, podendo incluir diversas designações e situações
comunicativas. Assim, em nosso caso, temos determinado domínio discursivo
que abarca a instância filosófica. Como tal apresentará diversos gêneros textuais,
alguns mais canônicos desta instância, outros mais abertos. Aqui, também
teremos o fator histórico, que estabelece certas “rotinas comunicativas” fundadas
ou predominantes em dado contexto.

Tomemos agora alguns desses gêneros textuais.

2.1 A poesia
O discurso filosófico nasce num contexto mítico-poético, ou seja, no contexto
do discurso mítico-poético. E mais, que mesmo apontando uma oposição a esse
discurso, o discurso filosófico nascente mantém algumas de suas características
(do discurso mítico-poético). Uma dessas características é o texto em forma de
poesia. Exemplo significativo é o famoso poema de Parmênides. Outra forma
empregada é a oracular. Essa mais característica de Heráclito. Essas formas são
ainda manifestações de uma cultura não letrada ou, no máximo, pré-letrada.

Mas, o que significa isto?

30
Discurso Filosófico

Primeiro que não podemos pensar aquilo que temos da Filosofia nascente como
Literatura, no sentido moderno e contemporâneo. Eric A. Havelock (1996), em
seu livro A revolução da escrita na Grécia e suas consequências culturais,
aponta como razões para não vermos esses textos como Literatura: o fato de não
serem escrito para leitores em grande massa e as dificuldades tecnológicas para
a difusão em larga escala desses textos. Algo que só será possível, efetivamente,
com o advento da imprensa.

Segundo, que embora os filósofos originários (os pré-socráticos) sejam vistos


como o despertar de uma contraposição à tradição mítico-poética, como
pensadores num período de transição, muito do que fazem e dizem ainda seguem
modus operandi da tradição nítico-poética. Assim ainda não temos um domínio
discursivo filosófico assentado. Para serem ouvidos — eis um termo bem
adequado aqui — os pensadores originários utilizaram elementos do domínio
discursivo mítico-poético.

A sociedade grega, antes de 700 a.C., era não-letrada. Em


todas as sociedades desse tipo a informação é armazenada nas
memórias individuais dos respectivos membros, e a experiência
relembrada constitui uma cultura verbal. As formas verbais
utilizadas para este propósito têm de ser rítmicas, a fim de garantir
repetição precisa, e a sintaxe verbal tem de ser tal que enunciados,
relatos e prescrições sejam configurados na forma de eventos, ou
atos. Os poemas homéricos, e os hesiódicos quase no mesmo
grau, exibem estes sintomas. Eles não constituem literatura
no sentido moderno do termo, mas experiência oralmente
armazenada, de que o conteúdo dá corpo às tradições de um
grupo cultural, e cuja sintaxe obedece a leis mnemônicas por
obra das quais esse tipo de tradição e conservada e transmitida.
Finalmente, no que a tradição formula e transmite discursos sobre
o ambiente físico da sociedade, utiliza um aparato divino como um
meio pelo qual o fenômeno a ser descrito pode mais facilmente
conformar-se à sintaxe exigida, e assim pode ser mais facilmente
recordado. (HAVELOCK, 1996, p. 244)

Havelock (1996) irá demonstrar nas páginas seguintes do seu livro, a partir do que
temos de Xenófanes, Heráclito e Parmênides, como muito da tradição mítico-
poética persiste na Filosofia nascente.

Infelizmente, o que temos hoje dos pensadores originais são um conjunto de


texto que, geralmente, dividimos em fragmentos e doxografia. Os fragmentos
são aqueles trechos que encontramos em diversos pensadores antigos
posteriores aos pensadores originários, avaliados por estudos linguísticos
comparativos e filológicos contemporâneos, que por sua repetição mais
constante e formulação sintática muito similar, são tomados pelos estudiosos
como mais autênticos. Já a doxografia é um conjunto de enunciados proferidos

31
Capítulo 2

por alguns pensadores que vão da Antiguidade à Idade Média, indicando o


que disse este ou aquele filósofo originário, compondo listas por assuntos
ou cronologia. A distinção entre uma e outra é bem sutil, pois, não temos,
propriamente, os textos originais dos pré-socráticos e, muitas vezes, o que temos
deles é uma interpretação aristotélica.

Bem, deixemos de lado esse emaranhado. Se você precisar ir mais a fundo no


estudo dos pré-socráticos, certamente, precisará se embrenhar nesses problemas
quanto às fontes da Filosofia nascente e como ao longo de séculos essa foi
repassada e em que pé estão os estudos sobre isso, contemporaneamente.
Algumas leituras iniciais podem lhe ajudar nisto: o texto de Introdução do livro
Os pensadores originários: Anaximandro, Parmênides, Heráclito, escrito por
Emmanuel Carneiro Leão (1991) e Para ler os Fragmentos dos Pré-socráticos, de
José Cavalcante de Souza (1985), no volume Pré-socráticos, da coleção Os
pensadores são boas dicas para você começar. Contudo, o que nos importa aqui
é termos em mente que esta tradição — a filosófica — surge num contexto não
letrado e que se utiliza da forma de organização da mentalidade oral, ou seja, a
forma mítico-poética. Desse modo, podemos ver que a Filosofia, na sua nascente,
manifesta-se, predominantemente, pela poesia e não pela prosa. Então, é coerente
afirmar que o poema é o primeiro gênero do domínio discursivo filosófico.

Mas quando falamos do domínio filosófico é correto dizer que este gênero
ficou restrito à filosofia nascente? Qual a sua posição sobre isso?

Bem, o que podemos dizer é que há uma maior concentração do uso deste
gênero — a poesia — no contexto da filosofia nascente. Entretanto, não significa
que ele tenha sido abandonado por completo nos períodos históricos seguintes.
Apenas que, com o passar do tempo, esse não é um gênero muito comum de
manifestação do domínio filosófico. E mais, não é adequado, como alguns o
fazem, opor o discurso filosófico ao discurso poético em sua totalidade. Você
notará que alguns filósofos se utilizam do gênero poético em suas diversas
modalidades, ainda que “embutido” em outros gêneros.

2.2 O diálogo e a apologia


O diálogo é um gênero filósofo formulado por Platão. Sabemos que Sócrates
nada escreveu, por ver na manifestação gráfica, escrita, uma cópia da oralidade.
Sabemos, também, que Platão, embora concordasse com seu mestre, nos
deixou textos escritos. Esses textos ou o que restou deles depois de séculos de

32
Discurso Filosófico

transposições são, predominantemente, diálogos. Ao que parece, a forma adotada


por Platão pretendia reproduzir a estratégia oral. Nessa medida, em parte o que
foi apontado sobre os pensadores originários também vale para Platão. Então,
podemos afirmar que Platão ainda é um homem da tradição oral. Cabe lembrar
que os textos de Platão eram, na realidade, textos de divulgação, ou seja, textos
para aqueles que não estavam na Academia. E mais, se quanto ao conteúdo, não
raramente, encontramos passagens nos diálogos que atacam a tradição homérica
e a dramática, é difícil não vermos similaridades na forma entre os diálogos de
Platão e os dramas clássicos. Em ambos temos personagens que defendem
posições num embate que dá, em parte, a dramaticidade desses textos. Talvez os
textos de Platão sejam mais claramente reflexivos. Entretanto, isso não é suficiente
para desprezarmos o parentesco dessas duas tradições. Certamente, podemos
incluir os diálogos platônicos no grupo de gêneros dramáticos.

Há um grande debate entre os estudiosos quanto aos critérios cronológicos, de


autenticidade e de classificação dos diálogos. Dependendo dos seus objetivos de
pesquisa e do tipo de leitura que você for fazer desses diálogos, é aconselhável
tomar ciência desse debate e utilizar uma ou outra vertente. Para uma rápida
passagem sobre isso, trazemos uma síntese de terminada classificação dos
diálogos platônicos. Síntese essa elaborada por Marilena Chauí (2002), em
Introdução à história da filosofia, volume I – Dos pré-socráticos a Aristóteles:

O helenista I. M. Crombie propõe uma distinção muito interessante


entre os diálogos, sem respeitar a sequência cronológica, mas
o estilo e a finalidade de cada um deles. Os diálogos seriam,
assim, de três tipos: os construtivos, em que a conversa termina
com o leitor percebendo que uma exposição sistemática foi
feita sobre o assunto e uma teoria foi elaborada sobre a questão
discutida (é o caso, por exemplo, da República, do Fedrø, das
Leis, do Fédon, do Político); os destrutivos, em que a conversa
termina com o leitor percebendo que o adversário de Sócrates foi
destruído, que suas opiniões foram todas demolidas, mesmo que
uma outra tese não surja para substituir a que foi demolida (é o
caso, por exemplo, do Laques, do Mênon, do Górgias, do Lisis, do
Eutifron, do Protágoras); e, finalmente, os enigmáticos, em que a
conversa termina com uma aporia genuína e não com uma aporia
provocada pelo fato de a ironia não ser seguida pela maiêutica;
isto é, são aqueles diálogos nos quais Platão expõe uma
dificuldade real que não há como resolver (é o caso, por exemplo,
do Parmênides, do Teeteto). (CHAUÍ, 2002, p. 229-230)

Certamente, é em Platão que encontramos o virtuosismo do uso deste gênero.


Ainda assim, muitas vezes por influência da leitura direta ou indireta desse filósofo
clássico, esse gênero é utilizado por filósofos posteriores a Platão. Parece que
Aristóteles escreveu alguns diálogos, dos quais só temos notícias e comentários

33
Capítulo 2

esparsos. No limiar da Idade Média e na Antiguidade, Santo Agostinho escreve


um diálogo intitulado De magistro. Na Modernidade, David Hume (2005)
escreveu Diálogo sobre a religião natural. Isso para termos alguns exemplos.

Genericamente denominamos de diálogos um conjunto de textos de


Platão. Porém, alguns deles são mais caracteristicamente apologéticos,
ou seja, escritos em forma de apologias. Você pode perguntar, o que são
Apologias?

Apologia, como você pode confirmar em muitos dicionários, é um escrito em


defesa ou elogio a algo ou alguém. Apologia a Sócrates, de Platão, é, sem
sombra de dúvidas, a mais conhecida. O gênero apologético foi largamente
utilizado pelos primeiros Padres da Filosofia Cristã. É o que esclarece Nicolas
Abbagnano (2007), em seu Dicionário de filosofia:

APOLOGISTAS (in. Apologists; fr. Apologistes; ai. Apologeten,


it. Apologisti). Assim se chamam os Padres da Igreja do séc. II,
que escreveram em defesa (apologia) do Cristianismo contra os
ataques e as perseguições que lhe eram movidos. A primeira
apologia de que se tem notícia (mas da qual resta apenas um
fragmento) é a defesa apresentada ao imperador Adriano, por
volta de 124, por Quadrado, discípulo dos Apóstolos. O principal
dos Padres A. é Justino. Outros autores de apologias são Taciano,
Atenágoras, Teófilo, Hérmias. Com os Padres A. começa a
atividade filosófica cristã. A tese comum que defendem é de que
o Cristianismo é a única filosofia segura é útil e resultado último
a que a razão deve chegar. Os filósofos pagãos conheceram
sementes de verdade que não puderam entender plenamente:
os Cristãos conhecem a verdade inteira porque Cristo é o logos,
isto é, a razão mesma da qual participa todo o gênero humano.
A apologética desses Padres constitui, portanto, a primeira
tentativa de inserir o Cristianismo na história da filosofia clássica.
(ABBAGNANO, 2007, p. 74)

Assim como os gêneros anteriormente apresentados, o apologético, apesar de


ser mais comum na Antiguidade e início da Idade Média, será utilizado em outros
períodos da História da Filosofia.

2.3 As cartas ou epístolas


O gênero epistolar foi bastante utilizado no período helenístico. Contudo, não
era propriamente um gênero novo. Embora haja muitas polêmicas em torno
da autenticidade, atribui-se a Platão um conjunto de cartas (epístolas). A mais
famosa é a Carta VII. São conhecidas também as cartas de São Paulo e de

34
Discurso Filosófico

outros pensadores do período medieval. Por vezes, o estudo da correspondência


de determinados filósofos se torna extremamente esclarecedor de sua visão
de mundo. Não raro, temos arquivos de correspondências de muitos filósofos
modernos e contemporâneos, editados postumamente.

Em seu artigo Por que Sêneca escreveu epistolas? Ingeborg Braren Braren
(2007) dá algumas pistas sobre as características desse gênero:

É por volta de 62 a 64 d.C. que Sêneca (Lucius Annaeus Seneca,


1 a.C.?-65 d.C.) escreve as Epístolas Morais. Depois de produzir
tratados filosóficos, obras de cunho científico, consolações,
tragédias e uma sátira, por que escrever agora epístolas? A
primeira resposta é aparentemente fácil. Epístolas permitem
oferecer doutrinação filosófica sem o necessário rigor de um
plano de redação de um tratado filosófico. As epístolas se
sucedem ao sabor das reflexões do momento. O conteúdo
não necessita seguir uma ordenação global única. Diferentes
assuntos podem ser tratados topicamente, desde que obedeçam
à proposta pedagógica de ensinar o caminho para a sabedoria
segundo um propósito determinado à doutrinação segundo os
moldes do estoicismo. Uma segunda resposta pode ser obtida
a partir do exame do modo como as epístolas foram escritas.
A própria forma epistolar, com todas as suas implicações, é
adequada às exigências de Sêneca. Epístolas ou cartas têm
características particulares. Por força da natureza do gênero, é
obrigatório haver um emissor e um destinatário, ambos explícitos,
mesmo que sejam anônimos ou coletivos, estabelecendo a
situação epistolar. [...]
O autor, que é o sujeito empírico produtor do texto, pode
ser único, impessoal, múltiplo ou anônimo. O missivista é o
enunciador autorizado, explícito, que se materializa, cria tempo e
espaço mediante um discurso. Do mesmo modo, o endereçado
pode ser a figura explícita ou implícita do discurso. (BRAREN,
2007, p. 39-40)

E segue a autora, apontando a dificuldade de diferenciar cartas de epístolas:

Quanto à distinção entre cartas e epístolas, desde longa data


é um dos grandes problemas da Epistolografia. De maneira
geral, convencionou-se considerar a carta como um escrito sem
aspirações literárias, é consagrada ao destinatário em particular
e, por isso mesmo, com a propriedade de aproximar pessoas
distantes. A epístola, dirigida com intuitos literários, destina-se
ao público em geral, ou pelo menos a um determinado público.
Em 1923, A. Deissmann pretendeu precisar melhor essa distinção
estabelecendo que a carta faz parte da vida e a epístola é
testemunho de arte, assim a diferença entre carta e epístola é

35
Capítulo 2

como entre natureza e arte (Thraede, 1970, p.1-3). Como há


inúmeras possibilidades entre tais limites, fica extremamente
vaga a classificação de toda a produção intermediária e o
próprio Deissmann foi obrigado a admitir tipos mistos de cartas
(Mischgattungen). Atualmente, de um modo muito amplo, Scarpat
mantém a divisão tradicional em duas grandes categorias, cartas
públicas (publicae) e cartas particulares (priuatae) (Scarpat, p.
499). Embora não satisfaça, aqui é suficiente, apenas a título de
informação. (BRANER, 2007, p. 40)

Se você pretende comentar ou fazer uma abordagem historicista ou genético-


historicista de determinado texto terá nas cartas elementos para identificar, não
só algumas noções pontuais do autor, mas também, um perfil psicológico, uma
polêmica contextualizada, o seu círculo de amizade; enfim, informações úteis
para a contextualização histórica de determinada produção. Sem comentar que,
por vezes, são as cartas (epístolas) quase um “tratado” filosófico.

