Personagens Felizmente Ha Luar

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Gomes Freire de Andrade

É um homem instruído, letrado, um «estrangeirado», símbolo da integridade de


carácter, da recusa da tirania em defesa dos ideais de justiça e liberdade. É também o
símbolo da modernidade e do progresso, já que adepto das novas ideias liberais.
A sua mitificação pelo povo, que vê nele a personificação do esclarecimento, do
inconformismo corajoso e da esperança na luta contra a repressão e o terror, vai
torná-lo num homem incómodo, subversivo e perigoso para o poder instituído.
É assumido como uma ameaça à autoridade dos governadores, gerando ódios e
desejos mesquinhos de vingança (21-22,71), seja pela sua lúcida integridade moral,
seja pela sua argúcia excepcional de militar, ou até mesmo pela admiração
incontestável que lhe dedica o povo.
Inteligente, lúcido, capaz de ver para além da hipocrisia dos poderosos (95), mas
humilde e discreto, já que nunca se serviu do seu estatuto para influenciar o povo.
A prova da sua inocência está na imagem que dele dá Matilde: uma conduta moral
irrepreensível (83), uma coragem inabalável que o faz lutar até à morte (132), o seu
sacrifício injusto, como o de Cristo.
Matilde
Amante, esposa e «companheira de todas as horas» do general, exprime
romanticamente o amor (85, 132) que a faz acreditar no sentido da sua vida (92) e a
ajuda a manter a esperança de o marido conseguir vencer a vilania da morte a que foi
sujeito.
É o símbolo da sensibilidade feminina, que se revela no desespero da perda (97,
116, 130), no sofrimento de quem ama e se vê despojado do ser que o completa (120).
O seu grito alucinado de desespero representa a necessidade de reaver o homem que
o destino tornou seu (94)
Reage violentamente perante o ódio e as injustiças, desmascarando o interesse
mesquinho, a hipocrisia, a traição, a manipulação perversa do poder (93, 94, 95).
Revela uma inteligência subtil e uma grande capacidade de argumentação, capaz de
desarmar os falsos valores dos governantes (124-126).
Corajosa, assume-se como a voz da consciência dos governantes (88), obrigando-
os a enfrentar os seus actos de cobardia (118, 128-129). O seu discurso final é uma
resposta provocatória à violência da sociedade e um anúncio de esperança numa nova
era (136-137).
Profundamente humana (101), luta sempre pelos ideais que aprendeu a defender
junto do marido, sejam eles o da sinceridade, o da caridade, ou o da revolta e da
indignação perante a prepotência dos poderosos (90-92), destacando-se pela sua
excepcionalidade num mundo de ganância e hipocrisia (85).
António de Sousa Falcão
Símbolo da impotência perante o despotismo dos governadores.
A sua lealdade a Gomes Freire e Matilde é revelada na profunda admiração (89),
no apoio incondicional que lhes dedica (115), acompanhando a esposa do general na
angustiosa tentativa de o libertar (116-117), não poupando elogios à conduta do
homem corajoso com quem partilhara sonhos e ideais (110, 136-137).
O seu sentido crítico fá-lo duvidar da justiça dos governantes e revoltar-se contra a
indignidade do tratamento dado ao general durante a sua prisão (111-112).
Perante o exemplo de coragem do general, chega a reconhecer a sua cobardia e a
inutilidade da sua luta (136-137), embora não se contenha e chegue mesmo a pôr em
risco a sua vida ao insultar D. Miguel (119)
O destino do amigo fá-lo encontrar-se consigo próprio, a «rever-se por dentro», o
que altera a sua concepção do mundo e das coisas (89, 137).
Os Governadores
Os três elementos que compõem o Conselho de Regência representam o poder
político e todas as suas manipulações para manter uma autoridade continuamente
ameaçada, porque ilegítima. São eles os chefes da conspiração, pois escolhem alguém
que «valha a pena crucificar», mesmo sem provas concretas. Embora se aproximem no
carácter vil e mesquinho, cada um deles simboliza diferentes interesses e invoca
diferentes razões para a morte de Gomes Freire (42)
D. Miguel
É o protótipo do pequeno tirano, inseguro e arrogante, simbolizando a decadência
do país que governa, minado pela hipocrisia e pela mesquinhez. O seu espírito
decrépito e caduco impedem o progresso, já que acredita fanaticamente na
manutenção de um governo absolutista e numa sociedade perfeitamente estratificada
(69).
De carácter megalómano e prepotente, revela o seu calculismo político, a sua
ambição desmedida e um egoísmo arrogante, no exercício do poder (60-61, 65-66).
Desprovido de integridade moral e corrupto, personifica a injustiça, a traição,
aliada à vingança (43), pois vê na popular figura do primo uma ameaça ao seu prestígio
e poder, condenando-o sem escrúpulos 70-71).
Frio, desumano, é a «personificação da mediocridade consciente e rancorosa. A
