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O Desenvolvimento Do Conceito de Metacon PDF
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2, 181-190 O
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar o desenvolvimento do conceito de metacontingência. Identificou-se três
reformulações subseqüentes à idéia primeiramente apresentada por Sigrid Glenn no artigo Metacontingencies in
Walden II, de 1986: 1) ênfase no processo seletivo do entrelaçamento de muitos operantes e, conseqüentemente, na
transmissão de padrões comportamentais através do tempo; 2) a descrição das funções de diferentes efeitos ambientais
produzidos pelo entrelaçamento; e 3) diferenciação entre processos de variação e seleção que ocorrem em nível
individual (relações de macrocontingência) e processos de variação e seleção que ocorrem em nível cultural (relações
de metacontingência).
Palavras-chave: seleção por conseqüências, metacontingência, contingências comportamentais entrelaçadas,
produto agregado, macrocontingência.
ABSTRACT
This article describes the development of the concept of metacontingency. Three further complementations of
Glenn’s original proposal in 1986 are identified: 1) emphasis on the selective process of many interlocking behavioral
contingencies and on the transmission of behavior patterns through time; 2) the description of different environment
effects produced by a set of interlocking behavior contingencies and 3) a distinction between processes of variation
and selection occurring at individual level of analysis (macrocontingencies) and processes of variation and selection
occurring at cultural level of analysis (metacontingencies).
Key words: selection by consequence, metacontingency, interlocking behavioral contingencies, aggregated
product, macrocontingency.
Endereço para correspondência com os autores: Ricardo Corrêa Martone, e-mail rcmartone@gmail.com; e João Claudio Todorov, e-mail todorov@unb.br.
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a abertura política, iniciada pelo governo do pecificados empiricamente. Por exemplo, o nú-
General Geisel, abandonou-se paulatinamente mero de crianças que podem ler com um certo
o uso da força que impunha governos sem legi- nível de proficiência é o resultado das práticas edu-
timidade popular. Todorov sugeriu que as con- cacionais. A quantidade de leite disponível para se
tingências que envolviam o comportamento beber é o resultado de práticas de criação e das
político começavam a se alterar, tornando pos- fábricas de laticínios. O número de crianças nasci-
síveis grandes manifestações como o movimen- das é o resultado das práticas de controle de sexo e
to pelas eleições diretas, conhecido como “Di- nascimento. A relação funcional entre as práticas
retas Já”, que mobilizou milhões de pessoas em culturais e seus produtos retroage às culturas por meio
todo país - políticos, artistas, cantores e cida- do processo de seleção. (p. 168, ênfase nossa)
dãos comuns - e amplos setores da sociedade
civil organizada – entidades de defesa dos di- Além do entrelaçamento de contingênci-
reitos humanos, sindicatos e entidades repre- as operantes, o elemento crítico enfatizado pela
sentantes de classes profissionais. Pode-se no- autora é a ação seletiva do ambiente externo
tar, na análise realizada por Todorov, que a arti- sobre o entrelaçamento, possibilitando a
culação dos comportamentos de pessoas de vá- recorrência da relação entre um conjunto de
rios setores da sociedade teria possibilitado a contingências comportamentais entrelaçadas e
passagem do poder militar para um poder ci- seu efeito agregado (ver Figura 2).
vil. Todavia, tal articulação não pode ser consi-
derada como unidade funcional que se propa-
ga através do tempo, uma vez que o efeito
ambiental produzido por ela (a saída dos mili-
tares) ocorreu uma única vez, impossibilitando
assim a incidência do processo seletivo sobre a
articulação dos vários setores sociais responsá-
veis pela mudança de poder.
Figura 2. Representação de uma metacontingência e seus
componentes, onde contingências comportamentais
PRIMEIRA COMPLEMENTAÇÃO (1988): ÊNFASE NO entrelaçadas (A) produzem um produto agregado (B)
selecionador do entrelaçamento, permitindo assim a
PROCESSO SELETIVO DO ENTRELAÇAMENTO DE recorrência deste entrelaçamento (C).