2.4 As biografias, autobiografias ou confissões


Ao que parece, na tradição filosófica, as biografias são comuns no período
helenístico. Muitas das histórias, mesmo que em forma de anedotas, que temos
dos pensadores antigos, vêm dessa fonte. O gênero biográfico se origina dos
escritos da Antiguidade intitulados Bíos, Vidas. Dessas, uma que chegou até nós
e é muito conhecida no meio dos estudos helenísticos é a de Diôgenes Laêrtios
(1977), Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres.

Podemos entender a autobiografia e confissões como subgêneros ou derivados


do biográfico. Diferente do primeiro, nesses gêneros é o próprio autor que
apresenta sua vida. Não podemos entender as autobiografias ou confissões como
biografias, num sentido mais acadêmico, pois são muito mais um autoexame, uma
reavaliação e, como tal, uma resignificação que determinado pensador faz de sua
própria vida. Ao tratar da autobiografia em Rousseau, Jean Starobinski (1991, p.
187-188) aponta para algo que devemos ter em mente ao ler esse gênero:

Sem dúvida, o ato do sentimento que funda o conhecimento de si


não tem jamais o mesmo conteúdo. Em cada nova circunstância,
ele é irrefutável, é a própria evidência. A cada vez o conhecimento
de si está em seu começo, a verdade vem à luz de maneira
primordial. O ato do sentimento é indefinidamente renovável; mas
no próprio momento sua autoridade é absoluta, e adquire um valor
inaugural. O eu se descobre e se possuí de uma só vez. Nesse
instante em que toma posse de si mesmo, ele põe em dúvida tudo
que sabia ou acreditava saber a seu próprio respeito: a imagem
que tinha anteriormente de sua verdade era turva, incompleta,
ingênua. Apenas agora a luz se faz, ou se vai fazer...

36
Discurso Filosófico

Daí a multiplicidade da obra autobiográfica de Rousseau. Ele


empreende os Diálogos como se já não se houvesse pintado
nas Confissões, em que pretendia ter “dito tudo”. Depois vêm
os Devaneios, em que está por recomeçar: “O que eu próprio
sou? Eis o que me resta buscar.” À medida que Jean-Jacques
mergulhar em seu delírio e perder seus vínculos com os homens,
o conhecimento de si lhe parecerá mais complexo e mais
difícil: “O conhece-te a tí mesmo do templo de Delfos” não é
“uma máxima tão fácil de seguir como eu acreditara em minhas
Confissões”. O conhecimento é árduo, mas jamais a ponto de
a verdade se esquivar, jamais a ponto de deixar a consciência
sem recurso. A introspecção nunca deixa de ser possível, e, se
a verdade não se impõe imediatamente, bastará um “exame
de consciência” para triunfar de todas as obscuridades, no
intervalo de um passeio solitário. [...] Para Jean-Jacques, o
espetáculo de sua própria consciência deve sempre ser um
espetáculo sem sombra: está aí um postulado que não sofre
exceção. [...] Se vemos algumas vezes a meditação de Rousseau
partir de uma confissão de ignorância de si, jamais o vemos
chegar a semelhante confissão. As lacunas de sua memória
não o inquietarão: jamais ele se dirá, como Proust, que o
acontecimento esquecido esconde uma verdade essencial. Para
Rousseau, o que escapa à sua memória não tem importância; só
pode ser o acidental. Há nele, a esse respeito, um otimismo que
não se desmente nunca, e que conta firmemente com a plena
posse de uma evidência interior.

Este tom de devaneio que encontramos em Rousseau não é novo, pode ser um
eco do espírito cético, algo que percebemos nas primeiras palavras dos Ensaios
de Montaigne:

Eis aqui, leitor, um livro de boa-fé.


Adverte-o ele de início que só o escrevi para mim mesmo, e
alguns íntimos, sem me preocupar com o interesse que poderia
ter para ti, nem pensar na posteridade. Tão ambiciosos objetivos
estão acima de minhas forças. Votei-o em particular a meus
parentes e amigos e isso afim de que, quando eu não for
mais deste mundo (o que em breve acontecerá), possam nele
encontrar alguns traços de meu caráter e de minhas idéias e
assim conservem mais inteiro e vivo o conhecimento que de mim
tiveram. Se houvesse almejado os favores do mundo, ter-me-ia
enfeitado e me apresentaria sob uma forma mais cuidada, de
modo a produzir melhor efeito. Prefiro, porém, que me vejam na
minha simplicidade natural, sem artifício de nenhuma espécie,
porquanto é a mim mesmo que pinto. Vivos se exibirão meus
defeitos e todos me verão na minha ingenuidade física e moral,
pelo menos enquanto o permitir a conveniência. Se tivesse
nascido entre essa gente de quem se diz viver ainda na doce

37
Capítulo 2

liberdade das primitivas leis da natureza, asseguro-te que de


bom grado me pintaria por inteiro e nu.
Assim, leitor, sou eu mesmo a matéria deste livro, o que será
talvez razão suficiente para que não empregues teus lazeres em
assunto tão fútil e de tão mínima importância.
E agora, que Deus o proteja. De Montaigne, em primeiro de
março de 1580.

Ao se deparar com algumas advertências semelhantes as que você pode


encontrar, não raramente, neste gênero textual, cuidado: não interprete ao pé
da letra a modéstia do escritor, pois, às vezes, pode ser uma falsa modéstia
ou pode não refletir o que você encontrará, particularmente se pensar no estilo
do texto. Nossos interlocutores, escritores não são sujeitos de pouca erudição
e cultura acadêmica superficial e, mesmo quando escrevem em contraposição
à erudição, usam de formas, quando não criam novas (novos gêneros textuais),
bastante perspicazes de organização das ideias, argumentos e interpretações
fatuais, demonstrando grande habilidade com a pena (escrita). Até pode ser que
para o modelo de texto aceito pela academia no período de produção dessas
obras, o gênero escolhido (ou inventado) por um dado filósofo, seja marginal
ou visto por seus contemporâneos como inadequado; contudo, grandes obras,
muitas vezes, só têm seu reconhecimento na posteridade.

Outra obra famosa que segue o gênero autobiográfico ou confessional é


Confissóes, de Santo Agostinho. Nessa, o bispo de Hipona reavalia sua vida à
luz de sua conversão ao cristianismo. A obra compõe-se, grosso modo, de duas
grandes partes: a primeira faz um relato biográfico até a conversão; a segunda
tem um teor mais especulativo.

Esses gêneros são, assim como outros já indicados, importantes para uma
abordagem histórica ou génetico-historicista.

2.5 As máximas, os aforismos e os pensamentos


No seu cotidiano, você já deve ter ouvido muitas máximas, como: “Água mole
pedra dura, tanto bate até que fura.”; “Pau que nasce torto, morre torto.” Essas,
no geral, são tomadas como vindas de uma sabedoria popular. Entretanto,
encontramos muitas dessas em textos de grandes pensadores. Algumas são
mesmo criações desses, que depois de muito tempo de apropriação por parte
da sabedoria popular, não mais identificamos, facilmente, a origem. Mas também
se dá um movimento na mão contrária, ou seja, o aproveitamento por parte dos
pensadores, filósofos de máximas do contexto popular. Algumas das máximas
atribuídas a Sócrates são ditos do universo da cultura religiosa grega. É o caso de
“Conheci-te a ti mesmo”, uma inscrição do Oráculo de Delfos.

38
Discurso Filosófico

A beleza das máximas está na sua forma sucinta que, apesar disto, carrega uma
profundidade de pensamento. Embora sejam escritos, na maioria das vezes, um
pouco mais longos, se comparados com as máximas, os aforismos também
carregam esse teor.

Em grego, o advérbio aphorismenos significa separadamente; de forma marcada


ou precisa. Isso corresponde ao verbo aphoridzô, que traz os sentidos de fixar,
demarcar, finalizar, definir. Como podemos ver já na sua origem, carrega a noção
de algo circunscrito. Ferrater Mora (2000), em seu Dicionário de Filosofia, indica
que na Antiguidade e na Idade Média, esses eram “pensamentos” e constituíam
coleções que eram comentadas. Esclarece ainda o eminente dicionarista que, no
geral, abordam temas morais.

Sua característica comum é a de apresentar pensamentos


filosóficos numa forma breve, concentrada e “fechada”, de modo
que cada pensamento possua relativa autonomia e, para usar
uma terminologia de cunho leibniziano, possa ser considerado
uma “expressão monadológíca”. Torna-se difícil por esse motivo
distinguir os aforismos dos “pensamentos” (tais como os de
Marco Aurélio e Pascal). (FERRATER MORA, 2000, p. 57)

O autor segue apresentando as opiniões de alguns teóricos sobre tal


diferenciação. Entretanto, ao que parece, o dicionarista não concorda muito com
os argumentos apresentados e conclui o verbete declarando:

O aforismo filosófico tem uma pretensão de verdade, chegando


mesmo às vezes a desejar exprimir a verdade de um modo mais
conciso e compacto que outras formas de exposição, acusadas
de prolixidade. Por conseguinte, poderíamos concluir que o
aforismo também é justificado na filosofia e que, tal como o
mostram as obras de Wittgenstein, não precisa empregar sempre
uma linguagem exortativa ou limitar-se a temas de caráter moral.
(FERRATER MORA, 2000, p. 57)

Por sua concisão e estilo aforismo e máximas são gêneros muito difíceis de
escrever e, não raro, tal dificuldade se reflete na interpretação deles. Francis
Bacon e Friedrich Nietzsche são dois grandes expoentes deste gênero.

39
Capítulo 2

2.6 Os apontamentos de aulas, as conferências, as


comunicações, os ensaios e os tratados
Atribui-se a Aristóteles a origem do gênero tratado ou tratado científico, num
sentido mais alargado. É certo que muito do que hoje temos da forma de
apresentação de textos filosóficos e científicos tem parentesco com a estilística
do estagirita. O tratado é o gênero que mais aparece no domínio discurso
filosófico. Ainda assim, cabe lembrar que o que se atribui ao estagirita pode não ser
propriamente dele ou pode não ser uma obra, digamos, completa, sistematizada.
No debate sobre a composição do Corpus aristotélico, há quem defenda a não
sistematicidade dos textos, há os que neguem a autoria ou defendam tratar-se
apenas de anotações feitas por discípulos e recompostas séculos seguintes.
Apenas para você ter uma ideia desse debate, traremos duas fontes tocando no
assunto. As palavras iniciais do Vocabulário de Aristóteles, de Pierre Pellegrin
(2010, p. 5), servem para apontar algo que indicamos anteriormente:

Quando se lê os textos de Aristóteles, sobretudo comparando-


os com os diálogos platônicos, é notável a mudança na própria
expressão. Tem-se a impressão de que Aristóteles introduziu o uso
do que se poderia chamar uma linguagem técnica em filosofia.

Sigamos a introdução do referido dicionário:

No entanto, duas correções devem ser feitas a essa observação.


Em primeiro lugar, não se podem tirar conclusões sobre o
modo como certos pré-socráticos se exprimiam, dado que
não dispomos de textos no verdadeiro sentido do termo. Em
segundo lugar, o corpus aristotélico, tal como chegou até nós,
certamente não está constituído de textos que tenham sido
escritos por Aristóteles na forma que têm atualmente. Sabe-se
que manuscritos contendo as obras do estagirita foram editados
no século I a.C. e que essa edição é que constitui a base das
edições posteriores. Possivelmente, naquela ocasião, esses
textos tenham sofrido transformações que editores modernos
julgariam inaceitáveis. Não só os tratados foram “recolocados
em ordem” para formar um todo que parecesse coerente para
o editor, mas este último juntou passagens que, originalmente,
estavam separadas, apagou contradições, providenciou
transições. É igualmente provável que o tal editor, ou os editores
— o principal dos quais se chamava Andrônico de Rodes —,
tenha introduzido no texto materiais oriundos de discussões
e de críticas, com suas respostas, que tinham se seguido às
aulas proferidas por Aristóteles no Liceu. Em termos modernos,
poderíamos considerar que o texto aristotélico que lemos hoje
é, antes, o relatório de um seminário dado por Aristóteles do que
uma obra redigida como é de praxe. Por outro lado, depoimentos

40
Discurso Filosófico

antigos, como o de Cícero, dão conta de que Aristóteles tinha


escrito diálogos ao modo platônico e exaltam suas qualidades
literárias e estilísticas. Trata-se ai evidentemente de um “outro”
Aristóteles, aquele que os intérpretes de hoje chamam de o
“Aristóteles perdido”. A tecnicidade de nosso texto aristotélico
talvez seja, portanto, efeito de uma ilusão devida a essa reescrita
posterior e à perda das obras “redigidas”.
Ainda assim, pode-se dizer que existe um estilo aristotélico no
modo de fazer as perguntas, de preparar o estudo dos temas, de
construir uma argumentação. E a esse estilo, que, considerando-
se o que foi dito acima, e mais estilo de pensamento que estilo
propriamente dito, corresponde um vocabulário específico muito
rico. (PELLEGRIN, 2010, p. 5-6)