sua crueldade revela-se perante a execução de Gomes Freire, que será exemplo para
os que ousem desafiá-lo (131).
Principal Sousa
Representa o poder eclesiástico dogmático, fanático, persecutório e repressivo
(69), que se deixa corromper, aliando-se perversamente aos interesses políticos.
De carácter mesquinho e vingativo, diz odiar os franceses, os principais
responsáveis pelo clima de revolta que agita o reino (39-40), e justifica a condenação
de Gomes Freire por um desagravo cometido sobre um familiar (68, 72), embora tente
dissimulá-la sob a forma de um acto de defesa do reino, apenas para manter a sua
consciência tranquila (40, 67, 74).
A sua cobardia impede-o de manter uma discussão séria com Beresford, embora
não esconda a sua animosidade pelo inglês (41, 59).
Hipócrita, o seu discurso religioso é continuamente deturpado em função dos seus
interesses (36), e recorre a um tom falsamente paternalista e compreensivo (38,121),
embora a sua falsidade e infâmia sejam desmascaradas por Matilde.
Beresford
Representa o poder calculista e o interesse material, que fazem dele um
mercenário astuto e arrogante (58, 59)
De carácter trocista e mordaz, não esconde o seu desprezo pelo país onde é
obrigado a viver, não desperdiçando qualquer oportunidade para ridicularizar a sua
pequenez e provincianismo (55-57) e até para provocar o principal Sousa de forma
irónica, porque representante de um catolicismo caduco (41, 54)
Reconhecendo ser alvo do desprezo do povo, procura a todo o custo salvaguardar
o seu posto de militar, participando activamente no processo de condenação do
homem que poria em risco a sua carreira, o seu prestígio e os seus privilégios (63-64).
Embora sorria da corrupção generalizada que domina o país, serve-se da denúncia
para manter o seu estatuto (44, 68-69
O seu cinismo e a sua arrogante crueldade revelam-se na humilhação a que sujeita
Matilde, quando esta lhe pede a vida do marido (93-94, 99).
Vicente
Símbolo da falsidade, da ambição e do oportunismo (103), defende o valor do
dinheiro e do poder como forma de ascender socialmente (25), ainda que o faça pela
traição e pela denúncia (30-32). Hipócrita, tenta dissimular a indignidade dos seus
actos através do serviço a el-rei e à Pátria (39).
Servil e materialista, procura, através da astúcia e da adulação, conquistar a
simpatia dos governadores, mesmo que tenha de trair os da sua classe (34, 38).
A imoralidade e mesquinhez do seu carácter insinuam-se no seu discurso
demagógico e provocador, que revela a sua revolta e desprezo por uma classe na qual
se recusa a inserir (26-27). É um homem frustrado por ter nascido pobre e movido pela
inveja e pelo ressentimento.
Reveste-se de um falso humanismo e de uma solidariedade duvidosa para
fomentar a ira popular contra Gomes Freire (21-22). 
Andrade Corvo / Morais Sarmento
Tal como Vicente, representam o grupo dos delatores, que colaboram com o
regime visando o lucro pessoal (44, 47). A falta de escrúpulos e de valores éticos (43), a
ganância e a preguiça, justificam a denúncia do general e a traição aos valores que
defendem, nomeadamente os ideais maçónicos e o seu pretenso patriotismo (46, 48-
50).
O seu carácter cobarde enuncia-se no modo como se apresentam perante os
governadores, «embuçados», e a adulação é também a forma usada para cair nas
graças dos poderosos (64).
Manuel
O mais consciente dos populares» é também a voz da denúncia crítica
continuamente silenciada (16), da ironia abafada pela repressão contínua das forças
policiais (77).
Representa metaforicamente o povo português condenado a uma existência
ignóbil, coexistindo com a miséria, a fome, a opressão, desanimado e impotente para
alterar o seu destino (16, 78, 105-106).
O conformismo é a alternativa possível perante um governo decadente e fútil, que
garante a sua autoridade através do medo e da violência (105-109). O cansaço de
sobreviver num mundo onde a vida é um vazio é alternado com a profunda
consciência das desigualdades sociais e um tocante respeito pela dor alheia (108-109).
Rita
A solidariedade para com Matilde é marcante (104), pois como mulher
compreende a perda irremediável do amor e da família (82-83). É com comoção que a
beija, depois de lhe entregar a moeda, símbolo da sua cumplicidade (110).
Antigo Soldado
A identidade anónima confirma a simbologia da sua personagem: reconstrói o
percurso militar de Gomes Freire, lembrando o valor da luta pela liberdade, mas é
também a representação do desprezo a que o regime vota os homens que se
sacrificam nos seus exércitos (22).
Também ele personaliza o desalento, o pessimismo e a decepção do povo que vê
adiada a possibilidade de mudança com a prisão do general (80).

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