Arnold Van Gennep - Os Ritos de Passagem (Cap. 1 A 3)

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Conegao ANTROPOLOGIA u Orientasio Editorial Ropero AvoustO oq Marta Low ve Casto Fara FIGHA exraToaRaricA (treparats pelo Centro de Catsogaetonafonte_ do ‘Stnaieato Moclonat ea Editores de Livro Ri) Gam 0» Ritos de pawcgum: eso. sitemAsin dos tos ai porta eda lei da, hospinin, a Tendon ee) arian Por (a| ‘Reborto [8a Matta Paso Dolls, Vooes, 197. 18D, (antropotoes, 1. ‘Do original em froncée: Les rites de passe, Baise 1, Antopstogta socal. 2. Ritos @ cerintnins — Aspecies sors 1. io, U. Benes cov — Sits OS RITOS DE PASSAGEM ARNOLD VAN GENNEP Estudo sistemético dos ritos da porta e da soletre, da hospitalidade, da adocéo, gravidez e parto, nascimento, infancia, puberdade, Iniclagéo, ordenagao, coroacdo, noivado, casamento, funerals, estapées, etc. Tradugdo MARIANO FERREIRA Apresentagao ROBERTO DA MATTA y Perrérouis EDITORA VOZES LTDA. 1978 PREFACIO As descrigies detalhadas © 03 trabalhos mon eferentes 108 Mos migico-religiosos acumularam-se nestes ultimos anos em_nimero fiuito grande. Parece, portanto, oportuno tentar uma classificagao de otdo. com os progressos da heeides. Julgued que x se verd, encont em 5 cerimonias, Mas. nilo Piarece que até agora tenha sido percebido seu vineulo intimo € razio We ser, nem que se haja compreendido o motivo das semelhancas entre fies. Sobrctudo, io tinka sido mostrado 0 motive pelo qual sto exe- fiilados de acordn com determinada ordem, Tendo de tratar de assunto tio vasto, a dificuldade consistia em fio nos deixarmas pelos materiais, $6 utilize) uma reduzida Porgio dos que reuni, de preterencia rocorrendo as mais recente: \das_monogeatias, remetendo na malaria das vezes, no que se re fe sobretudo a parte relativa as referencias bibliogré- ogias comiparativas. Do conttério, cada capitulo ‘que minlia demonstracéo € Zo aplicando o Esquema ide estude ada, quase 5, isto €, dos ritos, de fivente, e rogo ao leitor chegar A mesma convic os Ritos mm aos fatos de seu campo pessoa Una parte da substancia do presente llvro foi comm Wii forma de tabela, ao Congresso de Historia das Relig Dalord, em setembro ciltimo, apresentada pelos srs. Sidney Hartland, JO, Frazer e P, Alphandéry Devo agradecer também ao mew editor e amigo, o st. E, Nourry, Moa folcloristas por. um pseudbnimo. Interessou-se lo erescimento deste volume, comunicourme documentos e deume a fturd-lo a mew gosto, Assim, o editor foi nele vitima pelo menos, espero que a vitima do leitor, Wverdace de re bio e do amigo. AY.G. Cama, dezembro de 1908 Capitulo I CLASSIFICACAO DOS RITOS © mundo profano © © mundo sagrado. — As tapas da vida individual. — O estudo dos A escola animista e a escola do io. — A escola dinamista, — Classifieagao dos ritos: animistas ou dinamistas, simpaticos ou de contigio, positivos ou negativos, diretos ou indiretos. —O esquema dos Fitos de passagem. — A nogio de sagrado, — Religito ¢ magia, Toda sociedade geral contém varias sociedades especiats, que fo tanto mais auténomas e possuem contornos tanto mais de- finidos quanto menor o grau de civilizagio em que se encontra A Sociedade geral, Em nossas sociedades modemnas sé hd sepa- Fagdo um pouco nitida entre a sociedade leiga e a sociedade ro- ligiosa, entre o profano e 0 sagrado, Desde o Renascimento as felagdes entre estas duas sociedades especiais, no interior das mages ¢ dos Estados, sofreram toda espécie de oscilacdes. Ora, fsta divisio € encontrada em todos os Estados da Europa, de tal maneira que as sociedades Ieigas, de um lado, e as sociedades feligiosas, de outro, ligam-se entre si separadamente por suas bases essenciais, Assim também a nobreza, as finangas, a classe operdria passam através das nagdes e dos Estados sem levar em conta, ao menos teoricamente, as fronteiras. Cada uma dessas ca~ egorias contém por sua vez categorias de menor amplitude, grande hobreza e fidalguia provinciana, grande e pequena finanga, pro- fissBes, oficios diversos. Para passar de uma delas a qualquer das utras, para passar de camponés a operario e mesmo de servente de pedreiro a pedreiro, € preciso satisfazer certas condi¢Bes que fentretanto t8m de comum assentarem somente em wma baee ceo nomica ou intelectual. Em