Contrapondo-se a certos argumentos da leitura genética de Werner Jaeger,


vemos naquilo que defende Pierre Albenque (2012), em O problema do ser em
Aristóteles, algo um pouco diferente:

Existem duas maneiras de examinar os textos: pode-se


considerá-los como estando todos sobre o mesmo plano,
reenviando-os, todos, à unidade de uma doutrina da qual eles
seriam as partes, como se sua diversidade não fosse senão a
inevitável fragmentação na linguagem de uma suposta unidade
inicial; pode-se supor, ao contrário, que a unidade deles não
seja a originária, mas somente buscada, que eles tendem
para o sistema em vez de partir dele, que sua coerência não é
mais desse fato pressuposto, mas ela é problemática. Nessa
segunda perspectiva, a diversidade da obra não representa mais
as partes do sistema, porém, os momentos de uma pesquisa
da qual não é assegurado o seu término. Nesses momentos,
não é nem sempre possível, no caso de Aristóteles, nem
filosoficamente necessário, reconstituir os momentos de uma
história psicológica. É necessário e suficiente que eles apareçam
como os momentos de uma ordem que, independentemente
de toda hipótese cronológica, se deixe perceber na estrutura
mesma do texto, ou seja, em sua organização imanente, que
faz com que eles não estejam todos sobre o mesmo plano
e que seus significados não se revelem senão segundo uma
certa progressão, que pode não corresponder nem à sucessão
cronológica dos textos, nem à ordem parcialmente arbitrária na
qual eles nos chegaram, nem mesmo a ordem que o próprio
Aristóteles pôde lhes dar. Da hipótese unitária, conservaremos,
assim, o postulado da responsabilidade permanente do autor no
que concerne à totalidade de sua obra: não existe um Aristóteles
platonizante, seguido de um Aristóteles antiplatônico, como
se o segundo não tivesse mais que responder às questões do
primeiro, mas um Aristóteles, talvez dúplice, talvez dilacerado,
para o qual podemos perguntar o motivo das tensões, ou até

41
Capítulo 2

mesmo das contradições de sua obra. Da interpretação genética,


conservaremos a hipótese de uma gênese inevitável e de uma
instabilidade provável do pensamento de Aristóteles; mas essa
evolução não será o tema explícito de nossa pesquisa, uma vez
que, pela ausência de critérios externos, um método cronológico
fundado sobre a incompatibilidade dos textos, cuja fecundidade
se apoia, assim, sobre os fracassos da compreensão, corre-se, a
cada instante, o risco de preferir as razões de compreender os
pretextos a não compreender.
A consequência dessas escolhas metodológicas é que estaremos
mais atentos aos problemas que as doutrinas, mais atentos à
problemática que à sistemática. Se a unidade está no fim, e
não no começo, se o ponto de partida da filosofia é o espanto
que rompe as pseudoevidências, é desse espanto inicial, dessa
dispersão a resolver, que deveremos partir. Pode-se afirmar
que, sobre esse ponto, a interpretação tradicional inverteu não
somente a ordem psicológica provável, mas ainda a ordem
estrutural da pesquisa. (ALBENQUE, 2012, p. 19-21)

Mas, nosso foco, aqui, não é propriamente se o corpus aristotélico é ou não uma
obra sistemática, se é ou não uma produção do estagirita ou uma compilação
posterior a ele, ou ainda, se esta ou aquela estratégia de leitura é mais adequada
ou não para ler tais textos. A digressão que fizemos tinha por objetivo apenas
indicar que mesmo que os textos atribuídos a Aristóteles não sejam propriamente
tratados filosóficos ou científicos, num sentido mais técnico do termo, ou
seja, mesmo não tendo um rigor sistemático de um tratado, são textos que se
aproximam bastante dos gêneros mais recorrentes na academia hodierna. Assim,
se são apontamentos de aulas, também esse gênero nos é comum.

Um tratado se caracteriza por expor, geralmente de forma didática, um


determinado assunto ou conjunto de assuntos. Nesse aspecto, aproximam-se
dos apontamentos de aulas, dos ensaios e mesmo das conferências. Podemos
distinguir o tratado do ensaio, por vezes, pela extensão: o ensaio é mais curto, o
tratado mais longo. Os ensaios predominam em nossas revistas especializadas;
o tratado nos livros mais volumosos escritos por um só autor. Por sua vez, a
principal distinção entre os tratados, de um lado, e apontamentos de aulas
e conferências, de outro lado, é que o primeiro gênero tem como primeiro
interlocutor um leitor; os outros dois, um ouvinte. Evidentemente, hoje em dia
somos leitores de conferências memoráveis e de apontamentos de aulas que
professores-filósofos escreveram para seus ouvintes. Ademais, escrever para
um leitor é diferente de escrever para um ouvinte. Dito de outra forma e mais
claramente, escrever pensando em uma plateia que vai ouvir o que você lê, como
nas conferências, é diferente de escrever para um leitor. Grandes escritores e
conferencistas quando leem o que escreveram para uma plateia de ouvinte, por
vezes, fazem-no de tal forma que os ouvintes não percebem ou se esquecem que
o conferencista está lendo.

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Discurso Filosófico

Um gênero parecido com as conferências, em função de serem para ouvintes,


são as comunicações. Se você já participou ou pretende participar de algum
congresso de filosofia, notará que há os momentos dos grandes palestrantes, as
conferências e os momentos de divulgação das pesquisas em andamento ou
terminadas, onde cada expositor tem poucos minutos, geralmente em torno de
vinte minutos, para apresentar seu trabalho, as comunicações. Assim como o
ensaio se diferencia do tratado pela extensão, a comunicação se diferencia da
conferência, entre outros aspectos, pelo tempo.

Os apontamentos de aula podem ser de diversos tipos, mas aqueles que


sobrevivem são os mais elaborados, que funcionam, também, como
preparatórios dados pelos professores para suas aulas. Nesse gênero, não há
apenas um conjunto de esquemas mentais, citações soltas e palavras-chave que
dão o roteiro das aulas a serem ministradas pelos professores, mas há um texto
elaborado, com definições, argumentos e explicações conceituais com vistas
a introduzir o debate sobre algum assunto, hipótese ou perspectiva filosófica a
serem apresentados.

As conferências, às vezes, por terem em vista um público mais alargado, não


especializado, não são vistas, propriamente como discursos filosóficos. Os
ensaios e as cartas, por vezes, também sofrem tal pré-juízo. Isso nós remete
a uma discussão sobre as relações entre poder e saber. Como indica Foucault
(1999), há saberes que são discriminados em determinados períodos e o jogo
da verdade ou jogo do saber é dado por disputas, onde alguns saberes são
subjulgados ou “esquecidos”.

Provavelmente, você encontrará leituras que indicarão que este ou


aquele gênero textual não cabe no domínio discursivo filosófico ou se
trata de um anacronismo utilizá-lo, ou é apenas um gênero marginal
e pouco filosófico, mesmo sendo utilizado por alguns filósofos. Tal
perspectiva vê a filosofia ou o produzir filosofia com um rigor sistêmico
demasiado. Provavelmente, essa perspectiva não aceitará a comparação
que apresentamos entre tratado, ensaio, conferência, comunicação
e apontamentos de aulas. Dirá que fomos superficiais quanto a isso.
Certamente, de um ponto de vista do rigor acadêmico, alguns desses
gêneros serão pouco filosóficos. Mas, se nos debruçarmos na produção
filosófica, veremos que os filósofos se utilizaram e continuam se utilizando
de diferentes gêneros textuais, e o fato de a academia privilegiar o estilo
mais próximo do tratado científico, não é um indicativo de que outros
gêneros sejam gêneros menores. Um texto interessante sobre essa
questão é o artigo O ensaio e a escrita acadêmica, de Jorge Larossa,
publicado na revista Educação & Realidade (jul/set 2003).

43
Capítulo 2

Bem, você está num ambiente acadêmico e poderá encontrar perspectivas mais
ou menos rigorosas. É importante que no seu processo de formação filosófica, no
qual você terá que produzir alguns textos mais ou menos filosóficos, mais ou
menos acadêmicos, você lide com essas diferenças, esses modos de produzir.
E, depois de sua diplomação, você pode querer seguir carreira acadêmica,
tornando-se um pesquisador na área. Se for o caso, terá que publicar em revistas
especializadas, escrever monografias, dissertações de mestrado e teses de
doutorado. Eis o que nos leva a indicar, mais uma vez, que apreender estratégias
de leitura, desenvolver habilidades para a identificação dos gêneros textuais
utilizados no domínio discursivo filosófico, entre outros aspectos, são processos
importantes para você desenvolver habilidades de escrita. Afinal, leitura e escrita
são, em nossa época, habilidades que se desenvolvem concomitantemente.
Dessa forma, você, como iniciante, pode aprender observando os grandes
mestres. E, no nosso caso, os grandes mestres são os próprios textos dos
filósofos. O que temos aqui são pistas, mas o desenvolvimento de habilidades de
leitura e escrita só se efetivarão no exercício mesmo da leitura e da escrita. Eis
seu (nosso) desafio!

44
Capítulo 3

Outros olhares

Habilidades Neste capítulo, contamos com a contribuição


de três professores-pesquisadores, cada qual
apresentando possibilidades de leitura a partir de
determinada área da Filosofia: ontologia, lógica
e ética. Com essas contribuições você poderá
desenvolver habilidades de leitura crítica e de
identificação dos problemas pertinentes a essas
áreas da Filosofia. Ademais, terá mais alguns
exemplos para tomar como ponto de partida no
seu processo de aprendizagem para o domínio
discursivo filosófico.

Seções de estudo Seção 1:  A leitura de textos em ontologia

Seção 2:  A Lógica na leitura de textos filosóficos

Seção 3:  Como ler um texto de ética filosófica?

45
Capítulo 3

Seção 1
A leitura de textos em ontologia
Daniel Schiochett

1.1 A especificidade do texto filosófico


Além de a filosofia ter um jeito bastante próprio de expor seus problemas e
tratar suas questões frente à ciência, à literatura e a outras formas de expressão
linguística e de elaboração e produção de conhecimento, a filosofia possui ela
mesma uma variedade enorme de gêneros e estilos. A pluralidade de gêneros
e estilos que encontramos na filosofia permite, inclusive, a existência de textos
filosóficos que tratam de outros gêneros de discurso, como a ciência e a literatura.
Assim, de saída, é muito difícil dizer qual é o traço fundamental de um texto
filosófico. Qualquer critério estabelecido, com certeza, tratará como filosóficos
alguns textos que classicamente não são vistos como tais, e excluirá outros
estudados na academia.

Se é difícil estabelecer um critério que demarque o que é ou não um texto


filosófico, o que poderíamos dizer quando nos perguntamos qual é a
diferença entre os próprios textos de filosofia?

Há discussões éticas, estéticas, políticas, epistemológicas, ontológicas etc.


Essa divisão em áreas corresponde aos temas abordados por cada filósofo.
Mas, as coisas não são tão bem comportadas quando olhamos as obras e
escritos mais de perto. Algumas teorias retiram implicações políticas de posições
estéticas, outras fundamentam a ontologia na ética, enquanto outros o fizeram na
epistemologia. No final das contas, encontramos inúmeras intersecções que nos
dificultam estabelecer fronteiras definidas nas áreas da própria filosofia.

É certo que esses gêneros admitem certa flexibilidade. Mas algo nos salta aos
olhos depois que nos familiarizamos com o discurso filosófico: somos capazes
de classificar os textos segundo as suas áreas com relativa segurança. Depois
de certo tempo lendo, estudando e frequentando textos filosóficos, o estudante
de filosofia começa a ser capaz de, já nas primeiras linhas ou páginas, dizer que
gênero de texto está em suas mãos, sem ter que recorrer a uma classificação
prévia das obras filosóficas. A pergunta é: o que nos permite fazer esse tipo de
classificação? Que intuição é essa que adquirimos ao nos familiarizarmos com os
textos filosóficos?

Porta (2007) enfatiza quão importante é compreender o problema filosófico


em jogo para compreender adequadamente a resposta que um autor dá em

46
Discurso Filosófico

um determinado texto filosófico. Ao mergulhar na leitura de texto filosófico,


encontramos uma tese de trabalho que será defendida pelo autor no decorrer
do seu texto. A tese filosófica não é simplesmente uma ideia que o autor acha
interessante expor de “qualquer jeito” em algumas dezenas de páginas. Apesar
desse gênero nascido na Grécia ter algumas propriedades, entre elas o uso da
argumentação, da retórica e da dialética, a confrontação de posições divergentes
e a exposição de conceitos e posições totalizantes e generalizantes, a filosofia tem
como uma de suas principais características o fato de que todo texto filosófico
sempre pretende responder a um problema. A adequada compreensão do
problema filosófico nos dá pistas preciosas sobre a área de filosofia em que o texto
filosófico se “encaixa”. Bastaria, então, ao leitor, interessado em classificar um texto
filosófico, encontrar qual é o problema que o autor pretende resolver com sua tese,
para saber a qual área da filosofia o texto pertence. Mas isso não é tão simples! O
autor, por diversos motivos, nem sempre deixa claro ao leitor qual é seu problema.
Grande parte da interpretação filosófica de um texto é descobrir qual é exatamente
o problema que o autor tem em vista quando põe em marcha sua tese.

Um dos principais motivos pelo qual não compreendemos de imediato qual


é o problema filosófico que um autor tem em vista diz respeito à distância
temporal que nos separa do texto que estamos lendo. Um autor escreve
pensando em seus contemporâneos, e um problema grego de mais de
dois mil anos pode não ser mais um problema para nós hoje. Outro motivo
é o grau de erudição e de iniciação que um texto filosófico supõe do seu
leitor. O autor, em alguns casos, está supondo que o leitor esteja inserido
ou já esteja iniciado naquela escola ou naquele problema de tal forma
que expor o problema filosófico básico que motivou sua tese não é seu
objetivo principal. Cabe, novamente, a nós, leitores-filosofantes, garimpar o
problema filosófico que motiva a tese do autor que estamos lendo.

