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Com o país em estado de calamidade, naquele sábado, 6 de Junho, a

emergência foi outra, conta ao P3 Patrícia Alves, tradutora de 28 anos,


licenciada em Relações Internacionais. "Tinha que ser", diz, tremendo de
nervosismo. O racismo é um tema que não se pode "dar ao luxo" de não
conhecer, lembra esta portuguesa a quem estão sempre a perguntar de
onde é "verdadeiramente".

"Na altura foi uma emergência tão grande, que se fizéssemos um mês
depois não ia ser igual." Tinham passado quase duas semanas desde
o assassinato de George Floyd nas mãos da polícia norte-americana e
aquelas imagens pediam uma reacção. "Foi um negro que foi morto à
frente de toda a gente", recorda. "Ver uma pessoa a perder a vida ao
segundo foi tão visceral que as pessoas disseram: 'Não, temos de fazer
alguma coisa.'"

Ricardo Ayala, de 40 anos, sentiu a mesma necessidade de sair à rua


naquele sábado. Produtor de eventos, DJ e dono de um tuk-tuk, a
pandemia tirou-lhe todas as fontes de rendimento e obrigou-o a
reinventar-se em quase tudo menos na luta contra o racismo. Habituado a
marcar presença nas manifestações, ficou surpreendido por ver tantas
caras novas na manifestação em Lisboa. "Eu não me lembro de ter visto
tantos jovens a manifestarem-se por algo que eles sentem tão bem na
pele", salienta. "Esta manifestação era necessária e vai ser mais vezes
necessária. Foi só mais uma vírgula num grande texto", argumenta.

Ricardo partilhou no Facebook uma imagem da manifestação e desde


então que tem tido muitas discussões acessas com amigos e conhecidos
naquela rede social. Muitos não compreenderam a necessidade da
manifestação em plena pandemia. "Não há um timing para manifestações
sobre direitos que as pessoas têm", explica, acrescentando que as pessoas
tomaram as devidas precauções — usaram máscaras e a organização
distribuiu álcool gel pelos participantes. "Hoje faz um mês da
manifestação, eu estou aqui e não tive covid-19", remata.

No Porto, a estudante Mariana Modesto, de 17 anos, juntou-se pela


primeira vez à causa e diz que se sentiu "em casa", junto de outros
"meninos negros", como ela. E foi a ouvir as histórias deles que se
emocionou. "Há racismo em Portugal. Não só com os pretos mas com
muitas raças. E quem não vê isso, não está na nossa pele. Porque se
estivessem, elas iam sentir mesmo o racismo, não era só ver a outra
pessoa a passar por isso. Era sentir."

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