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bl A mente a aT Lec) PREFACIO DO DALAI-LAMA SUMARIO Prefacio pelo Dalai-Lama Pare I — ALquimia EMOcIONAL ..... 1 A Alquimia Interior. 2 Sébia Compaixao.. 3 As Qualidades Curativas da Plena Consciéncia 4 Um Modelo da Mente ... Parte II — As Cotsas como Parecem SE 5 O Habito Emocional 6 Os Esquemas no Mundo Maior 7 Como Funcionam os Esquemas Pare Tl — Uma Terapia ConsciENTE..... 8 Os Multiplos Empregos da Plena Consciéncia 9 Rompendo a Cadeia 10 Modificando os Hébitos . 11 Trabalhando com as Emogoes 12 Vocé Nao Precisa Acreditar nos Seus Pensamentos 13 Relacionamentos .. il 13 29 43 76 89 91 119 139 157 159 184 201 221 248 - 270 14 O Circulo da Vida.... ) 15. Os Estagios da Cura ........-cesss0ee BIg Parte IV — Arquimta Espiriruat . 335 16 Mudangas de Percepsio... 337 17 Investigando a Mente... 355 18 Reestruturando o Sofrimento ........... 373 19 Possa a Confusio Despontar como Sabedori 389 RECURSOS ..... 411 BSOTAS:.o-s:o-secesser 413 AGRADECIMENTOS 417 Prefacio pelo Dalai-Lama lhe desejamos a felicidade ¢ nao queremos 0 softimento. Como o pro- pésito da vida ¢ ser feliz, é importante descobrir 0 que acarretard 0 maior grau de felicidade. A nossa experiéncia, quer aprazivel ou desagradé- yel, é mental ou fisica. Geralmente, é a mente que exerce sobre nés a maior influéncia. Por conseguinte, tentar alcangar a tranqiiilidade mental é algo extremamente valioso. Embora 0 progresso material seja importante para o desenvolvimento humano, se prestarmos uma atengio excessiva as coisas externas, em detri- mento do desenvolvimento interior, o desequilfbrio nos causar4 problemas. A paz interior é a chave: através dela seremos capazes de ser calmos e légicos ao lidar com as situagbes. Sem a paz interior, por mais confortdvel que nossa vida possa ser, sob o aspecto material, ainda ficaremos preocupados, pertur- bados ou infelizes em decorréncia das circunstancias. Quando estamos trangiiilos interiormente, podemos ficar em paz. com aqueles que nos cercam. Quando nossa comunidade se encontra em um esta- do de paz, podemos compartilhar essa paz com as comunidades vizinhas ¢ assim por diante. Quando sentimos amor e bondade com relagao aos outros, nao so apenas eles que se sentem amados e protegidos; nés também desen- volvemos a felicidade e a paz interiores. Na qualidade de budista, aprendi que o que mais agita nossa paz inte- rior é 0 que chamamos de emoges perturbadoras. Todos os pensamentos, emogées ¢ eyentos mentais que refletem um estado mental negativo ou in- compassivo debilitam nossa experiéncia de paz interior. Todos os pensamen- tos e emocées negativos como 0 ddio, a raiva, o orgulho, a luxiria, a ganan- cia, a inveja ¢ assim por diante tém 0 efeito de perturbar nosso equilibrio interior. Como resultado, eles sobrecarregam nossa satide fisica. No sistema medico tibetano, os disttirbios mentais ¢ emocionais hd muito so considera- dos causas de intimeras doencas constitucionais, inclusive o cancer. No Oci- dente, cientistas e profissionais da area de satide estao cada vez mais compar- tilhando esse ponto de vista. As emogées perturbadoras so a origem da conduta nao ética. Elas tam- bém sao a base da ansiedade, depressdo, confusio ¢ do estresse, que tanto caracterizam a vida de hoje em dia. No entanto, como freqiientemente dei- xamos de reconhecer 0 potencial destrutivo dessas emogées, nao percebemos a necessidade de desafid-las. Neste livro, Alguimia Emocional, Tara Bennett-Goleman oferece um método destinado a acalmar a mente ¢ libert4-la das emogoes perturbadoras: a aplicacao pritica da plena consciéncia na esfera da emogao. Baseada na experiéncia pessoal, ela reuniu insights e métodos da ciéncia cognitiva ¢ cere- bral, da psicoterapia, da psicologia budista e da pratica da plena consciéncia. ‘Tara Bennett-Goleman mostra as pessoas como podem usar a plena conscién- cia para afrouxar 0 dominio dos habitos mentais e emocionais que as impe- dem de serem felizes. ‘Um grande mestre tibetano de treinamento mental comentou certa vez que uma das qualidades mais maravilhosas da mente é sua capacidade de poder ser transformada. Oferego minhas preces para que os leitores deste livto que ponham em pratica o conselho que ele encerra sejam realmente capazes de transformar sua mente, superar suas emogoes perturbadoras e al- cangar a