De qualquer forma, é fundamental na leitura de um texto filosófico a compreensão


de seu problema. Esse problema, quando não explícito, está nas entrelinhas do
texto. À medida que vamos nos inserindo no discurso filosófico, iniciando neste
domínio discursivo, vamos, mesmo sem o saber, aprendendo a captar o
problema do autor. A adequada compreensão do problema de um texto filosófico
nos permite estabelecer relações entre os temas, pressupostos e conexões em
que o texto está inserido. É o problema, antes que a tese de um texto e sua
solução, que nos permite o olhar panorâmico e compreensivo necessário para a
interpretação de um texto filosófico. Assim, é o problema do texto filosófico que
nos permite classificar tais textos em áreas, dividi-los segundo sua temática. Por
isso podemos dizer que as teses heideggerianas em Ser e tempo soam
antropológicas, mas seu problema é ontológico. Esse é seu tema. Kant tem teses
ontológicas, mas seu problema na Crítica da razão pura é epistêmico e por isso

47
Capítulo 3

a área da filosofia em que Kant “cai” é, eminentemente, a epistemologia. Lévinas


(1988) fundou a ontologia na ética. Mas seu problema em Totalidade e infinito
não era eminentemente ontológico: o Outro, aquele que encontro nas minhas
relações interpessoais e éticas é que me faz pensar no que é o ser. Desde cedo,
aprendemos a buscar nos textos filosóficos os problemas que motivaram sua
escrita. A filosofia se move por meio de seus problemas!

1.2 O problema da ontologia


Enquanto o autor Entre vários textos filosóficos, alguns são classificados
escrevia essas páginas, como ontologia. O que nos permite dizer que o
essa era uma verdade
tema de um texto filosófico é a ontologia? Se o que
científica (Cf. <http://
dissemos acima está certo, o que nos permite fazer
g1.globo.com/ciencia-e-
isso é justamente o tipo de problema que esses textos
saude/noticia/2014/06/
abordam. Para nós aqui interessados em pensar sobre
astronomos-descobrem-
a especificidade da leitura de textos ontológicos (Eis o
planeta-potencialmente-
problema desse texto e que aqui lhe é apresentado. O
habitavel.html> Acesso
autor finalmente lho disse!), a pergunta tem a seguinte
em: 30 jun.2014) que
causou euforia na forma: qual é o problema que move a ontologia? Essa
comunidade científica pergunta parece óbvia, dirão alguns. É o ser, é a questão
e entre os entusiastas do ser... Mas o que isso significa? Não queremos aqui
por astronomia.
Entretanto, toda a
saber o que é o ser. Queremos saber qual é o problema
verdade científica está da ontologia. Repetir o problema nesses termos não nos
sujeita a revisão e, ao ajuda a compreendê-lo. Procuremos reformular melhor o
que tudo indica, a partir
problema da ontologia.
da mudança de alguns
cálculos e revisão de
Perguntar o que é o ser não é simplesmente perguntar
dados empíricos, tal
planeta provavelmente pelo que existe ou não existe. Saber o que é/existe/há
não existe (Cf. <http:// e o que não é/não existe/não há não é meramente um
www1.folha.uol.com.br/ problema filosófico. Quem se preocupa em saber se
ciencia/2014/ alguma coisa existe ou não é o cientista. São os físicos
07/1480771-dois- que afirmam que átomos existem ou que existe um
planetas-habitaveis-fora- planeta distante 16 anos-luz da Terra, chamado Gliese
do-sistema-solar-sao- 832. Serão também astrônomos e astrobiólogos que
falsos.shtml> Acesso poderão afirmar dentro de alguns anos se existe ou não
em: 04 jun.2014>). De vida por lá. São biólogos que poderão dizer se existe esta
qualquer forma, não ou aquela espécie e se aquele novo ser encontrado não
será o filósofo quem é um exemplar de uma antiga espécie, mas uma nova
dirá se aquele planeta
espécie e que esta, sim, existe. Os historiadores dirão
existe ou não. O que o
filósofo fará no máximo, se existiu uma Macedônia, um Império Inca, assim como
como veremos, será serão os antropólogos que falarão do homem que lá existia,
discutir a noção de e assim por diante.
existência que subjaz
àquela teoria científica.

48
Discurso Filosófico

Há outros discursos que se pronunciam acerca do que existe: a religião e a


própria filosofia. Deuses, anjos, orixás, espíritos etc. são entidades que devem
existir para essa ou aquela religião. Há, inclusive, discussões teóricas ou
teologias que articulam o discurso de dada religião, explicitando teoricamente
e defendendo a existência de suas entidades. A filosofia também se pronuncia
sobre a existência ou inexistência de certas entidades, como conceitos,
universais, ideias, números. Todavia, existe uma diferença entre a defesa de
existência da filosofia e da religião, por um lado, e da ciência, por outro. Não
vamos nos deter nesse ponto, tema da filosofia da ciência, mas é importante ao
menos indicar que a discussão científica acerca da existência de determinadas
entidades é diferente da defesa de existência religiosa ou filosófica. Isso pode
ser resumido em duas ideias: de um lado, uma religião não pode aceitar o
questionamento sobre a existência de algumas de suas entidades, sob pena de
destruir a própria religião; de outro lado, a filosofia pode defender a existência
de certas entidades, mas ela só tem, por ela mesma, tradicionalmente, como
demonstrar conceitualmente tal existência. A ciência, ao contrário, supõe
justamente o abandono de teorias menos bem-sucedidas em nome de teorias
melhores e, além disso, pode oferecer demonstrações que ou são empíricas ou,
quando conceituais, explicam e preveem os dados empíricos. Ela demonstra
empiricamente a existência das entidades que ela supõe existir.

Assim, saber o que é/existe/há é mais uma questão de ciência do que


uma questão especulação filosófica. Então, qual é o problema quase que
exclusivo da ontologia? A pergunta o que é o ser?, transforma-se na
pergunta o que é isso que é/existe/há?. Este “isso”no meio da pergunta
é bastante importante. A ontologia não se pergunta simplesmente pelo que
existe. Apesar de ela ainda perguntar o que é o ser?, a pergunta agora
significa o que é isso que é o ser?

A inserção desse “isso” na questão ontológica mostra que não estamos mais
preocupados em saber quais são as coisas que existem e sim que tipos de
coisas que existem. E falar de tipos de coisas que existem significa, em última
instância, dizer que estamos travando uma discussão conceitual. A ontologia
não é um discurso que fala simplesmente sobre as próprias coisas tais como elas
são. A ontologia é um discurso que se articula conceitualmente e se pronuncia
sobre como as coisas podem ser ou não.

Perceba que a pergunta ontológica se transforma nessa outra pergunta. Isso


acontece na modernidade e temos que chamar Kant e Tomás de Aquino para
falar sobre ela. Antes de Kant, dizer que se conhecia algo era dizer que se
conhecia a essência desse algo. Como era possível conhecer a essência de
alguma coisa? Para Tomás de Aquino, como se vê em Sobre a verdade, o
conhecimento só era realmente verdadeiro para o intelecto divino. Deus, ao

49
Capítulo 3

criar todas as coisas, pelo simples fato de tê-las criado, conheceria a essência
delas. Mas o homem também tem um intelecto que é imagem do intelecto divino.
Mesmo imperfeito, o intelecto humano poderia, com a ajuda dos sentidos, mas
fundamentalmente devido à sua capacidade de ler dentro das coisas, conhecer
a essência das coisas tal como Deus as criou. Tomás de Aquino compreendia
que a única forma de conhecer algo era conhecer essa essência por meio de
uma espécie de conhecimento intelectual, que contava com os sentidos apenas
como corroboradores dessa capacidade de ler dentro, a inteligência. A ontologia,
no sentido clássico, ainda não tinha transformado a questão em uma questão
apenas conceitual, pois via sua tarefa como uma tarefa também “científica”, isto
é, que conhecia por intelecção quais coisas existem e como existem.

Kant, na Crítica da razão pura, critica esse modo de pensar o


conhecimento como uma capacidade intelectual de conhecer essências.
Para Kant, na esteira de Hume, a única forma de nós, humanos, termos
conhecimento era pela sensibilidade e não diretamente pela inteligência. Sai
a imagem do intelecto divino e entra a figura do intelecto que conhece via
sensibilidade. Com essa mudança de paradigmas, o único caminho para o
conhecimento das coisas que existem é a sensibilidade. Ora, o domínio da
sensibilidade e da experiência é o domínio das ciências naturais, restando à
filosofia e a uma ontologia futura apenas a possibilidade de falar
conceitualmente do que pode ou não ser.

Apesar de exemplos, A partir de Kant, até poderíamos imaginar que as


ter em vista objetos coisas que estão ao nosso redor tenham uma essência
materiais, o ponto em
independente, ou um ser que lhes é fundamento da sua
questão também vale
para objetos abstratos existência. Mas o tipo de ser que é a coisa em si mesma
(da sensibilidade não é dado a nós via sensibilidade. Na experiência que
ou entendimentos fazemos de qualquer objeto, o que podemos enumerar
puros, na linguagem
kantiana). Os objetos
são as propriedades do objeto.
matemáticos, mesmo
que fundados nas Por exemplo, se vejo uma chave, posso dizer quais são os
formas puras da vários aspectos sensíveis da chave: sua cor, seu tamanho,
sensibilidade, não sua posição no tempo, sua constituição física, as relações
são objetos sensíveis,
espaciais com o entorno etc., mas não encontro entre
mas continuam sendo
objetos. Na medida esses aspectos algum que eu possa chamar de “o ser da
em que são objetos, chave”. Se eu não encontro entre as coisas que posso
podemos lhes atribuir atribuir da chave algo que seja o seu ser uma frase do tipo
predicados. Mas
entre esses também
a chave é, para Kant, nada significa. Podemos construir
não encontraremos, frases do tipo a chave é ou a chave existe, mas esse
segundo Kant, “o ser” existir não é uma propriedade da chave e, portanto, não
como um predicado.
é, de modo algum, uma referência ao seu ser da chave.

50
Discurso Filosófico

Para Kant, o ser não é um predicado real das coisas. Quando falamos do ser
de alguma coisa, a partir de Kant, não estamos perguntando pelo ser enquanto
uma coisa em si mesma, mas por um conceito de ser. A pergunta ontológica se
transforma assim na pergunta o que é isso que é/existe/há.

Antes desse momento inaugurado por Kant, filosofia e ciências não tinham
fronteiras muito definidas. A pergunta pelo que existe e a pergunta conceitual
pelo tipo de coisas que existem estavam muito próximas. A ontologia anterior a
Kant estava preocupada sim em saber o que existe e como existe, papel hoje
assumido preponderantemente pela ciência ou conceitualmente pela filosofia.
Mas a pergunta conceitual também existia misturada à questão de saber que
coisas que existem. E isso, de tal forma que, se podemos encontrar uma unidade
nisso que a chamamos de ontologia, essa pergunta é a pergunta conceitual o que
é isso que é/existe/há? Compreender assim o problema da ontologia permite a
nós, leitores hodiernos, classificar um texto como sendo um texto ontológico.

Apenas classificar um texto não é suficiente na leitura de um texto de ontologia.


Um passo adiante é estabelecer relações entre os textos, aproximar autores,
pô-los em diálogo, avaliar as tentativas de responder à questão ontológica pelo
tipo de coisas que existem. Podemos diferenciar três modos de compreender a
questão ontológica e de ensaiar possíveis respostas. A primeira e mais antiga é a
concepção substancialista que remonta a Aristóteles. A segunda é a concepção
lógico-semântica, que têm contornos mais ou menos bem definidos na filosofia
analítica. A terceira, que historicamente nasce no mesmo contexto da anterior, é a
concepção fenomenológica.

1.2.1 A concepção substancialista na ontologia


A concepção substancialista é a posição clássica. A resposta ao que é isso
que é/existe/há? se responde dizendo que essa existência é, em primeiro lugar,
uma substância. Sob a aparência do mundo em constante transformação, é
necessário existir algo que em si mesmo não se transforme. Isso que permanece
idêntico a si mesmo é a substância da coisa em questão.

A concepção do que seja a substância variou ao longo dos mais de dois mil anos
de filosofia ocidental. De qualquer forma, suas bases se encontram em Platão e
Aristóteles.

Para Platão, a substância, ou melhor, aquilo que se mantém idêntico apesar das
mudanças que ocorrem no mundo são as ideias. Conhecer algo só era possível
porque relembraríamos a ideia da coisa que contemplamos antes de ter contato
com o exemplar dela na sensibilidade. Para Aristóteles, ao contrário de Platão,
cada coisa individual é substância na medida em que ela é o sujeito de qualquer

51
Capítulo 3

atribuição ou predicação. Nas coisas individuais, se retirarmos dela tudo que


lhe é acidental e mutável, como a quantidade, a qualidade, o tempo etc., o
que subjaz a todos os atributos é a coisa em si mesma, substancial e imóvel.
De forma mais técnica, podemos definir substância como um X ao qual são
atribuídas propriedades e relações.

Atualmente, segundo Puntel (2008), encontramos três posições principais que


ainda advogam em favor de uma ontologia substancialista.

•• A primeira afirma que os tipos de coisas que existem são


concretos particulares, mais precisamente, substratos aos quais
são inerentes propriedades. Todo concreto particular, esta mesa
sobre a qual escrevo, por exemplo, é um portador de propriedades
e atributos, de tal modo que cada coisa concreta e particular é uma
substância.
•• A segunda posição aposta na noção de exemplificação: cada coisa
que existe é um exemplo de um tipo de ser que ela é. Cada coisa
que existe é um sujeito típico de um modo de ser. Por exemplo, eu
e você somos exemplares de um modo de ser que é ser humano.
•• A terceira posição nega tanto a noção de substrato quanto a de
sujeito, e afirma que coisas que podem existir por si mesmas, por
sua própria força e independentemente são substâncias. Como
exemplo, podemos pensar no nosso corpo: cada parte dele não
pode existir independentemente uma das outras, mas o todo do
meu corpo é algo (relativamente) independente, isto é, posso estar
em vários lugares do mundo, em várias posições, pode-me ser
amputado um dedo e continuo sendo eu.

Não vamos entrar aqui nos problemas que a concepção substancialista enseja.
O importante é atentarmos que essa posição responde à questão da ontologia
(o que é isso que existe?), afirmando que o que existe são as substâncias. Na
leitura de um texto de ontologia o qual responde à questão ontológica dessa
forma, encontraremos um quadro teórico que movimentará os conceitos de
substrato, sujeito, atributos essenciais, atributos acidentais, identidade, unidade
e multiplicidade, entre outros. O modo como o partidário dessa concepção
substancialista movimentará esses conceitos poderá trazer conclusões e
posições diferentes em ontologia. Mas o pressuposto fundamental de que o que
existe é um X independente, portador de atributos, estará presente.