MUITOS OPERANTES
A prática cultural associada à alfabetiza-
A ênfase no processo seletivo do entrela- ção é um dos exemplos fornecidos por Glenn
çamento de muitos operantes foi dada em (1988). Tal prática envolveria o entrelaçamen-
1988. Glenn (1988) afirma que to dos comportamentos de grande número de
metacontingência é: pessoas. Muitas delas, entretanto, nunca entra-
ram ou entrarão em contato direto umas com
(...) a unidade de análise que circunscreve uma as outras. Para Glenn, o comportamento de cada
prática cultural, em todas as suas variações, e o participante é mantido por contingências in-
efeito agregado de todas as atuais variações. Os dividuais, as quais, tomadas em conjunto, cons-
efeitos das práticas culturais devem, claro, ser es- tituem a própria prática cultural. Os elemen-
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tos constituintes das contingências ver demanda pelos seus produtos. (Glenn &
comportamentais entrelaçadas envolvem o com- Malott, 2004, p. 100)
portamento dos professores que ensinam os alu-
nos a ler, o comportamento dos alunos de ler, o O elemento adicionado pelas autoras nes-
comportamento dos planejadores do material ta segunda complementação é o que elas deno-
didático utilizado para alfabetização, o compor- minam de “sistema receptor” (Glenn & Malott,
tamento dos dirigentes educacionais e as polí- 2004). Da mesma forma como ocorre com o
ticas educacionais planejadas por eles e tantos reforçamento do comportamento individual, o
outros que, quando articulados, produzem de- ambiente externo às contingências fornece con-
terminado índice de crianças alfabetizadas. A seqüências que poderão selecionar ou não o con-
recorrência do entrelaçamento do comporta- junto de contingências comportamentais
mento de todos esses agentes e a sobrevivência entrelaçadas em questão (ver Figura 3).
da prática cultural dependerá da eficiência da
alfabetização (por exemplo, maior número de
pessoas alfabetizadas).
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comportamento de muitas pessoas: o garçom é uma macrocontingência. Este termo indica uma
anotar os pedidos dos clientes, o chefe de cozi- relação entre o comportamento de muitas pesso-
nha dar instruções sobre o preparo da comida, o as e o produto agregado daquele comportamen-
cozinheiro prepará-la e colocá-la de forma que o to. Isto não significa que o produto funcione
garçom possa pegá-la e levá-la até o cliente. Neste como uma conseqüência que mantém o com-
caso, os comportamentos dos indivíduos estão portamento constituinte da prática. (Malott &
relacionados uns aos outros e organizados em Glenn, 2006, p. 37)
contingências comportamentais entrelaçadas. O
produto agregado destas contingências é a co- Consideremos, por exemplo, uma inter-
mida servida. A linhagem cultural em questão venção cujo objetivo seja alterar as relações
pode ser observada quando da continuidade tem- comportamentais na seguinte
poral da relação entre 1) o entrelaçamento de macrocontingência: dirigir alcoolizado produz
todos os comportamentos envolvidos na prepa- alto índice de acidentes e mortes (Malott &
ração da comida; 2) o produto agregado, a pró- Glenn, 2006). O comportamento que consti-
pria comida; e 3) o comportamento do consu- tui a prática é dirigir sob a influência do álcool.