vez disso, para_o individuo que € leigo tornar-se sacerdote, ou inversamente, € preciso executar Gtrimonias, isto € atos de um_géncro especial, ligados a_uma certa tendencia de sensibilidade e a determinada orientac4o mental, Entre o mundo profano e 0 mundo sagrado ha incompatibilidade, (fal_ponto que a passageim eum ao oiltro nao pode ser feita fem um estagio intermediario. — A medida que descemos na série das civilizagées, sendo esta Palavra tomada no sentido mais amplo, const dominancia_do_mundo_sagrado_s ficamente tudo, Nascer, parir, cagar, etc., so entio alos que prendem a0 sagrado pela maioria de scus aspectos. Igualmente, obre_o_mundo_profano,_o qual, fas_sociedades menos evoluldas_que conhecemos, engldba” pia. 3e as sociedades especiais so organizadas sobre bases magico-reli, siosas, © a passagem de uma a outra assiime a aparcncia da Passagem especial marcada entre nds por determinados ritos, batismo, ordenacdo, etc. Ainda ai as sociedades especiais permei: varias sociedades gerais, Assim, 0 grupo totémico constitu 1 iam ma mesma unidade através das tribos da Austrdlia, e seus membros consideram-se irmaos, do mesmo modo que todos os padres ca {t6licos, seja qual for o pais em que vivam. O caso das cast 44 € mais complexo, porque a noo de parentesco acrescenta: tas “se uma especialidade profissional. Se em nossas sociedades a so- ii lariedade sexual & reduzida 20 minimo tedrico, civilizados desempenha consideravel separacio dos sexos nas questoes bretudo magico-r papel em conseqiiéacia econdmicas, politicas e entre os semi- da so osas. A familia constitui também entre eles luma unidade fundada em bases ora mais esireitas ora mais largas do que entre nds, mas em todo caso rigorosamente delimitad Toda ‘ribo, quer faca, ow nfo, parte de uma uni mais vasta tendendo para a aco, possui uma in idualidai as, lade polftica de, cuja rigidez pode ser bem compreendida pelo conhecimento dag cidades gregas. Finalmente, a todas esias formas de geupamento aerescenta-se mais. uma, ferimo-nos ao grupamento das geracées ou classes de idades, que nfo tem equivalente entre nds, Re- A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra © de tuma ocupasto a outra. Nos lugares em que as idades sao sepa- radas, ¢ também as ocupacées, esta passagem é acompanhada por atos_especiais, oficios a-aprendizagem, e que entre os semiciv em cerimOnias, porque entre cles nenhum ato ¢ absolutan dependente do sagrado, Toda_alteragéo na_situagio_de_ui i_agdes_¢ reagdes entre 0 profano eo sagrado, a 9 aches ¢ reagdes que devem_ ser regulamentadas e vigiadas, a Que, por exemplo, constituem, para os nossos addos consistem nite Ine in- im de_a s0ciedade geral_nao_sofret_nenbum-constrangimento or da. \g. Eo proprio fato de-viver qué exige as passagens sidessivas de uma sociedade especial_a outra e de_uma siluagin social a vita, de tal modo que a vida wdidbal soot 8 cessio-de tapas, tendo par lemniao e oman eae 26 nidade, progressiio de classe, especializagio de ocupacdo, morte, cada_um desses conjuntos acham-se felacionadas_cerimOnias jo objeto ¢ identico, fazer passar um individuo de uma situago Herminada a outra situagio igualmente determinada, Sendo o 0 © CBee, & ds fede aeceaan GHEE Te Sejam pelo menos analogos, quando ndo se mostram idénticos Mos delathes. Aliés 0 individu moditicou-se, porque tem atvae de si varias clapas e atravessou diversas fronteiras, Dai a se~ methanga geral das ceriménias do nascimento, da infancia, da pus berdade social, noivado, casamento, gravidez, paternidade, Ciago nas sociedades religiosas e funerais. Além do mais, nem 9 individuo nem a sociedade so independentes da natureza, do Universo, 0 qual também esta submetido a ritmos que afetam a ida humana, Também no universo hd elapas e momentos de pas. gen, marchas pare adlane « esligtas de Teste ornare Suspensao. Por isso, devemos_associar_as_cerimOnias_de_passa- ess ssncs is gut ae reese ne pe Seater de anaes ao cae exemplo), de uma esiago_a outra, (solsticios, equinécios), de. um ano ao outro (Dia do Ano Novo, etc.) | Parsce-me, porlanio, racial agropar das colen cerindniae de acordo com um esquema, cuja elaboraco detalhada, entretan. to, é ainda impossivel. Com efcito, se o estudo dos ritos nestes