Apesar de presente ainda hoje, a ontologia substancialista deve brigar por espaço
ao lado de outras duas posições nascidas a partir da crítica kantiana à ontologia
clássica. Essas duas posições resolvem a crítica de Kant, ao afirmarem que

52
Discurso Filosófico

quando falamos que algo é/existe/há não estamos nos referindo às próprias
coisas como se falássemos de uma propriedade delas. Estaríamos falando
do modo como as coisas se dão ao nosso pensamento via linguagem ou via
consciência. As coisas deixam de ser pensadas como substâncias que existiriam
independentes de nós, para serem compreendidas como objeto. A noção de
substância como noção fundamental da ontologia (e os conceitos movimentados
ao redor dessa noção) é substituída pela noção de objeto. Dois caminhos se
põem: ou o objeto se dá via linguagem e a ontologia se aproxima da semântica,
ou o objeto se dá para uma consciência e a ontologia vira fenomenológica.

1.2.2 A concepção lógico-semântica


A concepção substancialista postula que os conceitos significam a própria
realidade das coisas. O significado das nossas representações, das nossas
sentenças e das categorias que usamos nelas, pode refletir a própria realidade.
Segundo a concepção lógico-semântica, por outro lado, o que está na base da
significatividade das nossas categorias e sentenças não é a realidade como tal,
mas a estrutura lógica que subjaz a própria linguagem. Um objeto é a referência
de um termo linguístico, capturável por uma lógica e, portanto, dependente da
estrutura significativa em que ele aparece. Dependendo das decisões tomadas
no sentido de explicitar e elaborar tal estrutura, teremos uma ontologia
diferente. Diante disso, a concepção lógico-semântica pode ser matizada,
apesar das especificidades disso que ficou conhecido na filosofia como filosofia
analítica, como a posição que vê na análise da linguagem a possibilidade de
esclarecimento do que significam os conceitos ontológicos.

Ser, seguindo de perto a letra kantiana, não é um predicado real das coisas.
Pensar que o ser é algo das próprias coisas é, segundo a posição lógico-
semântica, confundir a estrutura gramatical da língua com a estrutura lógica.
Tomemos como exemplo a sentença, A rainha da Inglaterra é elegante.

53
Capítulo 3

Gramaticalmente temos:

• um sujeito: a rainha da Inglaterra

• e um predicado: ser elegante.

A estrutura lógica dessa sentença pode ser representada, seguindo a convenção


lógica, da seguinte forma:

• Lr , onde L representa a propriedade ser elegante e r é uma constante


individual que representa a rainha da Inglaterra.

• Tomemos outro exemplo: “A rainha da Inglaterra é/existe”. Gramaticalmente


temos um sujeito, a rainha da Inglaterra e um predicado ser (ou existe).

• Se seguirmos a notação anterior, diríamos que a forma lógica dessa sentença é


representada da seguinte forma: Er onde E representaria a propriedade existir e
r continua sendo a constante individual que representa a rainha da Inglaterra.

Acontece que esse E assim representado e expresso explicitamente na gramática,


não é um predicado real, isto é, não há nenhum tipo de propriedade da rainha que
poderíamos dizer que é sua existência. Ser elegante, ser grande, ser bela, ser mãe
do príncipe podem ser propriedades da rainha da Inglaterra, mas falar que existir
é uma propriedade de um objeto é um equívoco: não há propriedade qualquer que
em si mesma seja existência. Essa conclusão só é possível na medida em que se
separa a forma lógica da linguagem e a forma gramatical de uma língua.

Afirmar a rainha da Inglaterra é/existe seria apenas dizer r, ou seja, não


teríamos uma sentença completa. A partir disso, Frege propõe que existir é uma
propriedade lógica das sentenças e não uma propriedade ontológica das coisas
que existiriam ou não no mundo, como a gramática da língua poderia nos levar a
crer. Quando afirmamos A rainha da Inglaterra é elegante, esse É indica apenas
a relação de pertença do predicado ao singular rainha da Inglaterra. Essa
relação é meramente uma relação lógica, podendo ser representada logicamente
do seguinte modo:

x(Rx & Lx), onde é o quantificar (lógico) existencial, R é a propriedade de ser


rainha da Inglaterra e L é a propriedade de ser elegante. Gramaticalmente,
a sentença é lida assim: A rainha da Inglaterra é elegante, enquanto que
logicamente a sentença é lida: Existe um x tal que x é R(rainha da Inglaterra)
e x é L(elegante).

54
Discurso Filosófico

Verificamos que, a forma gramatical e a forma lógica não correspondem. O


problema ontológico, a questão do ser, para a posição lógico-semântica, é uma
ilusão gramatical. Isto é, confunde-se a estrutura gramatical das línguas com a
estrutura lógica que subjaz e que garante a significatividade linguística. Saber o
que é isso que é/existe/há passa a ser uma questão de significatividade, a qual
se fundamenta na estrutura lógica da linguagem e não na realidade em si mesma,
como postula a posição substancialista. Para a posição lógico-semântica, essa
estrutura significativa deve vir à tona por meio de uma análise lógico-semântica
(e não ontológica), para dirimir possíveis equívocos que a gramática pode induzir.

1.2.3 A concepção fenomenológica


A concepção fenomenológica também recorre à noção de objeto para fazer
ontologia. Ao contrário da concepção lógico-semântica, a qual afirma que
um objeto é algo que depende de uma linguagem e da estrutura lógica a qual
a subjaz, a fenomenologia acredita existir uma estrutura mais fundamental,
garantindo a significatividade: a intencionalidade.

Para a fenomenologia, a intencionalidade é uma estrutura que se revela em


qualquer atividade consciente com a realidade. Quando falamos, por exemplo, A
rainha da Inglaterra é elegante, existe aí um ato linguístico que intenciona um
estado de coisas, a saber, o objeto correlacionado a esse ato que é a elegância
da rainha da Inglaterra. Quando desejamos a elegância da rainha da Inglaterra,
existe aí um ato desejante que tem como objeto tal elegância. Quando alguém
brinca com a rainha da Inglaterra, existe também aí um ato perceptivo-expressivo
que tem como correlato o objeto que é rainha da Inglaterra, e assim por diante.
Apesar de os atos da nossa consciência serem diferentes na medida em que
podem ser atos linguísticos, desejantes, preceptivos ou expressivos etc., todos
eles só são possíveis porque, para a fenomenologia, a consciência é sempre
consciência de algo.

Ora, é este algo o tema da ontologia. O que é isso que é/existe/


há? Para a fenomenologia, isso, esse algo é sempre o objeto de uma
consciência. A fenomenologia se preocupará em distinguir, por um lado,
os vários tipos de atos que me dão objetos e, por outro, em enumerar os
tipos de objetos que podem se dar para uma consciência. Como nossa
preocupação é entender a especificidade de textos ontológicos, focaremos
nesse segundo ponto.

A ontologia vista por meio do viés fenomenológico é a descrição dos modos


de doação dos objetos para a consciência. Em todo ato intencional há,
necessariamente um objeto como seu correlato. Tudo o que pode ser pensando,

55
Capítulo 3

desejado, percebido é objeto e, portanto, tema da ontologia, não sendo


necessário, portanto, que esses objetos intencionados existam na realidade. A
existência ou não de um objeto, para a ontologia fenomenológica, é um dado
secundário. Segundo Twardowski (2005, p. 84),

Para cada representação, algo é representado, quer exista ou


não, quer se apresente como independente de nós e se imponha
à nossa percepção, quer seja formado por nós mesmos na
imaginação; de qualquer maneira que seja, o objeto está, na
medida em que nós nos o representamos em oposição a nós e a
nossa atividade de representação.

A partir disso, podemos inferir quatro tipos de objetos dessa concepção


fenomenológica:

1. objetos reais existentes e possíveis;


2. objetos possíveis, não reais e não existentes;
3. objetos existentes possíveis e não reais;
4. objetos não reais, não existentes e impossíveis.

Aparentemente essa classificação pode parecer estranha, mas ela dá conta de


todos os tipos de objetos que podem se dar para qualquer ato da consciência.
Lembremos que todo ato intencional tem um objeto como correlato. Um ato
imaginativo, por exemplo, que imagina uma montanha de ouro ou um ato
semântico que afirma um círculo quadrado devem, necessariamente, referir-se a
esses objetos. Uma montanha de ouro é um exemplo de um objeto intencionado
que é possível, mas é inexistente e irreal. Um círculo quadrado é um objeto que
é inexistente, irreal e impossível. Por outro lado, o correlato do ato perceptivo
da elegância da rainha da Inglaterra é um objeto real, existente e possível. E um
número ou uma fórmula matemática é um objeto existente, possível, mas irreal.

Note que a ontologia fenomenológica consegue tratar de vários domínios de


existência, sejam eles objetos da nossa linguagem ou da nossa consciência.
Se supomos que objetos são apenas coisas que podem ser percebidas pelos
sentidos, como poderíamos falar que as entidades matemáticas são objetivas? Se
elas fossem somente subjetivas, a matemática e as ciências baseadas nela, por
exemplo, não poderiam estar falando de nada verdadeiro e objetivo, pois não há
objeto nenhum a que elas estariam se referindo. A fenomenologia, por meio da
noção de ato intencional, consegue mostrar que é possível existir objetividade
sem, com isso, supor a realidade dos objetos intencionados. E o que funda a
objetividade e a verdade de um discurso científico, por exemplo, não é a realidade
dos objetos tratados por ele, mas a existência dos objetos visados em tal discurso.

56
Discurso Filosófico

O problema da ontologia pode ser formulado na seguinte pergunta: o


que é isso que é/existe/há? O modo como esse isso é compreendido
determina se o texto que estamos lendo assume um viés substancialista,
lógico-semântico ou fenomenológico. Apesar de podermos classificar os
textos ontológicos dentro desses vieses, toda classificação só é útil na
medida em que fornece ferramentas e categorias de análise, de modo a
melhor compreender o texto.

Além disso, essas posições ontológicas não são estanques. As críticas e


problemas apontados de umas às outras vão levando a reformulações internas
e conceituais nas posições ontológicas. Atualmente, também é importante dizer
que está se formulando uma nova concepção ontológica, fortemente marcada
por uma visão histórica e pragmática. O ser, objeto de nossos pensamentos
(viés fenomenológico) e significado da nossa linguagem (viés lógico-semântico),
começa a ser pensado a partir da sua constituição histórica e pragmática.
Esse modo de fazer ontologia já está indicado nos textos de Nietzsche, Frege,
Heidegger e do segundo Wittgenstein, por exemplo (embora a tradição tenha
feito leituras diferentes e tomado outras consequências ontológicas, também
possíveis, a partir destes autores). Nessa nova concepção ontológica, o ser é
ainda pensado como objeto ou como significação, mas essas categorias são
compreendidas como categorias históricas, assumidas com um viés prático.
Frege, por exemplo, defendia que a análise da linguagem não revelaria a estrutura
subjacente da significatividade, mas, antes, apresentaria uma forma possível de
apresentar essa estrutura, não a única. Heidegger, seguindo na mesma direção,
embora representando outra tradição, insistia, em diversos momentos em mostrar
que o ser dos entes e sua compreensão dependem da atitude prática do homem
como ser-no-mundo, e não de uma estrutura transcendental, seja ela lógico-
semântica ou fenomenológica.

Por fim, cabe salientar que não é o caso de afirmar uma ontologia mais ou
mesmo correta. O primeiro passo, na leitura de um texto ontológico, diz
respeito a compreender qual a concepção ontológica que lhe subjaz. Apenas
num segundo momento é que poderemos julgar se os conceitos ontológicos
movimentados por esta ou aquela concepção são frutíferos para a ontologia que
buscamos ou na explanação da ontologia a qual subjaz às teorias adotadas. Mas
neste momento deixamos de simplesmente ler textos filosóficos e ontológicos
para passar a fazer filosofia e ontologia. Aliás, se existe um problema que
subjaz todo texto filosófico, existe também um convite: um convite à filosofia.
Você aceita este convite?

57
Capítulo 3

Seção 2
A Lógica na leitura de textos filosóficos
César Frederico dos Santos

Leitura é interpretação de texto, e a lógica é um instrumento indispensável


para isso. Ler não é apenas decifrar signos, mas sim tomar conhecimento do
que está para além dos signos, é entender o papel de cada palavra no texto,
perceber as relações entre elas, antever as consequências dessas relações,
enfim, como se diz, mergulhar nas entrelinhas. Sobretudo a leitura filosófica
exige essa profundidade interpretativa. É certo que o hábito da leitura atenta vai,
paulatinamente, treinando essa habilidade, mas é certo também que conhecer um
pouco das técnicas de leitura e interpretação pode nos ajudar a adquiri-la mais
rapidamente ou tornar-nos mais perspicazes. Aqui veremos algumas técnicas
lógicas muito básicas, mas ao mesmo tempo muito úteis, para a interpretação
apurada de textos filosóficos.

Como você sabe, os textos filosóficos caracterizam-se por serem


argumentativos, e os argumentos são o objeto de estudo por excelência da
lógica. Mas o que é um argumento?

A grosso modo, argumentos são discursos com o propósito de defender uma


ideia. Não é difícil reconhecer que, de fato, é isso que encontramos em textos
filosóficos: o filósofo apresenta certas teses e elabora no seu texto as razões que o
levam a sustentá-las, isto é, argumenta em seu favor. A primeira tarefa do leitor na
interpretação de um texto filosófico deve ser, pois, a compreensão do argumento
do filósofo. Assim, o leitor deve buscar entender como as razões expostas pelo
autor ligam-se, no texto, à tese que ele pretende defender. Mas a interpretação
não termina aí. Em segundo lugar, o leitor deve avaliar em que medida as razões
expostas pelo autor realmente justificam, ou não, a sua tese. Ora, um dos objetivos
de um texto argumentativo é convencer o leitor sobre alguma ideia. Desse modo,
a leitura de um texto argumentativo, por sua própria natureza, exige que o leitor
assuma uma posição diante dele. O leitor só terá interpretado satisfatoriamente o
texto depois de ter avaliado o quão convincente ele é.

A lógica nos oferece instrumentos para essas duas tarefas da interpretação:


compreensão e avaliação. Veremos a seguir como o uso de recursos lógicos na
análise de um texto filosófico ajuda-nos a revelar sua estrutura argumentativa e,
tendo-a diante dos olhos, como podemos avaliá-la.