sensacao de paz interior. Nao apenas eles serao mais felizes, como sem ditvida irao contribuir para a maior felicidade do mundo como um todo. Sete K ( fb eo: Santidade O Delai-Lama 3 de junho de 2000 ALQUIMIA EMOCIONAL 1 A ALQUIMIA INTERIOR whe we ae a a janela do meu quarto de hotel descortino o Big Ben, uma presenga altaneira, clegante, cetcada pela paisagem do rio, densas nuvens e a silhueta irregular do horizonte. © Big Ben é uma grandiosa obra de arquite- tura, mas meus olhos sao mais atraidos pela amplitude do firmamento ¢ a expansio do tio, @ O panorama que se abre acima e abaixo da impecével severidade do Big Ben encerra um resplendor de campanarios e pontes que ocupam a visio central da minha jancla. Noto como minha mente, & primei- ra vista, assimila a amplitude do céu repleto de nuvens, bem como a confor- tante expansao do rio abaixo, como um suntuoso quadro a dleo pintado por um artista do inicio do século, ou como um instantaneo tio perfeito quanto um cartio-postal. @ No entanto, ao fazer um exame mais cuidadoso, com uma atengio ininterrupta, percebo que a reprodugao imédvel dessa cena, que se assemelha a uma fotografia, se dissolve em um remoinho de constante movimento, uma sétie continua de mintisculos movimentos que se somam a uma imagem enormemente alterada. Mintisculas mudangas sucessivas tém lugar na forma das nuvens A medida que estas deslizam pelo céu, abrindo por vyezes buracos através dos quais a luz do sol se detrama sobre a paisagem, transformando sombras em trechos iluminados. Edificios, ruas e brilhantes 6nibus vermelhos reluzem translticidos enquanto momentaneamente se ba- nham na luminosidade. O cenério diante de mim reluz com energia cinética. © Eo mesmo ocorre com a nossa paisagem interior. Essa mudanca na minha percepsfo reflete o funcionamento da mente: a tendéncia a suport que se 13 Atquimin EMOCIONAL captou tudo 2 primeira vista, a seguir apressada sem um exame mais detalha- do, eo fato por vezes surpreendente de que, se continuarmos a olhar com mais atencAo, existe sempre algo mais a ser descoberto além das suposigées iniciais. Com excessiva freqiiéncia aceitamos nossas primeiras impress6es, as conclusées de um primeiro olhar apressado, como a eterna verdade do mo- mento. @ Masse continuamos a olhar e observar, tomamos consciéncia de maio- res detalhes ¢ nuangas, de modificagdes, de uma segunda reflexao ¢ muito mais. ‘Conseguimos ver as coisas mais como clas realmente sao, em vez de como clas parecem ser. Podemos trazer para o momento uma interpretacao mais precisa. Se sustentamos o olhar interior, por vezes nossa investigacdo consegue detectar as mascaras que vestimos. No entanto, se continuamos a olhar, po- demos ver de que maneira os padrées de dor mantém no lugar as mAscaras, € se continuamos a pesquisar ainda mais, conseguimos inclusive perceber esses padrées se modificarem e se rearrumarem. Vemos de que modo a maneira como reagimos As nossas emogoes pode nos manter afastados de nds mesmos. E se sustentamos 0 foco, permitindo a nés mesmos uma abertura mais sincera, nossa percepcAo se aprofunda ainda mais, clucidando ¢ dissolvendo, soltando as camadas & medida que expandimos nossa exploragao. Comegamos a entrar em contato com partes mais genuinas de nés mesmos, inicialmente apenas de relance. Depois, 4 medida que sustentamos 0 olhar, estabelecemos uma cone- x40 com uma fonte que derrama percepgao em cada camada do nosso ser. Este livro pretende fazer com que nos vejamos como realmente somos, € ndo como parecemos ser & primeira vista através dos filtros das nossas supo- sigGes e padrées emocionais habituais. Vamos explorar de que modo, através da pratica da plena consciéncia — um método destinado a treinar a mente a expandir a amplitude da percepgao ao mesmo tempo que aputa sua preci- sao —, podemos transcender a maneira limitada como nos vemos. Aprende- remos a nos separar dos habitos emocionais que debilitam nossa vida e nossos relacionamentos. Vamos descobrir de que forma uma plena consciéncia pre- cisa € capaz de investigar esses habitos emocionais, gerando uma clareza in- tuitiva que nos permite distinguir entre o aparente e o real. Os Poderes da Plena Consciéncia @ Ja presenciei o poder dessa distingao na vida dos meus clientes. Certa cliente era obcecada pela auto- Ph A A.quimia INTERIOR recriminagao quando achava que nao tinha feito alguma coisa suficientemente bem. Embora fosse muito bem-sucedida na profissio, ela era seu maior critico. Ela me contou, por exemplo, o seguinte: “Semana passada tive que fazer uma aptesentacdo muito importante — muitas pessoas, cujas opinides realmente sao importantes para mim, iriam estar presentes. Preparei-me entao mais do que de costume e achei que tinha me saido muito bem. Quando a apresentagio tetminou, muitos dos presentes vieram me cumprimentar, mas um deles disse: “Voc foi incrivel, mas acho que poderia ter sido um pouco mais breve.’ Foi o que bastou, Nos tiltimos dias s6 tenho conseguido pensar nisso, ou seja, em como eu me estendi demais. Acordo no meio da noite pensando nisso.” Esse nfo foi um evento isolado. A sensagao de que ela nunca fazia as coisas bem o suficiente a perseguia — no trabalho, no casamento, quando cuidava dos filhos e até quando cozinhava. Era uma preocupagao constante que prejudicava seus relacionamentos mais intimos ¢ transformava qualquer desafio, por menor que fosse, em uma ocasido para cla se sentir insegura ou se ctiticar. Una investigacao mais sistemética levou-a a perceber que na esséncia dessa preocupacao havia um padro emocional oculto, a profunda convicgio de que, por melhor que ela fizesse alguma coisa, esta nunca estaria 4 altura dos seus clevados padrées, impossfveis de serem atingidos. Essa convicgao errénea, além de os indicios de como era de fato competente no que fazia, a levava a ser dura storcer suas percepgdes, fazendo com que ela nao notasse demais consigo mesma, a ponto de se prejudicar por nao ter tempo para os prazetes importantes da vida. A plena consciéncia nos ajuda a identificar es- ses padrdes emocionais ocultos, trazendo-os a luz da percep¢do para que pos- samos comecat a nos libertar do seu dominio. Certo casal tinha brigas que ameagavam o relacionamento deles. Uma percep¢io consciente mutua permitiu que eles detectassem os padroes ocul- tos que faziam com que tivessem repetidamente a mesma discusséo, Sempre que cla comegava a se sentir insegura a respeito do afeto dele por ela, ela ficava carente. Ele achava que cla o estava controlando e¢ se recolhia com taiva, Eis o resultado: uma violenta briga. Depois de se acalmarem, ao exami- narem de perto 0 ocorrido, ambos foram capazes de perceber que o recolhi- mento raivoso dele e 0 apego ansioso dela cram reagdes emocionais a uma realidade simbélica subjacente. ALuimia EMOCIONAL As brigas constantes do casal, quando examinadas mais de perto, pouco tinham aver com a situacéo existente ¢ muito a ver com o significado simbé- lico do que havia acontecido: 0 medo dele de ser controlado e a excessiva sensibilidade dela aos indicios de rejei¢ao decorrentes do sentimento profun- do de estar sofrendo uma caréncia emocional. Ao comecarem a ter 0 controle da situagao, os dois aprenderam a identificar essas reagdes emocionais habi- tuais, 0 que possibilitou ao casal evitar brigas ¢ se comunicar com mais habilidade. Uma mulher profundamente dedicada a meditagao ¢ que havia apren- dido a atenuar a dor dos sentimentos de separacdo que a acompanhavam a vida inteira percebeu que ficava ainda mais obcecada por esses sentimentos quando meditava em um centro de retiro. Ela disse 0 seguinte: “Nossa loucu- fa nos acompanha no caminho espiritual.” No entanto, o fato de ela aprender a encarar essas reagGes emocionais aparentemente intransponiyeis como trans- parentes e tempordrias permitiu que as usasse como combustivel para sua pré- tica, aprofundando a compaixéo que sentia por si mesma ¢ pelos outros. Essa transformagao tem inicio quando ajustamos o foco das lentes do nosso condicionamento para podermos ver as coisas com mais clareza, como elas realmente sao. Vocé poderd perguntar aos seus botGes: quem sou eu, se nao sou meu padrao costumciro de suposicées ¢ autodefinig6es? Esta per- gunta pode ser feita a partir de uma perspectiva tanto psicolégica quanto espiritual — um proceso de descoberta interior que, espero, sera inspirado por este livro, A Metéfora da Alquimia @ “Cada coisa precisa se transformar em algo melhor e alcangar um novo destino”, escreve Paulo Coelho em seu ro- mance O Alquimista. Paulo Coelho descreve o mundo como o aspecto vistvel de Deus ¢ considera que existem em agao forgas espirituais invisiveis que Permanecem amplamente desconhecidas para nés. A alquimia tem lugar quando o plano espiritual entra em contato com o plano material. Um cliente, que me presenteou com o livro de Paulo Coelho, me disse © seguinte: “Isso me faz lembrar o trabalho que fazemos juntos.” Com efeito, a alquimia ofetece uma metéfora adequada para o proceso que estarei des- crevendo nas paginas que se seguem. 