Bien aoe tex grandes progreme ears are dt net em todo os casos sua razdo de ser e seu mecanismo, com bas- Be eteeai acs pucee bach Tapuiaies a ee tegorias. O pri ponto obtido foi a distincao entre duas classes de ritos: 1°) os ritos simpaticos *; 2°) os ritos de contégio, Os ritos simpaticos sio aqueles que se fundam na crenga da agao de semelhante sobre o semelhante, do contrario sobre o €ontrério, do continente sobre o conteiido e reciprocamente, da arte sobre o todo e reciprocamente, do simulacro sobre 0 objeto BG ae nt oirasrvceecte cage nee Postos em evidéncia por E. Tylor* e estudados em varias de suas formas por A. Lang’, E. Clodd*, E. Sidney Hartland’, ete.; na Franca, por A. Reville’, L. Marillier', etc.; na Alemanha, por Liebrecht*, R. Andree’, Th. Koch", F. Schulze", ete.; na Ho- Janda, por Tiele™, A. Wilken, A.C. Kruijt, ete.; na Belgica, Por E. Monseur ", A. de Cock; nos Estados Unidos, por Brinton “, etc. E um fato Surpreendente, entretanto, que a escola animista do tenha claborado uma rigorosa classificagio das crengas.¢ Fitos por ela delimitados e que as obras dos sabios dessa escola 27 v v Sejam menos ensaios de sistematizacao do que coletaneas de pa- talelos, considerados isoladamente de seus ambientes e no com telagao as seqiiéncias rituais, Deve-se ver nisso, sem divida, a influéncia de A. Bastian que, tendo encontrado na juventude 0 Voelkergedanke, manteve-se fie] a este conceito até o final de sua Tonga carreira. Esta influencia encontra-se na base da Civilizagdo Primitiva de Tylor, obra que durante cerca de trinta anos serviu de moldura para todos os tipos de pesquisas complementares, sobretudo na Rissia, Uma orientagdo diferente surgin com Mannhardt™, que per- maneceu ignorado até que seu continuador J. G. Frazer" mostrou © partido que se podia tirar dessa nova orientagdo, Mannhardt © Frazer por sua vez fizeram escola, tendo Robertson Smith contribuido para ela com um novo fildo, 0 estudo do santificado, do sagrado, do puro e do impuro. Esta escola compreende, entre Outros sabios, Sidney Hartland", E. Crawley", A.B, Cook", Miss E. Harrison, B. Jevons"* na Inglaterra; A. Dieterich, K. ‘Th. Preuss “* na Alemanha; Salomon Reinach", Hubert e Mauss na Franga; Hoffmann-Krayer™ na Suica, etc. De fato, as escolas de Bastian e Tylor, de um lado, e de Mannhardt, Robertson Smith € Frazer, de outro, ligam-se estreitamente entre si. No entanto, nascia uma escola nova, a escola dinamista, R. R. Marett na Inglaterra e J. N. B. Hewitt" nos Estados Unidos fomaram claramente posi¢o contra a teoria animista, mostraram @ insutici¢ncia dela, j4 entrevista por Tiele (polizoismo, ou poli- Zoolatrismo™), e fundaram a teoria dinamista, que foi em seguida desenvolvida por K. Th. Preuss na Alemanha", por L. R. Farell, A. C. Haddon™ e Sidney Hartland" na’ Inglaterra, Hubert e Mauss", A. van Gennep* na Franga, etc., teoria que “fecruta hoje em dia cada vez um nimero maior de adeptos, Esta dupla corrente permitiu verificar que ao lado dos titos simpaticos e dos ritos de base animista existem grupos de itos de base dinamista (impessoal) ¢ ritos de contigio, Estes ultimos fundam-se na materialidade ¢ na transmissibilidade, por contato ou a distancia, das qualidades naturais ou adquitidas. Os ritos simpéticos nao sio necessariamente animistas, nem os ritos do contdgio necessariamente dinamistas. Encontram-se af quatro ca- fegorias independentes umas das outras, mas que foram grupa- das aos pares por duas escolas que estudavam os fendmenos magico-religiosos de um ponto de vista diferente, Além disso, um rito pode agir direta ou indiretamente, Enten- deremos como rito direto aquele que possui uma virtude eficiente 28 imediata, sem intervengto de um agente autonomo, por exemplo imprecagao, 0 feitigo, ete. Ao contrério, o rito indireto é uma espécie de choque inicial, que poe em movimento uma poténcia auténoma ou personificada, ou uma série inteira de poténcias desta ordem, por exemplo, um demdnio ou uma classe de djins, ou uma divindade, que atuam em proveito de quem realizou © tito, voto, oragao, cultos, no sentido comum da palavra, etc, O efeito do rito direto & automatico, e do rito indireto faz-se por agio de retorno. Os ritos indiretos nao sio necessariamente