58
Discurso Filosófico

2.1 Compreendendo logicamente um texto argumentativo


Textos filosóficos são argumentativos, e em textos argumentativos encontramos
sobretudo, obviamente, argumentos. Convém, pois, sabermos com precisão o que é
um argumento. Vejamos uma definição: Um argumento é uma coleção de afirmações,
das quais uma é chamada de conclusão, as outras de premissas, e pretende-se
que as premissas justifiquem, garantam ou deem evidência para a conclusão.

Um argumento bem simples vai nos ajudar a entender essa definição. Veja este
exemplo clássico:

Todo homem é mortal.


Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

Esse argumento possui três afirmações. É importante, na análise de qualquer


argumento, saber classificar cada afirmação como premissa ou conclusão.
As premissas são o ponto de partida do argumento, as afirmações que são
pressupostas, i.e., assumidas como verdadeiras ou, pelo menos, como hipóteses.
A conclusão é o ponto de chegada, a afirmação que se quer demonstrar. Se o
argumento for bem-sucedido, ele terá demonstrado que, dadas as premissas,
segue-se necessariamente a conclusão. No exemplo, as duas primeiras
afirmações são as premissas e a terceira é a conclusão. Sabemos disso
por dois motivos. Primeiro, pela presença da palavra logo. Há uma série de
palavras e expressões em português que têm a função de ligar as premissas
à conclusão. Algumas dessas palavras introduzem a conclusão, isto é, vêm
depois das premissas e imediatamente antes da conclusão, tais como logo, por
conseguinte, desse modo, por isso, assim etc. Então, basta atentarmos à
palavra logo para sabermos imediatamente que Sócrates é mortal é a conclusão
e que as duas afirmações anteriores são premissas. O segundo motivo é o
próprio sentido das frases. Está claro que a afirmação de que todo homem é
mortal e a afirmação de que Sócrates é homem figuram ali com o objetivo de
justificar a afirmação de que Sócrates é mortal. Em qualquer argumento, como
diz a definição, as afirmações que visam a justificar uma outra são as premissas.
Assim, mesmo que a palavra logo estivesse ausente, pelo sentido das frases
saberíamos distinguir premissas de conclusões.

Nesse exemplo, a conclusão é a última afirmação, mas nem sempre isso


acontece. Na verdade a conclusão pode aparecer em qualquer lugar. Veja que
podemos refrasear o exemplo posicionando a conclusão no início: Sócrates é
mortal porque todo homem é mortal e Sócrates é homem. E também
podemos pôr a conclusão no meio: Todo homem é mortal e Sócrates é mortal,
pois Sócrates é homem. Nessas paráfrases o reconhecimento das premissas e
conclusões não é tão imediato como na primeira versão, mas ainda podemos

59
Capítulo 3

usar as duas técnicas que usamos antes. Repare nas palavras porque e pois.
Elas introduzem as premissas, isto é, vêm depois da conclusão e imediatamente
antes das premissas. Outras palavras que introduzem premissas em português
são desde que, como, dado que. Além disso, é claro, o sentido das proposições
continua permitindo-nos identificar quais afirmações justificam quais outras, e daí
descobrir as premissas. Veja, por exemplo, que na segunda paráfrase a afirmação
todo homem é mortal aparece antes do pois; apesar disso, sabemos, pelo seu
sentido, que ela é uma afirmação a qual visa a justificar a conclusão, e por isso é
uma premissa.

Os exemplos anteriores são muito simples e servem mesmo só para ilustrarmos


o conceito de argumento. Na vida real, nos textos filosóficos reais, argumentos
assim tão explicitamente estruturados aparecem muito raramente. Os argumentos
em geral estão mesclados ao fluxo do texto, um entrelaçado ao outro, com
inserções de comentários entre as premissas e a conclusão, enfim, características
Imagine que entediante
que talvez dificultem um pouco a análise lógica, mas que
seria a leitura de certamente enriquecem a experiência de leitura Vejamos
um texto em que os um exemplo mais realista, neste pequeno trecho extraído
argumentos estivessem
de O Contrato Social de Rousseau:
todos explicitamente
estruturados; aliás, não
é necessário imaginar, O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes.
basta dar uma olhada Quem quer o fim quer também os meios, e esses meios são
em uma obra como inseparáveis de alguns riscos, inclusive de algumas perdas.
a Ética de Baruch Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la
Spinoza
por eles quando se faz necessário.
Ora, o cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe; e
quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele
deve morrer, pois não foi senão sob essa condição que viveu em
segurança até esse momento, e sua vida não é mais uma mercê
da Natureza, mas um dom condicional no Estado.
A pena de morte, imposta aos criminosos, pode ser de certa
forma encarada sob esse ponto de vista: para não ser vítima
de um assassino é que se consente em morrer, sendo o caso.
(ROUSSEAU, 2007, p. 46)

Como analisamos esse texto?

Primeiro devemos ver se ele é mesmo argumentativo. Não basta haver uma
sequência de afirmações para que um texto seja argumentativo. É preciso
também que haja a intenção de que algumas dessas afirmações, apresentadas
como verdadeiras ou hipotéticas, queiram justificar uma outra, a conclusão.
Exatamente isso é o que encontramos nesse texto: um encadeamento de ideias
com o fim de justificar um modo de encarar a pena de morte. Porém, com

60
Discurso Filosófico

exceção de um pois no meio do texto, não encontramos as típicas palavras


que marcam premissas e conclusões. Mesmo assim, não é difícil de identificá-
las. Perceba que, nas duas frases iniciais do primeiro parágrafo, Rousseau
simplesmente enuncia certas afirmações, sem discuti-las. Isso nos indica que
o autor as está assumindo como ponto de partida para o raciocínio, isto é,
como premissas. Já no segundo parágrafo, a afirmação sobre a pena de morte
depende diretamente do que foi dito antes; por assim dizer, só faz sentido depois
da exposição do parágrafo anterior. Essa parece ser a conclusão final de toda a
passagem, o ponto de chegada almejado pelo autor.

Mas há outras conclusões intermediárias. Considere a terceira frase do primeiro


parágrafo. Ela é uma conclusão deduzida das duas frases anteriores, suas
premissas. Note que caberia muito bem um logo introduzindo-a: “logo, quem
quer conservar a vida às expensas dos outros ...”. Quanto à frase que começa
em “Ora...” e vai até “... Estado.”, ela toda é um argumento, e neste a palavra
pois nos ajuda a identificar a conclusão, que vem antes dela: “quando o príncipe
lhe diz: ‘Ao Estado é útil que morras’, ele deve morrer”. O restante da frase são as
premissas desse argumento.

É possível identificar, pois, três argumentos encadeados nesse trecho de texto.

Representando-os esquematicamente, fica assim:

Argumento 1)
O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes.
Quem quer o fim quer também os meios, e esses meios são inseparáveis de alguns riscos,
inclusive de algumas perdas.
Logo, quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la por eles quando se faz
necessário.

Argumento 2)
O cidadão não é juiz do perigo ao qual a lei o expõe.
Sua vida não é mais uma mercê da Natureza, mas um dom condicional no Estado.
Não foi senão sob essa condição que viveu em segurança até esse momento.
Logo, quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele deve morrer.

Argumento 3)
Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deve dá-la por eles, quando se faz
necessário.
Quando o príncipe lhe diz: “Ao Estado é útil que morras”, ele deve morrer.
Logo, a pena de morte, imposta aos criminosos, pode ser, de certa forma, encarada sob esse
ponto de vista: para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer, sendo o caso.

O terceiro argumento é aquele que leva à conclusão final de toda a passagem.


Suas premissas são as conclusões dos dois argumentos anteriores. O primeiro e
segundo argumentos podem ser vistos como passos intermediários do raciocínio.

61
Capítulo 3

Tendo estruturado o texto dessa forma, podemos notar várias outras nuances
da argumentação do autor. Por exemplo, percebe-se que as conclusões dos
argumentos um e dois são semelhantes, giram em torno da ideia de que alguém
deve aceitar morrer se a situação assim exigir. Isso não é simples redundância,
mas sim uma estratégia de convencimento. O autor apresenta dois argumentos
diferentes, conduzindo ao mesmo ponto. Vale lembrar que a análise do trecho
de Rousseau nesses três argumentos é só uma possibilidade entre muitas. É
claro que é possível segmentar os passos intermediários do raciocínio de várias
maneiras diferentes, igualmente corretas.

Olhando a distância, podemos ver um texto argumentativo, seja ele do tamanho de


um livro ou do tamanho de um artigo, como um grande argumento. Sua conclusão
é a principal tese que o autor defende naquela obra; suas premissas são as razões
aduzidas pelo autor e desenvolvidas ao longo de toda a obra para justificar sua
tese. Por exemplo, podemos dizer que todo O Contrato Social é um grande
argumento em defesa da tese de que o contrato seria a melhor forma de preservar,
na sociedade, a liberdade natural do homem, seu bem-estar e segurança.

O lugar em que a conclusão, por assim dizer final, aparece na sequência do texto
não é importante para a sua análise lógica. O autor pode enunciá-la logo no início
do texto, sem maiores explicações. Mas isso não a converte em premissa. Se no
desenvolvimento do texto o autor dedica-se a justificá-la, ela é conclusão. Aliás,
começar pela apresentação da conclusão é uma boa estratégia de escrita, pois
já esclarece ao leitor qual é o objetivo do texto, aonde o autor quer chegar. Isso
facilita a vida do leitor.

Certamente, antes que a conclusão final tenha atingido o grau de justificação


desejado pelo autor, encontraremos uma série de argumentos encadeados, com
suas conclusões intermediárias, que serão premissas de argumentos seguintes.
Novamente, a ordem lógica do encadeamento dos argumentos pode ser muito
diferente da ordem sequencial em que eles aparecem no texto. Uma afirmação
feita em um capítulo inicial pode encontrar sua justificativa apenas num capítulo
final, e vice-versa. Sem dúvida, entremeadas a tudo isso, também encontraremos
conclusões laterais, que não estão diretamente ligadas à conclusão final. As
relações lógicas entre as partes do texto podem ser muito diferentes daquelas
que o estilo, a gramática, a tradição da área etc., moldaram na superfície do texto.

Mas como saber qual é a conclusão principal defendida pelo autor, sua tese?

Como já foi dito em outra parte, atentar para o problema que o autor está
tentando responder ajuda muito nisso. Se você souber que a questão que
preocupa Rousseau é indagar como é possível conciliar a liberdade natural do
homem com a vida em sociedade, não será difícil concluir que a resposta dele

62
Discurso Filosófico

para isso é o contrato social. Tendo clareza sobre a tese defendida pelo autor, fica
mais fácil analisar logicamente o texto. E a análise lógica do texto aumenta a sua
compreensão da tese, pois você passa a saber quais são os pressupostos que o
autor está assumindo e quais são os raciocínios que o levaram dos pressupostos
à conclusão. Você fica sabendo em que bases o autor fundamenta suas ideias.
Isso é pré-requisito indispensável para a avaliação da força argumentativa do
texto, sobre o que trataremos a seguir.

2.2 Avaliando logicamente os argumentos


Depois que você analisa logicamente a estrutura de um texto, você compreende
em detalhes os meandros do raciocínio seguido pelo autor.

Então, é hora de dar um passo adiante na interpretação do texto e


perguntar-se quão bom é o argumento do autor.
Para avaliar a qualidade de um argumento, a primeira coisa a fazer é avaliar
se as premissas de fato justificam a conclusão. Mas como saber?

Considere os exemplos a seguir:

Argumento 1)
Todo gato é mamífero.
Jack é um gato.
Logo, Jack é mamífero.

Argumento 2)
Todo médico usa jaleco branco.
Pedro usa jaleco branco.
Logo, Pedro é médico.

O que você acha desses argumentos, eles são convincentes? Consideremos


o primeiro argumento. Você deve concordar, neste caso, que a conclusão
está justificada pelas premissas. Se as premissas são verdadeiras, isto é, se
todo gato é mamífero e se Jack é um gato, é inevitável concluir que Jack é
mamífero. É justamente porque a verdade das premissas obriga a verdade da
conclusão que dizemos que, no primeiro argumento, as premissas justificam a
conclusão. Simplesmente não conseguimos imaginar uma circunstância em que
as premissas fossem verdadeiras e a conclusão fosse falsa. É impossível que
Jack seja um gato e não seja mamífero, dado que todos os gatos são mamíferos.
Quando isso ocorre, dizemos que o argumento é válido.

Um argumento é válido sempre que for impossível as premissas serem


verdadeiras e sua conclusão ser falsa.

63
Capítulo 3

Será que o segundo argumento também é válido? Será possível que suas
premissas sejam verdadeiras e sua conclusão, falsa? Ora, sim, isso é plenamente
possível. Imagine que Pedro seja um dentista. Nesse caso, será verdade que
todo médico usa jaleco branco, será verdade que Pedro usa jaleco branco (pois
dentistas usam-no), mas será falso que Pedro é médico. No segundo argumento,
a verdade das premissas não obriga a verdade da conclusão. Assim, o argumento
é inválido, suas premissas não justificam a conclusão.

Essas considerações nos permitem estabelecer um método para avaliar a


validade, que consiste no seguinte:

•• diante de um argumento, imagine as várias maneiras em que suas


premissas poderiam ser verdadeiras;
•• agora se pergunte: em algumas dessas possibilidades, a conclusão
poderia ser falsa? Em caso negativo, o argumento é válido. Em caso
afirmativo, o argumento é inválido, e o que demonstra isso é o fato
de você ter encontrado uma circunstância (ainda que hipotética) em
que as premissas são verdadeiras, e a conclusão, falsa.

Talvez você se pergunte: “E se Pedro fosse médico mesmo, e não um dentista,


o argumento 2 seria válido?”. Ainda assim não seria. Sua conclusão seria
verdadeira, é fato, mas não por consequência das premissas. Alguém que
não conhecesse Pedro, não poderia saber que ele é medico apenas pelo uso
do jaleco branco e que todo médico usa jaleco branco. Essas premissas não
autorizam racionalmente a conclusão de Pedro ser médico.