16 A Atquiria InTeRIon Os alquimistas, segundo a lenda, procuravam a pedra filosofal para trans- mutar chumbo em ouro. No entanto, o chumbo ¢ 0 ouro, na escola de alqui- mia mais filos6fica, eram metéforas para estados interiore: alquimista era de transformagao psicolégica ¢ espiritual. Os alquimistas com- preenderam que 0 mistério que tentavam resolver nao era extrinseco e sim intrinseco & psique. Algumas escolas de alquimia comparam nosso estado mental ordindrio a um pedaco de carvao e a clara percep¢ao a um diamante. No mundo mate- tial, parece nao haver um contraste maior do que aquele entre 0 carvao € 0 diamante; no entanto, os dois s40 apenas resultado de uma disposicao dife- rente de moléculas idénticas de carbono. Assim como um diamante é carvao transformado, também a clara percepgao pode surgir da nossa confusio. © que me intriga a respeito da metéfora da alquimia nfo é 0 ouro — : a disciplina do uma meta grandiosa — e sim a importancia que ela atribui ao proceso da transformagao, Certo cliente meu, um acupunturista que estudou medicina chinesa, me disse que a palavra “alquimia” descreve, melhor do que qualquer outra, 0 proceso da integracao da plena consciéncia com o trabalho emocio- nal: “Alquimia significa aceitar todas as coisas que estio no caldeirio sem tentar rejeité-las ou corrigi-las, ou seja, perceber que até mesmo os elementos negativos fazem parte do aprendizado e da cura.” Plena consciéncia significa ver as coisas como elas sao, sem tentar modi- ficd-las. A idéia é dissolver nossas redgées 4s emogoes perturbadoras, tendo o cuidado de nao rejeitar 2 emogao em si, A plena consciéncia pode mudar a maneira como percebemos ¢ nos relacionamos com os nossos estados men- tais; cla nao os elimina necessariamente. O calor do sol que dissolve a umidade das nuvens — a alquimia da natureza — reproduz o calor da plena consciéncia que derrete as nuvens emo- Cionais que cobrem nossa natureza interior. Os efeitos desses periodos de clareza intuitiva podem ser efémeros ¢ transitérios, durando apenas até a for- magio da nuvem emocional seguinte. No entanto, reacender repetidamente essa percep¢io — aplicé-la a essas nuvens interiores, deixando que ela pene- tre € dissolva a névoa que permeia a nossa mente — pratica essa que podemos aprender a sustentar. Acredito que através das ferramentas adequadas de percepcio todos te- mos o potencial de ser alquimistas interiores, com a habilidade natural de a esséncia da pratica, aa: ALQuinia ENOCIONAL transformar nossos momentos de confusao em clareza intuitiva. Pouco a pou- co: 8 medida que praticarmos essa técnica em nossos sentimentos inquieran- tes, seremos capazes de compreender suas causas. Em sua grande maioria, esses insights sao psicolégicos, especialmente no inicio. No entanto, se dermos seguimento ao processo, poderemos ob- ter insights do funcionamento da mente que podem ser espiritualmente liberadores. E como se nossa vida encerrasse dois niveis de realidade: um dominado por padroes emocionais profundamente arraigados ¢ outro livre de padres condicionados. A plena consciéncia nos oferece um alivio desse condicionamento. A alquimia emocional deixa espaco para a possibilidade de que nosso atordoamento e agitacdo possam se converter em clareza intuitiva. Nyanapo- nika Thera, um monge budista, diz: “Praticamente em toda situacao nociva existe a possibilidade de uma metamorfose através da qual 0 indesejavel pode ser transformado no desejavel.”