ani- mistas. Ao esfregar uma flecha contra determinada pedra, o ine digena do centro da Austrilia carrega-a da poténcia magica cha- mada arungquiltha, e ao atirar na diregao do inimigo, quando 4 flecha cai, a arungquiltha segue a tangente e fere o inimi A forca transmitiu-se portanto por meio de um veiculo € dinamista, de contagio, indireto, Finalmenie, & possivel distinguir ainda ritos positives, que sfio Goligses traduzidas em ato, e ritos negativos. Estes sao habitual mente chamados fabus. O tabu & uma proibigéo, uma ordem de 4nio fazers, de endo agir». Psicologicamente corresponde nilo- vontade [nolonté. N. do T.), assim como o tito posi res ontade [volonté. N. do T.], isto & traduz, também ele, ra_de querer, € um ato_e nfo a negagio de um_ato. viver no consiste no continuo nao-agir, assim também © tabu no pode constituir por si so um ritual, e menos ai uma magia." Neste sentido e tabu néo € autnomo. S6 a medida em que € a contrapartida dos ritos positivos. Noutras Palavras, todo rito negativo tem individualidade prépria se 0 considerarmos isoladamente, mas o tabu em geral s6 pode ser compreendido com relacdo aos ritos , passou ao largo da interpretacdo natural, embora tena escrito, a propdsito da soleira de bronze na Grécia: cencontramos ai um sinénimo arcaico do limite exterior do dominio espiritual>. De maneira mais precisa € possivel dizer que a porta 6 o limite entre o mundo estrangeiro 0 mundo doméstico, quando se trata de uma habitagao comum, entre 0 mundo profano e 0 mundo sagrado, no caso de um templo.** Assim, eatravessar a soleira» significa ingressar em um fmuido novo. Tal 6 TmolWvo que confore a esee ato” Grande Te portancia nas cerimOnias do casamento, da adogao, da ordenagao € dos funerais, Nao insisto mais aqui sobre os ritos de passagem da porta porque serio encontrados outros exemplos descritos nos capitulos seguintes, Observaremos que os ritos realizados na_prépria_so- Ieira so ritos de mar Como rito de separagio do meio cr Si ae Wee Teachas <4 peoooa cc lata, ob tarps, tc), em seguida ritos de agregacdo (apresentagao do sal, re feigdo em comum, etc.). Os ritos da soleira nao sio_por_conse- guinte ritos ede alianca> propriamente ditos, mas ritos de_pre~ paracio para a alianga, os quais so procedidas por ritos de Preparacao para a margem. Proponho, por conseguinte, denominar ritos prefiminares os ritos de separacdo do mundo anterior, ritos liminares os ritos executados durante o estégio de margem e ritos pds-liminares os ritos de agregago ao novo mundo. © pértico nudimentar da Africa muito provavelmente & a forma inicial dos pérticos isolados, que tomaram no Extremo Oriente t40 grande desenvolvimento”, pois ai se tornaram nfo somente montimentos independentes, com valor arquitetural proprio (pdr- ticos das divindades, dos’ imperadores, das viiivas, ctc.), mas também, pelo menos ‘no xintoismo e no taoismo, sao utilizados como instrumentos cerimoniais (ver os ritos da ‘infancia), Esta mesma evolugdo, do pértico magico ao monumento, parece ter sido a do arco do triunfo romano, devendo o triunfador primei- 37 4 | ramente, gragas a wina série de ritos, separar-se do mundo inimigo para poder voltar, a0 passar por baixo do arco, para 0 mundo Pomano, sendo neste caso o rito de agregaqao ¢ sacrit Jupiter Capitolino e as divindades proteloras da cidade. ‘MG aqui o portico ital atuow diretamente, Mas, em outros casos, ntle s¢ focalizam divindades especiais. Estas , juntando neste caso 0 ito verbal ao ito manual. Observe-se Gue em geral unicamente a porta principal, quer porque foi con- Sagrada por um rio especial quer porque est orientada em uma direcdo favordvel, 6 sede de ritos de entrada ¢ de saida. As ot aborturas ni sma m entre 0 es. (sub ‘lizagées diferentes cla nossa) em_entrarem por outro lugar endo pela porla, Dai o costume de fazer sait Por aliver pela porta trascira ou pela jancla, assim como o costume de nao deixar entrar e sair a mulher durante a gravidex fou 0 perfodo das regras seno por uma porta secundria, também de nfo fazer penetrar o cadaver do animal sagrado a nao ser pela janela ou por uma brecha, etc. Estes ritos tem por objetivo nfo poluir uma passagem que deve permanecer livre,

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