Um argumento válido é um raciocínio logicamente impecável. Quem conhece as


premissas de um argumento válido pode inferir a conclusão usando apenas seu
raciocínio, sem qualquer informação adicional. Por isso, quem aceita a verdade
das premissas de um argumento válido deve aceitar também sua conclusão. Caso
contrário, estará agindo irracionalmente. Portanto, se você está lendo um texto e
concorda com tudo o que o autor pressupõe, mas rejeita suas conclusões, isso
sinaliza uma de duas coisas: ou o argumento do autor é inválido (nesse caso, tente
imaginar a circunstância em que as premissas podem ser verdadeiras e a conclusão,
falsa), ou você está se recusando, por motivos irracionais, a aceitar a conclusão.

Mas, obviamente, um argumento válido não é racionalmente irresistível por


definição. É que a validade pode estar presente mesmo quando as premissas são
falsas. Mais um exemplo simples:

Todas as venusianas usam sombrinhas claras.


Paloma é venusiana.
Logo, Paloma usa sombrinhas claras.

64
Discurso Filosófico

Esse argumento é válido. Note que ele tem a mesma forma do argumento sobre
o gato Jack, dado acima. Mas ele tem uma premissa falsa, visto que não existem
mulheres em Vênus, portanto, Paloma não pode ser venusiana. A validade
é requisito para um bom argumento, mas não é suficiente. Mesmo que um
argumento seja válido, podemos simplesmente rejeitar a verdade das premissas.
Imagine, por exemplo, que o Jack mencionado no exemplo anterior não seja um
gato, mas um jacaré. Nesse caso, a segunda premissa seria falsa. O argumento
continuaria sendo válido, pois se Jack fosse um gato, a conclusão seria inevitável.
No entanto, poderíamos rejeitar o argumento rejeitando sua segunda premissa:
Jack não é mamífero porque Jack é um jacaré.

Além da validade, outro requisito para um bom argumento é que ele tenha
premissas verdadeiras. Portanto, um bom argumento deve incluir evidências que
demonstrem a veracidade de suas premissas. Quando verdade e validade estão
presentes, dizemos que o argumento é correto.

Um argumento é correto se for válido e, além disso, tiver todas as


premissas verdadeiras.

Certamente a defesa da verdade das premissas pode ser feita pela apresentação
de outros argumentos, produzindo, assim, uma cadeia argumentativa em que
cada argumento tem suas premissas justificadas por argumentos anteriores,
como vimos no exemplo tomado de Rousseau. Mas, é claro, essa cadeia não
pode ser infinita. Em algum momento a argumentação tem de parar, então,
algumas premissas terão de ser aceitas como pressupostos indemonstráveis.
Nesse ponto, esgotam-se os recursos lógicos do autor para defender suas teses
e também os recursos lógicos do leitor para avaliá-las.

Em muitos casos, então, a avaliação da verdade das premissas terá de ser


empírica.

Por exemplo, para saber se Jack é um gato, é preciso vê-lo. Sabemos que
Paloma não é venusiana porque astrônomos, físicos e biólogos não acham
possível haver vida em Vênus. Em textos filosóficos, porém, é comum que
os pressupostos mais básicos não sejam avaliáveis empiricamente. Aí a
avaliação das premissas passa a depender de fatores como obviedade,
plausibilidade, conveniência, fertilidade etc.

Convém destacar que a avaliação da validade de um argumento é bem diferente


da avaliação da sua correção. Para avaliar se um argumento é válido, você não
põe em questão a verdade das premissas. Para a validade, não interessa se, na
realidade, as premissas são verdadeiras ou não. Você assume hipoteticamente a

65
Capítulo 3

verdade das premissas e avalia se, sendo as premissas verdadeiras, a conclusão


também será. Para avaliar a correção, não é assim. Na avaliação da correção, a
verdade factual das premissas é determinante. Para avaliar a correção você deve
pôr em questão a verdade das premissas. O argumento será correto somente
se as premissas forem realmente verdadeiras. É fato que na maioria das vezes
(senão em todas!) jamais será possível estabelecer a verdade cabal de uma
premissa, e teremos que nos contentar apenas com plausibilidade, probabilidade,
ou o que o valha.

Mas validade e correção não são os únicos requisitos para um bom argumento. Um
bom argumento deve ser convincente, e para tal ele deve ser apresentado com
clareza, no estilo adequado para o seu público-alvo, em um contexto conveniente,
enfim. Há várias características desejáveis de um bom argumento que vão para
muito além da lógica. A arte da retórica pode nos dizer mais sobre isso.

Aliás, cumpre esclarecer que dificilmente encontraremos argumentos válidos e


corretos considerando-se exatamente a forma em que estão apresentados nos
textos filosóficos (ou mesmo em textos científicos e de outras áreas). Se nos
ativermos ao pé da letra, veremos que argumentos válidos não são assim tão
comuns. Mas isso nem sempre é um problema, pelo contrário, pode ser uma
vantagem. É que na maior parte das vezes o autor não enuncia explicitamente
todas as premissas, e há boas razões para isso. Primeiro, porque algumas
premissas são óbvias, qualquer leitor atento saberá que elas estão sendo
tacitamente supostas. Além disso, há premissas que, embora não sejam óbvias
por si mesmas, não precisam ser repetidamente enunciadas a todo tempo, visto
o papel fundamental que elas desempenham no conjunto da obra do autor. Em
geral, essas premissas são aqueles pressupostos mais básicos e gerais que
atravessam e caracterizam todo o pensamento daquele autor. Seria maçante
se o autor ficasse repetindo esses princípios o tempo todo, a cada argumento.
Cabe ao leitor, em sua tarefa interpretativa, “completar” os argumentos com as
premissas óbvias e os princípios fundamentais.

Portanto, quando você topar com um argumento que pareça inválido, leve em
conta a possível existência de premissas ocultas. Costuma-se dizer que na
interpretação de qualquer texto argumentativo deve-se sempre adotar o chamado
princípio de caridade, segundo o qual é somente a melhor versão possível de
um argumento que deve ser submetida à avaliação. Então, antes de avaliar um
argumento, fortaleça-o ao máximo, complete-o com as premissas faltantes e
julgue-o dentro do panorama da obra do autor.

Ninguém duvida de que seriam extremamente entediantes os textos se os


autores estivessem preocupados em sempre explicitar todas as premissas
de seus argumentos. Ocultar algumas delas é uma questão de estilo. O texto
fica mais leve, fluente e legível. Mas é claro que ocultar premissas também é

66
Discurso Filosófico

uma estratégia retórica de convencimento, principalmente no que diz respeito


a premissas que podem trazer problemas. É estratégico manter afastados
pressupostos polêmicos, tentar livrar-se deles e, não havendo alternativa, mantê-
los ocultos. Isso nem sempre é intencional, às vezes o autor pode acreditar que
seu argumento realmente não depende de determinada suposição, mas é papel
do leitor crítico apontá-la. Essa é uma forma recorrente de se atacar argumentos
filosóficos: mostrar que o argumento só valeria se fosse suplementado por uma
premissa que é flagrantemente falsa ou inaceitável.

Argumentos desse tipo – que só poderiam ser corrigidos pelo acréscimo de


premissas falsas ou muito duvidosas – são chamados de falácias. É o caso,
por exemplo, do segundo argumento, sobre médicos e jalecos, apresentado
no começo. Aquele argumento é inválido, como já vimos, mas poderia tornar-
se válido se fosse acrescentada a premissa “somente os médicos usam jaleco
branco”. Ocorre que essa premissa é falsa. Aquele argumento é incorrigível. Na
verdade, ele tem a forma de uma falácia muito conhecida, chamada de Afirmação
do Consequente. Vários livros de lógica trazem catálogos das falácias mais
famosas, e vale a pena dar uma olhada nelas, para sabermos tanto detectar
quanto evitar esses erros de raciocínio. As falácias muitas vezes se parecem com
argumentos válidos. Aliás, é daí que vem a sua força enganadora.

Algumas falácias, inclusive, são válidas. Veja, por exemplo, o caso da falácia
da Petição de Princípio, também chamada de Argumento Circular. Nessa
falácia, a conclusão é assumida como premissa do argumento. É claro que,
nesse caso, será impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão
falsa, simplesmente porque a conclusão é uma das premissas. Mas isso não
é vantagem nenhuma, porque ele não demonstrará a conclusão, visto que a
assumiu desde o início. Um exemplo:

Todo homem é mortal.


Logo, todo homem morre.

A circularidade nesse exemplo é óbvia. Mas há casos menos óbvios, como o


seguinte:

A Bíblia é a palavra de Deus.


A palavra de Deus é verdadeira.
Logo, a Bíblia é verdadeira.

O problema aqui está nas evidências das premissas. Como se sabe que a Bíblia
é a palavra de Deus? Ora, responderão os crentes, porque a Bíblia diz isso. Mas
isso é uma petição de princípio. Pois, se temos que nos fiar no que a Bíblia diz
para aceitar a premissa “A Bíblia é a palavra de Deus”, temos antes que aceitar
que a Bíblia é verdadeira. Mas essa não é a conclusão que se quer demonstrar?
Esse argumento não demonstra a verdade da Bíblia, simplesmente porque ele só

67
Capítulo 3

funciona se a verdade da Bíblia é assumida de antemão, como evidência para a


primeira premissa. Você pode encontrar uma lista com explicações e exemplos
de falácias em Carnielli e Epstein (2001).

Antes de concluirmos, ainda queremos mencionar outras duas táticas muito


úteis e comuns na avaliação de um texto argumentativo. Elas podem ser usadas
mesmo que todos os argumentos apresentados pelo autor, quando avaliados
isoladamente, pareçam bons.

A primeira funda-se em avaliar a consistência interna do texto. Em algum


momento, o autor se contradiz? Uma contradição ocorre quando algo é afirmado
e negado ao mesmo tempo, sob as mesmas condições. Bons autores dificilmente
cometerão contradições explícitas. Em geral a contradição, se presente, será
encontrada inferindo-se consequências das teses do autor. Selecionando-se
certos princípios que o autor aceita, pode ser que se derive uma consequência
que é negada pelo autor ou que é negada quando se assume outros princípios
também aceitos pelo autor. Isso caracterizará a presença de uma contradição.
Nenhuma tese contraditória pode ser verdadeira. Mas, mesmo que o texto não
dê ensejo a contradições, vale a pena pensar nas consequências que podem
ser deduzidas dele. Isso porque outra forma de atacar um argumento é mostrar
que, embora ele seja correto, assumindo-se as suas premissas se pode derivar
delas consequências indesejadas. E não há justificativa racional para se aceitar
algumas consequências de um conjunto de princípios e não outras, legitimamente
deduzidas. Assim, mesmo que um argumento pareça bom à primeira vista, ele
pode ter consequências nefastas que não o recomendam.

2.3 Repassando o que foi indicado


Resumindo tudo o que vimos, temos a seguinte receita para uma interpretação
lógica e crítica de um texto filosófico:

•• Comece identificando os argumentos, suas premissas e conclusões,


com atenção especial ao argumento principal, aquele que visa
diretamente a tese central do autor.
•• Pergunte-se se o argumento é válido, isto é, se as premissas de fato
justificam a conclusão.
•• Em caso negativo, antes de dar seu veredicto final, siga o princípio
de caridade: complete o argumento com as premissas óbvias e
com os pressupostos fundamentais do autor, de forma a fortalecer
racionalmente o argumento ao máximo.
•• Se o argumento resistiu até aqui, avalie a verdade ou plausibilidade
de suas premissas. O argumento é correto?

68
Discurso Filosófico

•• Mesmo que o argumento seja válido e tenha premissas verdadeiras,


o argumento ainda pode ser falacioso. Veja se ele não se enquadra
em alguma falácia.
•• Se os argumentos considerados isoladamente resistiram até aqui,
ponha-os em confronto. Eles se contradizem em algum momento?
Seria possível, das mesmas premissas, deduzir consequências
contraditórias?
•• Pode haver consequências das premissas que não sejam
contraditórias, mas que sejam igualmente repulsivas. As
pressuposições assumidas pelo autor dão margem à dedução de
consequências inaceitáveis?

Esses são apenas alguns dos aspectos lógicos que ajudam em uma interpretação
mais profunda de um texto. Mas já são um bom começo.

Seção 3
Como ler um texto de ética filosófica?
Marcos Rohling

Introdução
A importância da obra de Rawls ainda não pode ser corretamente indicada.
No entanto, a dizer do lugar que ocupa nos debates e na literatura produzida
Theory of Justice no âmbito da reflexão sobre a ética e a política
Doravante, usar-se-á contemporâneas, seguramente figurará entre os maiores
TJ para referir-se a
pensadores da história do pensamento ocidental. Nesse
obra Uma Teoria da
Justiça. Trad. Jussara breve texto, indicam-se alguns pontos que devem orientar
Simões São Paulo: a leitura de um texto de ética, principalmente, uma obra
Martins Fontes, 2009. como A Theory of Justice de Rawls.
Rawls
Sobre as principais
correntes da ética
contemporânea,
em termos de um
apanhado geral,
sugere-se o seguinte
livro: BORGES,
DALL’AGNOL &
VOLPATO DUTRA.
Ética. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.

69
Capítulo 3

3.1 Rawls e seu Ensino. Notas da Experiência da Leitura de


Textos em Ética Filosófica: o caso de A Theory of Justice
A experiência de leitura de um texto filosófico nunca é simples, ao modo do senso
comum. E, considerando a experiência da leitura de uma obra do porte e da
envergadura teórica de A Theory of Justice (Uma Teoria da Justiça, publicada
originariamente em 1971), é importante atentar-se para algumas observações, de
modo a se ter precauções.

Com isso em mente, é interessante levar em conta o que o próprio autor pensa
a respeito do seu magistério em ética e filosofia política, partindo-se de TJ.
Numa entrevista, parcialmente reproduzida por Freeman (2007, p. 06-8), numa
das mais completas e respeitáveis exposições do pensamento do filósofo
estadonidense, Rawls fala a respeito de TJ que seu tamanho e escopo, na
verdade, surpreenderam-no, pois imaginava que seu livro teria em torno de 350
páginas. Além disso, após a conclusão e publicação do livro, tinha a pretensão
de escrever a respeito de temas relacionados à terceira parte, que diziam respeito
especialmente aos fins e à psicologia moral que dava suporte a sua teoria da
justiça — a parte que mais gostava. Ainda em relação à questão, num texto
que ainda será publicado — My Teaching (1993) — e que é importante para os
propósitos aqui estabelecidos, Rawls afirma que “A parte do livro que eu sempre
gostei mais foi a terceira, sobre a psicologia moral. A recepção do meu livro, no
entanto, pegou-me de surpresa e eu procurei uma explicação.”