! ‘Aalquimia emocional encerra um judé simples porém engenhoso: abra- car todas as experiéncias como parte de um caminho de transformagao tor- nando-as 0 foco da plena consciéncia. Em vez de encarar a perturbagao e a agitagéo como uma distracio, compreenda que elas também podem se tornar © alvo de uma atengao penetrante. “Dessa maneira”, observa Nyanaponika, “os inimigos se transformam em amigos, porque todos esses disttirbios ¢ for- Gas antagdnicas se tornam nossos mestres.” Refinando a Percepcao @ A fisica nos diz 0 que acontece quando a umidade se acumula e as nuvens adquirem uma densidade tal que, inicial- mente, o sol nao consegue penetré-las para evaporar a umidade. A principio, aluz literalmente faz saltar as goticulas de dgua, cada uma um pequeno espe- Iho esfético, espalhando a luz em todas as diregdes. Mas, 4 medida que a presenga constante do sol aquece as goticulas que formam a nuvem, a umida- de lentamente comeca a evaporar. Finalmente, as nuvens se dissipam. Esse proceso pode ser comparado & alquimia emocional — a trans- formagio de um estado emocional denso ¢ confuso em uma transparéncia ¢ leveza de ser. A plena consciéncia, uma percepsao refinada, representa 0 fogo nessa alquimia interior. Mais uma vez, isso nao significa que a neblina A ALQUIMIA INTERIOR mental ir4 desaparecer sempre que nos conscientizarmos dela, mas podemos mudara maneira como percebemos ¢ nos relacionamos com os diversos esta- dos mentais que encontramos. A plena consciéncia é uma percepcao meditativa que cultiva a capacida- de de ver as coisas exatamente como elas so a cada momento. Normalmen- te, nossa atengao se move sem controle, levada aqui e ali por pensamentos aleatérios, lembrangas fugazes, fantasias cativantes, fragmentos de coisas que vimos, ouvimos ou de algum modo percebemos. A plena consciéncia, a0 contrario, é uma atengo que resiste a distragdes ¢ permanece constante nos movimentos da mente. Em vez de ser arrastada e capturada por um pensa- mento ou sentimento, a plena consciéncia observa uniformemente os pen- samentos ¢ sentimentos enquanto eles yém e vao. A plena consciéncia, basicamente, impde uma nova maneira de prestar atengao, uma forma de expandir a amplitude da percep¢ao ao mesmo tempo que refina sua precisao. Nesse treinamento mental, aprendemos a abandonar 08 pensamentos e sentimentos que nos afastam do momento presente e fixar a percepeAo na nossa experiéncia imediata. Se a distrago engendra a agitacio emocional, a habilidade de sustentar 0 olhar, continuar a observar, pode pro- porcionar uma maior clareza e 0 insight. A plena consciéncia tem origem em um antigo sistema de psicologia budista, pouco conhecida no Ocidente, ¢ que ainda hoje oferece uma inter- pretaco sofisticada das emoges dolorosas que saboram nossa felicidade. Essa psicologia oferece uma abordagem cientifica ao trabalho interior, uma teoria da mente da qual qualquer pessoa, budista ou nao-budista, pode extrair insi- ghts ¢ beneficios. Quando empregamos essa abordagem, enfatizamos mais nossa ligacao com a clareza ¢ a satide da mente em si do que os problemas da nossa vida. Quando conseguimos fazer isso, nossos problemas se tornam mais faceis de serem trabalhados, transformando-se em oportunidades em vez de problemas a serem evitados. A psicologia budista sustenta uma perspectiva agradavelmente positiva da natureza humana: nossos problemas emocionais sio vistos como tempo- rarios e superficiais. A énfase recai sobre 0 que est4 certo conosco, um antido- to paraa psicologia ocidental que se fixa no que esté errado conosco. A psico- logia budista reconhece nossas emos es perturbadoras, mas considera que elas cobrem a nossa bondade fundamental como as nuvens cobrem o sol, 29 Axquimi~ EMOCIONAL Nesse sentido, nossos momentos mais negros ¢ sentimentos mais inquietan- tes representam uma oportunidade para descobrirmos nossa sabedoria natu- ral, se optarmos por usd-los dessa maneira. A plena consciéncia nos possibilita mergulhar mais profundamente no momento, perceber sutilezas mais refinadas, do que a atenc’o ordindria. Nesse sentido, a plena consciéncia gera uma atengio “sdbia”, um espago claro que emerge quando aquictamos a mente. Ela nos torna mais receptivos ao sussur- ro da nossa sabedoria intuitiva. A Sintese da Alquimia Emocional @ Através do meu trabalho interior pessoal, bem como da minha atividade como psicoterapeuta e apre- sentadora de semindrios, descobri que a combinagao da percepgao consciente com a investigagio psicoldgica gera uma maneira poderosa de penetrarmos as emog6es densas. Constatei que essa percepgao meditativa pode nos con- duzira um entendimento extraordinariamente sutil dos nossos padrdes emo- cionais, capaz de nos ajudar a encontrar formas de elucidar profundas fixa- Ges e habitos destrutivos. Essa sintese recorre a muitas fontes: A psicologia budista ¢ & tradigio da meditacao da plena consciéncia, ao budismo