midor (avaliando positivamente a comida servi- Tal comportamento, então, transforma-se no
da, frequentando o restaurante). alvo de intervenção, pois todo indivíduo que
apresentá-lo será afetado pelas ações planejadas
TERCEIRA COMPLEMENTAÇÃO (2006): para coibi-lo. A conseqüência comportamental
METACONTINGÊNCIAS E MACROCONTINGÊNCIAS (pesadas multas, por exemplo) poderá ser exa-
tamente a mesma a todos que se engajarem em
Malott & Glenn (2006) avançaram ain- tal comportamento. Uma vez que um produto
da mais quando diferenciaram processos seleti- agregado (diminuição de acidentes e mortes em
vos que ocorrem em nível individual (relações uma comunidade) determine o sucesso ou fra-
de macrocontingência) de processos seletivos casso da intervenção, pode-se considerar tal in-
que ocorrem em nível cultural (relações de tervenção como cultural1. Entretanto, as auto-
metacontingência). ras esclarecem:
Quando as linhagens operantes de um número Devido ao fato da prática cultural não ser coesa
de pessoas são suficientemente similares em for- como um todo, mas sim um grupo de comporta-
ma ou produto, tais linhagens podem ser deno- mentos funcionalmente não relacionados, a sele-
minadas uma prática cultural. Se o comporta- ção da prática não deve ocorrer. Ou seja, o pro-
mento que constitui uma prática cultural tem duto agregado de todos os motoristas alcoolizados
um produto que afeta outras pessoas, então, o na comunidade não pode servir como uma con-
produto agregado do comportamento pode tor- seqüência funcional para a prática e, mesmo se
nar-se um problema social. (...) A relação entre as pudesse, o lócus de mudança no comportamen-
linhagens operantes de todas as pessoas que par- to que constitui a prática são as linhagens
ticipam da prática cultural e o produto agregado operantes dos organismos individuais. As linha-
1 Intervenções, para serem denominadas “culturais”, sempre requerem mudanças no comportamento de mais de uma pessoa. Entretanto, segundo Malott
& Glenn (2006), “não é o número de pessoas, cujo comportamento é alvo, que define uma intervenção como cultural ou comportamental, mas sim, se o
produto de interesse dos experimentadores (ou de qualquer outro) for o resultado do comportamento de uma ou mais pessoas.” (p. 34-35)
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gens individuais de várias pessoas podem ser contram, na noção de metacontingência, ins-
selecionadas por contingências operantes, mas elas trumental teórico para a descrição de relações
devem ser modificadas uma a uma como o resul- comportamentais complexas que envolvem:
tado de contingências locais aplicadas sobre o comportamentos de muitos indivíduos, os re-
comportamento relevante. (Malott & Glenn, sultados ambientais da interação desses indiví-
2006, p. 37) duos e a transmissão de padrões
comportamentais através do tempo. A identifi-
Nesse caso, o comportamento de moto- cação das três reformulações propostas desde o
ristas de dirigir sob influência do álcool não pode artigo seminal de 1986 permite que olhemos
ser considerado uma unidade funcional única, para questões culturais com a abrangência que
passível de ser selecionada e propagada como um a área exige, pois tais reformulações refletem
todo. A prática cultural em questão congrega tentativa de refinar o instrumental teórico da
comportamentos funcionalmente e topografica- análise do comportamento no sentido de fazer
mente semelhantes que não precisam, necessa- com que essa ciência seja capaz de abranger,
riamente, estar relacionados uns aos outros. descrever e explicar cada vez mais dimensões
Embora a intervenção apresente caráter cultu- do complexo ambiente de seres humanos.
ral, o lócus de mudança ainda é o comporta-
mento individual. Não estaríamos, neste caso, REFERÊNCIAS
diante de relações que se caracterizem como re-
lações de metacontingência, uma vez que os com- Andery. M. A. (1999). O modelo de seleção por conse-
portamentos dos indivíduos que compõem a qüências e a subjetividade. Em R. A. Banaco (Org.),
prática não estão entrelaçados (ver Figura 4). Sobre comportamento e cognição: Aspectos metodológicos
e de formação em análise do comportamento e terapia
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Andery, M. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. (1999).
O conceito de metacontingências: Afinal, a velha
contingência de reforçamento é suficiente? Em R.
A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição:
Aspectos metodológicos e de formação em análise do com-
Figura 4. Representação de uma macrocontingência e seus
componentes. Os comportamentos dos indivíduos 1, 2 e 3 portamento e terapia cognitivista (pp. 106-116).
apresentam topografia e função semelhantes. Tomados em Santo André: ARBytes.
conjunto (uma prática cultural), tais comportamentos
produzem o problema social. Após a intervenção cultural Andery, M. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. (2005). A
(representada pela chave) o comportamento de cada análise de fenômenos sociais: Esboçando uma pro-
indivíduo é modificado, contribuindo assim para a
mudança da prática cultural. posta para a identificação de contingências
entrelaçadas e metacontingências. Em J. C. Todorov,
CONCLUSÃO R. C. Martone, & M. B. Moreira (Org.),
Metacontingências: Comportamento, cultura e socie-
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