Reconhecendo parcialmente o mérito de sua obra, mas atribuindo o sucesso dela


às exigências e contingências do tempo — Rawls afirma que o impacto da obra
deveu-se principalmente à Guerra do Vietnã e ao estado político e cultural de seu
tempo —, já que havia grande tempo em que obras de tal envergadura não eram
mais frequentemente produzidas, apesar de entender haver algumas — como as
de Berlin, Barry, Hart e Walzer, para indicar as pensadas por Rawls. Estudando
as críticas que seu livro recebeu, especialmente de autores como Arrow, Sen,
Harsanyi, Hart, Nagel, Nozick e Scanlon, para mencionar alguns, pretendeu
fortalecer a ideia da justiça como equidade e satisfazer as suas acusações.

Como se pode apreciar, Rawls é um autor sensível às críticas estabelecidas. Mais


ainda, em relação à compreensão dos autores que leu para a formulação de suas
convicções e perspectivas filosóficas, quer em seu ensino, quer em sua produção
filosófica. Nesse sentido, levando-se em conta o que parece ser fundamental
para o filósofo em seu ensino — o que, de certo modo, encontra-se presente na
precisão e no rigor de TJ —, é primordial ter presente o que o autor considera
essencial na leitura dos pensadores clássicos, em ética, de forma a permitir ver
e refletir sobre a partir de que modo tais textos devem ser lidos. É inegável que
essas qualidades, obviamente, devem inspirar a leitura de TJ. Do seu ensino e da
leitura que fez para realizá-lo, o filósofo afirmou, pois, o seguinte:

70
Discurso Filosófico

[Uma] coisa que eu tentei fazer foi apresentar o pensamento de


cada escritor no que eu considerava ser a sua forma mais forte.
Eu tomei ao coração a observação de Mill em sua resenha de
[Adam] Sedgwick: “Uma doutrina não é julgada em tudo até que
seja julgada em sua melhor forma” (CW: X, 52). Então, eu tentei
fazer exatamente isso. No entanto, [...] não intencionalmente de
qualquer maneira, o que eles deveriam ter dito à mente, mas
o que disseram apoiado pelo o que eu tenho visto como a
interpretação mais razoável de seu texto. O texto teve que ser
conhecido e respeitado, e a doutrina apresentada em sua melhor
forma [...].
Várias máximas me orientaram a fazer isso. Eu sempre assumi,
por exemplo, que os escritores que estávamos estudando
sempre foram muito mais inteligentes do que eu. Se não fossem,
por que eu estaria perdendo o meu tempo e o tempo dos alunos,
estudando-os? Se eu visse um erro em seus argumentos, eu
supunha que também eles tivessem visto e tratado dele, mas
onde? Assim, eu olhei para as suas saídas, não as minhas.
Algumas vezes, as suas saídas foram históricas: em seus dias a
questão não precisaria ser levantada; ou não teria surgido ou sido
proveitosamente discutida. Ou houve uma parte do texto que eu
tinha esquecido, ou não tinha lido.
Nós aprendemos filosofia moral e política, e de fato qualquer
outra parte da filosofia, através do estudo dos exemplares —
aquelas figuras notáveis ​​que fizeram tentativas valiosas — e
tentamos aprender com eles, e se tivermos sorte, para encontrar
uma maneira de ir além deles. (FREEMAN, 2007, p. 06-8)

O que se quer dizer é que, do que Rawls afirma, em relação aos autores que
foram lidos por ele, deve-se procurar guiar-se por tal orientação: sempre procurar
entender mais profundamente o que o autor quer dizer. Ou seja, como um
exemplar, agora, aprendemos a fazer filosofia política e moral, especialmente,
lendo e estudando a prática filosófica de Rawls.

Assim, ler um autor, seja ele clássico ou não, mas, principalmente se ele for a
razão de muitas investigações teóricas, como é o caso de Rawls, e certamente o
é de Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau,
Kant, entre outros, demanda cuidados e prudência: uma leitura deve ser
cautelosa, uma vez que procura entender o que o autor propõe. E, como Rawls
sugere, conforme indicado acima, deve-se ter em vista procurar compreender o
que o autor quis dizer, não de qualquer forma, mas consonante a interpretação
mais razoável de seu texto. Por que isso? Por conta de uma questão de justiça,
coerência e discernimento em relação aos textos que são fundamentais da
cultura de pensamento ocidental. Eles podem inspirar-nos novas formas de
pensar? Podem, mas devem ser lidos e compreendidos em relação às suas mais
fundamentais preocupações, de modo a serem conhecidos e respeitados, assim
como a sua doutrina vista em sua melhor forma.

71
Capítulo 3

Tendo isso em mente, é que se compreendem as máximas basilares do ensino de


Rawls acima indicadas:

(i) assumir que os pensadores/escritores (filósofos) eram inteligentes,


talvez até mais que o leitor;
(ii) se há erro nos argumentos, os mesmos talvez sejam tratados em
outro lugar;
(iii) procurar as respostas do autor no texto dele. Ler o texto com
atenção, observando, ao mesmo tempo, as questões a que
se propõe encontrar respostas e o modo como as obtém, é
absolutamente fundamental para se compreender bem tanto um
autor quanto qualquer livro.

A seguir serão apresentados, de forma introdutória, alguns elementos


estruturantes da obra TJ, de forma que a sua leitura seja facilitada.

3.2 A Estrutura de A Theory of Justice


A Theory of Justice (1971) é uma das obras mais importantes da reflexão
filósofica, nos âmbitos das teorias ética e política contemporâneas. É um livro
substancial, com uma reflexão consistente, dividido em três partes: Teoria,
Instituições e Fins.

Na primeira parte, que abrange quatro capítulos e trinta parágrafos, está o núcleo
da teoria da justiça como equidade – e, por isso mesmo, chamada teoria – e que
toma forma nos conceitos de posição original, véu de ignorância, bens sociais
primários com os quais se obtêm os princípios de justiça, caracterizando
como procedimentalista o esquema de Rawls. Ao ler-se essa parte, deve-se
observar como esses conceitos se articulam. Além disso, tendo presente que a
formulação da justiça é orientada ao estabelecimento de uma teoria da justiça
social, que seja uma alternativa à doutrina utilitarista, é primordial distinguir o seu
objeto: a estrutura básica da sociedade. Trata-se das principais instituições
de uma sociedade, como a constituição política e os principais acordos sociais
e econômicos. O papel da justiça, que é o de governar tais instituições, é
assumido pela teoria da justiça como equidade, da qual o núcleo são os
princípios de justiça. Esses princípios, por sua vez, resultam de acordo obtido
sob circunstâncias muito particulares. Todas essas ideias são bem esclarecidas
ao longo dos primeiros nove parágrafos.

Na segunda parte, por sua vez, que compreende três capítulos e é formada por
29 parágrafos, estão as instituições sociais que requisitam os princípios de
justiça, as quais são aquelas de uma democracia constitucional, formando uma

72
Discurso Filosófico

estrutura básica da sociedade. Evidentemente, a sociedade bem ordenada


caracterizada por Rawls é uma democracia constitucional contemporânea. Assim,
as instituições em questão não podem ser outras que não aquelas pertencentes
ao constitucionalismo: constituição política, soberania, voto, regra da maioria,
entre outras.

Por fim, na terceira parte, que compreende três capítulos e 28 parágrafos, Rawls
desenvolve as bases humanas sobre as quais se assenta a justiça, bem como os
fins a que pretende chegar a justice as fairness. Aqui o autor desenvolve dois
elementos centrais de sua teoria moral, a saber, a concepção de bem e o senso
de justiça. Por meio desse, no lastro de Kant, Rawls argumenta que a justiça
prepondera sobre as concepções de bem individuais, de modo que um acordo
sobre a justiça seja possível.

Essas breves indicações têm por finalidade convidar o leitor claramente ao


desafio que se impõe: a leitura do livro. Inegavelmente, trata-se de uma das
mais importantes e reconhecidas obras de filosofia do século XX, que dialoga
com áreas e temas diversos. Desse modo, fazer filosofia, nesse tempo, significa
relacionar as ideias filosóficas com outras áreas. Aprender tal coisa, como sugere
Rawls, é possível pelos exemplares, e, hoje, Rawls é um desses exemplares.

73
Considerações Finais

Nestas últimas palavras, desejamos reforçar que o processo de leitura filosófica


de um texto é algo que demanda disciplina e tomada de decisões. Um texto não
pode ser lido, filosoficamente, se não tentarmos refazer um percurso dado pelo
autor, procurando, sempre que possível, no próprio texto, identificar as marcas
textuais que propiciam o ir e vir no próprio texto e no contexto dele. Essa é uma
caminhada que apenas começou, cabendo a você estudante/leitor tomar as
dicas que demos e experimentá-las no seu exercício de leitura filosófica. E que
esse exercício não fique apenas na leitura, mas também em outros aspectos
do domínio discursivo filosófico: a escrita e a fala. Com isso, o que lhe foi
apresentado, aqui, são apenas pistas.para seu trabalho investigativo — afinal, não
é possível lhe dar tudo pronto —, por um processo de significação e uso. É este
processo de significação e uso que desenvolverá em você habilidades do domínio
discursivo filosófico — leitura, escrita e fala —. Este processo só você pode fazer,
com a orientação daqueles envolvidos no processo de ensino-aprendizagem
. Porém, reforçamos, a caminhada é sua e, embora você possa ter exemplos,
pistas e companheiros de caminhadas, sem seu trabalho efetivo de exercitar o
que apontamos aqui, não será possível — ou ao menos será bem mais difícil isto
ocorrer — o desenvolvimento das habilidades propostas aqui.

Fica claro que sua tarefa não terminou aqui. Isto é apenas um primeiro passo, e
como ensinou Platão: “O começo é a metade do caminho”.

Professores Carlos Euclides Marques, César Frederico dos Santos, Daniel


Schiochett e Marcos Rohling.

75
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83
Sobre os Professores
Conteudistas
Carlos Euclides Marques
É Bacharel e Licenciado em Filosofia pela UFSC – Universidade Federal de Santa
Catarina (1991-1992), Mestre em Literatura, na área de Teoria Literária (1997), pela
mesma Universidade e graduado em Artes Plásticas pela UDESC – Universidade
do Estado de Santa Catarina (2011). Foi professor substituto no curso de Filosofia
da UFSC entre 1992-1995, 1998-1999, 2008-2010. De 1998 a 2003, trabalhou
na UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, principalmente, com Filosofia da
Educação, no curso de Pedagogia. Teve uma breve passagem, em 1999, pelo
curso de Ciências da Religião (UNISUL), ministrando Filosofia da Educação.
Voltando a esta instituição em 2002, inicialmente, no curso presencial de Filosofia,
onde, entre outros conteúdos, ministrou História da Filosofia Antiga, Medieval e
Contemporânea, Estética e Filosofia na América Latina. Foi orientador de vários
TCC’s e de alguns trabalhos de Iniciação Científica pelo artigo 170. Publicou
artigos no campo da Crítica Literária e da relação Literatura e Filosofia. Para o
curso de Filosofia a distância escreveu, em colaboração com outros autores,
os livros didáticos: História da filosofia II (Unisul, 2008), Filosofia política II
(Unisul, 2010) e Antropologia filosofia (revisado e ampliado por este na edição
de 2011), Filosofia da educação (FAEL, 2013), Ontologia (UNIASSELI, 2013).
Autor, também, do livro didático Discurso Filosófico I (Unisul, 2012). Atualmente,
trabalha com as Unidades de Aprendizagem Filosofia na Grécia Antiga,
Reflexões sobre o homem na Filosofia, Discurso Filosófico I e II no curso de
Filosofia da UnisulVirtual. Além dos livros para esta modalidade, também produziu
Objetos Virtuais de Aprendizagem (OVA) e Webaulas. Está na EaD da Unisul
desde a constituição do curso de Filosofia nesta modalidade.

Contatos: carlos.marques@unisul.br ou hybris@uol.com.br

César Frederico dos Santos


Mestre em Filosofia, área de especialização Epistemologia e Lógica, pelo
Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa
Catarina (2012). Graduado em Sistemas de Informação (2004) e Filosofia (2010)
pela mesma universidade. Atualmente, é professor do Departamento de Filosofia
da Universidade Federal do Maranhão, na área de epistemologia e lógica.
Também faz parte do corpo editorial da revista PERI, dos pós-graduandos do
curso de Filosofia da UFSC. É co-autor do livro didático Ontologia, do curso

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de Filosofia (EaD), da UNIASSELI (2013) e escreveu alguns artigos na área de
Filosofia da Ciência e Lógica.

Contatos: cesarfredericosantos@gmail.com

Daniel Schiochett
Possui graduação em Filosofia pela Unisul (2006), mestrado em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Catarina (2009) e, atualmente (2014), doutorando
do mesmo programa. É membro do corpo editorial do periódico: PERI –
Publicação Eletrônica dos Alunos de Pós-Graduação em Filosofia da UFSC. Já
foi membro de diversas bancas de TCC’s e Monografias de curso de graduação
e aperfeiçoamento. Coautor do livro didático Ontologia, do curso de Filosofia
(EaD), da UNIASSELI (2013). Desenvolve pesquisas na área de Filosofia, com
ênfase em Fenomenologia e Linguagem, atuando, principalmente, nos seguintes
temas: metáfora, homem, compreensão, temporalidade, percepção, corpo.

Contatos: danielschiochett@gmail.com

Marcos Rohling
Graduado em Filosofia, bacharelado e licenciatura, pela Universidade Federal
de Santa Catarina, Bacharelando em Direito pela Unisul (interrompido,
temporariamente), Mestre em Filosofia: Ética e Filosofia Política – PPGFIL /
UFSC, e doutorando em Educação: Sociologia e História da Educação – PPGE
/ UFSC, com um projeto sobre a A Educação e a Justiça Social em Rawls. Na
área de Filosofia, tem interesse principalmente por Filosofia Política, Filosofia
do Direito e Filosofia da Educação, realizando pesquisas, principalmente, em
questões relacionadas aos seguintes temas: direito, direito natural, educação,
formação moral, justiça, justiça social, obediência e obrigações políticas, a partir,
principalmente, dos seguintes autores: Agostinho de Hipona, Cícero, Finnis, Hart,
Locke, Rawls e Tomás de Aquino. Coautor de alguns capítulos do Livro didático
Filosofia Política II (Unisul, 2010).

Contatos: marcos_roh@yahoo.com.br

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