tibetano, & ciéncia cogniti- va € & terapia cognitiva, e 4 neurociéncia. As principais descobertas cientifi- cas por tras da alquimia emocional sao as seguintes: que a plena consciéncia provoca uma transformacio no cérebro, que faz com que as emocGes per- turbadoras se convertam em emogoes positivas, ¢ que o cérebro permanece maledvel ao longo da vida, modificando-se 4 medida que aprendemos a desafiar antigos habitos. A neurociéncia também revela que temos um ponto de escolha crucial — uma fragao de segundo magica — durante 2 qual podemos rejeitar um impulso emocional de autoderrora. Botei em pratica todas essas descobertas. Descobri neste trabalho que existem dois métodos especialmente pode- rosos para detectar e transformar os padrées emocionais: a plena atencio ¢ uma recente adaptagio da terapia cognitiva, denominada esquematerapia, que se concentra no repato de habitos emocionais inadaptados. Esses dois métodos — um antigo e 0 outro moderno — nos fazem perceber habitos emocionais destrutivos, que ¢ 0 primeiro passo em direcao sua cura. ‘3. A ALQuitia INTERIOR Tomar consciéncia desses habitos emocionais é 0 primeiro passo, por- que, a nao ser que possamos captié-los ¢ desafid-los quando so desencadea- dos pelos eventos da nossa vida, cles irao deverminar nossas percepgbes e reag6es, e quanto mais assumirem o comando, com mais freqiiéncia voltario, complicando nossos relacionamentos, nosso trabalho ¢ a maneira mais basica de vermos a nés mesmos. No inicio do meu trabalho como psicoterapeuta, treinei com 0 Dr. Jeffrey Young, fundador do Cognitive Therapy Center de Nova York. Ele estava na ocasiao desenvolyendo a esquematerapia, que se concentra em cu- rar padrées inadaptados, ou esquemas, como a sensagao de caréncia emocio- nal ou o implacdvel perfeccionismo. No meu trabalho com meus clientes de terapia, comecei a combinar a plena consciéncia com a esquematerapia, pois as duas técnicas pareciam atuar juntas poderosa ¢ naturalmente. A esquematerapia nos fornece um mapa claro dos habitos destrutivos. Ela detalha o contorno emocional do medo do abandono, por exemplo, que envolve a constante preocupagao de que nosso parceiro ird nos deixar, ou de sentimentos de vulnerabilidade, como o medo irracional de que um pequeno contratempo no trabalho nos fara perder o emprego e perder a nossa cas: Existem dez esquemas principais (¢ incontaveis variac6es); 2 maioria das pessoas tem um ou dois dos principais, embora muitas tenham, até certo ponto, varios dos outros. Outros esquemas comuns sao a incapacidade de setmos amados, ou seja, o medo de que as pessoas nos rejeitem se realmente nos conhecerem; a desconfianga, ou seja, a constante suspeita de que aqueles que nos cercam irio nos trair; a exclusao social, ou seja, o sentimento de que nao pertencemos a nada; o fracasso, ou seja, a sensagao de que nio somos capazes de ser bem-sucedidos no que fazemos; a subjugacéo, ou seja, 0 fato de sempre cedermos as necessidades e exigéncias das outras pessoas; 0 privilé- gio, ou scja, a sensacao de que somos especiais e que portanto estamos além das regras ¢ limites ordinarios A primeira aplicagao da plena consciéncia € reconhecer em nés um ou mais desses padres. O fato de simplesmente reconhecermos 0 modo pelo qual esses padroes operam na nossa vida jé é util, e 0 prdprio ato de estarmos conscientes enfraquece 0 dominio que eles teriam sobre nés. O caminho entao esté aberto para que usemos as ferramentas da esquematerapia para elucidar ainda mais essas fixagoes destrutivas. ALouimia EMocionat A Aplicacao da Plena Consciéncia @ Vou dar um exemplo de como a plena consciéncia atua como catalisadora na alquimia emocional. Quando comecei a exercer a profissao, uma cliente, que chamarei de Maya, me procurou para que eu a ajudasse em sua batalha contra a colite ulcerativa erénica, Como parte da terapia, apresentei Maya a plena consciéncia, na qual ela jé havia demonstrado interesse, e ela comecou entdo a praticar regular- mente. Desde 1974 que eu pessoalmente jé praticava a plena consciéncia ea usava no meu trabalho com as pessoas que estavam a morte. Eu havia partici- pado de um programa de treinamento intensivo da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, realizado em um hospital, com Jon Kabat- Zinn, que desenvolveu uma inspiradora aplicagao da plena consciéncia para ajudar os pacientes a ficarem curados de disttirbios relacionados com o estresse. Meu trabalho com Maya havia se estendido além da preocupacao dela com a satide, alcancando a Area de questées emocionais mais profundas. A medida que ia observando suas reagbes com plena consciéncia, ela come- gou a reparar que seus ataques estavam associados patticula fazia era suficientemente bom — tinha que ser perfeito. Expandimos entdo o alcance do nosso trabalho conjunto ¢ incluimos a plena consciéncia des- ses padrées. Depois de varios meses, os sintomas de colite gradualmente fee recccan. Nessa ocasido, Maya havia cultivado o habito de permanecer consciente durante os momentos desagradaveis do dia. Ela aplicou a plena conscigncia, a um padrao emocional : um perfeccionismo implacavel, a sensagdo de que nada que ela por exemplo, na sua luta contra a vontade de comer demais; seus excessos com alimentos muito caléticos ¢ gordurosos pouco faziam para melhorar sua colite. Maya entdo decidiu usar o préprio desejo de comer como o foco da sua plena consciéncia. Cada ver que ela sentia o anseio de comet demais, se continha e, em vez de comer, passava a perceber conscientemente todas as sensagdes, pensamentos ¢ sentimentos da sua mente e do seu corpo. Ela ob- servava estreitamente 0 desconforto que sentia no corpo que acompanhava 0 forte desejo de satisfazer seu anscio por comida, © habito de comer demais pode ocultar questées emocionais subjacen- tes. Certo dia, quando Maya estava conscientemente investigando esse dese- jo. de repente percebeu de que modo, em set paroxismo, seu anseio por comida estava na yerdade mascarando sua necessidade de alimento emocio- oo. A ALQUIMIA INTERIOR nal. A medida que sua investigagao consciente desse anseio ia se tornando mais precisa, Maya percebeu que os sentimentos nao estavam na verdade relacionados nem um pouco com a comida, mas que se originavam de uma ansia subjacente de preencher um vazio emocional interior, Sua sensagao de carencia emocional, ou seja, de que nunca obteria amor ou carinho suficiente, era uma questao importante para ela, e estava fazendo com que sentisse um desejo ardente por comida. Esse insight em si foi poderoso, mas Maya persistiu em seus esforcos. A medida que cuidadosamente vivenciava esses pensamentos e sentimentos — observando-os sem se identificar com eles ou julgar asi mesma —, ela os viu enfraquecer ¢ Finalmente sumir. Quando esses impulsos enfraqueceram, seu desejo de comer gradualmente desapareceu. E ao continuar sistematica- mente a praticar sempre que sentia o anscio de comer demais, descobriu dentro de si uma nova forga, pois sua percepcao se tornou mais forte do que seu anscio. Esse fato a libertou € possibilitou que ela encontrasse manciras mais saudaveis de receber o alimento pelo qual verdadeiramente ansiava. A profunda crenca que estava por trés do problema de Maya era que ela nunca conseguiria obter amor ¢ carinho suficientes, que sempre seria emocio- nalmente carente. Essas crengas de autoderrota que nutrimos a respeito de niés mesmnos e do mundo sio altamente carregadas; sempre que algo as desen- cadeia, nossos sentimentos se inflamam e nossa percepgao se torna distorci- da. Elas provocam reagdes exageradas, como a raiva descontrolada, a intensa autocritica, 0 distanciamento emocional ou, no caso de Maya, 0 comer ex- cessivo. Esses padres profundamente arraigados de pensamento, sentimen- toe hébito sio chamados de esquemas inadaptados; irei descrevé-los mais detalhadamente nos Capitulos 4 ¢ 5. Esses h4bitos emocionais funcionam como poderosas lentes sobre a nossa realidade, levando-nos a tomar a apa- réncia das coisas como a realidade delas. O Caminho da Transformacao das Emocdes @ Quando sugeri qué Maya usasse a percep¢ao consciente ao lidar com os sintomas de colite ¢ o comer compulsiyo, eu estava estendendo a plena consciéncia bem além do seu emprego tradicional como meditacao sobre nossas experiéncias habituais, utilizando-a para explorar a esfera das questes emocionais ¢ dos ALquimia EMocioNnaL padres inadaptados. O caso de Maya © outros semelhantes decerminaram um ponto critico no meu trabalho de terapia: eles realgaram o poder da plena consciéncia de ajudar meus clientes a perceber os padroes emocionais sob outros aspectos invisiveis existentes na base do sofrimento deles. Ficou claro para mim que a adigao da plena consciéncia & psicoterapia poderia aumentar enormemente a eficacia do tratamento. Fiquei impressio- nada com 0 avango que se verificava no processo de terapia quando o cliente praticava a plena consciéncia. Através do meu trabalho com os clientes, des- cobri que combinar a percepcao consciente com a investigagao psicoldgica produz uma poderosa ferramenta para o cultivo da sabedoria emocional no dia-a-dia. Grande parte do tempo na psicoterapia tipicamente requer trazer 4 luz da consciéncia a detalhada anatomia dos hébitos emocionais para que pos- sam ser inyestigados, analisados e modificados. No entanto, a plena cons- ciéncia pode tornar qualquer sistema de psicoterapia mais preciso e harméni- co, permitindo que usemos nossa prépria sabedoria no desenvolvimento psi- colégico. Em vez de encarar a terapia ou mesmo o terapeuta como a cura, podemos deslocar nosso foco para as qualidades curativas da nossa sabedoria interior. Esse chamado para o despertar nao precisa ser separado da nossa vida; ele nao precisa ser algo que s6 fazemos em horas isoladas no consultério do terapeuta. Ele pode fazer parte de cada momento da vida ao aplicarmos a plena consciéncia. A plena consciéncia ¢ sinérgica com praticamente qualquer abordagem psicoterdpica e nao apenas com a esquematerapia. Se vocé estiver fazendo psicoterapia, a plena consciéncia oferece uma maneira de vocé cultivar a ca~ pacidade de auto-observacio, que vocé poderé utilizar em qualquer coisa com que-se depare durante o dia. A combinacao da plena consciéncia com a psico- terapia poder ajudé-lo a usar mais plenamente a oportunidade de explora- G40 interior que sua terapia oferece. E claro que voce nao precisa estar fazendo psicoterapia para aplicar a plena consciéncia aos seus padrées de reatividade emocional. Essa aborda- gem também representa um aprendizado na integragao da plena consciéncia com as emogies, trabalho que venho ensinando ha mais de uma década em meus seminirios. Descobri que, ao aplicarem esses métodos, as pessoas de- senyolvem a capacidade de se tornarem mais conscientes, sensiveis e hdbeis A ALQuinia INTERIOR ao lidarem com as reagdes emocionais que as perturbam. Este livro reflete as miiltiplas dimensdes ¢ aplicages da plena consciéncia. Alguns leitores pode- rao encontrar inspiragéo em uma mudanga de perspectiva, sendo levados a yer as coisas de uma nova maneira. Outros poderao ficar intrigados com a emer- gente integragao da ciéncia cognitiva e da neurociéncia com os antigos prin- cfpios da psicologia budista. Algumas pessoas poderio se sentir atraidas pela investigacao psicoldgica de padrdes emocionais habiruais e também pelo tra- balho voltado para a modificacao desses habitos. Outras ainda poderio ser Jeyadas a explorar as intimeras aplicagées da plena consciéncia ou a dimensio espiritual do trabalho com as emogies. Vamos explorar um caminho que toca cada uma dessas dimensdes, ca- minho esse que oferece uma libertagao gradual do dominio das emogées que © budismo chama de emoges aflitivas. No que diz respeito aos sentimentos turbulentos que se agitam dentro de nés, nao estou dizendo que seremos. capazes de transformar nossas confusas emogdes em explicacdes e formulas simples ¢ concisas, mas sim que poderemos realizar uma continua investiga- ao para chegar a pequenas epifanias, insights que vao se acumulando ¢ cres- cendo em direcao a uma clareza maior. Em certo sentido, nossos momentos mais dificeis e sentimentos mais de- sagradaveis representam uma oportunidade para o crescimento espiritual ¢ a descoberta da nossa sabedoria natural, para o despertar — se optarmos por usé- los dessa maneira. Se for este 0 caso, nossos insights mais profundos podem emergir ao trabalharmos, conscientemente, com as nossas dificuldades. Uma forte obsessao ou padrao emocional é como a cena de O Miégico de Ozna qual Dorothy e seus companheiros finalmente chegam a Oz. O Mégico €a presenca poderosa, gigantesca, que os aterroriza — até que o cachorrinho Toto avanga calmamente e puxa a cortina, revelando um velho debrugado so- bre os controles, manipulando a enorme imagem do Magico. As fixagbes emo- Gionais sio exatamente assim — se vocé as enxergar clara e resolutamente como realmente sio, retira o poder delas. Elas deixam de controlar yocé. A confusio desponta como clareza.

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